Amazônia brasileira tem mais de 80 mil pontos de garimpo, diz nota técnica do IPAM

Pico da atividade ilegal em terras indígenas ocorreu nos anos Temer e Bolsonaro; rios em ao menos 139 territórios são poluídos

destruição garimpo

Uma nota técnica publicada pelo IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) nesta sexta-feira, 26, mostra que há 80.180 pontos de garimpo na Amazônia brasileira em uma área de 241 mil hectares – mais de duas vezes o tamanho de Belém.

Cerca de 10,5% dessa área, ou 25 mil hectares, está em 17 terras indígenas diretamente invadidas. Segundo a análise do IPAM, outras 122 estão em bacias hidrográficas garimpadas, totalizando ao menos 139 territórios e seus rios contaminados pela atividade.

Mesmo a mineração localizada fora dos limites de terras indígenas não está tão longe assim. Ocupando uma área de 84,3 mil hectares, 44% desses pontos de garimpo se fixaram em um raio de até 50 quilômetros das bordas dos territórios.

“O impacto do garimpo tem um alcance muito maior do que a área diretamente afetada por essa atividade. Com isso, os poluentes contaminam rios, solos, fauna e flora que acabam afetando a saúde dos povos indígenas da região”, diz Martha Fellows, coordenadora do núcleo de estudos indígenas do IPAM e autora.

16 vezes mais garimpo

O ápice da invasão de terras indígenas amazônicas pelo garimpo ocorreu de 2016 a 2022, identifica a nota técnica, durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. No intervalo, povos originários viram a atividade crescer 361% em seus territórios. A maior parte (78%) da área invadida por garimpeiros em terras indígenas surgiu nesse período.

A velocidade com que o garimpo chega a terra indígenas é maior do que o avanço da atividade no restante da Amazônia: de 1985 a 2022, a área garimpada cresceu 16 vezes dentro dos territórios; e 12 vezes em todo o bioma.

As terras indígenas Kayapó, Munduruku e Yanomami, nessa ordem, são as mais invadidas. O território Kayapó, habitado por povos Mebêngôkre e isolados às margens do rio Xingu, no Pará, tem 55% de toda a área garimpada em terras indígenas na região. Juntas, as três concentram 90% da área indígena invadida por garimpos.

Dentro das terras Kayapó, a mineração ilegal cresceu 1.339% em 38 anos. No território Munduruku, também no Pará, o aumento foi de 129 vezes no período. E na terra Yanomami, em Roraima e no Amazonas, o garimpo ampliou em mais de 20 mil vezes a área invadida, no mesmo intervalo.

Flexibilização legal

De acordo com a nota técnica, o aumento “sem precedentes” na área de garimpo em terras indígenas e na Amazônia brasileira são explicados pela “flexibilização legal no último ciclo legislativo”.

Uma análise do histórico de regulamentação das atividades minerárias, desenvolvida no estudo, revela direções diferentes adotadas pela legislação.

“Há uma disputa legal para regulamentar a atividade minerária. De um lado, mecanismos legais que buscam garantir a segurança socioambiental; do outro, tentativas de afrouxar e até desrespeitar os direitos indígenas fundamentais”, acrescenta Fellows.

Garantindo a integridade socioambiental de áreas afetadas pelo garimpo está a própria Constituição Federal, por exemplo; enquanto as “facilidades para o exercício dessa atividade”, citam os pesquisadores, se mostram na Lei da Boa-fé (Lei n° 12.844/2013) e no Estatuto do Garimpeiro (Lei n° 11.685 de 2008).

Tornar mais robusta a legislação minerária e indigenista é uma das recomendações da nota, que endossa o seguimento do Projeto de Lei n° 3.025/2023, pela implementação de um sistema de rastreio da produção e comercialização do ouro.

Os autores frisam a necessidade da desintrusão imediata de garimpos em terras indígenas, com prioridade para as mais atingidas. A criação de um plano para evitar a reincidência nos territórios é destacada, com fortalecimento de órgãos de fiscalização em ações articuladas com órgãos indigenistas, visando o respeito aos povos e suas culturas.

Leia a nota técnica (disponível para download).

