A rebelião contra os rankings nos EUA será acompanhada por instituições da América Latina?

rankings-996x567Escolas de ciência, educação e medicina de universidades como Harvard, Stanford e Columbia começaram uma revisão em relação aos rankings universitários. Crédito da imagem: Hippopx, imagem de domínio público.

Aliás, as críticas aos rankings não são uma surpresa. Pode-se dizer que nasceram quase ao mesmo tempo que os próprios rankings nos anos de 1980 até se tornarem globais. A novidade desta vez é que algumas das escolas mais bem classificadas lideram a taxa de rejeição.

Hoje existe uma grande variedade de rankings com diferentes critérios e grande influência. Entre os internacionais mais populares figuram o de Shanghái (criado em 2003), o QS World University Ranking (2004) e o Times Higher Education Supplement (2010) .

Holden Thorp, editor-chefe do grupo Science, em um recente editorial sobre o fenômeno catalogado nos rankings como “uma tirania” e comemorou a decisão tomada por vários centros acadêmicos de rejeitar os rankings.

“A melhor alternativa educacional para alguns alunos não é a mesma para outros. Uma das melhores coisas sobre o ensino superior é que existem tantas opções.”

Holden Thorp, editor chefe do grupo Science

Em entrevista para SciDev.Net via e-mail, Thorp comentou que o “melhor seria que os rankings desaparecessem por completo” porque geram, muitos problemas.

Um é que as classificações numéricas sofrem de falsa precisão. Existe realmente uma diferença entre o N° 10 e o N° 11 nas classificações dos programas de pós-graduação?, pergunta Thorp em seu editorial.

O outro problema é que os rankings recompensam aquelas escolas que melhoram as medidas ao admitir estudantes que tiveram as vantagens de uma melhor educação pré-universitária e preparação para exames.

Thorp insiste que “a melhor alternativa educacional para estudantes não é a mesma para outros. Uma das melhores coisas da  educação superior é que existem muitas opções”.

Um dos casos mais chamativos desta investida contra os rankings foi protagonizada pela Universidade de Columbia (EEUU). Tudo começou em fevereiro de 2022 quando um de seus professores de matemática, Michael Thaddeus, publicou em um blog um documento em que expôs inconsistências nos dados apresentados pela instituição US News & World Report , o mais popular dos rankings criado nos EUA em 1983.

Dados como o tamanho das aulas de graduação, gastos com instrução e o nível educacional dos professores, conforme sua investigação, foram alterados para favorecer a valorização do ranking. O escândalo veio a público em setembro de 2022, e a Columbia University caiu do 2º ao 18º lugar neste ranking.

Para Nina Faraoni, docente da Universidade de Granada (Espanha) e autora da tese de doutorado Reputação y rankings universitarios: análisis de sus debilidades y aplicaciones , publicada em 2022, é interessante que “que sejam algumas das universidades norte-americanas as que decidiram não mais aparecer nos rankings, quando são elas as que tradicionalmente estão melhor posicionadas”. Na sua opinião, esta posição pode ser um sintoma da enorme pressão e competição entre elas.

Diana Lucio Arias, diretora do Departamento de Ciência da Informação da Universidad Javeriana na Colômbia, acredita que um grande problema com os rankings é que “homogeneízem” os sistemas universitários, anulando assim a diversidade que que existem em contextos sociais como os latino-americanos.

“Qualquer universo mais diverso é melhor. Necessitamos respostas das universidades a distintas demandas sociais”, comentou a SciDev.Net .

Mario Albornoz, investigador principal do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas da Argentina na área de políticas de ciência e tecnologia e co-autor da investigação  Rankings de universidades: qualidade global e contextos locais, disse ser um “defensor dos indicadores de ciência e tecnologia e de educação superior” e afirmou não estar “contra os rankings”.

No entanto, Albornoz opinou que os rankings distorcem a realidade ao escolher alguns indicadores em detrimento de outros. “Na Argentina há universidades que fazem um esforço muito grande para melhorar nos rankings. Mas esse não é um esforço necessariamente acadêmico, mas sim de relações públicas com as empresas que organizam os rankings”, acrescentou.

Albornoz considera que um elemento central nesta discussão é que os rankings não levam em conta os contextos locais das diversas universidades.

Existe um ranking ideal? Albornoz acredita que tal vez não, mas o que deve ser capaz de dar conta da relação das universidades com seus contextos locais.

Andres Molano, diretor do Instituto Colombiano para a Avaliação da Educação (ICFES), comentou ao SciDev.Net por telefone que “me agrada que a ideia de rankings como listas ordenadas desapareça”, mas alertou que isso não pode ser traduzido em uma claudicação antes do esforço de buscar formas de melhorar a qualidade educacional.

É importante reconhecermos que precisamos medir. Mas para isso devemos descobrir o valor que cada instituição agrega aos seus estudantes. Dessa forma, é desejável que existam sistemas que permitam comparar universidades que recebem populações de estudantes semelhantes e meditar sobre o suporte em seus processos de aprendizagem.

“Temos que encontrar um sistema alternativo. Estou interessado em descobrir intelectualmente esse sistema na América Latina. Um sistema de avaliação que considere as características de nosso continente, que tem outro sistema referencial, que não se compara, por exemplo, com Cambridge”, enfatizou Albornoz.


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Este artigo foi produzido pela edição de América Latina e Caribe de  SciDev.Net [Aqui!  ].

Universidades públicas como centros ideológicos da extrema-direita, mais um produto do Neoliberalismo a la Bolsonaro

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Mais do que atacar o ensino superior público do ponto de vista financeiro, o governo Bolsonaro buscou atacar a “ideia de universidade para todos”

As universidades públicas brasileiras são corriqueiramente apresentadas por políticos e militantes da extrema-direita como supostos ninhos ideológicos da esquerda. Como professor de uma universidade pública há exatos 25 anos, a minha experiência é que qualquer imputação de que as universidades públicas são dominadas pelo pensamento de esquerda não passa de uma cortina de fumaça, na medida em que o oposto é a condição verdadeira.

Essa tendência direitista das universidades brasileiras tem várias razões históricas, a começar pela sua formação tardia, mas principalmente pelo processo de remoção forçada de intelectuais que foi pelo regime militar de 1964, e que alcançou figuras importantes como Florestan Fernandes e Darcy Ribeiro, apenas para começo de conversa.

Como alguém que estudou na UFRJ ao longo da década de 1980 me acostumei a ver figuras como o então poderoso ministro de Minas e Energia, César Cals, caminhando tranquilamente pelos corredores do Instituto de Geociências para onde se dirigia atrás de orientações. Além disso, sabíamos que muitos professores que haviam entrado na instituição ao longo da década de 1970 o tinham feito menos por seu brilhantismo intelectual, mas mais por suas ligações com o regime militar.

