Um estudo sobre os efeitos de fragmentos do virus SARS-Cov-2 em organismos aquáticos que foi publicado pela “Science of the Total Enviroment” em 2022 acaba de ser “despublicado” após uma investigação conduzida em nome do periódico por equipe de integridade em Pesquisa e Ética da editora Elsevier que descobriu irregularidades sérias que teriam cometidas pelos autores.
Uma das descobertas foi que três das revisões do artigo eram fictícias. A investigação determinou que três revisões submetidas sob o nome de cientistas conhecidos não foram feitas por eles. A Elsevier também determinou que os nomes e dados de contato fictícios dos revisores foram submetidos pelo autor de correspondência do autor, o professor Guilherme Malafaia do Instituto Federal de Goiás.
A equipe de integridade em Pesquisa da Elsevier ainda considerou que, embora o artigo tenha sido revisado por revisores adicionais escolhidos pelo Editor da Science of the Total Environent, a violação cometida pelo autor de correspondência comprometeu todo o processo editorial., levando a uma perda perda de confiança na validade/ integridade do artigo e em suas conclusões.
A conclusão inevitável que o artigo deveria ser “despublicado” ( ver imagem abaixo).
Há que se lembrar que Guilherme Malafaia é um velho conhecido de despublicações, e já teve mais 40 artigos despublicados por má conduta científica, incluindo o cometimento de plágio. Uma pergunta que muitos poderão fazer é a seguinte: como um pesquisador com um histórico segue sendo incluído em autoria de artigos? E como um artigo com dezenas de autores, de instituições de ponta, passa por um processo de revisão tão fraudulento em uma revista de tamanha tradição?
Das duas uma: tem mais gente participando de esquemas fraudulentos ou vivemos uma epidemia de ingenuidade correndo solta na comunidade científica brasileira.
Pesquisa pioneira sobre mudanças climáticas perde apoio essencial para quatro expedições científicas
Expedição utilizaria o navio Joides Resolution, referência mundial em pesquisas oceânicas – Foto: Divulgação/IODP
Por Jornal da USP
A Margem Equatorial Brasileira é uma região geográfica que vai do extremo norte do Amapá até o litoral do Rio Grande do Norte, abrangendo uma faixa costeira de mais de 2.200 km. Em meio às discussões sobre a exploração petrolífera no local, o projeto de pesquisa oceanográfica Paleoceanography of the Brazilian Equatorial Margin (PBEM-945) foi suspenso indefinidamente por falta da contraparte brasileira no financiamento.
Liderado pelo professor Luigi Jovane, do Instituto Oceanográfico (IO), e aprovado com excelência pelo International Ocean Discovery Program (IODP), o estudo faria parte da primeira expedição 100% brasileira no programa, que conta com participação de cientistas de vários países. “Estas expedições são comparadas a uma viagem à Lua em termos de resultados científicos e tecnológicos”, aponta Jovane.
O IODP é o maior programa internacional de perfuração oceânica, com participação de 25 países. Apresentado em abril de 2019 e aprovado com avaliação “excelente” pelo Scientific Evaluation Panel (SEP), o projeto visa a investigar as mudanças climáticas do Atlântico Equatorial ao longo de 80 milhões de anos, perfurando sedimentos em águas profundas entre as bacias do Ceará e Potiguar.
“Foram apresentadas 15 propostas de perfuração no Atlântico, destas apenas quatro foram aprovadas pelo IODP”, lembra o professor Farid Chemale, coordenador do INCT Atlântico. A expedição utilizaria o navio Joides Resolution, referência mundial em pesquisas oceânicas, com previsão inicial de acontecer entre 2022 e 2024. Segundo ele, “para trazer o navio para o Brasil, o país precisaria desembolsar cerca de US$ 15 milhões para financiar a nossa parte nas quatro expedições”.
Existem apenas dois navios capazes de fazer perfurações científicas em águas profundas. Além do Joides, os chineses também estão construindo um. “Mas ainda está em fase de testes”, diz Chemale, destacando que “se todos os memorandos de entendimento forem assinados com os chineses, se eles aprovarem nossos projetos e tivermos acordo das autoridades brasileiras em tempo recorde, o navio só chegaria ao Brasil em 2027/28.” Isso porque, desde de sua aprovação pelo IODP, as propostas de expedições brasileiras sofreram alguns revezes.
Primeiro, em 2020, o Estado-Maior da Armada da Marinha do Brasil decidiu que não ia liberar perfurações científicas na Margem Equatorial. Depois a Capes decidiu não assinar o acordo com National Science Foundation (NSF), dos Estados Unidos, para manter pesquisadores brasileiros nas expedições internacionais. E agora, mesmo com todos os agentes brasileiros tendo aprovado a perfuração (a Marinha e os Ministérios de Minas e Energia e o do Meio Ambiente), a solicitação da equipe de que recursos dos royalties do petróleo fossem disponibilizados para a pesquisa foi negada.
“Precisamos saber o que tem em termos de biodiversidade, os processos de sedimentação envolvidos na formação da Bacia do Amazonas, como o rio se formou e evoluiu nos últimos milhões de anos antes que a exploração do petróleo na área aconteça”, afirma o professor Jovane, lamentando a decisão. “As expedições que ocorreriam este ano são um marco para a ciências oceânicas brasileiras. A suspensão representa um atraso não apenas para a ciência nacional, mas para o entendimento global do clima tropical.”
A equipe busca alternativas de financiamento junto a agências nacionais e internacionais para reativar o projeto. Enquanto isso, cientistas alertam para o risco de o Brasil perder sua posição em programas de pesquisa de ponta.
*Texto adaptado do Centro Oceanográfico de Registros Estratigráficos (Core) do IO
Usar os copos de água como vertedouros de todo tipo de lixo afeta a qualidade da água usada nas residências. Crédito da imagem: Alexander Schimmeck/Unsplash . Foto no domínio público
Por Rodrigo de Oliveira Andrade para a SciDev
[SÃO PAULO] Um sensor de baixo custo e fácil de usar pode ajudar a identificar e monitorar compostos químicos e contaminantes na água sem que você recorra a laboratórios especializados.
