Relatório assinado por mais de 200 cientistas alerta sobre os pontos de não retorno do sistema climático

Documento, coordenado pela Universidade de Exeter, no Reino Unido, em parceria com o Bezos Earth Fund, está sendo apresentado à 28ª Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP28. E pede medidas urgentes para reverter a “trajetória desastrosa” seguida pela humanidade

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O documento destaca que é urgente a eliminação do uso de combustíveis fósseis e a adoção de soluções capazes de zerar o balanço de carbono de origem antrópica para o futuro de bilhões de pessoas (imagem: reprodução)

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP 

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um relatório científico internacional sobre os “pontos de não retorno” do sistema climático está sendo apresentado à 28ª Conferência das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

O Global Tipping Points Report (Relatório Global sobre Pontos de Não Retorno) foi produzido por uma equipe internacional de mais de 200 pesquisadores, coordenada pela University of Exeter, no Reino Unido, em parceria com o Bezos Earth Fund. Entre os signatários está o pesquisador Cristiano Mazur Chiessi, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH-USP).

O relatório é a avaliação mais abrangente sobre o tema já realizada e alerta sobre a “trajetória desastrosa” seguida atualmente pela humanidade. O documento destaca que a urgente eliminação do uso de combustíveis fósseis e a correspondente adoção de soluções capazes de zerar o balanço de carbono de origem antrópica são cruciais para o futuro de bilhões de pessoas.

“Os pontos de não retorno no sistema terrestre representam ameaças de uma magnitude nunca enfrentada pela humanidade”, diz o professorTim Lenton, diretor do Global Systems Institute (GSI) da University of Exeter e coordenador do relatório. “Podem desencadear efeitos dominó devastadores, incluindo a perda de ecossistemas inteiros e da capacidade de cultivo de culturas básicas, com impactos sociais que incluem deslocamentos em massa, instabilidade política e colapso financeiro”, continua.

Transformações qualitativas

“Pontos de não retorno”, ou limiares críticos do sistema climático, ocorrem quando as mudanças se tornam autossustentáveis, levando a transformações qualitativas em seu modo de funcionamento.

Um exemplo é o processo de degradação da Floresta Amazônica. O bioma responde à degradação com a regeneração, mas a degradação pode atingir um tal patamar que, se não for urgentemente interrompida, a floresta tende a chegar, em pouco tempo, a um ponto no qual já não consiga mais se regenerar e manter suas feições próprias. A partir desse limiar crítico, em vez de ser predominantemente uma armazenadora de carbono, a floresta se transformaria em emissora, intensificando o aquecimento global.

Conforme o relatório, “a existência de limiares críticos e a iminência do atingimento de alguns deles concedem a este tema a mais alta importância”.

Com base em uma avaliação de 26 pontos de não retorno negativos, o relatório conclui que “continuar do jeito que está não é mais possível”, com mudanças rápidas na natureza e nas sociedades já acontecendo e outras ainda mais intensas a caminho. Com o aquecimento global na iminência de ultrapassar o patamar crítico de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, pelo menos cinco pontos de não retorno do sistema terrestre podem vir a ocorrer, incluindo o colapso dos grandes mantos de gelo do planeta.

Circulações oceânica e atmosférica

Chiessi é o coautor dos capítulos 1.4 “Tipping points in ocean and atmosphere circulations” (Pontos de não retorno nas circulações oceânica e atmosférica) e 1.5 “Climate tipping point interactions and cascades” (Interações e efeitos cascata dos pontos de não retorno climáticos). Esses capítulos apresentam intrínseca relação com seu projeto de pesquisa “Perspectivas pretéritas sobre limiares críticos do sistema climático: a Floresta Amazônica e a célula de revolvimento meridional do Atlântico, apoiado pela FAPESP.

“A Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico é de especial interesse, pois leva águas superficiais quentes do Atlântico Sul para o Atlântico Norte e traz da porção setentrional para a porção meridional águas profundas e frias. O monitoramento dessa circulação mostra que ela está enfraquecendo e pode ultrapassar seu limiar crítico em um futuro relativamente próximo. Se isso acontecer, uma série de consequências negativas são esperadas, como a diminuição das chuvas sobre o norte da Amazônia e a redução da capacidade de o oceano Austral capturar CO2 da atmosfera”, afirma Chiessi.

Um subtema muito importante tratado pelo pesquisador é o dos efeitos cascata entre diferentes compartimentos do sistema climático que possuem limiares críticos. O efeito cascata ocorre quando um compartimento do sistema que ultrapassou seu ponto de não retorno desestabiliza outro compartimento, que, em consequência, também ultrapassa seu limiar crítico.

“O derretimento das geleiras da Groenlândia, por exemplo, deve causar um substancial enfraquecimento da Célula de Revolvimento Meridional do Atlântico, que, por sua vez, forçará o colapso das florestas tropicais localizadas no norte da América do Sul, da África Equatorial e da Oceania, além do sul da Península Asiática. As reconstituições do clima do passado geológico, que nosso grupo de pesquisa tem realizado, nos mostram claramente que o efeito cascata é uma ocorrência comum e altamente preocupante”, informa Chiessi.