O que a repetição do uso da metáfora do santuário revela sobre as políticas do governo Lula para a Amazônia

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A metáfora do santuário usada à exaustão por Lula é um anteparo que esconde políticas que continuam o que Temer e Bolsonaro começaram na Amazônia

Em mais de uma ocasião, o presidente Lula tem repetido a metáfora do santuário para indicar que não pretende manter a Amazônia apartada das políticas econômicas que seu governo pretende implementar para alavancar o desenvolvimento econômico do Brasil.   Ainda que Lula continue dourando a pílula, prometendo um modelo de desenvolvimento sustentável (o que sabemos ser outra metáfora), ele fica nos devendo uma explicação clara de quem seriam os defensores da transformação da Amazônia em um santuário (ecológico, eu suponho), nem de como seriam as ações concretas do seu governo para não ampliar o processo de destruição que já ameaça a integridade e a funcionabilidade dos ecossistemas naturais amazônicos.

A realidade é que no tocante às ações concretas, o que o governo Lula tem feito e planeja fazer não tem nada de sustentável e se parece mais com uma continuidade do que foi feito nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, em uma espécie de déja vu de dias de terror.  Um exemplo concreto é a prometida pavimentação da BR-319 que segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, é uma das prioridades do governo Lula.  Acontece que existem estudos mostrando que a pavimentação da BR-319 terá um efeito devastador sobre o último grande bloco de floresta intacta na Amazônia, podendo acelerar o colapso ecológico de toda a bacia amazônica.

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Pavimentação da BR-319 deverá acelerar colapso ambiental da Amazônia, dizem cientistas

Mas a pavimentação da BR-319 é apenas um dos muitos projetos do governo Lula que ameaçam acelerar o processo de transformação da floresta amazônica em uma imensa savana, o que terá profundos impactos não apenas para o clima regional, mas do centro sul brasileiro.  O governo Lula mira a expansão de hidrovias e portos nos rios amazônicos, bem como a construção de ferrovias. Tudo isso está sendo feito de olho na ampliação da produção e exportação de soja e carne a partir da Amazônia. Como está mais do que demonstrado em incontáveis estudos científicos, pastagens e monoculturas de soja são as principais impulsionadoras de desmatamento das florestas da Amazônia e do Cerrado.

É preciso ainda lembrar que no congresso nacional avançam propostas que visam autorizar a exploração de madeira e ouro dentro de unidades de conservação e terras indígenas, muitas vezes com o beneplácito dos votos dos chamados partidos de esquerda, começando pelo PT do presidente Lula.  Se todas essas legislações forem aprovadas, o mais provável é que sejam acompanhadas de ações do governo federal para facilitar a atuação das madeireiras e empresas de mineração, e não o contrário.

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Garimpo ilegal de ouro despeja mercúrio nos rios amazônicos e ameaça a sobrevivência das florestas e dos povos indígenas

Ainda no contexto do santuário que inexiste para quaisquer medidas práticas, há que se lembrar que o governo Lula tem feito muito pouco ou quase nada para remover garimpeiros que hoje ameaçam povos indígenas em diferentes partes da Amazônia, começando pelos Munduruku e Kayapó no Pará e Yonamami em Roraima. Apesar de um início aparentemente comprometido, hoje já se vê que não apenas os garimpeiros não foram efetivamente expulsos, mas que continuam avançando com suas formas predatórias de exploração mineral, ameaçando diretamente a sobrevivência dos povos indígenas porque os esforços de remoção são, quando muito, precários. Com isso não avançam apenas as mortes de crianças, mas também a contaminação de mercúrio que emporcalha e envenena rios importantes e os peixes que são item fundamental dos habitantes da Amazônia.

Não posso esquecer aqui de mencionar os papéis inexpressivos que são cumpridos pelas ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. A elas caberiam informar a Lula que inexiste fora ele próprio alguém que aborde a complexidade amazônica sob a metáfora reducionista do santuário.  Com o silêncio concordante das duas ministras, Lula desafia a lógica ao exagerar o uso de uma figura de linguagem que não tem nada a ver com o que ocorre na realidade amazônica.

Finalmente, se o presidente Lula fosse minimamente comprometido com o desenvolvimento sustentável da Amazônia ele já teria criado um fundo especial para fortalecimento das universidades e institutos de pesquisa existentes nos estados da Amazônia, a começar pelo Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e pelo Museu Paraense Emílio Goeldi que às duras penas realizam pesquisas fundamentais para o futuro da Amazônia. Mas até agora, essas duas instituições estratégicas continuam amargando com orçamentos insuficientes que as deixam sempre no limiar da inviabilização.