Projetado por pesquisadores brasileiros, o dispositivo consiste em um pedaço de caixa, sobre qualquer um que dispare um raio de laser. Este processo converte a celulose em carbono, um material com propriedades elétricas. A seguir, é adicionada uma solução com nanopartículas de ouro, que gera a reação eletroquímica que identifica as substâncias na água.
Ao receber o raio de laser, o cartão converte a celulose em carbono. Adicionar uma solução com nanopartículas de ouro gera a reação eletroquímica que identifica as substâncias na água. Crédito da imagem: Cortesia de Thiago Paixão para SciDev.Net
“Quanto maior for a corrente elétrica, maior a presença do composto químico ou dos contaminantes que você deseja identificar”, assinalou ao SciDev.Net o químico Thiago Paixão, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), um dos os autores do artigo publicadona revista Sensors & Diagnostics fornecendo a contagem dos resultados.
No laboratório, o sensor obtuvo desempenhos equivalentes aos dispositivos mais caros usados para detectar rastros de hipoclorito de sódio, matéria prima para a produção de lejía. Esta substância é comumente usada para regular a qualidade da água da casa e das piscinas, mas em quantidades elevadas pode prejudicar a saúde humana.
“Estamos falando de um dispositivo descartável de uso seguro, que poderia ser distribuído à população para monitorar a qualidade da água em sua própria casa”, acrescenta Paixão.
Se estima-se que até 5.500 milhões de pessoas, especialmente nos países em desenvolvimento, tenderão a ter contato regular com água contaminada em 2100, o que provavelmente terá efeitos na saúde pública, segundo um estudo narevistaNature Water .
O sensor pode ser facilmente adaptado ao monitoramento de outros compostos químicos de interesse para a saúde . “Um exemplo de uso seria a medição dos níveis de mercúrio na água dos rios consumidos por comunidades indígenas e ribeirinhasque habitam em áreas próximas às centrais hidrelétricas da Amazônia”, acrescenta o químico.
O sensor mede apenas 3 centímetros e seu custo de fabricação é de R$ 0,50 (alrededor de US$ 0,10). Mas seu valor final arrecadou R$ 10 (aproximadamente US$ 2), considerando os outros componentes do dispositivo, como a caixa que o enjoa e a tela que mostra o resultado da meditação.
“Estamos falando de um dispositivo descartável de uso seguro, que poderia ser distribuído à população para monitorar a qualidade da água em sua própria casa”.
Thiago Paixão, Instituto de Química da Universidade de São Paulo, Brasil
Se uma empresa fosse fabricada em grande escala, o dispositivo seria convertido em um aparelho portátil e barato e poderia ser produzido em qualquer parte do mundo depois de Paixão.
Um dos principais desafios de garrafa enfrentados por pesquisadores é que muitas empresas não têm interesse em produzir novas tecnologias para considerar incipientes. “Seria necessário realizar inversões para promover a transferência de tecnologia para a indústria, através de acordos de licença e desenvolvimento de colaborações, o que nem sempre é fácil ou rápido”, disse o químico José Luiz Bott Neto, do Instituto de Física de São Paulo. Carlos (IFSC) da USP, que não participou do estudo em Sensors & Diagnostics .
No entanto, além do uso de nanopartículas de ouro ser prometido, isso aumenta a condutividade do papel e intensifica a sensibilidade do sensor. “O dispositivo também é sustentável, já que é fabricado com material biodegradável, para reduzir o impacto ambiental de sua eliminação”, comentou.
O pesquisador está em contato com algumas empresas interessadas, como a Empresa de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, uma das maiores do mundo em termos de ingressos e população atendida pelos serviços prestados (28,4 milhões de pessoas).
A equipe espera patentear a tecnologia no escritório brasileiro de patentes antes do final do ano.
Sensores de papel, usos múltiplos
O potencial dos sensores de papel para diversas aplicações é enorme, especialmente em ambientes com recursos limitados. São simples de fabricar, econômicos, fáceis de operar, portáteis e desmontáveis, e atraem cada vez mais a atenção de vários grupos de investigação no Brasil.
Científicos do Instituto de Química da Universidade Federal de Goiás, por exemplo, criaram um sensor de papel capaz de medir os níveis de glicose na lágrima de indivíduos com diabetes
O dispositivo funciona como sensores de embarque portáteis, podendo dar uma resposta positiva ou negativa, mas também quantitativa. É composto por papel de filtro impregnado com reativos químicos que mudam de cor ao entrar em contato com a glicose na lágrima. Quanto mais azul se volta o papel, mais alterado é o nível de açúcar em sangue.
Assim, o paciente só precisa tirar um olhar para obter o resultado em minutos, sem ter que apertar o dedo. “Cada sensor cuesta alrededor de R$ 0,10 (aproximadamente US$ 0,02), por lo que cremos que resultaria em um horror para o sistema público de saúde, responsável por comprar e distribuir o aparelho para medir a glicose, as tiras reativas e lancetas”, assinalou a química Ellen Flávia Moreira Gabriel, uma das inventoras do dispositivo.
No IFSC-USP, um pesquisador desenvolveu um sensor eletroquímico de papel kraft capaz de detectar a presença de pesticidas em frutas e verduras em tempo real.
Ao entrar em contato com maçãs ou repolhos, por exemplo, o sensor, conectado a um dispositivo eletrônico, identifica a presença e mede aquantidade do fungicida carbendazim , amplamente utilizado no Brasil, apesar de ser proibido.
“É muito mais fácil e barato, além de muito mais confiável para que supermercados, restaurantes ou importadores realizem a verificação”, disse o físico Osvaldo Novais de Oliveira Junior, professor do IFSC-USP, um dos autores do dispositivo.
Em regiões de prevalência da variante delta do novo coronavírus, o intervalo entre doses de vacina de Covid-19 precisa ser mais curto do que doze semanas para que se tenha um controle efetivo da pandemia. É o que sugere modelo matemático desenvolvido pelo Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI) a partir de dados preliminares da eficácia da vacina para a variante delta. A ferramenta está descrita em artigo publicado na PNASna quinta (18).