Mas o período mais recente da história da universidade brasileira está sendo marcado por uma aproximação explícita de parte da comunidade universitária aos ideários da extrema-direita, não sendo raros os casos de professores e servidores não docentes que apoiaram explicitamente as medidas anti-universidade adotadas pelo governo Bolsonaro. Esses segmentos são uma espécie de inimigo dentro de casa, na medida em que normalmente se colocam à margem de tarefas triviais para depois questionarem a validade de estatutos básicos que existem para impedir a perseguição ideológica e a inabilitação de pesquisas que não sejam pró-mercado.

Nas últimas eleições presidenciais ouvi vários relatos de professores e servidores que agiram de forma despudorada para impor o voto no ex-presidente Jair Bolsonaro. Não foi possível dar publicidade a isso porque os que foram alvos dessa ação não queriam ter seus nomes expostos por medo de sofrerem ainda mais repressão e atitudes de coação.

Por isso tudo, não há porque se surpreender com o surgimento de imagens e fotografias de servidores de universidades públicas participando do quebra-quebra que ocorreu no último domingo em Brasília (ver imagem abaixo). Essas mesmas figuras já estavam praticando atos semelhantes em suas instituições, ainda que de forma mais velada. Mas agora que estão tendo suas imagens e ações mostradas nas redes sociais, a pergunta que fica é sobre como serão tratados pelas direções de suas universidades. Mas dada a imposição de dezenas reitores biônicos pelo governo Bolsonaro, ao menos nas universidades federais, tenho pouca esperança de que essas pessoas sofram quaisquer punições.

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Mas uma coisa clara, a extrema-direita está bem plantada dentro das universidades públicas, ainda que de forma minoritária e atuando pelas beiradas, o que não quer dizer que seus membros possam ser menosprezados ou subestimados. Assim, uma das tarefas que se abrem para o próximo período é a realização de um debate claro sobre o grau de “bolsonarização” não apenas das práticas docentes, mas também da ingerência que o pensamento de extrema-direita já tem na formulação de conteúdos e na imposição de ideias anti-científicas no ensino superior brasileiro. Dentro dessa discussão, há que se cobrar que o novo governo faça uma imediata reversão de várias medidas impostas pelo governo Bolsonaro para impedir o debate crítico dentro da Educação brasileira, o que não está, de forma alguma, resumido às universidades.

Uma dica para o presidente Lula e seu ministro da Educação: acabem logo com o “Novo Ensino Médio” que é um dos exemplos mais avançados do pensamento acrítico por onde a extrema-direita pode se reproduzir, juntamente com outros projetos educacionais em curso desde o golpe parlamentar-judicial-midiático que culminou no impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que tem por objetivo reduzir substancialmente a carga horária de disciplinas que possam contribuir para um modelo educacional crítico e emancipatório.

No enfrentamento da pandemia, os trânsfugas da esquerda são aliados preferenciais do negacionismo

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Em meio ao debate sobre a volta às aulas presenciais, em meio ao agravamento da disseminação da variante “ômicron” que é considerada como mais nociva às crianças e não vacinados, tenho visto posicionamentos vindos de dentro das fileiras acadêmicas que se assemelham muito ao que vejo saindo do interior da redes de robôs negacionistas que comandam a sabotagem contra os esforços para acabar com a pandemia da COVID-19 no Brasil.

Entre as pérolas ditas por esses “intelectuais” é uma que equivale  a ação dos sindicatos docentes que cobram a cobertura vacinal de docentes e estudantes como condição para a volta às aulas presenciais como um exemplo de preguiça sindical.  Além disso, como cobertura desse “bolo” ainda aparecem frases de efeito como “já passou a hora de voltarmos às aulas presenciais” que, não raramente, são ditas por profissionais cuja presença em sala de aula é, digamos, rara.

Como alguns desses membros das fileiras acadêmicas já tiveram alguma pretensão de serem de “esquerda”,  não posso deixar de considerar que muitos dessas figuras estão jogando o papel de trânsfugas em meio a uma guerra contra um vírus assassino, apenas para explicitar a sua ojeriza ao papel dos sindicatos na defesa da segurança de seus membros, mesmo que discursivamente adotem um tom crítico do status quo. Nesse sentido,  essas figuras acabam ocupando por opção própria o papel de colunas preferenciais de sustentação do negacionismo oficialista que continua jogando pesado contra o acesso às vacinas contra a COVID-19, seja pela disseminação de propagandas pagas com o dinheiro público para disseminar o medo e a negação, seja pela demora na compra e disseminação das mesmas.

A questão é que em minha experiência de mais de duas décadas como docente de uma universidade pública,  já vi várias vezes, esses mesmos trânsfugas ocupando a cabeça das filas que se formam para auferir os direitos conquistados pelas lutas organizadas pelos sindicatos e pelos “membros preguiçosos” da sua própria categoria. Penso que seria mais coerente que depois combater a ação organizada dos sindicatos, se negassem a receber o fruto das lutas organizadas por eles.  Entretanto, a partir do que vivenciei no meu próprio sindicato, parece mais fácil que esses trânsfugas, mesmo após atrasarem as mensalidades sindicais, continuem se refestelando com os frutos  da luta alheia.

Então qual é o moral da história? É que os pós-pandemia demandará um devido ajuste de contas com aqueles que escondidos pelo verniz acadêmico estão atuando para desmantelar os instrumentos de resistência da classe trabalhadora brasileira. Sem esse ajuste me parece que continuaremos a ter que conviver não apenas com os bolsonaristas raiz, mas com um séquito de ex-esquerdistas que com seus discursos bonitos dão sustentação ao Bolsonarismo.

Pare de descrever ensino como uma ‘carga’

As universidades deveriam recompensar o ensino mais do que os resultados da pesquisa, diz Peter Copeland

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Os estudantes não são um fardo para as universidades, argumenta Peter Copeland. Crédito: Getty

Por Peter Copeland para a Nature

Acadêmicos universitários são frequentemente questionados: “O que você ensina?” Embora alguns respondam tocando em algum aspecto de sua especialidade, muitas vezes a resposta mais honesta seria “o mínimo possível”.

A fonte dessa atitude é fácil de ver na linguagem acadêmica: o ensino, em particular o ensino de graduação, é muitas vezes referido como uma ‘carga’ – implicitamente, um fardo – e a recompensa por suportá-lo é muitas vezes pequena em comparação com outras responsabilidades , como pesquisa ou administração.

Apesar de já terem sido estudantes, a maioria dos acadêmicos das universidades de pesquisa começa suas carreiras focando não no ensino, mas na pesquisa. Eles entendem que a maioria das avaliações de posse terá pouco a ver com o que acontece na sala de aula. Espera-se excelência em pesquisa, mas o padrão para o ensino é menor e a ligação entre as duas atividades geralmente é fraca.
Quando comecei minha carreira acadêmica, há mais de 30 anos, aspirava ao meu trabalho atual não pelo desejo de ensinar, mas por uma aspiração de entender o mundo de novas maneiras por meio da minha ciência. Não aconteceu muita coisa no início da minha carreira para modificar esse ponto de vista; para mim, o ensino era um obstáculo ao trabalho acadêmico ‘adequado’: a pesquisa.