Pesquisadoras do Centro de Tecnologia Mineral analisam exposição ao mercúrio na Terra Indígena Yanomami

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Cetem enviou equipe para coletar amostras e analisar exposição ao mercúrio

unnamed (18)Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil)

Uma equipe formada por quatro pesquisadoras do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), instituto de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), está na Terra Indígena Yanomami, em Roraima, para avaliar a exposição da população ao mercúrio, poluente usado no garimpo e de alta periculosidade para a saúde.

As pesquisadoras, que integram o Laboratório de Especiação de Mercúrio Ambiental, estão coletando amostras de cabelo da população indígena para analisar a quantidade de mercúrio presente. O trabalho faz parte das ações emergenciais de saúde e meio ambiente promovidas pelo governo federal.

Segundo a pesquisadora Zuleica Castilhos, a principal forma de contaminação humana por mercúrio é pelo consumo de peixe. As gestantes, ela acrescenta, formam o grupo mais vulnerável já que o metilmercúrio pode atravessar a placenta e causar efeitos neurológicos irreversíveis ao feto.

“As equipes do Ministério de Saúde estão produzindo material explicativo e documentos técnicos para o entendimento detalhado de todo o processo de coleta e de análise por parte das lideranças indígenas, visando a ativa participação das comunidades e o seu consentimento para a coleta de dados epidemiológicos e de cabelo para as análises de mercúrio dentro do território indígena”, explicou a pesquisadora.

Zuleica Castilho afirmou que o trabalho seguirá até o fim do mês de março, podendo ser prorrogado. “Os laudos individuais serão disponibilizados para o Ministério da Saúde, que fará o encaminhamento para o desenvolvimento de ações de vigilância e assistência à saúde.”

Também participam do trabalho as pesquisadoras Líllian Maria Borges Domingos, Jéssica Zickwolf Ramos e Thainá Farinchón.

Inteligência indígena a serviço do Brasil

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Monica Prestes*

Roraima tem 35 terras indígenas (TIs) e é, proporcionalmente, o estado com a maior população indígena do país. Lá ficam duas das maiores e mais populosas TIs brasileiras: a Raposa Serra do Sol e a Yanomami. A segunda enfrenta uma crise humanitária com cenários dignos de uma guerra; e será preciso de uma verdadeira operação de guerra para enfrentar o seu maior flagelo, o garimpo ilegal. E ele não tomou somente a TI Yanomami.

Será preciso abrir novas frentes de batalha. Pelo menos outras sete terras indígenas de Roraima estão ameaçadas pela expansão da atividade no estado, com a fuga em massa de garimpeiros da TI Yanomami, alvo de uma força-tarefa do governo federal. A denúncia foi feita pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização indígena de base que há 52 anos atua em todas as TIs de Roraima.

Algumas dessas TIs para onde os garimpeiros estão migrando já têm focos de invasão e rotas consolidadas. Naquelas que ficam no caminho dos garimpeiros, o clima é de alerta vermelho. É o caso da Raposa Serra do Sol – para onde migraram parte dos 40 mil garimpeiros expulsos da TI Yanomami na última grande invasão, na década de 1990– e da TI Boqueirão. Nesta, o CIR identificou estruturas como acampamentos, e pontos de armazenamento de equipamentos e materiais usados na lavra, além de portos clandestinos e um vaivém intenso de garimpeiros, principalmente à noite.

A denúncia repercutiu na imprensa, mas com o objetivo de atingir, também, outras esferas: o CIR enviou ofícios com os relatórios e o mapeamento das ameaças para órgãos federais responsáveis pela força-tarefa contra o garimpo, para embasar ações para além do território Yanomami. O conselho também fez um alerta para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre os riscos da invasão garimpeira na Raposa Serra do Sol, em reunião que aconteceu esta semana. É a inteligência indígena sobre seu território a serviço do Brasil.

É fato que a crise Yanomami não começou ontem, nem em 1º de janeiro de 2019. Mas o que também não faltam são fatos – e documentos – que comprovam que ela se agravou, e muito, nos últimos quatro anos, em meio a uma pandemia negligenciada e à omissão do próprio governo, que negou pedidos de ajuda feitos pelos próprios indígenas. Boa parte desses documentos, vale lembrar, foram produzidos por organizações indígenas como o CIR e seus parceiros institucionais. Nesse período, elas representaram não só a mais consistente oposição ao governo Bolsonaro, mas também a principal articulação da resistência indígena pela proteção de seus territórios.

