Voz da Alemanha: Retrocesso ambiental deve pôr Brasil em saia-justa na Europa

Recuo na política ambiental e poucos avanços na implementação do Acordo de Paris ameaçam levar governo a Temer a constrangimentos e reprimendas em conferência do clima da ONU na Alemanha.

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Desmatamento na Amazônia teve alta acima de 20% em dois anos seguidos, 2015 e 2016

O Brasil deve sofrer reprimendas de outros países e pode até passar por constrangimentos na próxima Conferência do Clima da ONU (COP23), que ocorre em novembro na Alemanha, em meio ao que ambientalistas descrevem como um pacote de retrocessos na política ambiental do governo.

O aumento do desmatamento na Amazônia, a possível redução do nível de proteção de áreas florestais e o foco excessivo da política energética nos combustíveis fósseis são fatores que farão o país chegar com uma imagem ruim à conferência deste ano. Presidida por Fiji, a próxima edição da COP, que ocorre anualmente, será realizada em Bonn, na Alemanha.

Embora o Brasil tenha feito até agora um bom trabalho em seus esforços diplomáticos na conferência, estes não têm sido acompanhado por avanços na implementação de medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa e cumprir o Acordo de Paris, diz o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl.

“Seis ou sete anos atrás, o Brasil chegava às COPs, um dos diplomatas fazia o anúncio da taxa de desmatamento e isso era seguido de uma salva de palmas porque significava que o Brasil estava enfrentando o desafio de reduzir o desmatamento e, com isso, diminuindo muito suas emissões. Agora não existe mais ambiente para aplausos”, afirma Rittl. “Pelo contrário, o presidente Michel Temer ter criado um ambiente onde as questões socioambientais são moeda de troca para conseguir votos no Congresso é constrangedor por si só.”

Segundo Rittl, o país já levou notícias ruins para a COP de 2016, como o aumento de 24% do desflorestamento na Amazônia em 2015 e a alta da violência no campo. Mas agora o cenário é ainda pior, com mais uma alta no desmatamento amazônico em 2016, de quase 30%, a pior taxa desde 2008.

Temer já levou ao Congresso um projeto de lei para alterar os limites da Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará, reduzindo o nível de proteção ambiental da área. O projeto, que conta com apoio da bancada ruralista no Congresso, removeria restrições a atividades rurais e à mineração, e aqueles que ocuparam a região ilegalmente poderiam obter o título das terras.

O avanço do desmatamento já fez com que o governo brasileiro tomasse uma bronca da Noruega, que, questionando as políticas de conservação brasileiras, cortou pela metade, em quase 200 milhões de reais, o repasse ao Fundo Amazônia. A Alemanha também condicionou a manutenção de suas contribuições à redução dos índices de desmatamento.

No âmbito do Acordo de Paris, o Brasil tem como meta reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e em 43% até 2030, tendo como referência os níveis de 2005. Para isso, se comprometeu a zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 e expandir a participação de energias renováveis na matriz energética brasileira, incluindo as energias eólica, biomassa e solar.

Impulso para os biocombustíveis

Uma nova política para biocombustíveis, o RenovaBio, pode ser a única notícia positiva que o Brasil terá a apresentar na conferência, mas, ainda assim, a falta de clareza sobre suas metas preocupa. O programa deve ser tema de um evento oficial do governo brasileiro na COP23, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

O objetivo do RenovaBio é contribuir para que o país aumente a participação de bioenergia sustentável na sua matriz energética para aproximadamente 18% até 2030, expandindo o consumo de biocombustíveis, aumentando a oferta de etanol e a parcela de biodiesel na mistura do diesel.

Contudo, o governo precisa mostrar números mais concretos para ser convincente com o RenovaBio, diz o professor Tercio Ambrizzi, do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP. “Quanto efetivamente vamos contribuir para o corte de emissões? Como isso vai ser importante? Se não se colocar números associados a ele, o anúncio desse programa é como anunciar um programa político”, afirma Ambrizzi, que prevê uma participação “pífia” do país na COP23.