A cultura institucional parecia concordar comigo. Não recebi nenhuma instrução formal sobre como ensinar, mas foram oferecidos workshops destinados a me ajudar a obter mais financiamento externo. Isso gerou certa tensão em minha sala de aula, porque me parecia que, embora esperasse que eu gastasse um bom tempo preparando e ministrando meus cursos, esse trabalho não importaria em minhas avaliações. Os alunos puderam sentir essa tensão. No entanto, a situação melhorou quando percebi que a melhor maneira de ensinar é relaxar, e que eu poderia relaxar porque a instituição não estava prestando muita atenção – então minha carreira não estaria em risco se eu cometesse um erro em sala de aula. Perceber que os únicos que precisavam estar satisfeitos éramos eu e meus alunos me ajudou a me acalmar. O ‘fardo’ foi aliviado e comecei a encarar o ensino como uma oportunidade.

À medida que fiquei mais confortável, comecei a discutir minha pesquisa nas aulas de graduação ao lado do material padrão do curso. Isso deu aos alunos mais interesse em uma parte da universidade que muitas vezes é opaca para eles e, como resultado, vi melhores perguntas e mais engajamento. Também deu um impulso à minha pesquisa. Convidar até mesmo os alunos mais novos para um lugar na minha mesa de pesquisa me forçou a ver as questões de novas maneiras. Isso me ajudou a valorizar mais a educação que eu estava oferecendo. Também me ajudou a contribuir – tanto em laboratório quanto em campo – para minha disciplina por meio de colaborações que poderiam não ter acontecido tão facilmente de outra forma, com o benefício adicional de transformar colegas de outras universidades em amigos.

Ironicamente foi só quando aceitei que ensinar não era valorizado que me tornei um professor melhor. No entanto, este pode não ser o melhor caminho para todos. Quanto à questão de como melhorar o ensino nas universidades de pesquisa, a instrução formal em pedagogia pode não ser a ferramenta mais eficiente, embora provavelmente não faça mal. Talvez tudo o que seja necessário é que os reitores enviem a mensagem de que se seu ensino não está aprimorando sua pesquisa e vice-versa, você não está fazendo nenhum dos dois corretamente. Motivar as pessoas com o que elas já valorizam é mais fácil do que fazê-las se importar com outra coisa. Vincular melhor ensino a pesquisa aprimorada pode ser mais motivador do que explicar aos acadêmicos que seus programas de pesquisa podem não existir sem alunos de graduação para ajudar a pagar as contas.

Os acadêmicos em geral e os administradores universitários em particular devem parar de pensar e se referir ao ensino como uma ‘carga’. Para ajudar a normalizar essa abordagem, recomendo que, após uma avaliação rigorosa do ensino e da pesquisa, as promoções e aumentos salariais sejam baseados na menor das duas avaliações. As universidades deveriam encorajar a grandeza, mas deveria ser impossível ser considerado um grande professor se não for bom tanto no ensino quanto na pesquisa. Essa mentalidade melhoraria as universidades da maneira mais ampla. Quando os acadêmicos explicam o que sabemos e não sabemos de nossa pesquisa de alto nível, os alunos ficam mais bem informados e novas pesquisas também podem ser geradas. Todos ganham. Todos faríamos bem em lembrar que os alunos não são um peso para carregar: pelo contrário, eles podem elevar nosso trabalho.

doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-00145-z

Este é um artigo da Nature Careers Community, um lugar para os leitores da Nature compartilharem suas experiências e conselhos profissionais. Postagens de convidados são incentivadas.

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela Nature [Aqui! ].

COVID-19: se as universidades estão fechadas, por que as escolas estão abertas?

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O jornal “Terceira Via” decidiu fazer uma matéria muito curiosa a partir de uma premissa ainda mais curiosa envolvendo a decisão das instituições de ensino superior da cidade de Campos dos Goytacazes de não retomar as aulas presenciais. É que segundo os redatores do “Terceira Via”, se crianças estão tendo aulas em meio a uma pandemia letal, por que jovens adultos não podem também (ver imagem abaixo)?

escolas abertas

Eu que convivo há um ano e meio com aulas virtuais e noto a angústia que se apossou dos meus estudantes em não poderem estar frequentando o campus da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), já que a maioria deles reconhece que isso seria um convite à contaminação em um país em que menos de 45% da população completou a rotina vacinal.

Assim, a pergunta que o “Terceira Via” deveria estar se fazendo é sobre como as aulas estão sendo ministradas em escolas municipais, na medida em que quem escreveu a referida matéria não se deu ao trabalho de fazer um levantamento mínimo sobre casos de infecção pelo coronavírus na rede municipal de ensino, tanto entre profissionais de educação quanto entre os estudantes cujos pais optaram por enviar os seus filhos às aulas presenciais.

O curioso é que no dia de hoje o mesmo “Terceira Via” noticiou o falecimento de mais um empresário campista em função da COVID-19. Aliás, eu já perdi a conta de quantos proprietários de estabelecimentos comerciais de Campos dos Goytacazes já morreram em função das complicações causadas pela infecção causada pelo SARS-Cov-2.  Sobre isso, não me lembro de ter lido matéria do Terceira Via.

Se estivessem dispostos a contribuir para a educação da população sobre os riscos de menosprezar as regras de isolamento social e do uso de equipamentos de proteção individual, os editores da Terceira Via iriam gastar o tempo dos seus repórteres com informação e não com tentativas mal enjambradas de pautar os dirigentes de instituições de ensino superior para atender os interesses de sabe-se lá quem.

Eu aproveito para devolver a questão proposta pelos redatores do Terceira Via: se as universidades não estão abertas para diminuir a possibilidade de mais casos de COVID-19, por que raios as nossas crianças estão sendo encurraladas em aulas presenciais?

Relatório expõe falsos planos de compromissos climáticos de grandes corporações

Promessa “net zero” da JBS prevê apoio ao desmatamento por mais 14 anos

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Após um ano repleto de anúncios recordes de promessas de emissões zero líquidas (net-zero) de corporações e governos, um novo relatório revela que os planos climáticos de algumas das principais indústrias poluidoras são baseados em medidas falsas, inalcançáveis ou insuficientes. O documento destaca a atuação de grandes poluidores para influenciar a metodologia de pesquisas sobre “net zero” em universidades de prestígio, incluindo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Universidade de Princeton, Universidade de Stanford e Imperial College London.

O documento intitulado “The Big Con: How Big Polluters are advance a “net zeroclimate agenda to delay, deceive and deny” também afirma que as grandes corporações estão agindo para que suas interpretações de “net zero” se tornem o principal dogma da resposta global à crise climática. 

A publicação foi escrita por Corporate Accountability, The Global Forest Coalition e Friends of the Earth International, e endossada por mais de sessenta organizações, incluindo ActionAid Internacional, OilWatch, Third World Network e o Institute for Policy Studies.