Foi durante o governo Bolsonaro que a Hutukara Associação Yanomami, por exemplo, decidiu iniciar um monitoramento próprio sobre o avanço do garimpo ilegal no território, revelado pelo relatório Yanomami Sob Ataque, um dos documentos que deve embasar o julgamento do governo Bolsonaro na acusação de genocídio que ele pode enfrentar. Por sua vez, o CIR, organização por trás da consolidação dos direitos territoriais dos povos indígenas de Roraima, e que representa dez povos diferentes – e ainda decidiu abraçar os Warao, indígenas refugiados da Venezuela – conseguiu fortalecer sua articulação nos territórios e celebrar meio século de atuação com uma Assembleia Geral que reuniu mais de 2 mil pessoas na Raposa Serra do Sol, em janeiro.

Esse novo momento do governo brasileiro, agora mais indígena do que nunca, e das próprias organizações indígenas, fala mais sobre construir soluções do que sobre ter respostas para todas as perguntas. Afinal, assim como a violação de direitos dos povos indígenas não começou em 2019, é sabido que a crise não se resolverá em três semanas ou seis meses. E não deve ter quem duvide que jamais os povos indígenas tiveram uma representatividade tão grande no governo, sobretudo nos espaços de decisão sobre suas próprias vidas. Até agora, nesses primeiros 40 e poucos dias, ter uma ministra, uma presidente da Funai e um presidente da Sesai indígenas tem feito a diferença.

Os povos indígenas, não custa lembrar, estão fazendo a parte deles há 523 anos: cuidando do que é nosso. Agora, ocupando espaços no governo, eles terão a oportunidade de construir novas perspectivas de futuro, caminhando ao lado das organizações de base e fortalecendo o próprio movimento indígena. Mas eles não farão a mudança necessária sozinhos, essa é uma construção da qual todos – governos, movimento indígena e sociedade civil – devemos fazer parte.

*Editora na Uma Gota no Oceano 


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Este texto foi inicialmente publicado pelo site “Uma gota no oceano” [Aqui!].

Genocídio Yonamami: resultado do uso da floresta amazônica como um campo de concentração a céu aberto

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Quando visitei a Universidade de Helsinki logo após a eleição de Jair Bolsonaro para presidir o Brasil entre 2019-2022 disse aos presentes que a minha maior preocupação era com o destino dos povos indígenas que viviam na Amazônia, pois estes estariam na linha de frente dos projetos de destruição que haviam sido fartamente anunciados pelo presidente eleito em sua campanha vitoriosa.

Ao longo dos últimos quatro anos, tal como previ, o que vimos de forma difusa foram as informações de invasões em todas as terras indígenas amazônicas, mas com especial ênfase nas terras dos Munduruku no Pará e dos Yonamami  em Roraima, onde milhares de garimpeiros ilegais se instalaram para destruir as florestas em busca de um ouro, contaminando rios e estabelecendo o terror dentro dos territórios.

Assim, aqui e ali, reportagens espaçadas da mídia corporativa acrescidas de denúncias das organizações indígenas informaram sobre a gravidade da situação apenas para darem de enfrentar com o incentivo tácito do governo Bolsonaro às invasões e ao terror instalado nas terras indígenas.

Agora, com o novo governo instalado, imagens mais claras do que se configura em uma tentativa explícito de extermínio estão emergindo (vejam imagens abaixo), forçando o presidente Lula a ir ver pessoalmente as consequências da política arrasada que foi cometida contra o povo Yonamami em Roraima (ver imagens abaixo).

A verdade é que até agora o uso do termo genocídio para definir as ações de Jair Bolsonaro durante a crise sanitária causada pela pandemia da COVID-19 poderia ser visto como um exagero retórico, o que está surgindo sobre a situação dos  Yonamami não tem nada de retórico e assume tons de um nível de barbárie humana que não possui outra definição possível,  na medida em que houve uma ação deliberada para deixar aquele povo originário abandonado nas mãos de milhares de criminosos, sem qualquer proteção do Estado brasileiro. 

O saldo até agora é de pelo menos 500 crianças Yonamami mortas por causa de doenças e outras tantas por causa da presença de garimpeiros em um território que deveria estar sendo protegido e não estava sendo. Resta saber as consequências legais que resultarão contra os responsáveis por este genocídio em solo amazônico.