Ainda que a política para biocombustíveis seja implementada, Ambrizzi ressalta que ela pouco trará se não for aliada a uma mudança na matriz energética. E não há indícios de grandes transformações. O Plano Decenal de Expansão de Energia, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, ainda prevê mais de 70% dos investimentos até 2026 no segmento de combustíveis fósseis, isto é, petróleo e gás natural.

Esse planejamento também foi alvo de críticas da organização Climate Action Tracker (CAT), que monitora o progresso de vários países para alcançar as metas do Acordo de Paris. Em avaliação publicada sobre o Brasil em maio, a CAT afirmou que “acontecimentos recentes no planejamento da infraestrutura energética e níveis crescentes de desmatamento evidenciam uma piora na implementação da política climática do Brasil, na direção oposta do que é necessário para atingir a meta do Acordo de Paris”.

A CAT também mencionou o corte de 50% no orçamento do Ministério do Meio Ambiente e outras áreas, o que, na sua avaliação, aumenta as preocupações sobre a capacidade do governo de monitorar o desflorestamento.

Pior do que Trump?

A COP23 será a primeira Conferência do Clima realizada desde que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a intenção de deixar o Acordo de Paris, o que deverá influenciar os debates. Porém, na avaliação de Rittl, do Observatório do Clima, o que tem ocorrido em termos de política ambiental e climática no Brasil chega a ser pior do que o abandono do acordo por Trump.

“Nos EUA, a decisão de Trump acabou gerando uma reação muito positiva de governos estaduais, prefeituras e no setor privado, com muitos anunciando que vão manter proporcionalmente as metas. No Brasil, o que estamos vendo é a desconstrução muito acelerada da política socioambiental num país que era exemplo.”

A imagem brasileira fica ainda mais negativa em comparação com a de outros países emergentes. De acordo com a CAT, medidas positivas de China e Índia, que estão acelerando a transição para energias renováveis e começando a abandonar usinas a carvão, superam significativamente os impactos negativos das propostas do governo Trump nos EUA.

Enquanto isso, especialistas apontam que o Brasil parece estar retrocedendo, o que põe em xeque a capacidade brasileira de cobrar outros países sobre suas ações climáticas nas discussões da COP.

“Em 2016, acendemos a luz amarela. O que está acontecendo agora no Congresso acende a luz vermelha. O alarme precisa ser ligado”, diz Rittl.

FONTE: http://www.dw.com/pt-br/retrocesso-ambiental-deve-p%C3%B4r-brasil-em-saia-justa-na-europa/a-40094991

Voz da Alemanha e os protestos sob o olhar do morro

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Mais uma vez,  um órgão da imprensa internacional dá um show na mídia corporativa brasileira ao apresentar a visão de quem não foi ao protesto de domingo no Rio de Janeiro. E a visão que surge não é aquela que a elite branca gosta de pintar de pobres alienados que preferem ficar no bar bebendo cachaça em vez de procurar um futuro melhor.

Essa reportagem da Deutsche Welle (Voz da Alemanha) deveria ser lida não apenas por pessoas como eu que não apoiam nem o protesto, nem o governo Dilma. Essa reportagem deveria ser lida, principalmente, por aqueles que ainda querem salvar o governo Dilma, já que as críticas apresentadas pelos moradores da Pavão-Pavãozinho parecem refletir exatamente o sentimento daquela porção da população que deu o segundo mandato a Dilma Rousseff, apenas para verem instaladas políticas claramente neoliberais e antipopulares.

E lapidar é a frase de um porteiro sobre as manifestações de domingo: “todos os ricos foram”.  Minha síntese sobre essa declaração: melhor os ricos prestarem bem atenção no que estão desejando!

Do alto do morro, outra visão dos protestos

Moradores de comunidade em Copacabana não escondem ponta de decepção com governo e medo da atual crise. Mas ainda são poucos os que veem motivo para descer e se juntar às manifestações contra Dilma.