“É difícil não ver o fervor recente sobre o termo ‘net zero’ como qualquer coisa além de um esquema apoiado por Grandes Poluidores que é muito pouco, muito tarde”, afirma Rachel Rose Jackson Diretora de Política e Pesquisa Climática da Corporate Accountability e uma das autoras do estudo. “Estes jogadores empilharam o baralho para garantir que o mundo se concentrasse em planos que nada mais são do que lavagem verde.”

Táticas

Um exemplo de como os maiores poluidores têm moldado e influenciado pesquisas acadêmicas sobre “net zero” vem da Exxon Mobil, que reteve o direito de revisar formalmente o Projeto Global de Clima e Energia de Stanford antes que ele seja concluído. Como financiadora, a empresa também pode colocar seu próprio pessoal nas equipes de desenvolvimento do projeto.

Todas as universidades citadas têm projetos climáticos financiados por grandes produtores de petróleo, com destaque para a cooperação de longa data entre Shell e o Imperial College London. A publicação mostra ainda que as instituições acadêmicas abrigam pesquisadores de clima que são ou já foram funcionários dessas empresas, além de promover eventos sobre clima patrocinados por petroleiras ou com funcionários destas entre os palestrantes.

Além de cooptar setores acadêmicos, os maiores poluidores têm influenciado legislações com objetivos climáticos para que sejam ineficazes ou que acabem por beneficiá-las. Nos EUA, indústrias de aviação e de combustíveis fósseis pressionaram massivamente para ajudar a assegurar um crédito fiscal, chamado 45Q, que subsidia a captura e o armazenamento de carbono. Segundo o documento, é provável que essas empresas tenham lucrado milhões com a manobra, apesar de não terem uma atuação que as qualifiquem para obter o crédito.

O estudo também destaca o papel da Associação Internacional de Comércio de Emissões (IETA). Fundada e controlada por grandes produtores de petróleo, a organização tem trabalhado para fortalecer suas concepções de “net-zero”, influenciar o mercado de créditos de carbono e enfraquecer medidas para redução de emissões nas negociações internacionais pelo clima.

“Estamos profundamente preocupados com a captura corporativa das políticas climáticas e o crescente nexo entre governos e corporações para promover falsas soluções usando o “Net Zero” e outros conceitos ambíguos como o de Soluções Baseadas na Natureza”, diz Coraina De la Plaza, Campaigner de Clima para a Global Forest Coalition. “Eles continuam a perseguir esquemas ‘verdes’ de compensação neocolonial para colher mais lucros e poluir. Este circo de Net Zero tem que parar, o planeta e as pessoas precisam de cortes reais de emissões e metas-zero reais.”

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Planos de faz de conta

De acordo com o estudo, o compromisso da JBS, feito em março deste ano, de eliminar o desmatamento em sua cadeia de suprimentos até 2035 significa, na prática, que a empresa continuará contribuindo para o desmatamento pelos próximos 14 anos. Erradicar imediatamente o desmatamento associado à sua cadeia de suprimentos seria a maneira mais eficaz e rápida para a JBS diminuir suas emissões, afirma o texto.

Já a Shell planeja comprar mais créditos de carbono para compensar suas emissões até 2030 do que estavam disponíveis em todo o mercado global de compensação voluntária no ano de 2019. Em seu plano, a empresa também promete reflorestar 700 milhões de hectares, uma área quase do tamanho do Brasil. O plano fantasioso da companhia rendeu uma condenação em maio em um tribunal da Holanda.

O plano climático do Walmart negligencia totalmente suas emissões da cadeia de valor, o que, estima-se, responde por 95% da pegada de carbono da corporação. Enquanto isso, a BlackRock, maior gestora de ativos do mundo, se comprometeu em 2020 a vender a maior parte de suas emissões fósseis no ‘futuro próximo’, mas ainda possui US﹩85 bilhões em ativos de carvão, devido a uma ‘lacuna’ em sua política.

“Este relatório mostra que planos ‘net zero’ de grandes poluidores nada mais são do que um grande golpe”, afirma Sara Shaw, coordenadora do programa Justiça Climática e Energia da Friends of the Earth International. Para ela, empresas como a Shell não têm interesse em agir genuinamente para resolver a crise climática. “Em vez disso, elas planejam continuar os negócios como de costume, ao mesmo tempo em que falam de plantio de árvores em esquemas de compensação que nunca poderão anular a escavação e a queima de combustíveis fósseis. Devemos acordar rapidamente para o fato de que estamos caindo em um truque. O “net zero” corre o risco de ocultar a falta de ação até que seja tarde demais.”

Quem desejar baixar o relatório completo, basta clicar [Aqui!]

Ecofalante lança plataforma de streaming exclusiva para programa educacional

Mais de 130 filmes de temática socioambiental ficarão disponíveis gratuitamente para uso estritamente educacional.  Ecofalante Play já nasce com centenas de professores e instituições de ensino parceiras.  Programa Ecofalante Universidades atende instituições públicas e privadas de ensino médio, técnico e superior de todo o país 

Amazonia Sociedade 

Ecofalante, organização da sociedade civil que atua nas áreas de cultura, educação e sustentabilidade, acaba de lançar sua nova plataforma de streaming, a Ecofalante Play

Totalmente gratuita, a plataforma será exclusiva para professores, educadores e instituições de ensino que desejam utilizar o cinema como ferramenta para discutir questões socioambientais contemporâneas em sala de aula.

O acervo da Ecofalante Play conta com mais de 130 filmes brasileiros e internacionais que abordam temas como emergência climática, consumo, cidades, energia, conservação, economia, trabalho e saúde, entre outros. As obras são selecionadas a partir da curadoria da Mostra Ecofalante de Cinema, evento que acontece anualmente desde 2012 e é hoje o maior festival de cinema com temática socioambiental realizado na América do Sul, tendo atingido um público de mais de 500 mil pessoas desde sua primeira edição.

Além de organizar a Mostra, a Ecofalante desenvolve projetos de cunho educacional ao longo do ano, exibindo filmes e organizando debates e formações de professores em escolas,  universidades e equipamentos culturais. A plataforma Ecofalante Play vem para adaptar essas atividades à nova realidade de distanciamento social e para ampliar e democratizar o acesso aos conteúdos oferecidos pela organização.

Ecofalante Play

A nova plataforma surge no contexto da pandemia, onde as atividades a distância são priorizadas.

Em 2020, a Mostra Ecofalante de Cinema foi pela primeira vez realizada por streaming e a demanda foi enorme, com a participação de mais de 200 mil pessoas que assistiram aos filmes e debates em quase 1.800 municípios do Brasil. Durante o evento, ocorreu uma importante participação das universidades – os professores programaram dezenas de debates a partir dos filmes que eram exibidos na Mostra Ecofalante de Cinema. Essa participação estimulou a criação da plataforma para atender diretamente o setor educacional de todo o país, democratizando ainda mais o acesso aos filmes e ao debate socioambiental. 

Para utilizar a Ecofalante Play, os professores precisarão realizar, na própria plataformaum cadastro vinculado à sua instituição de ensino, podendo assim ter acesso ao catálogo de filmes e agendar uma sessão.