Em meio a um crescente genocídio indígena nas terras Yonamami, Davi Kopenawa é agraciado com título de Doutor Honoris Causa pela Unifesp

Título honorífico reconhece personalidades eminentes nacionais ou internacionais

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O Conselho Universitário da Universidade Federal de São Paulo (Consu/Unifesp) aprovou hoje (11/5), por aclamação, a concessão do título de doutor honoris causa ao pensador e xamã Yanomami Davi Kopenawa. A Unifesp é a primeira universidade a outorgar este título a Davi Kopenawa, além de ser o primeiro concedido pela instituição (leia mais abaixo). O título é concedido a personalidades eminentes, nacionais ou internacionais, que tenham se destacado nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos.

Davi Kopenawa é um líder político e xamã do povo Yanomami, presidente da Hutukara Associação Yanomami, ativista na defesa dos povos indígenas e da floresta amazônica, autor, roteirista, produtor cultural, palestrante, ganhador de grande número de prêmios nacionais e internacionais e membro da Academia Brasileira de Ciências. É uma das lideranças intelectuais, políticas e espirituais mais importantes no panorama contemporâneo de defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos.

É autor da obra A Queda do Céu: palavras de um xamã yanomami, em coautoria com o antropólogo Bruce Albert. A obra, publicada originalmente em francês em 2011 e traduzida ao inglês, português e italiano, foi amplamente celebrada pela comunidade antropológica internacional. Foi descrita como monumental por Leslie Sponsel, como tesouro literário por Daniel Everett, como um magnum opus filosófico por José Antonio Kelly Luciani e como um acontecimento científico incontestável por Eduardo Viveiros de Castro. O livro deve ganhar versões em alemão, espanhol e coreano.

Kopenawa participou ainda do filme A Última Floresta, de Luis Bolognesi, como roteirista e ator. O filme foi premiado dez vezes desde o seu lançamento, em março de 2021. No início de maio, o filme ganhou o prêmio Platino 2022 de melhor documentário, considerado o “Oscar Latino”.

A outorga do título coroa um processo de busca por diálogos e descolonização de saberes em andamento na Unifesp. É parte deste esforço a criação da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos, em 2016, e, posteriormente, em 2020, da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, com foco na área socioambiental. Ambas as cátedras foram proponentes do pedido de concessão do título, juntamente com o Projeto Xingu, que atua no campo da extensão universitária junto aos povos indígenas desde a década de 1960. A proposta de concessão do título foi entregue à Reitoria em 19 de abril de 2021, juntamente com 472 assinaturas de apoio de docentes, técnicos(as) e estudantes da universidade.

De acordo com Renzo Taddei, docente integrante do grupo que iniciou o processo da concessão do título, “Davi Kopenawa é uma das vozes mais lúcidas e importantes a respeito dos problemas contemporâneos, no nosso contexto brasileiro e no que tange aos desafios planetários, como a emergência climática. É de fundamental importância que as suas ideias sejam disseminadas e discutidas. Espero que o título ajude, ainda, na mobilização da sociedade contra os ataques brutais que o povo Yanomami tem sofrido em seu próprio território”.

A data para a cerimônia de entrega do título a Kopenawa será agendada após consulta ao agraciado.

Primeiro título doutor honoris causa concedido pela Unifesp

Esse é o primeiro título doutor honoris causa concedido pela Unifesp, estabelecido pela resolução n.º 214 do Conselho Universitário (Consu), que determinou as diretrizes, critérios e procedimentos acadêmico-administrativos para a concessão de títulos honoríficos no âmbito da universidade.

O grupo de trabalho, instituído em maio de 2021, elaborou a proposta de composição da Comissão de Concessão de Títulos Honoríficos da Unifesp (Conti), assim como o detalhamento das diretrizes e critérios para a concessão.

A Conti é um órgão assessor da Unifesp vinculado ao Consu e será constituída por até cinco membros do conselho, sendo pelo menos um(a) servidor(a) TAE e um(a) estudante, eleitos(as) pelos(as) seus(suas) pares/conselheiros(as) para um mandato de dois anos. Cabe à comissão receber, analisar, instruir e coordenar o fluxo das propostas de outorga de títulos honoríficos a serem submetidas à deliberação pelo conselho.

