Associação dos Geógrafos Brasileiros-seção Porto Alegre emite nota que é uma “crônica de uma tragédia anunciada”

Crônica de uma tragédia anunciada: a política econômica neoliberal, os eventos climáticos e a destruição das condições essenciais da vida Rio Grande do Sul

Rio-Guiaba

Maio de 2024. Camponeses, quilombolas, indígenas, trabalhadoras, trabalhadores urbanos do Estado do Rio Grande do Sul vivem uma das experiências mais dolorosas da sua história. Seja no campo seja na cidade, uma destruição imediata das condições básicas da vida promovida historicamente pela ação política e social que privilegia os interesses econômicos em detrimento da vida. Foram atingidas quase um milhão de pessoas que vivem na área mais populosa do Estado do Rio Grande do Sul, especialmente nos Vales dos Rios Taquari, Caí, Pardo, Jacuí, Sinos, Gravataí, Guaíba e avança para o sistema da Laguna dos Patos, ao que tudo indica em todas as bacias foi superado o nível de água da cheia histórica de 1941.

O nível do rio Guaíba chegou a 5,35 metros superando os 4,76 metros da cheia histórica de 1941, com uma diferença de 59 centímetros de extensão em Porto Alegre. As fotos, os mapas e os relatos são avassaladores no Estado do Rio Grande do Sul, promove-se na mídia um debate que oscila entre o entendimento naturalizante e um entendimento político sobre o processo histórico de ocupação e a formação territorial do Rio grande do Sul, o evento climático e seus desdobramentos.

IPH amplia informações em mapa de inundação de Porto Alegre — UFRGS |  Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Não podemos aceitar a leitura simplista e midiática de que a cidade de Porto Alegre por ter sido construída na beira do Rio Guaíba e produzida a partir de um engenhoso sistema de aterro urbano, certamente será sempre afetada pelas cheias, portanto “é a natureza apenas procurando o que é seu”, basta apenas melhorar o sistema de contenção do Rio Guaíba.

Há uma outra leitura possível, a de que ainda que haja a contraditória ocupação urbana nas áreas planas da planície de inundação do Guaíba e um sistema de contenção do avanço das águas na cidade, é evidente as falhas do sistema de contenção; avolumam-se os regimes de chuvas; identificam-se alterações significativas que apontam para a mudança global do clima e intensificam-se processos de ocupação no urbano e no rural que aprofundam a destruição ambiental, a impermeabilização do solo e por fim, que a ausência de uma estrutura técnica e política do Estado para combater os eventos climáticos e a opção pela o desenvolvimento do capitalismo e consolidação das políticas neoliberais deve ser responsabilizada pela magnitude da tragédia.

É preciso enunciar, de modo sucinto, como chegamos até esse momento: uma formação territorial do Estado do Rio Grande do Sul promovida pelo Estado Nação desde o período Imperial fundamentada na exploração madereira, expropriação e genocídio dos povos indígenas, migração subsidiada para a exploração do trabalho camponês, grilagem e apossamento das terras públicas; instituição do poder político oligárquico; estruturação dos órgãos estatais aliançados aos interesses do capital nacional e internacional; desestruturação dos órgãos e instituições do Estado fortemente realizada nos anos 2000 e o aprofundamento do projeto neolioberal de Estado. Nenhuma novidade sobre a história do Brasil, pois esse é o processo compartilhado na escala nacional.

Durante os anos 1990 e começos dos anos 2000 o Estado do Rio Grande do Sul e a Cidade de Porto Alegre viveram períodos importantes no processo democrático estabelecendo estruturalmente políticas sociais, gestão participativa do Estado e fortalecimento de instituições de planejamento e pesquisa no Rio Grande do Sul, estas experiências e estruturas alteraram a vida social no Estado, mas não foram o suficiente para uma mudança estrutural das políticas de Estado aliançadas ao poder econômico e pereceram pelo desmonte neoliberal.

A formação de colegiados, conselhos e comitês estruturam uma política de Estado interessante com muito trabalho realizado e acumulado ao longo de pelo menos 30 anos no Rio Grande do Sul. Lemos nesta última semana entrevistas, reportagens, posts nas redes sociais, lives e manifestações de gestores públicos técnicos, pesquisadores, professores universitários, políticos do campo progressista e da esquerda evidenciado todo esse trabalho e as possibilidades produzidas por este trabalho, todas elas negligenciadas.

Historicamente a pesquisa e a extensão universitária pelas diferentes universidades gaúchas desenvolveram inúmeros relatórios técnicos sobre as condições climáticas, as previsões de alagamentos e enchentes, o alcance dos desdobramentos desses eventos, é um trabalho acumulado, disponível ao poder público e à ação social.