A tecnologia, criada pelo grupo ModCovid-19 com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP) projeta tempo seguro e ideal entre doses para controle da pandemia, a partir de dados de eficácia de vacinas. Ele mostra que vacinas com menos de 50% de eficácia na primeira dose precisam de um intervalo menor de aplicação do que vacinas com taxas de eficácia maiores. Alimentada com estudos prévios sobre eficácia dos imunizantes, a tecnologia indica quando é possível adiar as doses e quando se atinge o máximo possível de proteção.
“O próprio algoritmo decide quando é melhor aplicar a segunda dose, levando em conta a primeira, de maneira a controlar o mais rápido possível a pandemia”, explica Paulo José da Silva e Silva, co-autor do estudo. Por isso, a ferramenta, que está disponível on-line, pode ajudar nas tomadas de decisão durante o processo de imunização da população brasileira e de outros países.
Paulo lembra que quando o artigo foi escrito, em fevereiro desse ano, a principal pergunta era se valeria a pena adiar a segunda dose e qual a maneira mais segura de se fazer isso, em virtude da quantidade limitada de doses. Nesse sentido, o estudo teve como base a fabricante Astrazeneca e concluiu que o percentual de eficácia entre a primeira dose e segunda era muito pequeno e por isso, comprovadamente, valeria a pena esperar e vacinar mais gente com 1ª dose.
Agora, com o avanço da variante delta em algumas regiões do Brasil e do mundo, as estratégias de vacinação podem ser revistas a partir deste modelo. “Se você está em um lugar onde ela é a variante prevalente, a eficácia da primeira dose, pelas primeiras estimativas que estão saindo agora, é muito menor do que era com a alfa, então muda a relação da eficácia entre primeira e segunda dose. Essas análises confirmam que a decisão é delicada e que tem que ser feita de maneira sistemática”, observa Paulo.
Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].
O Coletivo “Cientistas Engajados” enviou ontem uma correspondência assinada por 510 pesquisadores ao governador de São Paulo, João Paulo Dória (PSDB), mostrando os problemas que serão causados pelo Projeto de Lei 529 (PL 529), que contém um conjunto de providências relacionadas à gestão pública do Estado que são consideradas como potenciais causadoras de mais problemas do que soluções.
O documento aponta que, especialmente no que diz respeito à infraestrutura de Assistência Social e de Ciência e Tecnologia, o PL 529 ao retirar das universidades estaduais paulistas (USP, UNESP e Unicamp) e da FAPESP recursos que servem para garantir a estabilidade do financiamento à pesquisa, ataca não apenas a autonomia financeira mas, também a capacidade do Estado de reagir à crise sanitária e econômica.
Em sua correspondência, os “Cientistas Engajados” apontam ainda que serão necessários investimentos ainda maiores no próximo período, pois não será possível contar com o governo federal que neste de profunda necessidade do conhecimento científico é presidido por um indivíduo que rejeita a ciência e os cientistas.
Quem desejar ler a íntegra do documento enviado a João Paulo Dória pelos “Cientistas Engajados”, basta clicar [Aqui!]
Nota à Imprensa da Congregação da Faculdade de Saúde Pública da USP sobre a evolução da pandemia de COVID-19 no Brasil
“Com 102 anos de história, sendo uma das instituições pioneiras da saúde pública no Brasil, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), por meio de sua Congregação, dirige-se aos meios de comunicação para informar o seguinte. Não há contradição entre proteção da economia e proteção da saúde pública. A recessão econômica decorrente da pandemia será global e já é inevitável. Medidas de proteção social, especialmente o provimento de renda mínima para trabalhadores informais e complemento de renda para populações vulneráveis, a exemplo do que outros países estão fazendo, devem ser adotadas imediatamente. Esta proteção econômica é um dever do Estado que garantirá tanto a subsistência dos beneficiários como a preservação de um nível básico de consumo, protegendo a vida e a economia, inclusive os pequenos comércios. Neste cenário, os cortes de salários, inclusive de servidores públicos, constituiriam dano irreparável à economia, com queda ainda mais brusca de patamares de consumo. Não há que se confundir a economia brasileira com interesses econômicos de determinados grupos.
O isolamento exclusivo de pessoas em maior risco não é uma medida viável, especialmente em um país com as características do Brasil, com elevados índices de doenças crônicas não transmissíveis que constituem comorbidades relevantes diante da incidência do novo coronavírus. É importante ressaltar que a COVID-19 pode ser assintomática, tem largo potencial de propagação e, como bem revelam os dados de outros países, pode acometer igualmente jovens saudáveis que, com a sobrecarga dos serviços de saúde públicos e privados, podem vir a engrossar as estatísticas de óbitos evitáveis. Ademais, a experiência de outros países demonstra que, na falta de isolamento, parte significativa dos profissionais de saúde está sendo infectada por transmissão comunitária, ou seja, em seu convívio social, reduzindo o contingente de trabalhadores disponíveis, em prejuízo da saúde desses profissionais e de toda a sociedade.
Neste momento de crise, mostra-se urgente e essencial reforçar as capacidades do Sistema Único de Saúde no Brasil, ampliando o seu financiamento, articulando de forma eficaz e cooperativa as ações e serviços públicos de saúde prestados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, ampliando as ações de vigilância em saúde e consolidando protocolos e diretrizes terapêuticos nacionais que orientem a sociedade brasileira de forma segura e cientificamente eficaz. Deve haver imediata regulação da distribuição dos leitos de UTI, articulando os setores público e privado, a fim de garantir o acesso equitativo ao tratamento intensivo para o conjunto da população.
Ainda no que se refere à valorização do SUS, deve ser ressaltada a importância dos profissionais de saúde que vêm se dedicando à atenção dos infectados pelo novo coronavírus. É fundamental que o Estado brasileiro proteja esses profissionais para o pleno desenvolvimento de suas atividades, uma vez que são extremamente expostos ao risco de contaminação e às jornadas de trabalho intensas e exaustivas. Para tanto, deve-se garantir o fornecimento dos equipamentos de proteção individual essenciais no manejo clínico da doença, assim como organizar rotinas e jornadas que evitem a sobrecarga de trabalho e ofereçam a esses profissionais ambientes de trabalho adequados e seguros.