Destaques

Entre os filmes que estarão disponíveis na nova plataforma, destacam-se produções premiadas em diversos festivais ao redor do mundo e que foram sucesso na edição mais recente da Mostra Ecofalante de Cinema.

No eixo Emergência Climática, a produção francesa que rodou inúmeros festivais internacionais “Breakpoint: Uma Outra História do Progresso“, dirigida por Jean-Robert Viallet, analisa 200 anos de desenvolvimento para fornecer uma visão alternativa de nossa história do progresso. “A Era das Consequências” (EUA) investiga, pelas lentes da Segurança Nacional norte-americana, os impactos das mudanças climáticas em conflitos ao redor do mundo, revelando como a escassez de água e alimentos, a seca, as condições climáticas extremas e a elevação do nível do mar funcionam como “catalisadores de conflitos”. O filme é assinado por Jared P. Scott, mesmo diretor de “A Grande Muralha Verde”, documentário produzido por Fernando Meirelles. Já “Obrigado, Chuva” (Noruega/Reino Unido) é assinado por Julia Dahr, eleita pela Forbes como uma das 30 personalidades jovens que estão definindo a mídia mundial. A cineasta acompanha um pequeno agricultor queniano para registrar os impactos das mudanças climáticas e a obra foi selecionada para os festivais IDFA – Amsterdã, CPH:DOX e Hot Docs.

O tema Consumo conta com “Ladrões do Tempo”, uma coprodução Espanha/França dirigida por Cosima Dannoritzer que investiga como o tempo se tornou uma nova fonte cobiçada. Premiada no United Nations Association Film Festival, a obra ouve especialistas para revelar o quanto a monetização do tempo, por um sistema econômico agora predominante, afeta a vida cotidiana. Temos ainda o canadense “Beleza Tóxica“, de Phyllis Ellis, exibido no festival HotDocs – um documentário contundente sobre a falta de regulação da indústria cosmética e sobre o verdadeiro custo da beleza; e “O Custo do Transporte Global“, coprodução entre a Espanha e a França dirigida pelo vencedor de mais de 30 prêmios internacionais Denis Delestrac, que faz uma audaciosa investigação sobre o funcionamento e a regulamentação da indústria de transporte oceânico – que movimenta 90% dos bens que consumimos -, assim como os impactos socioambientais ocultos.

Na temática Campo, o filme “Os Despossuídos” (Canadá/Suíça), dirigido por Mathieu Roy como um misto de cinéma vérité e ensaio audiovisual, promove uma jornada impressionista que nos revela, em uma era de agricultura industrializada, a luta diária da classe camponesa faminta. “Dolores” (EUA), de Peter Bratt, ganhou repercussão no Festival de Sundance e premiações em São Francisco e Seattle ao focalizar Dolores Huerta, líder trabalhista e uma das mais importantes ativistas dos direitos civis da história dos Estados Unidos. O austríaco “Espólio da Terra“, de Kurt Langbein, retrata investidores globais tanto em seu discurso sobre economia sustentável e prosperidade quanto em suas contradições: despejos, trabalho escravo e fim dos pequenos proprietários.

Já na categoria Povos Tradicionais destaca-se produção brasileira “Amazônia Sociedade Anônima”, na qual o diretor Estêvão Ciavatta focaliza índios e ribeirinhos que, em uma união inédita liderada pelo Cacique Juarez Saw Munduruku, enfrentam máfias de roubo de terras e desmatamento ilegal para salvar a floresta Amazônica. O documentário “Resplendor“, de Claudia Nunes e Erico Rassi, ganhou o Prêmio do Público de Melhor Curta na 9ª Mostra Ecofalante ao retratar um capítulo ainda muito obscuro da nossa história: a existência de um centro de detenção indígena, na cidade de Resplendor (MG), chamado Reformatório Krenak. “Martírio“, dirigido por Vincent Carelli em colaboração com Ernesto de Carvalho e Tatiana Almeida, busca as origens do genocídio praticado contra os índios Guarani Kaiowá. A produção foi premiada no Festival de Brasília, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e no Festival de Mar del Plata.

 Programa Ecofalante Universidades

A plataforma Ecofalante Play faz parte do Programa Ecofalante Universidades, criado em 2017 com o objetivo de levar para o ambiente educacional uma seleção de filmes que incitam a reflexão e o debate sobre questões atuais da realidade brasileira e mundial. O programa atende instituições públicas e privadas de ensino médio, técnico e superior de todo o país.  A partir dele, a Ecofalante proporciona às instituições parceiras acesso aos conteúdos audiovisuais, técnicos e educacionais que são utilizados em atividades dos três pilares: ensino, pesquisa e extensão. Criado para atender inicialmente o estado de São Paulo, a partir de 2021 o programa passa a ter abrangência nacional.

“Já no segundo ano da Mostra Ecofalante de Cinema o setor educacional nos procurou para firmar parcerias”, informa Chico Guariba, diretor da Mostra Ecofalante de Cinema e coordenador do Programa. Segundo ele, “no começo foram os colégios privados da cidade de São Paulo, que nos procuravam para levar filmes da nossa curadoria para exibição nas escolas e incluí-los em seus currículos. Simultaneamente, professores e alunos de Etecs (Escola Técnica Estadual de São Paulo) começaram a frequentar as itinerâncias da Mostra Ecofalante de Cinema no interior do estado. Procuramos o Centro Paula Souza e firmamos um Termo de Cooperação Técnica-Educacional, o que permitiu levar os conteúdos audiovisuais da Mostra para as salas de aula e auditórios das Etecs e das Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatecs).”

Com a ampliação crescente da Mostra Ecofalante de Cinema – que passou de um público de quatro mil pessoas em 2012 para mais de 200 mil em 2020 -, o interesse do setor educacional também se expandiu. O número de exibições seguidas de debates com a participação de especialistas e docentes tornou a Mostra cada vez mais conhecida no setor educacional.

Guariba acrescenta que “a partir de 2016, grupos de professores quiseram levar recortes da curadoria da Ecofalante para organizar programações nas universidades. A relação evoluiu rapidamente e começaram a ser criadas disciplinas estruturadas com conteúdos audiovisuais da Mostra Ecofalante de Cinema.” A primeira foi a disciplina “Economia, Sociedade e Meio Ambiente na Produção Audiovisual Contemporânea”, organizada pela professora Mariana Fix, do Instituto de Economia da Unicamp. “A disciplina foi um sucesso e percebemos que havia uma mudança de qualidade na relação da Ecofalante com as universidades. Estávamos começando a fornecer conteúdos para para os três pilares das universidades: ensino, pesquisa e extensão. Assim, surgiu o Programa Ecofalante Universidades“.

Hoje, a Ecofalante possui Termos de Cooperação Técnica-Educacional com todas as universidades públicas no estado de São Paulo – USP, Unicamp, Unesp, UFABC, Unifesp e UFSCar –  e realiza anualmente centenas de sessões de filmes seguidas de debates em parcerias com dezenas de instituições de ensino no país.

