Zara e H&M, gigantes da moda, usam algodão “sujo” do Cerrado em suas roupas

Pesquisa da ONG Earthsight identificou que as marcas Zara e H&M, líderes mundiais no setor, usam matéria-prima oriunda dos grupos Horita e SLC Agrícola, acusados de grilagem, desmatamento e violação de direitos humanos na Bahia

Zara

Por Luís Indriunas para o “De olho nos ruralistas”

Um vestido “pretinho básico” de algodão da Zara ou da H&M pode custar entre R$ 200 e R$ 400 a depender do modelo, mas o seu custo socioambiental pode ser muito maior. O relatório “Crimes na Moda“, da organização não-governamental britânica Earthsight, aponta que as duas gigantes da moda usam, nos seus produtos, algodão oriundo de duas outras gigantes: Grupo Horita e SLC Agrícola. Instaladas na Bahia, as duas empresas exportadoras da matéria-prima têm um longo histórico de devastação e grilagem.

Capa do Relatório “Crimes na Moda, da Earthsight. (Imagem: Divulgação)

Maior produtora de algodão do Brasil, a SLC tem 44 mil hectares de plantações de algodão no oeste da Bahia, enquanto o Grupo Horita, sexto maior produtor, tem pelo menos 140 mil hectares de terras agrícolas na região. Juntos, os dois grupos acumulam multas milionárias relacionadas ao desmatamento de cerca de 100 mil hectares de Cerrado.

A sueca H&M e a espanhola Inditex, dona da Zara, são as maiores empresas de vestuário do mundo. A H&M tem 4.400 lojas espalhadas pelo mundo, enquanto a Inditex, que possui as marcas Zara, Pull&Bear, Bershka, Massimo Dutti e Stradivarius, soma quase 6 mil unidades comerciais.

Ambas vendem a “sustentabilidade” no seu marketing. Em 2019, a Inditex anunciou que sua marca Zara se tornaria totalmente sustentável a partir de 2025.  Em 2020, a H&M afirmava que até o fim daquele ano usaria 100% de algodão sustentável na sua produção. A meta da empresa é usar 100% de materiais reciclados ou de outras fontes sustentáveis até 2030.

Para esses objetivos, Zara e H&M contam com o selo Better Cotton, uma certificação internacional para rastreamento ambiental e social da produção de vestimentas. A Earthsight identificou falhas nesse monitoramento: a ONG rastreou mais de 800 mil toneladas de algodão das fazendas investigadas que foram parar em oito empresas asiáticas responsáveis pela produção de quase 250 milhões de peças de roupa e artigos para casa para H&M e Zara e suas marcas irmãs. As indústrias rastreadas que compram dos grupos desmatadores ficam na China, Vietnã, Indonésia, Turquia, Bangladesh e Paquistão.

O Brasil produz a maior quantidade mundial de fibra licenciada pela Better Cotton, 42% do volume global. A certificadora já foi acusada diversas vezes de promover lavagem verde (greenwashing) do algodão e criticada por não permitir a rastreabilidade total das cadeias. No caso brasileiro, a Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa) é responsável pelo programa de certificação, o que, segundo a Eartsight, constitui “um grave e evidente conflito de interesses”. A ONG aponta que outros produtores podem estar fazendo o mesmo caminho “sujo” do algodão.

Gigante do Algodão, SLC desmatou cerca de 40 mil hectares



Produção de algodão da fazenda do Grupo SLC Agrícola na Bahia. (Foto:Earthsight)

A SLC Agrícola, maior exportadora de algodão do Brasil, tem um longo histórico de desmatamento no oeste da Bahia. Suas fazendas Piratini, Palmares e Parceiro desmataram pelo menos 40 mil hectares de vegetação nativa do Cerrado nos últimos doze anos.

A empresa alega que não desmatou nenhuma área desde 2020 e que adotou uma política de desmatamento zero em 2021. No entanto, um relatório da Aidenvironment mostra que a empresa retirou 1.365 hectares de vegetação nativa em setembro de 2022. Cerca de metade dessa área havia sido registrada como reserva legal da fazenda.

Imagens de satélite analisadas pela Earthsight encontraram um padrão de incêndios e perda florestal em áreas zoneadas em quase todos os anos entre 2012 e 2023.  A SLC Agrícola disse à Earthsight que os incêndios não foram causados pela empresa, mas sim resultado de processos naturais.

Desde 2008, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) multou a empresa em mais de R$ 1,2 milhão por infrações ambientais cometidas em suas fazendas de algodão no oeste da Bahia. As multas não parecem impressionar o mercado. O Odey Asset Management, um dos maiores financiadores da campanha do Brexit no Reino Unido e investidor da empresa brasileira, alegou que as infrações ambientais da SLC Agrícola custaram tanto quanto uma “multa de trânsito”. A SLC disse que recorreu de todas as multas e aguarda decisões finais.

A empresa é controlada pelos irmãos Eduardo e Jorge Silva Logeman. Em 2014, os dois entraram na lista de bilionários brasileiros da Forbes. Eduardo foi fundador e presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas Agrícolas do Rio Grande do Sul, vice-presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e diretor, conselheiro e vice-presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs). É também fundador e ex-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), parceira do Better Cotton para certificações no Brasil. Eduardo Logemann é um entusiasta da liberação da compra de terras por estrangeiros no Brasil. Em entrevista ao jornal Zero Hora, ele classificou a restrição como um “grave erro”.

Em 2020, a empresa adquiriu a Terra Santa Agro, tornando-se um colosso do agronegócio do país e somando uma série de irregularidades ambientais. Segundo seu site, a empresa, com matriz em Porto Alegre, possui 22 unidades de produção localizadas em sete estados brasileiros, que totalizaram 671.946 hectares plantando não só algodão, mas também soja e milho. Fora o Rio Grande do Sul, todas as suas unidades se encontram no Cerrado.

Grupo Horita tem sócio acusado de compra de sentenças e histórico de grilagem

Entrada da fazenda do Grupo Horita no Oeste da Bahia (Foto: Earthsight)

Em 2019, a Polícia Federal deflagrou a Operação Faroeste, que investigou um vasto esquema de corrupção, envolvendo dezenas de empresários, advogados, juízes, magistrados e políticos, que atuavam há anos na Bahia. Entre os nomes investigados estava o de Walter Horita, sócio do Grupo Horita.

A investigação policial apontou a venda generalizada de decisões judiciais relacionadas a disputas de terras na Bahia. Escutas telefônicas revelaram tentativas de Horita de influenciar membros do judiciário e políticos em Salvador. Entre 2013 e 2019, Horita é acusado de ter feito transferências bancárias bilionárias de pelo menos R$ 7,5 bilhões. Apenas, entre março e julho de 2018, Horita transferiu um total de R$ 6 milhões (US$ 1,2 milhão) para um funcionário do judiciário.