A situação dos idosos merece particular atenção. A banalização da ideia da prescindibilidade de suas vidas no discurso político constitui afronta inadmissível à dignidade humana. A subsistência dos idosos deve merecer políticas específicas, pautadas por preceitos éticos.
O sucesso da política de saúde voltada à contenção do coronavírus depende da adesão da população às medidas orientadas pelo Estado, que deve ser capaz de organizar e incentivar a ação social coletiva nesse momento estratégico. Assim, as ações e serviços públicos de saúde devem pautar-se pelas melhores evidências científicas, com total transparência, clareza e objetividade. As medidas restritivas de direitos devem ser devidamente motivadas, proporcionais, potencialmente eficazes e atentamente monitoradas pela sociedade brasileira.
Por fim, o investimento em pesquisa e formação superior deve ser não apenas mantido mas incrementado de forma significativa e permanente. A experiência da COVID-19 demonstra o quanto a ciência é imprescindível na resposta às emergências, além do extraordinário proveito da vinculação estreita entre a produção científica e os grande sistemas públicos de saúde, com alto grau de fecundação recíproca. No entanto, a ciência requer investimentos de curto, médio e longo prazo, que podem ser altamente comprometidos pela instabilidade ou suspensão temporária de recursos.
Reiterando sua missão, seus valores e compromissos com o Estado Democrático de Direito e com a sociedade brasileira, a Congregação da FSP/USP coloca-se à disposição e solidariza-se com as autoridades sanitárias neste momento de extrema dificuldade, reconhecendo o empenho dos mandatários dos Estados da federação brasileira em salvar vidas. Nossa união e nossa solidariedade será fundamental para o êxito da resposta à COVID-19.
Como sanitaristas com formação plural e multidisciplinar que dedicamos nossa vida à formação e à pesquisa nesta área, pedimos: fiquem em casa, busquem informação confiável e defendam políticas imediatas de proteção social.
Nas universidades dos Estados Unidos, 60% dos recursos vêm do governo; nas da Europa, 77%
Por Luiza Caires para o “Jornal da USP”
Para quem tem dúvida, os números esclarecem sem rodeios: no mundo desenvolvido, universidades e outras instituições de pesquisa são financiadas majoritariamente com recursos públicos – isso vale até mesmo para as universidades que cobram mensalidades. No caso dos Estados Unidos, 60% do dinheiro para a pesquisa vêm dessa fonte; na Europa, 77%. Há poucas semanas, para garantir a “prosperidade em longo prazo”, a Alemanha anunciou o investimento de 160 bilhões de euros no ensino superior e em pesquisa científica para a próxima década. Embora o Brasil enfrente desafios que as nações mais ricas não conhecem, mesmo por aqui não dá para imaginar que haverá desenvolvimento sem cuidar desse setor.
Antes mesmo de assumir o cargo, o ministro das Ciências, Tecnologia e Comunicações Marcos Pontes anunciou que uma de suas prioridades seria incentivar parcerias entre empresas e universidades públicas no País, para que o setor privado investisse mais em pesquisa. Para as instituições, recurso é sempre bem-vindo. Mas a declaração também pode reforçar um discurso falacioso repetido ultimamente: a ideia de que, por si só, o capital privado – seja via parcerias, endowment (doações de ex-alunos, por exemplo) ou cobrança de mensalidades – seria a salvação para o financiamento da ciência e da universidade.
O reitor da USP Vahan Agopyanafirmouque estudos já feitos na instituição mostram que o dinheiro vindo de eventuais mensalidades não chegariam a 8% do orçamento. “Uma universidade de pesquisa é cara”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo. Para Mauro Bertotti, professor do Instituto de Química da USP, “essas instituições requerem vultosos recursos para cumprir suas funções, pois elas geralmente mantêm hospitais universitários e museus, executam numerosos serviços de extensão, formam a elite dos professores do País e nelas são desenvolvidas pesquisas que dependem de insumos e equipamentos sofisticados.” Assim, o ensino básico não pode ser comparado com ensino superior. “A amplitude das ações desenvolvidas em uma universidade pública é infinitamente maior do que a das praticadas na escola básica, restritas ao ensino, e isso explica por que o cálculo total de recursos por aluno é uma falácia”, afirmou em artigo no Jornal da USP.
Otaviano Helene, professor do Instituto de Física (IF) da USP que há vários anos acompanha as políticas universitárias pelo mundo, diz ser impossível para as maiores universidades financiar o grosso do seu orçamento com mensalidades, fundos de endowment e outros recursos privados, como fazem algumas poucas e pequenas instituições nos Estados Unidos, como Harvard, que tem 6.700 alunos na graduação – a USP tem 59 mil. “As pessoas acham que Harvard pode servir de modelo, mas Harvard é uma exceção, mesmo dentro dos Estados Unidos. É uma universidade pequena e privada, as grandes universidades públicas americanas têm centenas de milhares de alunos. Assim como Yale, Stanford e Universidade da Pensilvânia, no nordeste americano, todas pequenas, privadas e com finalidades muito específicas. Aqui parece que queremos imitar as exceções.” Ele chama a atenção também para a relevância da educação superior mantida pelo governo naquele país: de acordo com dados de 2016 da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), 73% dos estudantes de nível superior norte-americanos estão matriculados em universidades públicas.
“Uma universidade de pesquisa é cara”
“Aqui parece que queremos imitar as exceções”
Ciência e desenvolvimento
Para o professor Carlos Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, o modelo de financiamento apropriado para a realidade brasileira é “o que quase todos países usam: pesquisa em universidades é financiada majoritariamente por recursos governamentais”. Segundo ele, os países sabem que para terem desenvolvimento econômico e social é preciso usar recursos dos impostos para isso. “Além de ajudar a educar os estudantes a serem criativos e imaginativos em suas carreiras, a pesquisa em universidades também cria ideias fundamentais que as empresas e a sociedade vão usar no futuro. Soluções que vão para o mercado e que viabilizam o desenvolvimento econômico e social mais adiante.”