Programa Ecofalante Universidades vem fomentando a realização de Mostras promovidas pelas instituições, exibições de filmes em aulas e encontros técnicos, a criação de disciplinas, cursos, mini cursos e projetos de extensão. “Não existe uma única fórmula, as relações são construídas de forma customizada com cada professor e instituição, de acordo com os diferentes projetos educacionais e respeitando as realidades regionais. Acho que é por isso que o programa está crescendo e dando certo”, esclarece Guariba.

Programa Ecofalante Universidades é viabilizado através da Lei de Incentivo à Cultura e tem patrocínio do Valgroup e da Colgate. É uma produção da Doc & Outras Coisas e realização da Ecofalante, do Ministério do Turismo, Secretaria Especial da Cultura e do Governo Federal.

No ensino superior, a grande disparidade dos cursos à distância durante a pandemia

  Para alguns alunos, as aulas online assumem a forma de arquivos PDF ou apresentações de slides, enquanto outros professores têm a opção de criar formatos interativos ou gravar suas aulas com equipamentos de qualidade

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Por Alice Raybaud para o Le Monde

Cinco objetos não identificados acabaram de aparecer na Terra. Eles são enviados por vida extraterrestre? Qual propósito ? Nesse dia, é esse o cenário em que se imergem 25 alunos do segundo ano da licença de física da Universidade de Paris-Saclay. Cabe a eles entrar em contato com cada habitante do globo que encontrou um desses objetos imaginários e ajudá-los a decifrar a mensagem que ele carrega. Para isso, devem ser ensinados, remotamente, a construir um microscópio com um smartphone ou a medir a ressonância acústica com papel higiênico.

Devido à pandemia (esta muito real), o curso ocorre online e os “habitantes” e especialistas, encarnados pelos seus dois professores, são contactados por vídeo. A ficção então passa a criar “um alento em sua vida de aluno remoto” , explica o professor Julien Bobroff. “Um trabalho de grupo participativo algo excêntrico, que os tira da solidão, mas mantém as mesmas questões educacionais e científicas” , acrescenta o físico, que já experimentava, antes da crise, esse tipo de formato presencial.

Grande heterogeneidade

Interatividade, lúdico, criatividade … Todos os alunos estão longe de ter acesso a esse tipo de curso, desde a mudança para a educação a distância. Passado o espanto inicial do primeiro confinamento, a organização dos cursos online permaneceu muito díspare segundo as instituições, setores e professores – uma grande heterogeneidade que, graças à crise, evidencia as desigualdades estruturais da região.

Além disso, se alguns jovens que entrevistamos se congratulam por terem um bom suporte por meio de seus cursos online, outros dizem que estão se afogando em horas de monólogos frios afixados em apresentações de slides. Alguns alunos chegam a dizer que são “abandonados” pelos professores.

“Alguns professores nem dão aulas de vídeo e apenas nos enviam PDFs. Posso ter a mesma coisa pesquisando na Wikipedia ”, aponta um estudante de história de 20 anos em Lyon-III, que observa que a “ exclusão digital ” “ também ” afeta os professores.  Natcha, no terceiro ano de licenciatura em Ciências Políticas em Lyon-III só recebe áudios gravados em algumas disciplinas, e em outras apenas PDFs.

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Este é um estrato de um artigo escrito originalmente em francês e publicado pelo jornal “Le Monde” [Aqui! ].

A pandemia e a ignorância tecnologizada assediam as universidades

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Por Isaac Enriquez Pérez*

Formada na Europa ao longo do Século X como uma organização – embora sob o controle da Igreja Católica – orientada para a sistematização do conhecimento, e consolidada durante os séculos 18 e 19 como um bastião da reflexão e pensamento crítico e anticlerical , a universidade contemporânea – pelo menos desde os anos de 1970 – está sob o olhar atento do burocratismo, da corrupção, dos interesses adquiridos, do estabelecimento de pensamento hegemônico neoconservador e pós-moderno, negação e a ultra especialização de suas disciplinas e conhecimentos compartimentados.

A essas ameaças são adicionadas várias crises; a saber: a) cortes no orçamento, que se traduzem em privatizações de fato da universidade pública e uma reconversão silenciosa do direito do cidadão à educação em um serviço voltado para usuários ou consumidores. b) O fundamentalismo de mercado não se expressa apenas na disciplina fiscal e no “austericídio” da universidade pública, mas na irradiação sutil de uma racionalidade tecnocrática que favorece o individualismo e a gestão empresarial (a suposta meritocracia que prevalece nas avaliações e acreditações do trabalho acadêmico). c) A mercantilização da ciência e do conhecimento e sua desapropriação como bens públicos globais, com vistas a formar um paradigma tecnocientífico sujeito à rentabilidade das grandes corporações. d) a precariedade de suas relações de trabalho nas universidades; especialmente aqueles acadêmicos que trabalham por horas e sob contratos temporários. E e) a crise epistemológica, que paira sobre as formas convencionais de construção e transmissão do conhecimento e se origina na fragmentação e dispersão do conhecimento, assim como o fim das certezas e cegueira do conhecimento..

As nuvens cinzentas que posicionam a tecnificação do conhecimento e a trivialização de valores como a verdade não são suficientes, nos cenários abertos pela crise epidemiológica contemporânea, destaca a difusão e imposição do treinamento telemático universitário como mecanismo para evitar contágios após a radiação do Coronavírus SARS-CoV-2. Países europeus como Itália e Espanha anunciam a extensão da atividade de ensino on-line para o próximo ano acadêmico. Até universidades americanas e estrangeiras anunciam o retorno às salas de aula presenciais até 2022, mesmo sem riscos epidemiológicos.

Deve-se destacar a noção de universidade ou educação a distância: embora as tecnologias da informação e comunicação contribuam para a massificação do conhecimento e aproximem o processo de ensino / aprendizagem de amplas camadas da população que sofre exclusão social Nos sistemas educacionais tradicionais, a educação a distância é um complemento para a universidade presencial e não seu substituto. Com a universidade on-line, é possível atingir populações defasadas que, na época, não gozavam do direito à educação, seja por falta de renda, tempo, motivação ou disposição. Mulheres que interromperam o treinamento escolar devido à maternidade prematura; jovens que foram forçados a entrar no campo do trabalho e que cancelaram ou adiaram suas expectativas educacionais; adultos que abandonaram, desde a juventude, a possibilidade de treinamento; e outros candidatos rejeitados nos processos de admissão de universidades públicas, têm a oportunidade de retomar seus estudos com as vantagens oferecidas pela educação on-line em termos de horários e formas de aprendizado flexíveis e adaptáveis.

Além disso, essas tecnologias contribuem para a disseminação massiva de conhecimento. Através do chamado acesso livre, é possível fazer coleções científicas, humanísticas e artísticas inestimáveis que ofereçam respostas aos grandes problemas mundiais à disposição da humanidade.

No entanto, com a pandemia de COVID-19 é alimentada a obsessão de prefigurar uma cidade virtual que apela não apenas ao distanciamento físico, mas também ao distanciamento em formas de socialização. Entronizando assim a atomização da sociedade e o individualismo hedonista .