O Grupo Horita ocupa um terço da fazenda Estrondo, onde cultiva algodão, soja e outras commodities. Violentas disputas fundiárias entre a Estrondo e as comunidades tradicionais marcam a história da região. Conhecidos como geraizeiros, os habitantes dessas comunidades vivem da agricultura de subsistência, caça, pesca e criação de gado em pequena escala.

Em 2018, a Procuradoria-Geral do Estado da Bahia concluiu que a Estrondo era uma das maiores áreas griladas do Brasil. Segundo a denúncias, nas décadas de 70 e 80, os proprietários da Estrondo se apropriaram ilegalmente de mais de 400 mil hectares de terras públicas cobertas por vegetação nativa do Cerrado, a maioria já desmatada.

O Ibama multou a Horita mais de vinte vezes entre 2010 e 2019 por infrações ambientais, somando R$ 22 milhões. Boa parte dessas multas é relacionada a fazenda Estrondo. À Earthsight, Horita negou as acusações.

Algodão é um dos principais causadores de desmatamento no Cerrado 

Mapa do relatório mostra o desmatamento no Cerrado. (Imagem: Earthsight)

Em 2023, o desmatamento na Amazônia teve uma queda de 50% em relação ao ano anterior, o que pode ser considerado uma boa notícia. Mas, no mesmo ano, o Deter, sistema de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), apontou um crescimento de 44% da destruição no Cerrado. O agronegócio é o grande responsável por esse quadro alarmante. Desde 1985, a Bahia perdeu quase um quarto dos 9 milhões de hectares de Cerrado para a agricultura industrial.

Ocupando quase um quarto do território brasileiro, o Cerrado abriga 5% das espécies do mundo e um terço da biodiversidade do Brasil. A região corre o risco de perder mais de 1.100 espécies até 2050 ,se a expansão do agronegócio continuar no ritmo atual. Diversas espécies da fauna (lobo-guará, rolinha-do-planalto) e da flora (juçara, brasiliana, canelinha) estão ameaçadas de extinção devido à perda de habitat.

Segundo a Earthsight, o nível de água dos principais rios do Cerrado pode baixar em um terço até 2050 e as monoculturas de algodão são umas das principais responsáveis, tanto por causa do desmatamento e exploração predatória, quanto pelo uso intensivo de água na monocultura. O agronegócio do oeste baiano capta quase 2 bilhões de litros de água por dia, além de  despejar 600 milhões de litros de agrotóxicos no Cerrado todos os anos. O algodão é a monocultura que utiliza mais agrotóxicos, segundo o relatório.

| Luís Indriunas é roteirista e editor do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Divulgação): a gigante da moda Zara usa algodão “sujo” na sua produção, segundo o relatório “Crimes na Moda”, da ONG Earthsight


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Fonte: De Olho nos Ruralistas

Seguindo o turbilhão da Zara: a moda aérea de outras marcas e seus impactos nas mudanças climáticas

moda

Por Public Eye

Atualmente, apenas algumas empresas informam voluntariamente como transportam os seus produtos. E as estatísticas públicas, especialmente dos maiores mercados de importação da Europa e da América do Norte ou dos principais países industriais como a China, não são suficientemente detalhadas para apresentar uma imagem precisa. Portanto, a nossa investigação de acompanhamento sobre a moda aérea não deve ser interpretada como sendo um quadro completo ou mesmo representativo da situação atual. Mas dá uma indicação clara da importância do frete aéreo para marcas individuais. Salvo indicação em contrário, os dados mencionados referem-se aos últimos 12 meses para os quais existem dados disponíveis.

Que evidências existem de que o frete aéreo está sendo utilizado por outros varejistas de moda?

Já destacamos em nossa investigação até que ponto a Inditex e Shein dependem de frete aéreo. Comparado a isso, o padrão que vemos emergir dos dados alfandegários analisados ​​é bastante misto.

  • No que diz respeito a alguns dos principais concorrentes diretos no segmento de fast-fashion, os dados disponíveis indicam uma taxa comparativamente baixa de moda aérea. Em Bangladesh, por exemplo, a taxa atual parece estar abaixo de 2% para grandes clientes, como H&M ou  a Primark, e abaixo de 3% para Bestseller (Jack Jones, Vero Moda). Em comparação, o número da Inditex é superior a 20% este ano.
  • Por outro lado, encontramos evidências de uma maior incidência de moda aérea no grupo Próximo. Das suas importações provenientes do Bangladesh, cerca de 10% vêm por via aérea e das provenientes da Índia cerca de 20%. O terceiro maior grupo de moda do mundo, Fast Retailing (Uniqlo), também envia seus produtos de moda para todo o mundo, com quase 20% das importações provenientes do Vietnã. provavelmente chegará de avião.
  • Entre os principais grupos de moda esportiva, Lululemon se destaca em particular, transportando cerca de 30% dos seus produtos são fabricados no Vietname e no Sri Lanka por avião. Compare isso com os concorrentes Nike e Adidas para os quais observamos uma proporção menor do transporte aéreo a partir do Vietname – menos de 5 por cento. E a Puma nos informou que sua taxa de voo para produtos do Vietnã é atualmente de apenas 0,5%.

Até as roupas íntimas chegam de avião, com cerca de um quarto dos produtos fabricados para a Victoria’s Secret no Vietnã e até um terço dos produtos do Sri Lanka sendo transportados desta forma. A gigante da roupa íntima Calzedonia também possui produtos fabricados na ilha, com a proporção de transporte aéreo na faixa de 5 a 10%.

Transparência? Raramente encontrado

Esta evidência mostra-nos que a moda transportada pelo ar não só prevalece amplamente na Inditex e na Shein, mas também noutras partes da indústria do vestuário. Contudo, o facto de alguns dos principais concorrentes directos utilizarem apenas uma pequena proporção dos voos proporciona uma luz de esperança. A forma como a moda aerotransportada é tratada de forma diferenciada no setor também pode ser percebida na forma como as empresas se comunicam sobre ela.

Next e Victoria’s Secret estão assumindo a liderança de Inditex e Shein e não falam mais do que em termos gerais sobre as suas emissões provenientes dos transportes. A história é semelhante com o Fast Retailing. Esta empresa, que tem Roger Federer como embaixador da sua marca principal Uniqlo, respondeu à nossa consulta, mas não partilhou quaisquer detalhes sobre a moda aérea. A empresa refere-se, em vez disso, aos seus objetivos climáticos globais e ao envolvimento numa iniciativa para reduzir as emissões dos transportes. Contudo, este compromisso não apresentou progressos até agora; muito pelo contrário, já que as emissões dos transportes aumentaram 55% desde 2019.