Sylvio Accioly Canuto, pró-reitor de Pesquisa da USP, acredita que a participação de recursos privados ou de empresas é muito importante para a inovação, mas que a inovação se baseia em conhecimento básico – é aí que a participação do Estado é essencial, segundo ele: no desenvolvimento de pesquisa básica e descomprometida de aplicações de curto prazo. “Há um entendimento equivocado sobre a participação do Estado. Para o avanço do conhecimento, são essenciais estudos que requerem maior fôlego e que gerarão impacto num prazo maior. O Estado teve papel fundamental nos avanços científicos e tecnológicos recentes” diz o pró-reitor, citando a Apple e o desenvolvimento do iPod como um caso emblemático em que o conhecimento científico de base já estava disponível. Assim, segundo Canuto, o modelo ideal para as universidades deve contar com forte financiamento do Estado complementado por recursos atraídos de empresas. “Não há nação desenvolvida que tenha universidades fracas e desprestigiadas”, pontua.
De origem espanhola, a professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Esther Solano diz que, ainda que nos países mais ricos também não seja muito fácil para a sociedade enxergar a importância da ciência para o desenvolvimento, o caso do Brasil chama a atenção pela “forma tão brutal, estapafúrdia, tosca com que os cortes nas pesquisas vêm sendo feitos.”
Mas o que pensa o diretor do principal entre poucos órgãos privados de fomento à ciência no Brasil, o Instituto Serrapilheira? Ementrevistarecente à Folha de S. Paulo, Hugo Aguilaniu foi enfático: “Verba pública é o coração da ciência”. Para ele, o governo tem que assumir esse investimento. “É como se fosse um acordo entre o governo e o resto da cadeia produtiva. Em qualquer lugar do mundo é assim. Mesmo nos Estados Unidos, onde as indústrias investem pesadamente nas pesquisas, o investimento público é muito forte porque as pessoas entendem esse papel. O investimento público precisa apoiar a pesquisa básica, que depois gera tecnologia, produto, economia para as empresas”, afirmou.
“Pesquisa em universidade cria soluções que vão para o mercado e viabilizam o desenvolvimento”
“Não há nação desenvolvida que tenha universidades fracas e desprestigiadas”
“Verba pública é o coração da ciência”
As cifras do conhecimento
Nos Estados Unidos, a Fundação Nacional de Ciência (NSF) relata que o Governo Federal investiu 118 bilhões de dólares em pesquisa só em 2017 – valor distribuído entre universidades, agências nacionais (como a Nasa) e indústria. 2,7% do PIB norte-americano são aplicados em pesquisa, de acordo com a Unesco; o Brasil investe menos da metade: 1,3%.
A porcentagem do orçamento federal aplicada no investimento em pesquisa e desenvolvimento também mantém-se mais ou menos constante desde a década de 1980, de acordo com a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), ficando acima de 10% para os gastos discricionários (não obrigatórios).
Universidades Norte-Americanas
Olhando especificamente para as universidades norte-americanas, o investimento público é crescente desde a década de 1990, como mostra a Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS), com dados da NSF. Em 2017, quase 60% dos recursos para as universidades vieram do Governo Federal e dos estados norte-americanos.
Recebendo cerca de 2% do total do orçamento federal dos Estados Unidos, os programas de ensino superior daquele país representam uma grande parcela dos investimentos em educação, como aponta o estudo Federal and State Funding of Higher Education, da organização não governamental The Pew Charitable Trusts. Cerca de metade do orçamento do Departamento de Educação dos EUA foi dedicado ao ensino superior em 2013. O financiamento da educação superior também vem de outras agências federais, como os Departamentos de Saúde e Serviço Social e a Fundação Nacional de Ciência (NSF). O setor conta ainda com dinheiro dos estados: a educação superior foi a terceira maior área de gastos do fundo geral estadual em 2013, atrás apenas da educação básica e do Medicaid, sistema de saúde do país.
Para o ano acadêmico de 2018-19, a Universidade da Califórnia, por exemplo, apresentou um orçamento de 36,5 bilhões de dólares, dos quais apenas 7% vêm dos apoios privados. Como afirma seu relatório Budget for Current Operations, o orçamento conta com fundos de variadas fontes, mas os recursos estatais – sejam federais ou estaduais – “continuam sendo fundamentais”.
Universidades Europeias
“A universidade pública não é um privilégio, se olharmos para a Europa, com países tão ricos, as universidades também são públicas”,afirmouao Jornal da USP Liedi Bernucci, diretora da Escola Politécnica (Poli) da USP. De fato, como nos Estados Unidos, em sua maioria as universidades europeias são não somente públicas, mas também financiadas pelo Estado: os governos são a principal fonte de recursos das instituições, de acordo com dados do Gabinete de Estatísticas da União Europeia (Eurostat), respondendo, em 2015, por 77% da receita total.
“A universidade pública não é um privilégio”
Em relação ao investimento,o último relatórioda European University Association sobre a evolução financeira das universidades da Europa reflete a diversidade de contextos dentro do bloco europeu, apontando variações entre os países de 2008 (ápice da crise econômica mundial) a 2017. Assim, ao mesmo tempo que uma forte queda do investimento público atingiu instituições de ensino e pesquisa de Grécia e Irlanda no período, outras nações como Portugal, Holanda e Noruega tiveram aumentos nominais de, respectivamente 21%, 22% e 54% nos recursos públicos para universidades. Como um todo, porém, fica claro que os recursos públicos são os mais relevantes para as universidades – em quase todos os países do bloco, seria impossível para as instituições sobreviver sem eles.
A professora da Unifesp Esther Solano conta que em seu país de origem, a Espanha, as universidades também têm sofrido com falta de recursos, principalmente em momentos mais acentuados de crise econômica – apesar de cobrar taxas anuais dos alunos. “Os custos das matrículas não garantem um autofinanciamento, e também passamos por algo parecido ao que está acontecendo aqui, com críticas a áreas supostamente ‘inúteis’, e uma certa pressão social para que cursos considerados secundários e com poucos alunos, como filosofia grega, por exemplo, fossem fechados.”
Segundo a professora, “cortes são feitos em muitos locais, principalmente em momentos de crise”, mas ela ressalta nunca ter visto em nenhum local ataques contra a universidade sendo feitos como no Brasil agora, “com essa virulência e ressentimento”.