Recomendações

O relatório apresenta seis recomendações-chave: interromper a utilização de combustíveis fósseis e as emissões provenientes de mudanças no uso do solo muito antes de 2050; fortalecer os mecanismos de adaptação e de governança de perdas e danos, reconhecendo as desigualdades existentes entre e dentro das nações; incluir pontos de não retorno no Inventário Climático Global e nas Contribuições Nacionalmente Determinadas; coordenar os esforços políticos para promover pontos de não retorno positivos; convocar uma reunião de cúpula global urgente sobre pontos de não retorno; e aprofundar o conhecimento dos pontos de não retorno.

A equipe de pesquisa apoia convocatórias para um evento especial do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, sobre pontos de não retorno. “O relatório é resultado de um grande esforço de mais de 200 cientistas dedicados ao tema. Ele faz um alerta urgente aos governos e também chama todos os cidadãos e cidadãs para diminuir as emissões de gases do efeito estufa e evitar que limiares críticos negativos sejam atingidos”, resume Chiessi.

O relatório pode ser acessado na íntegra emhttps://global-tipping-points.org/.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Fapesp [Aqui!].

Terra em transe. Pontos de inflexão ecológica podem ocorrer muito mais cedo do que o esperado, segundo estudo

Floresta Amazônica e outros ecossistemas podem entrar em colapso ‘muito em breve’, alertam pesquisadores

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Desmatamento da Amazônia, perto de Santarém, Brasil. Fotografia: Brazil Photos/LightRocket/Getty Images

Por Jonathan Watts Editor de ambiente global, para o “The Guardian”

É provável que o colapso ecológico comece mais cedo do que se acreditava, de acordo com um novo estudo que modela como os pontos de inflexão podem amplificar e acelerar uns aos outros.

Com base nessas descobertas, os autores alertam que mais de um quinto dos ecossistemas em todo o mundo, incluindo a floresta amazônica, correm o risco de sofrer um colapso catastrófico durante a vida humana.

“Isso pode acontecer muito em breve”, disse o professor Simon Willcock, da Rothamsted Research, que co-liderou o estudo. “Poderíamos ser a última geração a ver a Amazônia.”

A pesquisa, publicada na quinta-feira na Nature Sustainability, provavelmente gerará um debate acalorado. Comparada com a ligação há muito estabelecida e conclusivamente comprovada entre os combustíveis fósseis e o aquecimento global, a ciência dos pontos de inflexão e suas interações é relativamente subdesenvolvida.

O principal órgão consultivo científico das Nações Unidas, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, tem sido mais cauteloso. Em seu último relatório, disse que havia uma chance de um ponto de inflexão na Amazônia até o ano de 2100.

No entanto, vários cientistas proeminentes baseados no Brasil, incluindo Carlos Nobre, alertaram que isso pode acontecer muito mais cedo. O novo estudo destaca essa perspectiva alarmante. Ele observa que a maioria dos estudos até agora se concentrou em um fator de destruição, como mudança climática ou desmatamento. Mas quando você combina isso com outras ameaças, como estresse hídrico, degradação e poluição dos rios pela mineração, o colapso ocorre muito mais rapidamente.

O lago Erhai, na China, desabou mais cedo do que a maioria dos observadores esperava. De acordo com Willcock, isso ocorreu porque as projeções foram baseadas em um fator – o escoamento agrícola que estava carregando o sistema de água com excesso de nutrientes – mas outras tensões agravaram e aceleraram essa degradação. Quando a variação climática, a gestão da água e outras formas de poluição foram adicionadas à mistura, o sistema de lagos rapidamente perdeu sua resiliência.

Ao todo, a equipe, composta por cientistas das universidades de Southampton, Sheffield e Bangor, além da Rothamsted Research, analisou dois ecossistemas de lagos e duas florestas, usando modelos de computador com 70.000 ajustes de variáveis. Eles descobriram que até 15% dos colapsos ocorreram como resultado de novas tensões ou eventos extremos, mesmo quando a tensão primária foi mantida em um nível constante. A lição que aprenderam foi que, mesmo que uma parte de um ecossistema seja gerenciada de forma sustentável, novas tensões, como o aquecimento global e eventos climáticos extremos, podem fazer a balança pender para um colapso.

Embora o escopo do estudo seja limitado, os autores disseram que os resultados mostraram a necessidade de os formuladores de políticas agirem com mais urgência.

“Estudos anteriores de pontos críticos ecológicos sugerem custos sociais e econômicos significativos a partir da segunda metade do século XXI. Nossas descobertas sugerem que esses custos podem ocorrer muito mais cedo”, observou o coautor, Prof. John Dearing.

Willcock disse que as descobertas foram “devastadoras”, mas disse que essa abordagem – de análise por meio da dinâmica do sistema – também tem um potencial positivo porque mostra que pequenas mudanças em um sistema podem ter grandes impactos. Embora o estudo se concentre no aspecto negativo dos canudos que quebram os ecossistemas, ele disse que o oposto também pode ser verdade. O lago Erhai, por exemplo, tem mostrado sinais de recuperação.

“A mesma lógica pode funcionar ao contrário. Potencialmente, se você aplicar pressão positiva, poderá ver uma recuperação rápida”, disse ele, embora enfatize que o tempo está passando mais rápido do que a maioria das pessoas imaginava.


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Este texto originalmente escrito em inglês foi publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].