Primeiro passo para enfrentar PL da Devastação é entender que do presidente Lula não se pode esperar uma postura condizente com a adoção de um novo modelo de desenvolvimento econômico para o Brasil

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Por Marcos Pedlowski para “A Nova Democracia”
O presidente Lula, contrariando uma série de pareceres técnicos que sugeriam o veto total do PL 2159/2001 conhecido popularmente como PL da Devastação, sancionou a legislação que irá fragilizar sobremaneira o processo de emissão de licenças ambientais no Brasil. Apesar de ter vetado 63 dos 400 dispositivos que compõe a lei aprovação pelo congresso nacional, é seguro dizer que Lula foi responsável pela passada de uma grande boiada anti-ambiental.
Primeiro há que se analisar a abrangência dos vetos, visto que em apenas 27 deles houve o veto pleno, e nos 36 restantes a forma adotada foi sugerir uma nova redação que assegurará que os dispositivos cumpram dispositivos legais, coisa que foi ignorada pelos doutos legisladores que integram as duas casas, Senado Federal e Câmara de Deputados.
Segundo, há que se ver que o governo Lula optou por manter uma nova forma de licença que lhe interessa sobremaneira, a chamada Licença Ambiental Especial (LAE). Ainda que a versão a ser adotada segundo o governo federal não seja tão liberal como a proposta pelo congresso, o fato é que com posse desse instrumento, agora será possível adotar procedimentos mais simplificados e expeditos para a realização de obras de grande porte e que afetarão ecossistemas inteiras, bem como populações tradicionais e povos indígenas. A criação dessa licença sempre foi uma ambição do presidente Lula, pois ele tem claro interesse na realização de obras como a pavimentação da BR-319 e a construção da chamada Ferrogrão. Mas com esse tipo de licença também será possível acelerar o processo de exploração de petróleo e gás na Amazônia.
Mas para além dos interesses do governo de plantão, o que impulsionou a alteração da legislação do licenciamento foram as pressões oriundas do latifúndio agro-exportador e das empresas de mineração que enxergam na liberalização do licenciamento ambiental uma oportunidade para ampliar de forma menos onerosa o alcance de suas operações em todo o território brasileiro, sem que para isso seja necessário assumir maiores responsabilidades sobre os danos que serão causados por suas atividades.
Aqui é preciso abrir espaço para uma reflexão sobre o alcance da fragilização do licenciamento ambiental em relação à exploração das chamadas terras raras. Como se sabe, a mineração brasileira já é controlada em grande parte por empresas multinacionais. No caso das terras raras, a disputa deverá ser entre empresas estadunidenses e chinesas, já que os EUA e a China são quem controlam a produção de produtos de alta tecnologia nas quais elas são usadas. O problema é que grande parte dos depósitos de terras raras se encontram dentro de unidades de conservação, áreas quilombolas e terras indígenas. Com a nova forma de licenciamento, a proteção dessas áreas será inevitavelmente diminuída, expondo ainda os habitantes dessas áreas às pressões de empresas, grileiros e jagunços. Nesse caso, o que parece ser apenas uma mudança na legislação ambiental se revela na prática uma autorização para matar quem estiver no caminho dos interesses empresariais.
Uma pergunta que pode se colocar é a seguinte: por que o presidente Lula optou por sancionar uma legislação tão claramente inepta? Em minha opinião é porque ele acredita no modelo extrativista (tanto agrícola como minerário) como alavanca de desenvolvimento econômico, provavelmente como sendo a única opção real para o Brasil. Essa crença pode ser detectada em inúmeras declarações feitas ao longo do tempo, nas políticas de investimento feitas em todos os governos controlados pelo PT, e também no arco de alianças que sustentam o atual governo Lula que é hegemonizado por forças diretamente ligados ao campo agro-minerador. Assim, aprovar o PL da Devastação está de acordo com as crenças e com as políticas de alianças do presidente Lula.
Por outro lado, alguém poderia dizer que a sanção não foi plena e que certos dispositivos foram vetados, a começar pela permissão ampla, geral e irrestrita para a emissão de licenças automáticas, o famoso autolicenciamento. Pois bem, nem isso está garantido, pois todos os vetos poderão ser facilmente derrubados pelo congresso, repetindo o que já aconteceu na flexibilização da legislação controlando a produção e consumo de agrotóxicos no Brasil. Também no caso do PL do Veneno, o presidente Lula optou por vetos pontuais que posteriormente foram derrubados, e como resultado temos a permissão para a importação, produção e consumo de substâncias conhecidamente cancerígenas. A questão é que se Lula tivesse feito naquela ocasião o uso do veto total, ele teria obrigado o Ccongresso a trabalhar mais. Mas naquele caso, como agora, o uso da tática de vetar pontualmente foi usada. E a minha expectativa é que se não houver uma mobilização popular intensa, os vetos do PL da Devastação também caírão e com grande facilidade.
Que a aprovação do PL da Devastação trará efeitos amplamente desastrosos para o Brasil, eu não tenho nenhuma dúvida. A questão que se põe então é do que se pode fazer para fazer frente às suas consequências. Eu diria que o primeiro passo deverá ser o reconhecimento de que do presidente Lula não se pode esperar uma postura condizente com a adoção de um novo modelo de desenvolvimento econômico para o Brasil. Sem isso, continuaremos presos à falsa esperança de que ele adote a postura que o momento histórico exige dele que seria o de romper com a condição de economia dependente e aferrada à condição de exportadora de produtos primários. Além disso, há que se reconhecer a condição ambientalmente crítica em que nos encontramos, pois sem isso não há como dar a devida prioridade à luta pela proteção das nossas florestas e rios. Em outras palavras, se não reconhecermos que a luta política deve priorizar a defesa da nossa riqueza ecológica, o destino que se avizinha será trágico em função do colapso climático que se avizinha. Por isso tudo é que ser contra e lutar contra os efeitos que advirão da adoção do PL da Devastação não é uma mera frivolidade ambientalista, mas um elemento estratégico e essencial para a luta política de todos os que não querem ver o avanço da destruição das condições básicas para a existência da vida na Terra.
Posso estar parecendo dramático e estou, pois a situação já passou da condição dramática faz algum tempo.
Fonte: A Nova Democracia