Outras empresas estão adotando uma abordagem mais proativa em relação ao problema.Bestseller afirma que o uso de frete aéreo vem diminuindo há quatro anos e que sua proporção no total de frete transportado é atualmente de 1,04%. Como resultado disso, as emissões relacionadas aos transportes caíram 55% desde 2018. O relatório de sustentabilidade da H&M também mostra uma redução significativa no frete aéreo. emissões (–51%) no último exercício financeiro. Quando questionada, a Primark explicou que geralmente faz encomendas com longos prazos de entrega e permite tempo suficiente para transportes marítimos. O frete aéreo seria, portanto, usado com pouca frequência. No entanto, a empresa não nos forneceu quaisquer números sobre isso.

A Nike menciona um ligeiro aumento no frete aéreo utilizado para o fluxo de mercadorias em 2022, mas o volume permaneceu baixo e abaixo do nível pré-pandemia. A Lululemon pelo menos identifica o frete aéreo como o principal contribuinte para a elevada proporção de suas emissões totais contabilizadas pelos transportes (25%) e está anunciando uma tarefa forçar a transferência do transporte de mercadorias do ar para o mar. Mas é difícil definir estes anúncios e dados sem ter números específicos para basear. 

Apenas algumas empresas fornecem detalhes mais precisos sobre a proporção atual da sua carga transportada por via aérea. A Calzedonia estima que este valor representa uns impressionantes 20% do volume total, o que significa que as emissões comunicadas são correspondentemente elevadas. Por outro lado, a proporção relatada pela Adidas é significativamente menor: 2% em 2022.

Descobrimos que Puma forneceu as informações mais detalhadas. A empresa reporta uma redução na sua taxa de frete aéreo de 3% antes da pandemia para 1% hoje, fornece números detalhados sobre as emissões para cada modo de transporte e é a única empresa que nos informa a quantidade total de carga aérea que transporta. Sem mencionar que a Puma estabeleceu uma meta de redução específica: reduzir a proporção de frete aéreo pela metade, para 0,5%, até 2025.

As grandes disparidades entre estas empresas sublinham o quão desnecessária a moda aérea é também do ponto de vista empresarial. Apelamos a todas as marcas para que eliminem gradualmente o transporte aéreo e forneçam informações transparentes sobre os meios de transporte que utilizam e as suas emissões.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela Public Eye [Aqui!].

A Zara alimenta a crise climática com milhares de toneladas de moda transportada via aérea

Sempre mais rápido e sempre mais poluente! A indústria da moda rápida depende de tendências de curta duração e transporta toneladas de roupas por via aérea para todo o mundo. Em linha com o seu modelo de negócio, a gigante espanhola da moda Zara e retalhistas online globais como a Shein reservam um grande número de voos. A Public Eye está apelando às empresas para que eliminem gradualmente a moda transportada pelo ar, prejudicial ao meio ambiente.  

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Por David Hachfeld, Romeo Regenass, para a Public Eye

A localização é o Aeroporto de Saragoça, o segundo maior aeroporto de carga da Espanha. Um jumbo de carga operado pela companhia aérea Atlas Air, partindo do aeroporto de Delhi, está prestes a pousar. Transporta cerca de 100 toneladas de têxteis da Zara e de outras marcas pertencentes ao gigante espanhol da moda Inditex. Eles são preparados na Espanha para envio posterior às 5.815 lojas localizadas em todo o mundo. Poucos dias depois, grandes lotes deles são carregados num dos cerca de 15 aviões de carga que descolam semana após semana para a Inditex – o principal cliente do aeroporto de Saragoça – voando para destinos na América do Norte e Central, no Médio Leste, Ásia e também Europa.

Oscar García Maceiras é CEO da Inditex, que opera 38 lojas na Suíça com as marcas Zara, Zara Home, Massimo Dutti, Bershka , Pull&Bear , Oysho e Stradivarius, e 7 lojas online, além de uma trading e uma empresa de otimização fiscal em Friburgo, Suíça. Na Assembleia Geral Anual realizada na Corunha, na Galiza, em julho deste ano, Oscar García Maceiras conseguiu presentear os acionistas com um lucro líquido de 4,1 mil milhões de euros. As vendas de 32,6 mil milhões de euros resultaram numa margem de lucro superior a 12,5 por cento. A Inditex ultrapassou mesmo a Nestlé neste número, com o grupo suíço a reportar uma margem de pouco menos de 10% para 2022.

O Grupo Zara apresentou não apenas lucros luxuosos, mas também objetivos ambiciosos de sustentabilidade e promessas relacionadas com o clima. Isto incluiu “roupas mais ecológicas” e “zero emissões líquidas até 2040”. No entanto, o chefe do segundo maior grupo de moda pura do mundo, depois da Nike, não mencionou que a Inditex transporta toneladas de roupas para todo o mundo – com ou sem crise climática. Presumivelmente, isto faz parte dos 10 por cento das emissões de gases com efeito de estufa que são “difíceis de eliminar” de acordo com as novas metas de sustentabilidade do grupo , que a Inditex pretende “ser neutralizadas ou compensadas através de iniciativas de absorção de carbono”.

Ativistas ambientais da Extinction Rebellion no final de 2021 durante uma apresentação contra o fast fashion prejudicial ao meio ambiente do lado de fora de uma loja Zara na capital argentina, Buenos Aires.

Um toque de verde para o fast fashion

A Inditex está a fazer todos os esforços para se apresentar como pioneira na proteção climática. Sob o lema “Join Life ” , o grupo apresenta um vasto conjunto de iniciativas de sustentabilidade. Por exemplo, em 2021, a Zara anunciou o desenvolvimento de uma coleção feita a partir de emissões de carbono reciclado e é membro de uma iniciativa que promove o frete marítimo limpo. A Inditex gosta de reportar aumentos de eficiência nos transportes. No entanto, prefere manter-se calado sobre os danos causados ​​ao clima ao voar com as suas roupas por todo o mundo.

A Inditex é considerada pioneira na indústria da moda rápida e orgulha-se de abastecer as suas 5.815 lojas em todo o mundo (no final de janeiro de 2023) com roupas novas duas vezes por semana. Marcas como Zara ou Pull&Bear podem projetar, produzir e entregar um novo item em três a quatro semanas, enquanto muitos de seus concorrentes planejam fazer isso durante meses. Os curtos prazos de produção e entrega permitem reduzir os ciclos de moda para apenas algumas semanas, gerando nos consumidores a sensação de que precisam constantemente de novidades para não perderem nenhuma tendência.