Vista da comunidade Pavão-Pavãozinho: crise política divide a comunidade de cerca de 20 mil pessoas

Apenas 500 metros separam a rua Saint Roman, principal acesso à comunidade do Pavão-Pavãozinho, da praia de Copacabana. Mas, mesmo diante de um futuro de incertezas, foi lá do alto do morro, de onde se tem uma vista privilegiada do mar, que a maioria dos moradores acompanhou a manifestação pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff no último domingo (13/03).

A crise política divide a comunidade de cerca de 20 mil pessoas na zona sul do Rio de Janeiro. Nos bares, frequentadores fazem questão de acompanhar pela TV as últimas notícias. E ainda que o assunto seja recorrente nas rodas de conversa em escadarias e vielas, poucos viram motivo para descer e se juntar aos manifestantes. Entre as razões, a crença de que a corrupção é maior do que o Partido dos Trabalhadores (PT) e os governos de Dilma, e seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva.

A comunidade foi pacificada em 2009, mas ainda sofre com as obras incompletas prometidas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2008. O destino dos 43 milhões de reais previstos em obras, os moradores desconhecem. Por ali, ainda faltam investimentos em mobilidade e serviços básicos, como saneamento e rede de energia elétrica.

Cátia F., que tem um pequeno comércio na favela Cantagalo não quis participar dos protestos

Mas, apesar de uma ponta de ressentimento com o governo federal, gente como a operadora de caixa Maria de Lurdes Silva, de 44 anos, acredita que os problemas do Pavão-Pavãozinho e do Brasil são fruto de uma corrupção que assola o país bem antes da chegada do PT ao poder, em 2002. No domingo, ela preferiu ficar em casa. E garante que a maioria dos vizinhos também. Para ela, as manifestações são “uma burrice sem tamanho”.

“Vão tirar a Dilma e colocar quem no lugar? Ela está sendo usada como bode expiatório. Todo mundo rouba no Brasil, e até acho que o Lula tenha roubado também. Quem não? Mas o governo dele melhorou a vida dos pobres. Quando o Fernando Henrique governou, roubou também. O problema foi causado porque o Lula não conseguiu colocar rédeas na roubalheira”, argumenta Maria de Lurdes.

“Todos têm as mãos sujas”

Os laços do Pavão-Pavãozinho com a política são antigos. Na década de 1960, enquanto havia uma política de remoção em outras favelas da zona sul, empreendida pelo então governador Carlos Lacerda, a comunidade ganhou suas primeiras obras de urbanização, com melhorias nas escadarias e no abastecimento de água. Em 1984, no primeiro mandato de Leonel Brizola no governo do estado do Rio de Janeiro (1983-1987), foram realizadas algumas obras de urbanização, como a implantação de um plano inclinado no Pavão-Pavãozinho.

Moradores como o motorista Carlos Alberto da Silva, de 52 anos, lembram bem disso. Desempregado, ele faz bicos vendendo chinelos para sobreviver, se diz descontente com a corrupção, mas acredita que destituir a presidente não é solução para a crise.

“Eu preferi ir à igreja no domingo. Aqui todo mundo sempre votou no Brizola, ele vinha aqui e passava o dia, sentava, conversava com todos no bar. Depois, votamos no PT. Eu votei na Dilma e estou muito decepcionado, mas ela foi eleita e tem de terminar o trabalho. A vida mudou nos últimos anos para melhor, apesar de eu estar desempregado há seis meses. Se a Dilma e o Lula roubaram, terão de pagar pelos erros”, avalia.

O porteiro Jacinto e sua família preferiram ficar em casa

Em 2012, um estudo socioeconômico de 16 comunidades pacificadas do Rio feito pela Firjan indicava que o Pavão-Pavãozinho tinha a maior renda per capita (755 reais) e a segunda menor taxa de desemprego (5%). Mas, apesar de ter quatro escolas municipais e uma creche, registrava, ainda, a terceira pior escolaridade média entre pessoas com 25 anos ou mais –apenas 5,9 anos de estudo.

