A doença de Chagas, transmitida por insetos, é uma das zoonoses presentes no Brasil. Um estudo constatou que sete estados brasileiros apresentam alto risco de apresentar surtos de zoonoses. Crédito da imagem: Agência Brasília/Flickr , licenciada sob Creative Commons 2.0
- Pesquisa no Brasil alerta para fatores de risco para surgimento de nova pandemia
- Estudo avaliou o risco de zoonoses nos 27 estados do Brasil usando um novo método quantitativo
- O estudo descobriu que sete estão em alto risco de sofrer surtos de zoonoses.
Por: Claudia Mazzeo para a SciDev
Como resultado do aumento da extrema pobreza e vulnerabilidade social causada pela COVID-19, pressões antrópicas e a crise econômica e política, a próxima pandemia pode estar incubando no norte do Brasil.
Esse é o alerta publicado no Science Advances por pesquisadores brasileiros e portugueses após avaliarem o risco de zoonoses —transmissão de doenças , de animais para pessoas— nos 27 estados do Brasil usando um novo método quantitativo.
“Mudanças no uso da terra causadas principalmente pela expansão de economias orientadas para commodities sobre áreas naturais, em particular os setores agrícola e pecuário, são os principais impulsionadores do desmatamento, perda de biodiversidade e urbanização não planejada nos trópicos. Esses também são os principais fatores do aparecimento de doenças zoonóticas”, disse Gisele Winck, principal autora do estudo , ao SciDev.Net .
Com base em um modelo matemático, o método reuniu dados registrados entre 2001 e 2019 sobre os principais fatores históricos, ambientais e socioeconômicos de nove zoonoses de notificação obrigatória: Chagas, febre amarela, febre maculosa, leishmaniose cutânea e visceral, hantavirose, leptospirose, malária e Fúria. Ele então os aplicou para rastrear áreas com maior risco de surtos de doenças.
Assim, constataram que sete estados apresentavam alto risco de ocorrência de surtos de zoonoses (Acre, Amapá, Amazonas, Rondônia, Roraima, Maranhão e Mato Grosso).
Entre eles, um denominador comum é a presença de altos níveis de cobertura vegetal, maior número e variedade de mamíferos silvestres e grande distância dos centros urbanos. Dos demais estados, oito apresentaram baixo risco de zoonoses e 12, risco moderado.
Em relação aos pontos geográficos mais vulneráveis para uma nova pandemia, Winck afirma que “as regiões do bioma amazônico são as mais preocupantes, pois possuem maior número de cidades isoladas, com pouca ou nenhuma vegetação e altos índices de destruição de suas biodiversidade”.
Entre os mamíferos pesquisados estavam o veado-do-pantanal, o corço vermelho e marrom (guazuncho), o veado de cauda branca, o javali, o tatu, o morcego marrom, o gambá, entre outros. Eles identificaram mamíferos selvagens cuja caça, segundo eles, deveria ser supervisionada para evitar uma nova pandemia
Winck, do Laboratório de Biologia e Parasitologia de Reservatórios de Mamíferos Silvestres do Instituto Oswaldo Cruz (Rio de Janeiro), destaca que a caça, além de promover o desequilíbrio dos ecossistemas naturais, propaga doenças porque seus produtos dispensam a fiscalização sanitária.
“Embora a atividade seja legalmente permitida apenas para populações tradicionais, estima-se que milhares de toneladas de animais silvestres sejam caçados ilegalmente e comercializados em mercados populares, mesmo nos grandes centros urbanos”, detalha Winck.
“No nosso artigo identificamos mamíferos associados a uma maior diversidade de parasitas e patogénicos que são frequentemente caçados porque são abundantes e se aproximam das zonas de residência rurais e urbanas”, acrescenta.
“A pergunta a nos fazer não é se uma nova pandemia vai acontecer, mas quando vai acontecer. Se olharmos para a taxa de desmatamento e degradação florestal na Amazônia, não ficaria surpreso se a próxima pandemia explodir nessa parte do Brasil.”
Marcos Pedlowski, Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense, Rio de Janeiro
Os autores da pesquisa apontam que a atual crise no Brasil é caracterizada pelo descaso com as evidências científicas e ataques às organizações conservacionistas, a flexibilização das leis ambientais e a substituição de mecanismos de promoção da conservação da biodiversidade por meio de políticas ambientais destrutivas.
Eles também destacam que a tendência ascendente nas taxas de desmatamento da Amazônia, 182% acima da meta de 2020, representa uma ameaça global. No final daquele ano, quase um terço do Pantanal, a maior área úmida tropical do mundo, queimou devido a um aumento anual de 508% na ocorrência de incêndios, em comparação com a média de 2012-2019.
“A pergunta a nos fazer não é se uma nova pandemia vai acontecer, mas quando vai acontecer. Se olharmos para a taxa de desmatamento e degradação florestal na Amazônia, não me surpreenderia se a próxima pandemia estourasse nessa parte do Brasil. Acho que as observações do artigo da Science Advances devem ser levadas muito a sério”, diz Marcos Pedlowski, que não participou da pesquisa.
Pedlowski, do Centro de Ciências do Homem da Universidade Estadual do Norte Fluminense, no Rio de Janeiro, destaca que apesar da grande possibilidade de que o avanço do desmatamento em direção a regiões ainda virgens da Amazônia acabe liberando patógenos ainda mais letais que o SARS-COV-2, as autoridades governamentais não reagem.
“É como se estivéssemos flertando com um desastre iminente, voando às cegas. Mas é preciso enfatizar que, se algo pior acontecesse, não seria por falta de estudos científicos sérios que alertem que isso pode acontecer se as regulamentações atuais não forem modificadas”, acrescenta o especialista.
Este texto foi escrito inicialmente em espanhol e publicado pela SciDev [Aqui!].