Isto fornece a base para a estratégia de vendas da Zara, que um antigo gestor da Inditex definiu há anos da seguinte forma: “Queremos que os nossos clientes percebam que têm de comprar algo de que gostam imediatamente porque pode não estar disponível na próxima semana. O estoque na loja deve estar sempre em falta para que sempre pareça a oportunidade certa para comprar.” Por exemplo, a Inditex aparentemente consegue vender 85% de todos os artigos pelo preço integral – uma taxa elevada no mundo da moda barata. No entanto, este modelo de negócio altamente lucrativo também se baseia em baixos salários do lado da produção. Tal como a Public Eye calculou em 2019 , a Zara, por exemplo, provavelmente obtém mais lucro com um capuz do que com o rendimento total combinado de todos os trabalhadores envolvidos no processo de produção.

Casacos esperando para serem despachados de avião e caminhão no enorme centro de distribuição da Zara em Zaragoza.©José Colón

Comissão Europeia quer que o fast fashion saia de moda

A tendência para o fast fashion tem consequências. De acordo com um estudo da Fundação Ellen MacArthur do Reino Unido, a produção de têxteis duplicou em todo o mundo entre 2000 e 2015 e espera-se que mais do que duplique novamente até 2030. É por isso que a Comissão Europeia está a visar em particular a Zara & Co. proibição da destruição de têxteis não vendidos e informação sobre a pegada ecológica das peças de vestuário. E com razão. Em 2022, a empresa-mãe da Zara estabeleceu um novo recorde de produção de 621.244 toneladas de têxteis. Apesar da perda de grandes negócios na Rússia, o volume de vendas aumentou 10 por cento em comparação com o ano recorde anterior de 2021. A Comissão da UE quer agora que o fast fashion “saia de moda” . Ou seja, a moda descartável não deveria mais estar em voga.

As estimativas científicas sobre a percentagem de emissões globais de CO 2 atribuíveis à indústria da moda diferem, mas há consenso quanto à necessidade urgente de acção. Para garantir que a moda gera vendas mais rapidamente e que as tendências de curta duração podem ser melhor rentabilizadas, marcas de fast-fashion como a Zara dependem mais do que outras do frete aéreo, tanto em termos de aquisição como de envio de peças de vestuário acabadas.

De acordo com um estudo da consultoria ambiental suíça Quantis, o transporte é responsável, em média, por apenas cerca de 3% das emissões de gases de efeito estufa da indústria da moda ; a grande maioria é responsável pela produção de matérias-primas e seu processamento. Mas esta taxa aumenta dramaticamente no caso da moda aérea.

A consultoria ambiental Systain , com sede em Hamburgo, calculou com o Grupo Otto a pegada de CO 2 envolvida na fabricação de uma camisa de manga comprida. Em termos dos resultados do estudo , as emissões de gases com efeito de estufa relacionadas com o transporte produzidas por uma peça de roupa transportada por via aérea são cerca de 14 vezes superiores às de um artigo que foi maioritariamente transportado por via marítima. A camisa de mangas compridas percorreu um longo caminho: desde o algodão cultivado nos Estados Unidos até à produção de fios, tingimento e costura no Bangladesh, e depois como produto acabado transportado por navio para a Alemanha antes de ser entregue à porta do cliente.

Isso atinge mais de 35.000 quilômetros – o equivalente a viajar quase uma vez ao redor do mundo. Apesar desta distância, o transporte é responsável por apenas 3% das emissões de CO2 . Se, por outro lado, a peça de vestuário acabada chegasse à Europa por avião, a percentagem contabilizada pelo transporte aumentaria para uns notáveis ​​28 por cento ( ver infográfico ). Não surpreende, portanto, que a percentagem de emissões de gases com efeito de estufa atribuíveis ao Grupo Zara seja significativamente superior à taxa de três por cento que se aplica a toda a indústria. Em 2021, o valor era de 10,6 por cento, de acordo com o relatório anual, enquanto em 2022, mesmo após a descontinuação dos seus negócios na Rússia, ainda estava acima dos oito por cento.

Diagrama esquemático mostrando as operações de transporte de contêineres do Leste Asiático para a Europa. Todos os números são estimativas aproximadas. ecotransit.org foi usado para estimar as emissões

Como resultado, a moda transportada pelo ar está a tornar-se um motor da crise climática. – e isso é completamente desnecessário. Fabricantes como a Inditex, empresa-mãe da Zara, poderiam reduzir enormemente a proporção do frete aéreo sem encontrar grandes problemas.

Em 2022, só a UE importou 387.009 toneladas de vestuário, têxteis e calçado e exportou 346.778 toneladas por via aérea, de acordo com as suas estatísticas comerciais. A tendência tem sido ligeiramente decrescente desde 2019, o que provavelmente se deve em parte à pandemia e à guerra em curso na Ucrânia. Mas o transporte aéreo continua, no entanto, em grande escala. Só em 2022, as importações e exportações aéreas da UE representaram a capacidade de carga de 7.000 a 7.500 grandes aviões de carga, ou seja , cerca de 20 voos de carga por dia transportando apenas vestuário de moda. O que é surpreendente é que a percentagem de viagens aéreas que envolvem exportações (17,5 por cento) é significativamente mais elevada do que as importações (3,4 por cento).

Mas quais são as marcas que mais transportam seus produtos de avião? As próprias empresas são muito vagas quando se trata de moda aérea. É por isso que também avaliamos meios de comunicação independentes e dados alfandegários detalhados. No processo, identificamos também outras empresas de moda como Calzedonia , Lululemon, Next, Uniqlo e Urban Outfitters, mas nenhuma delas apresentou volume de frete aéreo próximo ao da Inditex.

1.600 voos por ano apenas da Inditex para Saragoça

Independentemente de onde sejam fabricados, praticamente todos os produtos da Zara & Co. acabam nos grandes centros de distribuição que o grupo opera nos arredores do Aeroporto de Saragoça. Lá, as peças são passadas, inspecionadas e embaladas, para serem despachadas para lojas em todo o mundo.

De acordo com o Relatório Anual de 2022, cerca de metade da produção ocorreu no Norte de África, Turquia e Península Ibérica, sendo o restante em países mais remotos (Argentina, Bangladesh, Brasil, China, Índia, Camboja, Paquistão e Vietname). Muitas roupas vendidas em países que a Inditex fornece por via aérea (que incluem vários mercados importantes – veja os infográficos dos mapas mundiais ) já passaram duas vezes pelo interior do compartimento de carga do avião. Em comparação com outras marcas de moda, isto significa que o transporte causa significativamente mais danos ao clima.

