
Por Douglas Barreto da Mata
Um importante texto veiculado pelo Blog do Pedlowski (Aqui!) me pareceu uma oportuna lembrança. No entanto, leigo que sou, me aventuro a trazer lacunas importantes do debate. A positivação de um regulamento (lei, norma administrativa, portaria, etc) não garante a pronta efetivação de um direito correspondente na esfera jurídica das pessoas. Simplificando: a lei por si não basta para o gozo de um direito.
A Lei 11.340/2006, como outras tantas, seja a Lei 8.069/90 (ECA), ou a Lei Ambiental, Lei 9.605/98, e etc, etc, apesar de trazerem em suas estruturas previsões legais e dispositivos e mecanismos administrativos para repressão de condutas, prevenção e proteção de bens jurídicos (direitos de crianças e adolescentes, mulheres e ambiente), e enfim, para garantia de implementação de ferramentas jurídicas capazes de acolher pessoas em risco, ou, no caso do ambiente, da prevenção/reparação dos danos, não refletem, na realidade, uma aplicação isonômica desses diplomas normativos.
Novamente simplificando: a lei não é igual para todos, e não no sentido constitucional de tratar de forma desigual os desiguais, mas no caso brasileiro (e talvez de todo mundo capitalista), a aplicação e execução dessas leis se mostra no sentido contrário: Aumenta a desigualdade ao tratar os desiguais de forma igual, ou pior dizendo, de dar tratamento pior aos que mais necessitam de proteção.
Na esfera ambiental, é mais ou menos desse jeito, seja no Brasil, seja no mundo: O que é meu é meu (ricos), o que é de vocês (pobres) é nosso.
Assim, depois de esgotarem todos os recursos ambientais para concentrar montanhas de riquezas, as elites chamam os pobres para arcarem com custos e responsabilidades ambientais. Já no caso da violência pessoal, seja qual for sua natureza, e a de gênero contra mulheres não é diferente, ela se manifesta nas sociedades de formas distintas, obedecendo sempre um viés hierárquico de classes. Quanto mais pobre, maior a possibilidade de ser vítima. Quanto mais pobre, pior será o socorro.
Desta forma, apesar de ser um dado estatístico que a violência contra mulher seja um fenômeno transclassista, a reparação, proteção, punição se dá de forma diferente. Mulheres negras e pobres raramente conseguirão usufruir das raras casas de abrigo, ou poderão contar com auxílio financeiro para reconstruírem suas vidas, abandonando o agressor e a dependência econômica.
Mulheres brancas e ricas contam com advogados caros, e podem movimentar seus processos com muito mais rapidez que as mulheres pretas e pobres, e claro, para se abrigarem nas várias propriedades disponibilizadas pela condição social, além da rede de apoio social de classe (família e amigos). O não funcionamento das medidas de proteção, e da lei em si, não se vincula apenas à leniência policial ou do judiciário, embora esses aparatos tratem, também, as mulheres por um filtro de classe e cor.
A questão está entranhada na gênese do próprio Estado capitalista.
Ora, se o Estado brasileiro sequer consegue cobrar tributos dos ricos para distribuir aos pobres, como imaginar que vá ter condições de acolher mulheres pobres e pretas vítimas de violência, alocar viaturas e dispositivos confiáveis de monitoramento em medidas protetivas.
Enfim, se o Estado já está alicerçado em bases desiguais, como imaginar que os serviços de proteção policial-judicial sejam isonômicos? Impossível.
Infelizmente, a maioria de nossa sociedade, e nela está inclusa uma parte da academia, não consegue escapar da armadilha ideológica das elites, e tende a atacar os aparatos policiais e jurídicos existentes, sem, no entanto, adentrar o núcleo do problema: a desigualdade.
Fazem coro com o cinismo dessas elites, que sabem o motivo e a razão da seletividade do Estado, que chamam de “ineficiência” para buscar nos servidores (e alguns deles merecem até essa culpa) a justificativa para o não funcionamento institucional, dando contornos “morais” às escolhas estatais.
Triste, porque sem esse questionamento, vai continuar tudo na mesma.