O conhecimento é, por sua própria essência, uma construção social; um processo coletivo de criação que merece interação e proximidade com os outros. Não é uma tarefa estereotipada de indivíduos isolados em laboratório e fora do mundo externo, nem visa seguir determinados protocolos. Existe uma interação estreita de gnosia / práxis, que adquire o caráter de totalidade articulada, logo que diálogos multidirecionais são construídos e a noção de comunidade acadêmica é moldada com o objetivo de criar significados que configuram o sentido da realidade através de uma linguagem dotada de conceitos e conceitos. categorias. Essa linguagem só pode ser criada em interação com “a outra” e no âmbito de um processo de conscientização e empatia que mereça proximidade física e que, além disso, no caso das universidades,

A interação física é essencial na relação professor / aluno e aluno / aluno, pois reproduz padrões simbólicos e de convivência que excedem em muito a escola. Os debates coletivos em sala de aula, nos corredores, nos espaços comuns das universidades, são cruciais para a construção do conhecimento e a formação da cidadania.

O estabelecimento massivo da universidade a distância significa isolar o aluno em uma sala, acompanhado por uma tela que, embora crie ação social desacoplada da presença física em um determinado espaço, não transcende uma lógica de comunicação multidirecional e práticas coletivas que permitem deliberação fundamentada além do efêmero e das ansiedades que ele gera. Nesse sentido, a universidade a distância faz parte do chamado Screen New Deal e da reprodução de relações assimétricas de poder, associadas ao novo padrão de acumulação bio / tecno / científica.

Historicamente, a universidade era a trincheira da luta – através de idéias – contra dogmatismos teológicos, totalitarismos, racismo, desigualdade de gênero e o caráter exclusivo do capitalismo. Contudo, diante da biossegurança, da higiene e do estado higienizante que lhe é inerente, o pensamento crítico que emana das universidades é praticamente entorpecido, domado e prostrado; esvaziamento do conteúdo antes do bombardeio do apocalipse da mídia (Aqui!), o desendêmico e o ataque ao conhecimento racional (Aqui!) que superdimensionam as características e os impactos da pandemia. Isso significa que, em meio a uma nova crise civilizadora, a universidade está ausente dos contrapesos que devem ser colocados diante do dogmatismo contemporâneo, da indústria da mentira e da construção de infraestrutura para a biovigilância através de alta tecnologia ( inteligência artificial, nuvem virtual, Internet 5G e robotização).

O aprendizado remoto é uma das tendências que se aceleraram com o advento da pandemia de COVID-19. A infraestrutura digital para conectividade é parte integrante dela. No entanto, como a tecnologia não é neutra, está ancorada na estrutura contraditória e desigual de poder e riqueza.

O problema da universidade antes da grande reclusão reside na incapacidade dos primeiros de organizar, de maneira sistemática, a reflexão em torno dos problemas públicos contemporâneos. Ao contrário de sua história milenar e de suas críticas aos poderes, a universidade contemporânea sucumbe a si mesma e direciona suas energias, confrontos e interesses faccionais para erradicar o pensamento crítico e a construção de alternativas e alternativas teóricas, artísticas, humanísticas e de vanguarda. ideológico / político. Subjugada pelas tecnocracias universitárias e pelos labirintos e chicotes do mercado, a universidade rompe com sua essência e funções históricas, estabelecendo e institucionalizando a ignorância tecnológica em seu cerne.

Estufas de teorias críticas e tradições de pensamento; templo da dúvida e questionamento sobre o status quo ; educador de elites políticas, artísticas e intelectuais; habitat natural do corpo discente como um modo de vida; e no cenário da inovação científica e tecnológica, a universidade está ameaçada pela digitalização maciça do processo de ensino / aprendizagem e, ao mesmo tempo, enfrenta os riscos e ansiedades que o cyberleviathan , o panopticon digital e o regime de bio/techno geram e implantam. Totalitário, comprometido em colocar emoções antes da razão e controlar corpos, mente e consciência no contexto da era pós-factual .

Embora as tecnologias contribuam para a solução de problemas públicos, deve-se enfatizar que elas não são uma panacéia, nem todas as soluções passam pela peneira tecnológica. Pelo contrário, seu uso indiscriminado pode abrir outros problemas públicos que ampliam abismos sociais e exacerbam desigualdades. A universidade a distância não sairá dessas tendências e de processos mais amplos, como a (re) concentração de conhecimento e o poder derivado de sua posse e uso.

Em seu trabalho A Metafísica da Juventude , o filósofo alemão Walter Benjamin falou da unidade da consciência e a vontade responderia que elas se formaram na era estudantil. Ele consegue observar que nas universidades de Berlim do início do século XX prevalece a dissociação do aparato profissional do conhecimento e que a vida estudantil é diminuída pela miséria espiritual. Hoje não estamos separados desses espreitadelas.

O caráter distante e efêmero que a educação a distância gera em seus ambientes pode exacerbar essas misérias e acentuar a ignorância dos alunos e a petrificação dos professores. Este não é apenas um risco para a formação escolar e a prática profissional, mas para a própria construção da cultura cidadã e a resolução de problemas públicos. Reivindicar criticamente e não obstante interesses adquiridos, a noção de universidade e suas funções clássicas, não implica apenas colocar a digitalização – como complemento – em sua dimensão adequada, mas erradicar o mantra de mercado como o único caminho. Caso contrário, a humanidade não terá os instrumentos mínimos para enfrentar problemas globais, como epidemias – cada vez mais recorrentes e desconhecidas Aqui!).

fecho

*Isaac Enriquez Pérez é Acadêmico na Universidade Nacional Autônoma do México. Twitter: @isaacepunam

Este texto foi publicado originalmente em espanhol pela Agencia Latinoamericana de Información -ALAI- [Aqui ].

As universidades nunca mais serão as mesmas após a crise do coronavírus

Como salas de aula virtuais e péssimas condições financeiras poderiam alterar a academia: o primeiro capítulo de uma série de uma semana sobre ciência após a pandemia.

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Por Alexandra Witze para a Nature

O aviso foi publicado no dia 6 de março, sexta-feira à tarde. Todas as aulas da Universidade de Washington em Seattle – a cidade na época o epicentro dos EUA do surto de COVID-19 – mudariam para on-line na segunda-feira seguinte. Os instrutores se esforçaram para configurar opções de aprendizado remoto para mais de 40.000 estudantes. “Tornou-se evidente muito rapidamente que isso não iria desaparecer em breve”, diz Mary Lidstrom, vice-reitora da universidade para pesquisas.

Cenas semelhantes aconteceram em outras universidades ao redor do mundo. As salas de aula permanecem silenciosas, os laboratórios ficam ociosos ou operam com uma equipe mínima e os administradores discutem como retomar com segurança as aulas presenciais.