Apesar de não ser contra o ingresso de recursos privados na Universidade pública, Esther chama a atenção para uma discussão mais ampla. “Eu até acho que sim, os recursos privados poderiam ajudar, mas não é essa a questão principal. Acredito que a educação deve ser pública e gratuita por princípio. Por um princípio republicano e democrático: o Estado tem obrigação de dar educação de qualidade para seus cidadãos, pois é uma das mais importantes formas de combater as desigualdades”, defende.
“Acredito que a educação deve ser pública e gratuita por princípio”
Do Canadá à China
Em seudoutoradona Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Danilo de Melo Costa fez um estudo comparativo entre Brasil, Canadá e China sobre o financiamento público da educação superior.
De acordo com o pesquisador, no Canadá, o dinheiro público representa de 55% a 60% do financiamento das universidades e na China, de 40% a 45%. No caso chinês, ele ressalta que existem dois projetos governamentais que concedem apoio financeiro adicional às universidades. “No Projeto 211, o apoio se dá para as cem melhores do país, com o intuito de ajudá-las a alcançar o status de universidades worldclass (de ‘classe mundial’). Já o Projeto 985 concede apoio ainda mais generoso a um grupo especial de 39 universidades, com uma concentração maior de recursos para as Universidades de Pequim e Tsinghua, com o objetivo de impulsioná-las para as vinte melhores do mundo”, relata.
“A expansão da educação superior na China foi preponderante para o destacável crescimento econômico vivenciado pelo país”
Sobre o peso do financiamento privado no orçamento das universidades, ele destaca que universidades consideradas worldclass têm mais predisposição para atrair parceria, “mas, de modo geral, em ambos os países se observou uma média entre 15% a 20% de investimento de empresas privadas.”
Para Danilo Costa, a estratégia de sucesso nestes países foi a diversificação das fontes de financiamento e não a completa ruptura de um modelo de orçamento. Ele é a favor de uma maior aproximação do setor privado com a academia aqui no Brasil, mas enfatiza que “o Estado é, sim, fundamental. Em momentos de prosperidade econômica, existe uma predisposição das empresas investirem mais nas universidades, mas durante uma recessão, este incentivo vai fatalmente diminuir”. Para ele, se esta for a única fonte de sustentação, as universidades enfrentarão graves problemas e terão ameaçada até sua continuidade.
Por fim, ele aponta que investimento nas universidades é considerado prioridade nessas nações. É quase uma unanimidade que “a expansão da educação superior na China foi preponderante para o destacável crescimento econômico vivenciado pelo país.” O Canadá, diz ele, é outro país que investe maciçamente em educação, e que objetiva atingir o chamado sistema universal, deixando a educação superior disponível para todos que vislumbrem frequentá-la.
“Na minha pesquisa, dados de 2003 a 2012 demonstraram que o porcentual do PIB investido em educação superior no Canadá passou de 2,4% em 2003 para 2,8% em 2012. Já na China, o porcentual do PIB investido no setor passou de 1,1% em 2003 para 1,5% em 2012. Ou seja, a educação superior é vista como preponderante para o desenvolvimento da nação, bandeira que também defendo”, conclui o professor, que coordena o Programa de Mestrado Profissional em Administração do Centro Universitário Una (MG).
Foto de destaque: pesquisadores da Universidade da Califórnia, campus San Francisco – Divulgação/ucsf.edu
Arte: Thais H. Santos
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Esta reportagem foi originalmente publicada pelo “Jornal da USP” [Aqui! ]
O texto a seguir integra uma série de quatro artigos produzidos pelo Sistema Integrado de Bibliotecas (Sibi) da USP sobre a produção científica da USP. Para ler o texto completo, com as citações, acesse este link.
Levantamento realizado na Plataforma InCites revela 1.032 entidades de financiamento ativas no mundo – Foto: Pixabay – CC
Estudo realizado a partir de dados obtidos na Plataforma InCites (Thomson Reuters/Clarivate Analytics) revela quais são as entidades de financiamento que mais investem na pesquisa brasileira e na USP. O levantamento foi feito entre os dias 3 e 19 de julho, a partir de conteúdos da Web of Science indexados até 29 de abril e dados atualizados no InCites em 16 de junho.
Utilizando o módulo Funding Agencies, do InCites, foi possível levantar por localização geográfica e por nome da organização os dados de financiamento coletados da seção de agradecimentos ou rodapé dos artigos publicados e indexados na base Web of Science (veja aqui um exemplo).
Ainda que as atribuições de concessão com base em texto apresentem falsos positivos e falsos negativos – a taxa de atribuições imprecisas é de pelo menos 25% – e que as atribuições imprecisas possam ter, elas próprias, vieses de redação e interpretação, insights significativos podem ser obtidos a partir da análise desses dados. Os resultados aqui apresentados não têm a pretensão de serem exaustivos. Buscam apenas evidenciar o potencial de uso da Plataforma InCites.
A maior produtividade está associada às áreas de Ciências Naturais, Engenharias e Tecnologias, e Ciências Médicas. Há indícios também da presença de múltiplos fundos correlacionando-os positivamente com o desempenho geral de citações. Publicações de projetos financiados por órgãos internacionais alcançaram desempenho superior em termos de coautorias internacionais e percentual de documentos citados.
Em geral, solicitar financiamento a órgãos externos ao País aumenta as chances de ser citado e de publicar em revistas científicas de prestígio e alto impacto. Isso significa também que é necessário associar-se a equipes científicas destacadas e grandes grupos de pesquisa, além de manter-se conectado a pesquisadores produtivos, para produzir mais e melhor.
A proporção de publicações em acesso aberto ainda é pequena em relação ao total de publicações associadas a projetos financiados com recursos públicos, mas vem aumentando nos últimos anos.
Quem financia a pesquisa no mundo?
Um dos trabalhos mais abrangentes em termos de identificação digital de financiadores de pesquisa tem sido realizado pela Crossref, agência internacional conhecida pela atribuição do Digital Object Identifier (DOI) a documentos. O banco de dados de registro de financiadores mantido pela Crossref – FundRef– congrega, atualmente, 18.067 entidades ativas de financiamento da pesquisa conectadas a 2.188.220 trabalhos publicados.