Violência na floresta: relatório Yanomami mostra rotina de terror imposta por garimpeiros

Organização checou relatos com dados oficiais do distrito de saúde, comprovando a cronologia dos episódios narrados

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Crateras abertas por garimpeiros em terra Yanomami. Bruno Kelly /Hutukara Associação Yanomami
Por Redação RBA

São Paulo – A Hutukara Associação Yanomami divulgou hoje (6) comunicado em que relata que a comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, em Roraima, vive um violento e trágico histórico desde 2017, com o assassinato de um homem conhecido como C. Sanumá, durante uma briga com garimpeiros. O lançamento coincide com coletiva à imprensa da Polícia Federal, afirmando que as investigações sobre a denúncia de estupro seguido de morte de uma menina Yanomami, até o momento, levam a crer que não houve crime contra indígenas na comunidade de Aracaçá. E que a apuração, que ainda não foi concluída, tampouco encontrou indícios da morte de outra criança, que teria sido jogada em um rio.

Conforme relatado à Hutukara, o indígena C. Sanumá tinha duas esposas e, após sua morte, ambas ficaram em situação de “extrema vulnerabilidade”, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpo. Uma delas se suicidou logo após a morte do marido. Uma das filhas dos indígenas, de 16 anos na época, teria sido vítima de seguidos abusos após ser levada a se prostituir em um acampamento próximo a Aracaçá. A menor engravidou e sua criança morreu em 2019, com poucos meses de vida. Segundo certidão de óbito, a causa foi traumatismo intracraniano. 

Os abusos frequentes teriam causado uma deficiência física permanente na jovem, que teria engravidado de um garimpeiro conhecido como “Pastor”, que teria levado a criança para a cidade. “Desesperada, tirou a própria vida se enforcando”, suicídio confirmado em certidão de óbito de 2021. 

Segundo o relatório, “a sequência de tragédias que marcaram a família apresenta um cenário na aldeia de Aracaçá de casos generalizados de abusos e violência”. “A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente. Os fatos narrados corroboram a percepção dos Yanomami da região de Palimiu que, em 2021, relataram o receio de que vivessem uma tragédia similar à de Aracaçá, que estava levando ao desaparecimento desta comunidade”.

Yanomami sob ataque

A Associação Hutukara reforça os dados alarmantes que constam do relatório “Yanomami Sob Ataque”, que apontam aumento de 46% das áreas destruídas em 2021, com incremento de 1.038 hectares a cada ano, chegando a um total acumulado de 3.272 hectares.

“As denúncias sobre Aracaçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual praticamente metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores”, afirma a nota da Hutukara. A organização Yanomami defende a condução de uma apuração mais ampla e  aprofundada do histórico de violências vivido pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. 

“Por se tratar de um povo indígena que vive conforme seus costumes tradicionais e falante de sua língua ancestral, esse trabalho exige a participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia e com domínio da língua, e durante tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem”. 

A Hutukara reforça a urgência da retirada dos garimpeiros do território para o restabelecimento do bem estar dos indígenas. “Precisamos impedir a tragédia humanitária que está se passando com os Yanomami. Queremos ver nossas famílias novamente saudáveis e em segurança. (…) Precisamos do comprometimento do poder público e do apoio da sociedade para a proteção das Terras Indígenas, da terra-floresta, e das vidas indígenas.”

Yanomami e a contaminação por mercúrio

A região de Waikás, onde está localizada Aracaçá, é onde a exploração do garimpo mais avançou conforme o documento Yanomami Sob Ataque, divulgado em abril pela própria Hutukara. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de Aracaçá estava contaminada com níveis altos de mercúrio, metal tóxico ao sistema nervoso central usado por garimpeiros para extrair ouro.

Não é por falta de orientações e alertas judiciais nacionais e internacionais ao governo brasileiro que a situação chegou a esse ponto. Em 2020 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares de proteção aos indígenas e, desde maio do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a proteção integral desses povos. Também há decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2020, determinando a extrusão dos garimpeiros ilegais.

Segundo o advogado Eloy Terena, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o “governo brasileiro, de forma reiterada, vem descumprindo preceitos fundamentais dos povos indígenas”. A Apib protocolou nesta quinta-feira (5) uma peça com vários pedidos emergenciais e a denúncia de que a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em 2021, não está sendo cumprida. 