A crise do coronavírus está forçando as universidades a enfrentar desafios de longa data no ensino superior, como custos altíssimos nas mensalidades e percepções do elitismo – e algumas das mudanças resultantes podem ser permanentes. A longo prazo, as universidades podem mudar muitas classes on-line (uma tendência já em andamento), ter menos estudantes internacionais e até se remodelar para serem mais relevantes para as comunidades locais e nacionais – tanto para resolver problemas prementes quanto para provar seu valor de cada vez. quando especialistas e instituições públicas estão sendo cada vez mais criticados. “A pandemia está acelerando as mudanças de maneira tremenda”, diz Bert van der Zwaan, ex-reitor da Universidade de Utrecht, na Holanda, e autor do livro “Ensino Superior em 2040: Uma abordagem global” que foi publicado em 2017.

À medida que as universidades enfrentam grandes mudanças, suas perspectivas financeiras estão se tornando terríveis. As receitas estão despencando à medida que os estudantes (principalmente os internacionais) permanecem em casa ou repensam os planos futuros, e os fundos de doações implodem à medida que as bolsas caem.

nature 1Como a maioria das instituições, a Universidade de Oxford tem estado estranhamente silenciosa desde que a pandemia se espalhou pelo mundo.Crédito: Christopher Furlong / Getty

As universidades que provavelmente se sairão melhor são as que são ricas e poderosas. Mas mesmo aqueles enfrentam desafios. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts, em Cambridge, oferece cursos on-line gratuitamente desde 2002, mas a maioria dos acadêmicos que lecionavam no semestre atual ainda precisava se esforçar para descobrir como mover seus materiais on-line quando a pandemia, diz Sanjay Sarma, vice-presidente de aprendizagem aberta da universidade.

De maneira mais ampla, muitas instituições estão aprendendo da maneira mais difícil que simplesmente entregar materiais de cursos através de plataformas digitais não é a melhor maneira de ensinar aos alunos. “A universidade Zoom não é um aprendizado on-line adequado”, diz ele. Sarma espera que, quando as universidades retomarem as aulas presenciais, a experiência seja radicalmente diferente – com os instrutores distribuindo as vídeo-aulas mais cedo e concentrando-se pessoalmente na interação com os alunos, para garantir que eles entendam os conceitos ensinados. “Não queremos desperdiçar nossa proximidade com coisas de mão única”, diz ele. “Tem que ser de mão dupla.”

Alguns educadores esperam que a pandemia leve a mais e melhor ensino on-line do que antes- tanto nos países ricos quanto nos de menor renda. Quando as universidades no Paquistão fecharam em março, muitos instrutores não tinham as ferramentas para ensinar on-line e muitos estudantes não tinham acesso confiável à internet em casa, diz Tariq Banuri, presidente da Comissão de Ensino Superior do Paquistão em Islamabad. Mas a comissão vem trabalhando para padronizar o ensino on-line e fazer com que as empresas de telecomunicações ofereçam aos estudantes pacotes mais baratos de banda larga móvel.

“Estamos fazendo isso no contexto do vírus, mas achamos que essas ações terão benefícios a longo prazo”, como produzir estudantes mais bem treinados para trabalhos tecnológicos, diz Banuri. Em países de baixa ou média renda, como o Paquistão, a pandemia de coronavírus pode forçar as universidades a acelerar os planos de longo prazo para melhorar a qualidade e a relevância de seu ensino.

Todas as instituições estão enfrentando grandes problemas financeiros, no entanto. Universidades privadas americanas ricas, como a Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, esperam perder centenas de milhões de dólares no próximo ano fiscal. As universidades britânicas enfrentam coletivamente um déficit de pelo menos 2,5 bilhões de libras esterlinas (US $ 3 bilhões) no próximo ano por causa das quedas projetadas nas matrículas de estudantes, segundo a consultoria britânica London Economics. E as universidades australianas podem perder até 21.000 empregos em período integral este ano, incluindo 7.000 em pesquisas, informou um relatório do governo em maio.

nature 2A Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, cancelou as aulas presenciais, e os alunos agora estão aprendendo remotamente.Crédito: Andreas Gebert / Getty

Um dos maiores problemas será a queda na receita obtidas com estudantes internacionais. As universidades australianas, que dependem fortemente das taxas pagas por estudantes da China, esperam perder de US $ 3 bilhões a US $ 5 bilhões do dólares australianos (US $ 2 bilhões a US $ 3 bilhões), principalmente em taxas de estudantes internacionais, diz Andrew Norton, que estuda política de ensino superior. na Universidade Nacional Australiana em Canberra. As perdas serão concentradas em universidades de pesquisa intensiva, como a Universidade de Sydney, diz ele, porque a renda de estudantes internacionais geralmente subsidia a pesquisa.

O déficit financeiro enfrentado pelas universidades em todo o mundo pode significar que algumas, especialmente as menores, fecharão permanentemente, diz Jenny J. Lee, pesquisadora do ensino superior da Universidade do Arizona em Tucson. Outras podem se fundir. E alguns poderiam desenvolver abordagens inovadoras, como a rede de microcampus do Arizona. O programa, que foi desenvolvido e ampliado nos últimos anos, associa a universidade a uma instituição no exterior, para que os alunos possam ter aulas on-line no Arizona e ter um mentor do corpo docente local para se encontrar pessoalmente. “Com o COVID-19, de repente estamos percebendo o que acontece quando somos fisicamente afastados de outros países”, diz Lee.

Mesmo após o término da crise financeira imediata, as perspectivas econômicas podem permanecer sombrias. Alguns pesquisadores dizem que isso pode levar às universidades e agências de financiamento a se concentrarem em projetos de pesquisa e infraestrutura mais relevantes para os interesses nacionais em um mundo pós-pandemia. Por exemplo, o governo do Reino Unido está montando uma força-tarefa de sustentabilidade em pesquisa que visa avaliar projetos de pesquisa em universidades, com vistas a planejar o futuro a longo prazo do país.

E a pandemia pode ajudar as universidades a reagir contra a noção de que são elitistas e irrelevantes para a sociedade, uma visão de que os partidos populistas avançaram na Holanda, Itália, Espanha e outros lugares. As universidades de muitos países, por exemplo, lideraram a busca por maneiras de tratar ou prevenir o COVID-19.

“Se uma vacina emergisse do Reino Unido, emergiria de uma universidade do Reino Unido”, diz Nick Hillman, diretor do Instituto de Política de Ensino Superior em Oxford, Reino Unido. Ainda assim, Hillman teme que a pandemia possa aumentar as disparidades entre as universidades se os governos direcionarem recursos para potências de pesquisa, como a Universidade de Oxford.

Apesar das mudanças em andamento, van der Zwaan duvida que a pandemia signifique o fim para a maioria das universidades. Ele estuda o que aconteceu após a Peste Negra, a epidemia de peste bubônica do século XIV que destruiu muitos aspectos da sociedade. Das cerca de 30 universidades que existiam na Europa na época, 5 foram exterminadas. Mas “depois do choque, certas universidades voltaram e prosperaram”, diz ele. “Esta é realmente uma boa lição do passado.”

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Este artigo foi escrito originalmente em inglês e publicado pela revista Nature [Aqui!].