É possível buscar informações sobre financiadores e publicações na plataforma por meio do link. O objetivo é fornecer informações claras, transparentes e mensuráveis sobre quem financiou a pesquisa e onde ela foi publicada, ligando os financiamentos aos documentos e conteúdos produzidos.
Muito dinheiro tem sido aplicado na chamada Big Science (grande ciência), fenômeno da ciência da segunda metade do século 20 relacionado a projetos de grande porte, geralmente, financiados por governos ou grupos governamentais, algumas vezes, em detrimento da Small Science.
O projeto de 100.000 Genomasvai ter custado 300 milhões de libras quando os pesquisadores, que sequenciam o projeto genético de muitos seres humanos, tiverem concluído seus estudos. Estima-se que oBóson de Higgs(física de partículas), ligado ao Cern (em inglês, European Organization for Nuclear Research), já tenha custado oito bilhões de libras.
OInternational Fusion Experiment (Iter) é outro projeto mundial orçado em 12,8 bilhões de dólares. A iniciativa European Spallation Source (ESS)está avaliada em 1.843 milhões de euros. À medida que a Big Science se torna ainda maior, sua escala reflete-se nas imensas listas de autores em artigos científicos e aportes financeiros gigantescos.
Em termos mundiais, o levantamento realizado na Plataforma InCites revela 1.032 entidades de financiamento ativas no mundo (2011-2018), mencionadas nos textos dos documentos indexados na base Web of Science.
A maior agência de financiamento de pesquisa é a National Natural Science Foundation of China(NSFC), entidade destacada pela produtividade. No momento analisado é a entidade com maior número de trabalhos publicados e indexados na base Web of Science: foram 1.201.687 documentos produzidos a partir de projetos financiados entre 2011 e 2018.
Em seguida, vem oNational Institutes of Health (NIH) com 588.762 documentos e a National Science Foundation(NSF), com 387.801 documentos produzidos no período. A figura abaixo apresenta os dez maiores financiadores de pesquisa no mundo por número de documentos publicados (2011-2018).
Top 10 financiadores da pesquisa mundial por número de documentos (2011-2018)
A seguir, os principais financiadores por número de citações e documentos (2011-2018). Os resultados indicam uma correlação positiva entre financiamento e impacto. Todavia, é preciso ter cautela com análises superficiais, porque podem levar a equívocos.
Principais financiadores mundiais por número de citações e documentos (2011-2018)
Quem financia a pesquisa brasileira?
O financiamento da pesquisa no Brasil se dá por meio de diferentes sistemas e instituições de fomento, que estão ligadas direta ou indiretamente aos ministérios brasileiros e são: CNPq, Finep, Capes, FNDCT, BNDES, além das agências estaduais que constituem as FAPs – Fundações Estaduais de Amparo a Pesquisa agrupadas no Confap. Há também leis de incentivo fiscal e fomento à inovação, financiamentos empresariais e institucionais. Saiba mais consultando a página de Agências e Oportunidades de Financiamentono website Apoio ao Pesquisador.
Em meio à crise econômica, muitos entendem que o pesquisador brasileiro deve preparar-se melhor para pleitear insumos financeiros internacionais e deve ser mais competitivo, para atenuar o impacto dos cortes do orçamento governamental. Nesse sentido, conhecer a situação atual de financiamento no Brasil do ponto de vista dos financiadores é importante. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) apresenta dados de recursos investidos na pesquisa no Brasil e algumas informações chegam aos pesquisadores e instituições por meio de divulgação à imprensa ou websites.
As principais agências de financiamento da pesquisa – CNPq e Capes – enfrentam problemas com a redução de orçamento. A escassez de recursos afetou o CNPq, órgão vinculado ao MCTIC, em todas as metas na concessão de bolsas e apoios, como demonstra o gráficoa seguir:
Painel de investimentos do CNPq (2001-2018)
A Capes também foi afetada pelos recentes cortes. Vinculada ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), de 2015 a 2017 teve uma perda anual de R$ 1 bilhão. A última atualização do painel de investimentos da Capes sobre concessão de bolsas mostra uma diminuição desde 2014, quando existiam 105.791 beneficiários nas pós-graduações pelo País.
Em 2016, o número baixou para 100.433, um corte de 5,3 mil. Em julho de 2018, o MECanunciou a liberação de R$ 160 milhões para a Capes. Os recursos destinam-se ao pagamento de bolsas, auxílios e fomento às ações de graduação, pós-graduação, ensino, pesquisa e extensão.
O levantamento realizado na Plataforma InCites revela como está o financiamento da pesquisa nos Estados brasileiros, contabilizada a partir do número de documentos publicados. O Estado brasileiro com maior produtividade e financiamento é São Paulo, seguido do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná.
Veja a seguir a distribuição percentual de documentos financiados por Estado. Note-se que é possível haver sobreposições de dados em decorrência das coautorias entre pesquisadores de diferentes Estados:
Distribuição percentual de documentos publicados por estado de projetos financiados (2011-2018)
Os três órgãos que mais financiaram pesquisa no Brasil de 2011 a 2018, de acordo com o número de documentos publicados, foram o CNPq (122.967), Capes (70.048) e Fapesp (56.667).
A figura a seguir apresenta o ranking de financiadores da pesquisa brasileira por número de documentos (2011-2018):
Ranking de financiadores da pesquisa brasileira por nº de documentos (2011-2018)
Percentual de documentos citados também variou de acordo com o órgão financiador, como demonstra o gráfico a seguir. Embora os números sejam positivos, observa-se que artigos de projetos subsidiados por entidades estrangeiras apresentaram maior percentual de citação.
Percentual de documentos citados de acordo com o financiador (2011-2018)
O financiamento também varia de área para área de pesquisa. Utilizando os campos de conhecimento das revistas científicas como um intermediário das áreas de pesquisa, é possível observar que certas áreas se destacam mais que outras.
Considerando as vinte principais entidades financiadoras da pesquisa no Brasil, no período de 2011 a 2018, as áreas de mais destaque são Biologia Molecular e Bioquímica (8.873 documentos), Ciências das Plantas/Biologia Vegetal (6.444 documentos), Ciência dos Materiais (6.259), Farmácia e Farmacologia (6.201 documentos).