Tmbém nesta quinta-feira, a liderança indígena Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana disse à Polícia Federal que indígenas que desapareceram na região de Aracaçá teriam sido localizados longe de Aracaçá. Não foram dados mais detalhes.


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Este texto foi inicialmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

O garimpo ilegal de ouro ameaça os povos indígenas

Povos indígenas do Brasil estão à mercê de um número crescente de garimpeiros ilegais de ouro

yanomamiCaminho da devastação: prospecção ilegal de ouro no território Yanomami (Roraima, 17 de abril de 2016)

Por Norbert Suchanek, Rio de Janeiro

Enquanto dezenas de milhares de pessoas no Brasil se manifestavam contra o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro no sábado por causa de sua desastrosa política de combate à pandemia da COVID-19, outra catástrofe está ocorrendo na região amazônica. Os povos indígenas do Brasil, cujo habitat é a floresta tropical, estão pagando a conta de que o ouro é tradicionalmente considerado uma moeda substituta à prova de inflação, especialmente em tempos de crise como a atual pandemia. O preço do metal precioso mais do que quadruplicou desde 2005, de 11.544 euros por quilo para o valor recorde de 49.800 euros no ano passado.

Especialmente na reserva Yanomami no norte do estado do Amazonas, na fronteira com a Venezuela, cada vez mais garimpeiros ilegais estão destruindo corredores cada vez maiores, inclusive para pistas de pouso na floresta tropical. Imagens de satélite e fotografias aéreas mostram que a mineração de ouro cresceu significativamente este ano. Só no primeiro trimestre deste ano, 200 hectares de floresta tropical foram devastados, de acordo com a avaliação das gravações encomendadas pela Associação Yanomami Hutukara. Desde o início desta terceira invasão de garimpeiros de ouro desde 1980 na área protegida demarcada de Yanomami e Ye’kwana de 1992 nos estados de Roraima e Amazonas há cerca de dez anos, a mineração ilegal destruiu um total de 2.600 hectares de floresta. Os cerca de 28.000 indígenas hoje enfrentam um exército de cerca de 20.000 garimpeiros,

“O estudo mostra que a mineração ilegal na reserva Yanomami continua aumentando”, disse o porta-voz da Hutukara, Dário Kopenawa. Ele teme uma nova escalada e um massacre como o último em 1993, quando 22 garimpeiros e chamados pistoleiros brasileiros atacaram a aldeia Yanomami de Haximu, no lado venezuelano da área tribal, e massacraram 16 homens, mulheres e crianças. Pela primeira vez na história do Brasil, cinco dos perpetradores foram acusados ​​de genocídio e condenados a longas penas de prisão. Mas, depois de apenas seis anos de prisão, foi libertado Pedro Emiliano Garcia, um dos principais perpetradores, que volta a atuar no negócio ilegal de ouro em Roraima.

Há um perigo iminente de mais genocídio contra os povos indígenas, advertiu o procurador-geral adjunto do Brasil, Luciano Maia, no ano passado. Mas não apenas a violência física ameaça os garimpeiros. Eles também arrastam doenças infecciosas e epidemias para a reserva. Segundo Hutukara, os casos de malária entre os Yanomami quadruplicaram desde 2014. O coronavírus também foi introduzido e já causou vários óbitos, principalmente em crianças. Pelo menos dez crianças Yanomami morreram em conseqüência disso. E não só: “Eles também poluem nossos rios com mercúrio”, criticou Kopenawa. Para separar o pó de ouro fino da lama,

A Reserva Yanomami não é a única área tribal infestada por garimpeiros ilegais no Brasil. Na semana passada, os Munduruku no estado do Pará, no Amazonas, relataram novos ataques de garimpeiros ilegais. E o Rio Madeira tem sido um dos afluentes do Amazonas mais poluídos com mercúrio há anos.

Na verdade, o governo federal pouco faz para neutralizá-lo. Pelo contrário: “Temos um presidente e um ministro do Meio Ambiente que defendem e promovem a exploração ilegal do ouro”, disse Francilene dos Santos Rodrigues, socióloga da Universidade Federal de Roraima. »Existe um lobby que favorece os grandes, que financia os grandes ou compra os políticos de vários partidos. Políticos eleitos pelo povo, mas pagos para aprovar leis que incentivem a exploração dos territórios indígenas. “

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Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal berlinense Jugen Welt  [Aqui!].