Fontes: aena.es, relatório anual Inditex 2022, reportagens da mídia

O carro-chefe deste modelo de negócio é o centro logístico central Plaza ”, próximo ao aeroporto de Saragoça, que funciona em quatro turnos, 360 dias por ano. “Todas as peças de roupa feminina que a Inditex vende em qualquer parte do mundo passam pelo Plaza”, segundo um vídeo da estação de televisão local Aragón TV . O vídeo mostra um avião de carga da Emirates Skycargo sendo carregado com 37 enormes paletes de mercadorias da Inditex com destino a Dubai. A Inditex tem um hub lá, onde parte da carga é preparada para voos posteriores com destino à Austrália e destinos na Ásia. O funcionário da Inditex responsável pelo frete aéreo afirma que, em Saragoça, são realizados semanalmente cerca de 32 voos de carga para a Inditex, com cerca de 100 toneladas de roupas a bordo. Isso representa bem mais de 1.600 viagens de aeronaves por ano.

De acordo com um funcionário da Inditex responsável pelo frete aéreo, todas as semanas são realizados cerca de 32 voos de carga com cerca de 100 toneladas de roupas a bordo para a Inditex em Saragoça. (Clique na imagem para abrir o vídeo no YouTube). ©© Aragão TV

Como resultado, Saragoça subiu para o segundo lugar entre os aeroportos de carga de Espanha em 2019. A Inditex foi responsável por 90 por cento do volume total de 183.000 toneladas, de acordo com a agência regional de desenvolvimento económico. Em 2022, o volume caiu uns bons 34 por cento depois de atingir um recorde de 194.000 toneladas em 2021, como resultado da guerra na Ucrânia, mas provavelmente também porque a Inditex fechou as suas 502 lojas e loja online na Rússia , o seu maior mercado. depois da Espanha . Antes disso, a Inditex enviava semanalmente dois jumbos de carga da companhia aérea russa AirBridgeCargo para Moscovo.

Nem tudo é transportado de avião. Qualquer coisa que possa chegar às suas lojas por via terrestre a partir de Saragoça em 36 horas tem maior probabilidade de ser transportada em grandes caminhões. Isto significa que as lojas e lojas online na Europa Ocidental e Central são abastecidas, em certa medida, por via rodoviária.

Toneladas de artigos de moda transportados de avião dentro da UE

Mas mesmo na UE, onde o frete aéreo oferece apenas uma pequena poupança de tempo , o vestuário de moda é transportado por avião. Em 2022, pelo menos 42 658 toneladas foram entregues por avião (como as mercadorias não são desalfandegadas na UE, estas estatísticas estão incompletas). Uma estatística importante é que, de longe, a maior parte destas viagens aéreas provém de Espanha – 64 por cento ou 27.392 toneladas, para ser mais preciso. O principal expedidor neste caso provavelmente será a Inditex. Os principais destinos foram a Grécia com 8.034 toneladas e a Polónia com 5.132 toneladas. Além de o Grupo Zara ter inúmeras lojas nos dois países, as roupas não conseguem chegar às lojas por via terrestre no prazo de 36 horas desejado pela Inditex, devido à distância. Com base nos dados do operador aeroportuário Aena, estes mercados não serão provavelmente servidos por aviões de carga provenientes de Saragoça, mas as mercadorias podem ser transportadas em voos de passageiros a partir de Madrid e Barcelona, ​​onde a Inditex é também um importante cliente de carga. No Aeroporto de Barcelona, ​​a indústria da moda é responsável pelos maiores volumes de carga há anos.

A Inditex começou recentemente a utilizar comboios de carga , que vão de Sète, no sul de França, a Poznan, na Polónia, para fazer entregas no armazém utilizado para receber encomendas online na Europa Central. Na viagem de regresso, a IKEA utiliza a mesma composição do comboio para transportar móveis fabricados na Polónia para Espanha. Isto poupa um total de 12.000 toneladas de emissões de CO 2 por ano, o que é um bom começo, mas apenas uma gota no oceano.

Cada peça de roupa feminina que a Inditex vende em qualquer parte do mundo passa pelo centro logístico Plaza do Aeroporto de Saragoça. ©José Colón

Moda aérea Inditex de Bangladesh

Em 2022, o Grupo concedeu encomendas no valor de 1,25 mil milhões de euros a 170 fábricas no Bangladesh Esta informação provém de uma carta enviada pelo responsável da Inditex Bangladesh a uma autoridade local, que foi publicada pelo portal financeiro local “The Finance Today”. De acordo com dados alfandegários, a Inditex entregou pelo menos 16% deste volume ao aeroporto de Dhaka como frete aéreo. De janeiro a agosto de 2023, o número chegou a 22,8 por cento .

Mas isso não é tudo. De acordo com uma revista comercial, a Inditex também transporta peças de vestuário prontas por camião para Deli, na Índia, de onde são transportadas para Saragoça em jumbos de carga da Atlas Air. A razão para isto são problemas de capacidade aparentemente recorrentes no Aeroporto de Dhaka, onde o vestuário pronto a vestir representa 85 por cento do volume de carga. A Inditex exerce a sua força negocial nestas situações, comprando até 70 por cento da capacidade de carga do Aeroporto de Dhaka, um facto que a Inditex não refutou.

O verdadeiro absurdo da moda aérea da Inditex é revelado ao olharmos para os preços, que também ficam evidentes nos dados alfandegários. Um importante fornecedor no Bangladesh, com cerca de 6.000 funcionários, fabrica principalmente t-shirts femininas para a Zara, produzindo de Janeiro a Agosto deste ano – de acordo com dados alfandegários – quase 10 milhões de artigos. Um quarto deles chegou a Espanha por via aérea, muitas vezes via Doha ou Dubai.

A Inditex paga a este fornecedor apenas cerca de CHF 1,90 (USD 2,10) por camisa. Se grandes volumes de roupas são transportados por via marítima, os custos de transporte por peça são geralmente de apenas alguns centavos! Ao contrário do frete aéreo, que é caro. Devido à pandemia, os preços flutuaram fortemente nos últimos anos, com o custo mínimo provavelmente de CHF 1,50 por quilo. No entanto, isso representaria apenas o custo do Bangladesh para Espanha. Se as mercadorias fossem transportadas de lá para uma filial nos EUA, por exemplo, os custos de frete continuariam a subir.

Um argumento popular usado para justificar o frete aéreo é o alto valor das mercadorias. Mas, segundo dados da administração fiscal de Barcelona, ​​a moda transportada por via aérea tem um valor pouco inferior a 18 euros por quilo quando importada, valor que sobe para 41,50 euros quando exportada. Isto contrasta fortemente com os produtos farmacêuticos e químicos, onde o valor das exportações em Barcelona é pouco inferior a 120 euros.

Embora, como grande cliente das companhias aéreas de carga, a Inditex certamente receba descontos, os custos adicionais de transporte aéreo por camisa serão provavelmente de pelo menos CHF 0,20 a 0,40. A título de comparação, os preços pagos pela Inditex e outros retalhistas no Bangladesh são tão insignificantes que, depois de deduzidos os custos de materiais e energia de cerca de 70 por cento, quase não resta nada para distribuir. O último relatório anual do fornecedor acima mencionado também mostra que apenas 18% das receitas, ou seja , apenas CHF 0,34 por uma camisa típica da Zara, são incluídas como custos salariais diretos.