“Se você tem a tal da elite branca que faz o protesto, você ainda permite o governo sustentar essa narrativa de que o protesto é choro de perdedor. Isso está ficando cada vez menos sustentável. Você já tem, inclusive em classes com menos dinheiro e educação, algum nível de consenso pela responsabilidade da presidente e do partido dela pela crise”, opina o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Mackenzie.

E quem tem medo de que a crise piore ainda mais, achou melhor ficar longe dos protestos, como Cátia Maria Marcelino, de 33 anos. Dona de uma loja de roupas e acessórios num beco da comunidade, ela se diz preocupada com a queda no movimento e teme um retrocesso econômico ainda maior. Segundo ela, derrubar a presidente sem alternativas concretas é “absurdo e perigoso”.

“O problema é que todos os partidos têm as mãos sujas. O que precisam fazer é continuar investigando e punir quem rouba. Se tirar a Dilma, entra o vice dela, que é corrupto. Se não for ele, tem o [presidente da Câmara] Eduardo Cunha, que é corrupto. Sobra quem? O PSDB e o PMDB, que também estão cheios de suspeitas? Esses dois aí só pensam em ajudar os ricos. Tenho a sensação de que estamos andando para trás”, lamenta Cátia.

“Todos os ricos foram”

Opinião semelhante tem o porteiro Manuel, de 40 anos. Morador do alto do morro, ele trabalha num edifício à beira-mar. Ele estava trabalhando no domingo, mas garante que, mesmo se tivesse tempo, não iria para as ruas porque “só havia ricos protestando”.

“Eu via no prédio onde trabalho. Todos os ricos foram. E rico não gosta do PT e de pobre. Rico só gosta do trabalho dos pobres. Não podemos confiar em quem defende os ricos. Votei no Lula, na Dilma e, se ele se candidatar em 2018, voto nele de novo. Pelo menos, eles pensam na gente. Dilma foi eleita e tem que ficar. Só não sei se ela vai ter força, esse negócio está muito embaraçado”, opina Manoel, pedindo para não ter o sobrenome revelado.

Milhares de manifestantes protestaram neste domingo em Copacabana

Segundo o cientista político Valeriano Costa, pesquisador da Unicamp, o não comparecimento das classes sociais mais baixas aos protestos se explica. Além da desconfiança quanto ao que está sendo discutido, o discurso dos organizadores não é dirigido aos interesses e preocupações dessa camada da população.

“Por exatamente serem pessoas que têm questões básicas de sobrevivência, elas têm, primeiro, um medo muito grande de perder o que ganharam. Não é sobre questões sociais e políticas públicas que está se falando nas manifestações, mas sobre um tema que toca diretamente uma classe média que, na verdade, se considera a grande vítima do Estado, do imposto de renda alto, das políticas sociais pesadas”, observa.

Para Jacinto Pedro da Costa, de 42 anos, protestar não adianta nada. Ele votou no PT nas últimas eleições e, decepcionado, diz que não pretende repetir a escolha. Nascido e criado no Pavão-Pavãozinho, ele se diz apartidário e promete pesquisar muito bem antes de decidir em quem votar no futuro. Mas, ele acredita ser injusto atribuir somente ao PT os problemas do país. E arrisca: se outros partidos fossem melhores, trabalhariam juntos por uma reforma política.

“Existem empresários ricos que não querem só derrubar a Dilma, mas querem acabar com o PT. Não é justo, mesmo que tenham cometido erros. Por causa do PT consegui abrir minha primeira conta em banco, consegui crédito para comprar as coisas e colocar mais comida dentro de casa. A corrupção fez os poderosos de todos os partidos se misturarem”, queixa-se Costa, porteiro de um edifício na vizinhança.

FONTE: http://www.dw.com/pt/do-alto-do-morro-outra-vis%C3%A3o-dos-protestos/a-19116649