A figura abaixo exibe o mapa com as vinte principais áreas de pesquisa (classificação Web of Science) financiadas e respectivo número de documentos produzidos no período.
Top 20 principais áreas de pesquisa financiadas no Brasil por nº de documentos (2011-2018)
Os gráficos a seguir apresentam o número de documentos de projetos financiados pelo CNPq e Capes no período de 2011 a 2018 por área de pesquisa (classificação FOS).
O dataset referente a esses dados pode ser consultado no RepositórioZenodo.
Número de documentos de projetos financiados pela Capes e CNPq (2011-2018) por área
Financiamento da pesquisa na USP
A USP é uma instituição pública de ensino superior e de pesquisa que, desde sua fundação, mantém um papel de liderança na produção científica e acadêmica brasileira. Seus 270 programas de pós-graduação atraem estudantes de diferentes partes do Brasil, da América Latina e de mais de 50 países ao redor do mundo.
Além dos órgãos de financiamento citados, na USP, dois órgãos institucionais estão relacionados ao financiamento: aAucani, a (Agência de Cooperação Nacional e Internacional), que divulga oportunidades de intercâmbio e bolsas, e aPró-Reitoria de Pesquisa (PRP), que apoia pesquisas, noticia editais e chamadas. As unidades e institutos também mantêm serviços que apoiam e divulgam oportunidades de financiamento.
A partir do levantamento realizado na plataforma InCites, foi possível ranquear os 20 principais financiadores de pesquisa da USP (2011-2018) a partir do número de documentos publicados no período de 2011 a 2018, conforme apresentado abaixo.
Observa-se uma correlação positiva entre financiamento estrangeiro e percentual de colaboração internacional, com respectiva elevação do impacto de citação normalizado pela categoria (Category Normalized Citation Impact) e percentual de documentos citados. No total, 518 entidades de financiamento concederam subsídios a pesquisadores da USP no período.
Top 20 financiadores da pesquisa USP por nº de documentos (2011-2018)
As três principais entidades financiadoras da pesquisa da USP nos períodos de 1980 a 1999, 2000 a 2010, e 2011 a 2018 foram Fapesp, CNPq e Capes, como demonstra o gráfico a seguir.
Observa-se que, ao longo das décadas, houve um significativo aumento do financiamento de pesquisas (ou das menções de financiamento) nos documentos indexados.
Top 3 financiadores da produção USP pelo número de documentos (1980-2018)
Relacionando os top 10 maiores financiadores de acordo com percentual de coautorias internacionais, observa-se que a pesquisa financiada por entidades externas ao País apresenta um nível mais elevado de percentual de colaborações internacionais, conforme apresentado na a seguir:
Top 10 financiadores da pesquisa USP e percentual de colaborações internacionais
Por meio do levantamento, foi possível determinar também o percentual de artigos publicados por autores USP e respectivos quartis das revistas: Q1, Q2, Q3 e Q4, com números positivos e consistentes.
A tabela a seguir mostra também como os artigos de projetos patrocinados apresentam significativos percentuais de alta citação (% Highly Cited Papers) e percentual de artigos “quentes” (% Hot Papers), índices que aumentam sempre quando há financiamento de entidades externas ao Brasil. Clique na figura para melhor visualização:
Top 20 principais financiadores pelo nº de documentos publicados de projetos financiados e respectivos indicadores de posicionamento nos quartis das revistas (2011-2018)
Com relação ao acesso aberto, o levantamento revelou que a proporção de documentos gerados a partir de projetos realizados com financiamento público, embora tenha evoluído ao longo das décadas, ainda é baixa. A figura abaixo apresenta esses dados a partir dos três maiores financiadores da pesquisa da USP: Capes, CNPq e Fapesp, de 1980 a 2018. Em azul estão representados os documentos publicados em acesso aberto. Clique na Figura para melhor visualização.
Considerações finais
Poucos estudos se concentram nos órgãos de financiamento como unidades de avaliação, mas isso pode mudar, à medida que os sistemas de informação se tornem mais integrados e as informações estejam mais acessíveis. Iniciativas como o FunRefda Crossref sinalizam avanços nesse sentido.
Não se ignoram as limitações associadas ao uso de dados de financiamento recuperados dos textos de agradecimentos ou de rodapés de artigos: podem produzir falsos positivos e falsos negativos, a taxa de atribuições imprecisas é pelo menos 25%, as atribuições imprecisas podem ter, elas próprias, vieses no nível de campo.
Maior transparência nas definições estratégicas de apoio à pesquisa e relatórios de recursos financeiros investidos, assim como estudos sobre o impacto social da pesquisa financiada podem reduzir gastos e aumentar a equidade e o acesso a financiamentos.
Elizabeth Dudziak / Sistema Integrado de Bibliotecas da USP
Professor traz informações sobre método científico e faz alerta às ciências humanas, que exigem muitas referências bibliográficas
Por Thainan Honorato
O professor Víctor Gabriel de Oliveira Rodríguez, da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da USP, acaba de lançar o vídeo experimental Erro no Método das Ciências Humanas: Ensaio como Tese. O vídeo, voltado especialmente para orientadores, traz informações sobre métodos científicos e, nele, o professor alega ser “preocupante o caminho que as teses estão tomando, principalmente na área das Ciências Humanas”. Ele discute o caminho equivocado que as ciências humanas trilham na elaboração de trabalhos científicos, ao exigirem muitas referências bibliográficas, em detrimento da narração e da qualidade do percurso argumentativo.
O vídeo traz temas como criatividade, autoria, visão de mundo ou libertação de método a partir da obra O Ensaio como Tese: Estética Narrativa na Composição do Texto Científico, de autoria do professor Rodríguez. Ele está disponível no YouTube e pode ser conferido abaixo:
Rodríguez é mestre e doutor em Direito Penal pela USP, especialista em Direito Penal pela Universidade de Coimbra, pesquisador da Universidade de Valhadolide, na Espanha, e ex-assessor de ministro no Supremo Tribunal Federal. Atualmente, é professor associado da FDRP.