Trabalhadores têxteis em Dhaka, Bangladesh, durante uma pausa no telhado desprotegido da fábrica onde trabalham. ©Syed Mahamudur Rahman/Alamy/NurFoto

O salário de pobreza típico de uma costureira no Bangladesh é atualmente equivalente a CHF 80 – por mês! No momento em que este artigo foi escrito, os trabalhadores em Gazipur e Dhaka exigiam um aumento do salário mínimo para CHF 190. Mas os empregadores estão a obstruir isso, referindo-se também aos baixos preços de compra pagos pelas empresas de marcas internacionais. Se a Zara and Co. economizasse nos custos de frete aéreo completamente desnecessários e, portanto, pagasse mais aos fabricantes, haveria significativamente mais dinheiro disponível nos cofres para pagar melhores salários. No entanto, para garantir que todos os salários proporcionassem pelo menos um salário digno, seria necessária uma redistribuição mais abrangente dos ganhos de valor acrescentado ao longo da cadeia de abastecimento.

Moda aerotransportada aumenta pressão sobre os trabalhadores

A fast fashion exige uma grande flexibilidade por parte dos fornecedores: a pressão sobre os preços está a aumentar, as encomendas maiores estão a ser divididas em inúmeras encomendas pequenas e os prazos de entrega esperados estão a diminuir para algumas semanas. Isto aumenta a pressão do tempo nas fábricas, que está a ser sentida pelos trabalhadores. Pedidos maiores com prazos de entrega mais longos geralmente são melhores para as fábricas e para a força de trabalho porque proporcionam segurança no planejamento e permitem que as horas de trabalho sejam distribuídas uniformemente. Quanto mais curtos os prazos, mais pedidos parciais são terceirizados para subcontratados e mais horas extras são programadas.

Itens de moda rápida aumentam a probabilidade de grandes pedidos serem divididos em subpedidos. As empresas então analisam primeiro a popularidade dos produtos entre os clientes. Aqueles que vão bem são reordenados rapidamente e, se houver demanda urgente, são entregues de avião. Se um item não tiver um bom desempenho, nenhum pedido de acompanhamento será feito.

Este modelo de produção é particularmente extremo em empresas de moda ultrarrápida como a Shein, onde as encomendas de 100 a 150 peças de vestuário são comuns e as fábricas deverão poder reabastecer em poucos dias. Isso resultou em 75 horas semanais para costureiras/costureiras, como mostramos em um relatório de 2021.

Quando empresas como a Inditex e a Shein planeiam utilizar frete aéreo desde o início, elas próprias organizam as capacidades necessárias. Noutros casos, condições contratuais injustas podem levar a transportes aéreos não planeados. Algumas empresas de moda negociam prazos de entrega tão curtos que praticamente não há tempo de reserva para lidar com novas solicitações de alterações após inspeção de amostras, quando a liberação da produção atrasa ou quando o material necessário não é disponibilizado no prazo. Os termos de entrega especificados pelos compradores estipulam frequentemente penalidades contratuais elevadas que são impostas assim que o prazo de entrega acordado é excedido (ver exemplo destacado abaixo) . Para evitar perder ainda mais dinheiro, os fornecedores sob pressão mudam para o frete aéreo às suas próprias custas.

“Se por qualquer motivo [!] o Fabricante não cumprir a Data de Entrega a Bordo da Empresa, a Empresa poderá, a seu critério, aprovar um cronograma de entrega revisado, exigir remessa de frete aéreo às custas do Fabricante ou cancelar um Pedido de Compra sem responsabilidade por parte da empresa para o fabricante.”

Extrato de um contrato de fabricação publicado anonimamente em 2019 pela Human Rights Watch no relatório Paying for a Bus Ticket and Expecting to Fly” .

Montanhas sempre crescentes de roupas. A produção de têxteis duplicou a nível mundial entre 2000 e 2015, e espera-se que mais do que duplique novamente até 2030. ©Christian Beutler/Keystone

A Inditex também gera muito tráfego aéreo com destino ao continente americano. A rota aérea com maior volume provavelmente será a da Cidade do México. Com 383 lojas em 2022, o México está entre os três principais mercados da Inditex e opera, ao mesmo tempo, como centro para a América do Sul. “Cinco cargueiros carregados com itens de moda, acessórios e equipamentos de loja voam para a capital mexicana todas as semanas em nome da Inditex”, escreveu orgulhosamente a Lufthansa Cargo em um blog sobre sua parceira Inditex em 2016 . “Além disso, quantidades substanciais são transportadas para este mercado em crescimento nos porões de carga dos aviões de passageiros”, afirma. Com um volume de 18.565 toneladas, o México foi o maior destino de exportação do Aeroporto de Saragoça em 2022, seguido pelo Catar e pelos EUA.

Shein despacha toneladas de pacotes por via aérea

A disponibilidade de dados é fraca quando se trata de moda aérea que é enviada, não para centros de distribuição, mas diretamente para os clientes na forma de pacotes individuais. Por exemplo, o retalhista online Shein envia enormes volumes de artigos de moda directamente da China por via aérea para residências privadas em todo o mundo, mas infelizmente as estatísticas comerciais são vagas para remessas de pequenos produtos.

Em novembro de 2021, a Public Eye publicou uma reportagem sobre Shein sobre as condições de trabalho na produção . Nossa pesquisa na época mostrou que Shein estava despachando toneladas de pacotes da China de avião. Como revelou em maio deste ano a estação de televisão RTS da Suíça francófona, através de rastreamento GPS, as devoluções que chegam à China por navio também são enviadas aos novos clientes por avião. De acordo com estatísticas comerciais suíças, quase um terço das quase oito toneladas de artigos de moda que chegam à Suíça de avião vêm da China.

Quatro aviões de carga operados pela China Southern Airlines vão e voltam nas principais rotas da Shein entre Guangzhou e Los Angeles e Guangzhou e Amsterdã ou Londres. Em julho de 2022, a companhia aérea, a maior da Ásia, celebrou uma nova parceria estratégica com a Shein com o objetivo de aumentar a sua capacidade de voo. Uma descoberta surpreendente da nossa pesquisa mostra que Shein também pode fazer as coisas de maneira diferente. Para equipar o seu novo centro logístico da UE na Polónia, a empresa também entrega alguns produtos de comboio a partir da China. Mas a obsessão pela velocidade faz com que Shein continue optando pelo transporte direto por via aérea. Questionamos Shein sobre o uso de frete aéreo, mas não recebemos resposta.

