Wladimir Garotinho: mais para imbatível ou para tigre de papel?

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Tenho publicado neste espaço reflexões de Douglas da Mata a quem nutro muito respeito por sua verve crítica e sacadas que vão muito além de que alguns coleguinhas com diploma de doutor jamais conseguirão ir.  Como um leitor ferrenho de obras complexas e dotado de um olhar que oscila entre o sardônico e o contundente, o Douglas tem em muitos anos tirado o sono de muita gente que teme suas análises e sua sinceridade. Eu, pelo contrário, sempre fui um admirador de sua capacidade analítica e, porque não, do seu jeito extremado de confrontar ideias.

Pois bem, as últimas análises do Douglas da Mata sobre a campanha eleitoral ainda não iniciada apontam para um cenário que deixa pouco espaço para dúvidas em relação ao potencial eleitoral do prefeito Wladimir Garotinho, especialmente em face de uma oposição que carece acima de tudo de um projeto político que além do desejo de ter alguém diferente sentado na cadeira de prefeito.  

Mas se falta um projeto de oposição, isso não quer dizer, em minha modesta opinião, que Wladimir Garotinho deveria sentar sobre os louros da vitória antes do tempo. É que como Jânio Quadros já mostrou para Fernando Henrique Cardoso, ninguém deve sentar antes na cadeira de prefeito antes dos votos serem apurados.

O problema para Wladimir é que ser melhor que Rafael Diniz está longe de ser algo que se possa mostrar como grande coisa. Rafael, como Douglas da Mata já mostrou, foi uma espécie de serial killer de políticas sociais que causou horror até na classe média campista, motivo pelo qual ele não conseguiu chegar ao segundo turno em 2019.  Essa derrota acachapante, se deu apesar dele deter um exército de RPAs, fato que deveria ter garantido, pelo menos, a chance de concorrer com Wladimir na segunda rodada eleitoral.

Além do fato de que ser melhor de que Rafael é pouco, um rápido olhar para a cidade de Campos dos Goytacazes indicará situações horrorosas em áreas diversas como a cultura, esportes, mobilidade urbana, educação e saúde.  Quem olha para o eternamente fechado Palácio da Cultura, para a vexaminosa situação da decrepita sede da Fundação Municipal de Esportes, para a degradante condição das duas rodoviárias do município, para a péssima situação de escolas e hospitais municipais, e para o pífio desempenho do IMTT vai achar que vivemos em um rincão abandonado em que não há dinheiro para nada, quando, de fato, vivemos em um município com orçamento bilionário.

Não posso me esquecer ainda da escandalosa situação dos caríssimos e péssimos serviços prestados pela concessionária Águas do Paraíba que tem sido explicitada pela psicóloga Karoline Barbosa e seus voos de drone por lagoas afogadas em esgoto in natura. Se a oposição usar minimamente a trilha aberta por Karoline e vasculhar os aditivos assinados pela Prefeitura de Campos, sob a batuta de Wladimir ou de sua mãe, a coisa pode ficar, digamos, mal cheirosa para Wladimir, a ponto de contaminar suas chances eleitorais. A situação fica ainda mais problemática quando se observa a dança fingida de resistência aos salgados reajustes anuais de tarifas.

Todo esses detalhes explicitam incompetência e desorganização, algo que já teria corroído completamente as chances de reeleição, tal como ocorreu com Rafael Diniz há quatro anos.  Com isso, o que eu quero dizer que discordo de Douglas da Mata quando ele projeta uma virtual reeleição de Wladimir, mesmo no primeiro turno em outubro.  O problema, e aí eu concordo com Douglas, é que a população de Campos, especialmente a mais pobre, não vai trocar de prefeito sem que haja um projeto claro de melhoria em áreas essenciais como as que eu apontei acima. Então, quanto mais cedo essa discussão for iniciada, melhor para quem quiser seriamente ter uma chance de sair do traço no momento em que os votos forem apurados.

No entanto, o que me parece evidente é que em Campos temos diante de nós uma situação curiosa de um prefeito que tem cara de imbatível, mas pode se revelar um tremendo tigre de papel se um mínimo de esforço organizado for realizado pelos que se dizem de oposição.

Porto do Açu e a ilusão do desenvolvimento: farsas e tragédias de um tigre de papel

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Lendo duas postagens do sempre certeiro professor e pesquisador Roberto Moraes sobre a falta de, digamos, publicidade em torno dos valores astronômicos que estariam sendo gerados pelo Porto do Açu, vi que ele levantou a hipótese de que a parca divulgação em torno dos R$ 21 bilhões de cargas movimentadas em 2023 se deve ao fato de que os operadores estrangeiros do empreendimento iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista não querem chamar atenção sobre a disparidade entre a riqueza gerada e os desastrosos impactos que ocorrem no V Distrito de São João da Barra, sejam sociais, econômicos ou ambientais.

Eu diria que Roberto Moraes aponta para a questão correta, mas eu acrescentaria que a experiência do Porto do Açu e a reafirmação de que esse tipo de empreendimento “enclave” funciona como uma bomba sugadora de recursos e gera efeitos devastadores que nunca são compensados acaba servindo para que haja uma quebra da ilusão de que essas megaestruturas possam alavancar o desenvolvimento econômico de regiões historicamente deprimidas, como é o caso do Norte Fluminense e tantas áreas em que elas estão sendo impostas na América Latina.

A verdade é que graças a todo o conhecimento gerado em torno da desastrosa experiência do Porto do Açu, as tentativas de implantar estruturas semelhantes estão sendo recebidas com a devida resistência pelas comunidades que habitam os locais que estão sendo escolhidos para a construção de homônimas da megaestrutura instalada em São João da Barra.

Esse conhecimento decorre da circulação não apenas de todas as violências cometidas contra agricultores familiares e pescadores artesanais que viviam do que podiam plantar e coletar as suas fontes de sustento nas terras e águas do V Distrito, mas também da incontável quantidade de pesquisas acadêmicas que documentaram e continuam documentando as implicações de se ter esse tipo de empreendimento que se fecha para o entorno para maximizar os lucros dos seus gestores e financiadores.  Essa combinação de resistência de raiz em conjunção com a pesquisa está gerando fortes resistências em outros locais, como bem os casos do Porto Central (ES) e do Porto de Jaconé (RJ).  

Nesse sentido, o Porto do Açu tem um sentido pedagógico, pois ficou evidente que as promessas de desenvolvimento e geração de empregos não passaram de uma ilusão destinada a embaçar consciências e impedir a resistência.

Finalmente, li hoje uma nota apontando que o Porto do Açu contratou um grande escritório de advocacia para reestruturar dívidas no valor de 5,8 bilhões de reais (US$ 1,1 bilhão), lançando duas emissões separadas de debêntures. Essa é outra faceta que é pouco noticiada, provavelmente por mostrar que o gigante pode ser um tigre de papel.