Mesmo dentro da UE, onde o frete aéreo oferece apenas uma pequena poupança de tempo, os artigos de moda são transportados por avião. Em 2022 o volume mínimo foi de 42.658 toneladas. ©Jaromir Chalabala/Shutterstock

Palavras vazias em vez de medidas para reduzir o frete aéreo

A Inditex parece querer encobrir o problema do transporte aéreo prejudicial ao clima. No seu relatório anual de 2022 , a empresa menciona apenas vagamente uma “revisão do tráfego e rotas de transporte” e esforços para “buscar alternativas de transporte” no que diz respeito às emissões. Uma apresentação do Chefe de Sustentabilidade do Grupo Zara, em Fevereiro de 2023, numa cimeira da indústria em Barcelona, ​​teve o mesmo objectivo, ou seja, que o frete aéreo não era um problema. As medidas que estão a ser adotadas para reduzir a pegada ecológica centram-se noutras áreas da cadeia de valor, como a redução do consumo de água.

Em resposta à extensa lista de perguntas que enviamos à Inditex, o Grupo deu respostas detalhadas, mas sem abordar especificamente as nossas questões. Acima de tudo, a Inditex ainda pronuncia o refrão sobre a sua conhecida meta climática de “zero emissões líquidas até 2040”. No setor dos transportes, o foco está em rotas mais curtas, alcançando a máxima eficiência de carregamento e operando uma nova frota com menores emissões. Além disso, a maioria das operações de transporte seria realizada por navio ou camião.

Por outro lado, o e-mail de resposta contém detalhes incompletos sobre o frete aéreo, incluindo referências a vários projetos para promover medidas para descarbonizar a indústria de carga aérea, desenvolver combustíveis alternativos e maximizar a eficiência das aeronaves. A Inditex não especifica quaisquer metas mensuráveis ​​de frete aéreo. O frete aéreo é “principalmente” reservado ao transporte intercontinental quando alternativas como o transporte ferroviário e rodoviário são consideradas fora de questão e o frete marítimo demoraria muito tempo. “Os voos de passageiros representam a maior parte do frete aéreo e, em 2022, a utilização de frete aéreo foi reduzida em 25 por cento.” Porém, o clima não faz distinção: voo é voo. A Inditex não comentou os volumes e custos do frete aéreo ou os preços pagos aos fornecedores em Bangladesh.

Fonte: Cálculo baseado em dados do Systain, 2009.

A resposta da Inditex reflecte o facto de a indústria de carga aérea depender principalmente da inovação técnica para enfrentar a crise climática. Melhorias mínimas são feitas usando aeronaves um pouco mais eficientes. O resto baseia-se na esperança, porque as inovações técnicas, como os combustíveis provenientes de fontes de energia renováveis, ainda não existem ou pelo menos não existem à escala industrial. É por isso que o foco da indústria está atualmente em iniciativas não vinculativas e projetos de compensação, como o CORSIA, o Esquema de Compensação e Redução de Carbono para a Aviação Internacional. No entanto, o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC) não vê isto como um instrumento adequado, como escreve no seu sexto relatório: “Pela sua natureza, o CORSIA não conduz a uma redução das emissões do sector provenientes da aviação, uma vez que o programa lida principalmente com compensações aprovadas. Na melhor das hipóteses, o CORSIA é um acordo de transição para permitir que a aviação reduza o seu impacto de uma forma mais significativa posteriormente.”

Em suma, pelo menos enquanto a tão esperada inovação técnica não estiver disponível, seria muito mais conveniente reduzir drasticamente o volume do frete aéreo e transportar apenas por avião itens realmente importantes , como medicamentos, correio aéreo expresso, peças de reposição, etc. A moda definitivamente não está incluída entre esses itens. E continuaria disponível nas lojas mesmo sem a utilização de frete aéreo. Somente as tendências do fast fashion demorariam mais algumas semanas para aparecer nas vitrines. Este tipo de abrandamento não produziria uma perda, mas sim uma oportunidade para um consumo mais consciente e designs mais sustentáveis.

Quer estejamos a falar da Zara, da Shein ou de outros retalhistas, transportar artigos de moda para outro lado do mundo está a impor um fardo completamente desnecessário ao nosso ambiente, tendo em conta a crise climática. 

Muito simplesmente, é necessário pôr fim à moda aerotransportada.


color compass

Este texto escrito originalmente em inglês foi publicado pela Public Eye [Aqui!].

MPF denuncia um boliviano e três brasileiras por trabalho escravo em Americana  

Anali Dupré/Repórter Brasil, Confecção contratada pela Zara terceirizava produção para atender à demanda e fechava os olhos para a violação de direitos

O boliviano Narciso Atahuichy Choque, dono de uma confecção, e as brasileiras Rosangila Theodoro, Sonia Aparecida Campanholo e Silva Regina Fernandes Ribeiro da Costa, respectivamente sócia e funcionárias da Rhodes Confecções, foram denunciados pelo Ministério Público Federal em Piracicaba por manterem 51 trabalhadores em condições análogas às de escravos em uma oficina de costura em Americana, no interior paulista. Entre as vítimas, 45 bolivianos. Entre eles, 13 em situação irregular no Brasil.

O boliviano e as três brasileiras foram denunciados nos artigos 149, por reduzir alguém a condição análoga à de escravo, e 203, por frustrar direito assegurado pela legislação do trabalho, ambos do Código Penal.

Em operação realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego entre maio e agosto de 2011 foi constatado que diversos desses trabalhadores se dedicavam à confecção de peças de vestuário da marca Zara, encomendadas pela Rhodes. A empresa funcionava como fornecedora direta da grife espanhola, mas para atender à demanda, terceirizava a produção para outras confecções, como a do boliviano.

As brasileiras fecharam os olhos para as irregularidades visando a baratear as peças. Pela denúncia, Sonia e Silvia faziam visitas frequentes à oficina para vistoriar a produção, e Rosangila sabia da utilização de mão de obra barata ao contratar empresas sem idoneidade econômica, como a do denunciado.

Conforme nota do MPF, os empregados eram submetidos a jornadas exaustivas de até 14 horas diárias e a condições degradantes de trabalho. Não possuíam registro em carteira, equipamento de segurança e não tinham descanso mínimo durante a jornada. No caso dos estrangeiros, os três primeiros salários eram retidos indevidamente para a quitação das dívidas adquiridas com transporte e alimentação no trajeto da Bolívia para o Brasil. 

A oficina funcionava ainda como alojamento em condições insalubres. Havia quartos sem ventilação, alimentos armazenados no chão e banheiros em mau estado de conservação e limpeza. Lá moravam três menores, sendo dois bebês.

O Ministério do Trabalho interditou o imóvel devido às más condições de higiene e ameaças à segurança dos trabalhadores. Havia perigo de choque elétrico, incêndio, explosão e até risco de morte por asfixia em caso de vazamento de gás, por conta da grande quantidade de material inflamável, instalações elétricas improvisadas, extintores de incêndio vencidos e falta de ventilação.

Foi comprovado que Narciso Choque restringia a liberdade dos bolivianos devido às adquiridas com as despesas da viagem para o Brasil, que eram pagas por ele. De acordo com a denúncia, o único portão de entrada do alojamento permanecia fechado com cadeado e nenhum dos trabalhadores consultados pela equipe de fiscalização possuía a chave.

Com informações do MPF-SP

Justiça considera Zara responsável por escravidão e empresa pode entrar na ‘lista suja’

 

Anali Dupré/Repórter Brasil
Em sentença, juiz afirma que houve na terceirização “fraude escancarada” e que subordinação é clara. Empresa diz que irá recorrer e insiste em culpar intermediária

Por Daniel Santini, Da Repórter Brasil

A tentativa da Zara de anular na Justiça os autos de infração da fiscalização que resultou na libertação de 15 trabalhadores em condições análogas às de escravos em 2011 fracassou na primeira instância. O juiz Alvaro Emanuel de Oliveira Simões, da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, negou na última sexta-feira, dia 11, recurso da empresa nesse sentido e cassou a liminar que impedia a inserção no cadastro de empregadores flagrados mantido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e pela Secretaria de Direitos Humanos, a chamada “lista suja” da escravidão.

Em sua decisão (leia na íntegra), o magistrado afirma que, como defendido pela Advocacia-Geral da União, a empresa tem sim responsabilidade direta pela situação constatada, critica a tentativa da Zara de caracterizar os costureiros resgatados como empregados da empresa intermediária Aha e classifica a maneira como a terceirização dos trabalhadores foi registrada como “fraude escancarada”.

“A decisão é bem fundamentada e certamente configurará um divisor de águas na discussão sobre a responsabilidade jurídica por condições de trabalho em cadeias produtivas”, afirma Renato Bignami, coordenador do programa de Erradicação do Trabalho Escravo da Superintendência Regional do Trabalho, que ressaltou a importância de o relatório de fiscalização reunir documentos e provas detalhando a situação. “O juiz leva em consideração todos os argumentos apontados pelos auditores na sua decisão”, ressalta.

Da Espanha,  Raúl Estradera, porta-voz da Zara, afirmou à Repórter Brasil que a empresa vai recorrer da sentença. “É mais um passo em um processo judicial que vai ser longo. Com todo respeito à decisão, entendemos que não foram considerados nossos argumentos e que não tivemos oportunidade de nos defender de forma adequada”, afirma, insistindo que a responsabilidade é da empresa intermediária. “Foi essa empresa que realmente cometeu as irregularidades, e obteve o lucro com isso. Eles que deveriam estar sendo punidos. Nós temos tomado ações de responsabilidade social, inclusive colaborando com entidades públicas e do terceiro setor em um esforço para melhorar as condições de trabalho não só nas nossas cadeias produtivas, mas no Brasil em geral.”

Subordinação camuflada

Apesar dos argumentos e da tentativa de transferir a culpa para a intermediária, para a Justiça do Trabalho não restam dúvidas de que a responsabilidade é da Zara. A sentença aponta que a Aha foi contratada para minimizar custos e burlar a legislação trabalhista. “A fraude da intermediação é escancarada, pois, na verdade, houve prestação em favor da vindicante com pessoalidade, não eventualidade, remuneração e subordinação econômica”, diz a decisão, que ressalta que ”a subordinação, embora camuflada sob a aparência de terceirização, era direta aos desígnios da comerciante das confecções”.

O texto destaca ainda ”que a fiscalização verificou, outrossim, que as oficinas onde foram encontrados trabalhadores em condição análoga à de escravidão labutavam exclusivamente na fabricação de produtos da Zara, atendendo a critérios e especificações apresentados pela empresa, recebendo seu escasso salário de repasse oriundo, também exclusivamente, ou quase exclusivamente, da Zara”.

O argumento de que a Zara não tinha conhecimento da situação a que os trabalhadores estavam submetidos também é refutado na decisão. “A Aha não tinha porte para servir de grande fornecedora, e disto ela [a Zara] estava  perfeitamente ciente, pois, realizando auditorias sistemáticas, sabia do extenso downsizing realizado, com o número de costureiras da Aha caindo mais de 80%, ao tempo em que a produção destinada à Zara crescia”, diz a sentença. “A Zara Brasil Ltda. é uma das maiores corporações do globo em seu ramo de negócio, custando crer, reitere-se, que tivesse controles tão frouxos da conduta de seus fornecedores, mostrando-se muito mais palatável a versão defendida pela fiscalização, de que, na realidade, controlava-os ao ponto de deter a posição de empregadora.”

Na sentença, o juiz também critica o fato de a empresa alegar, ao tentar negar a responsabilidade por trabalho escravo, que tem contribuído com o poder público e com ações sociais, chamando a atenção para o fato de o Termo de Ajustamento de Conduta firmado junto com o Ministério Público do Trabalho ter sido assinado meses após o resgate. “A celebração de TAC com o Ministério Público do Trabalho, embora louvável, foi posterior à autuação, não implicando, logicamente, nenhuma influência no resultado da lide, por não convalidar situação pretérita”, diz o texto, destacando que o investimento em ações sociais estava diretamente relacionado à preocupação em recuperação da marca. “Chega a ser insólito, de outra banda, o longo discurso derredor de conduta da entidade capitalista, igualmente posterior à lavratura dos Autos e igualmente desinfluente para o deslinde desta contenda, no sentido de prática de ações de certa repercussão social, cujo objetivo primordial foi, sem dúvida, a recuperação da imagem da marca, imensamente desgastada pela repercussão dos resultados da fiscalização na mídia.”

“Lista suja”

Na sentença, o juiz reforça ainda a importância do cadastro de empregadores flagrados, a “lista suja”, e reafirma sua legitimidade. Ele escreve: “Diversos dispositivos legais fornecem o alicerce para a edição da Portaria nº 2, de 12 de maio de 2011 [que rege o cadastro], merecendo destaque a própria Constituição da República, que erige em princípios fundamentais o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, e consagra, desde seu preâmbulo, o direito à liberdade, e todos esses princípios estariam sendo vilipendiados se acatada a tese da postulante”.

No recurso que foi rejeitado na sexta-feira, a Zara questionava a própria existência da “lista suja”, posicionamento extremo que levou a empresa a ser suspensa do acordo empresarial contra a escravidão, o Pacto Nacional pela Erradicação do TrabalhoEscravo.

A decisão judicial é relativa ao processo nº 0001662-91.2012.502.0003 e foi proferida em 11 de abril. 

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/28153