O acúmulo do trabalho científico tem sido largamente evidenciado e publicizado no que diz respeito às informações e leituras básicas para que a gestão pública elabore sua ação antes mesmo dessa tragédia.

Há mapas e pesquisas que mostram há muito tempo a evolução do alcance das cheias na cidade de Porto Alegre; há inúmeros recursos que permitem o acompanhamento da evolução dos níveis de água; inúmeros relatórios técnicos e científicos que evidenciam a alterações do clima, planos e projetos junto à defesa civil que ainda não saíram dos estágios iniciais por falta de recursos; trabalhos de pesquisa que apontam para a emergência de realização da política nacional da assistência social que se tornou explícito com o advento da Pandemia da COVID-19; a geografia tem produzido trabalhos sobre a desestruturação ambiental, desmatamento, os processos de grilagem de terras, especulação imobiliária, a luta pela terra, a luta pelo território, a luta pela moradia, uma gama imensa de questões ambientais e sociais articuladas e aprofundadas. Em síntese, múltiplas ações sociais e trabalhos de pesquisa, teses, dissertações de mestrado e trabalhos de graduação têm sido desenvolvido pelo menos há mais de vinte anos com a participação social ampliada pelo acesso à universidade e aos projetos de extensão universitária.

O processo de transformação de florestas em áreas agrícolas da monocultura, a implantação de grandes projetos de exploração dos recursos naturais; a impermeabilização do solo; o desmatamento estrutural; a ampliação do uso de agrotóxicos e a ocupação promovida pela expropriação e valorização do espaço são a base material da alteração ambiental. Há uma diminuição temporal e uma intensificação nos eventos climáticos, discutido amplamente pela comunidade científica em articulação com o aquecimento global e a alteração climática na escala mundial. Tais eventos no Estado do Rio Grande do Sul sucedem de modo cada vez mais acelerado especialmente na última década, aliado ao aumento do desmatamento e as taxas de construção, seja de prédios, seja de barragens, seja dos plantios intensivos.

Pampa desmatamentoPampa é o bioma que mais perde vegetação nativa no Brasil, alerta MapBiomas

Todo esse volume de trabalhos indicam que a opção política materializa no poder legislativo que legisla a favor da burguesia nacional e internacional legalizando práticas criminosas inconstitucionais em lei; aloca (e desvia) recursos públicos para projetos econômicos voltados ao desenvolvimento do grande Capital no Brasil e toma decisões políticas de Estado que privilegiam os interesses econômicos.

Assim, para ficar apenas nos últimos dez anos, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul tem trabalhado fortemente para a consolidação do neoliberalismo no Brasil: flexibilizou em mais de 500 pontos o código ambiental e regulamentou essa flexibilização por meio de inúmeros decretos; autorizou a construção de grande edificações em áreas de proteção permanente; desestruturou e ignorou todas as estruturas democráticas de gestão participativa (comitês de bacias hidrográficas, conselhos de cidades, entre outros) que permitiu a aprovação e consolidação de planos de ordenamento territorial que subsidiaram a especulação imobiliária e o avanço da grilagem e apossamento de terras públicas e territórios de povos e comunidades tradicionais; permitiu a construção de barragens, aprovou projetos de exploração de energia eólica, instalação de linhas de transmissão e muitos empreendimentos que atingem povos e comunidades tradicionais sem a realização de audiências públicas e processos de consulta previstos pelos acordos internacionais e normalizados pelo Estado Brasileiro; susbisidou a ampliação do plantio de soja que avança a passos largos sobre os campos de cima da serra e o litoral; tem promovido o arrendamento me terras indígenas e o avanço do plantio de soja sobre elas alimentando conflitos internos e a violência no campo gaúcho; negligenciou a política agrícola para o campesinato gaúcho que sofre desde 2015, ano a ano os impactos das fortes chuvas e da movimentação de ciclones na região. Sem falar na ausência de qualquer debate sobre Reforma Agrária, a obstrução dos processos de demarcação de terras indígenas e quilombolas a partir do aparato dos poderes municipais articulado às oligarquias locais no campo e aos especuladores da cidade, culminando inclusive na perseguição política aos diversos sujeitos sociais envolvidos nos processos e todas as formas de violência que se desdobram em mortes e destruição das ocupações, assentamentos e retomadas.

Abril Vermelho: MST no RS realiza vigília no pátio do Incra, em Porto  Alegre - MSTOcupação do INCRA no Rio Grande do Sul. Foto: Maiara Rauber

O trabalho político do Estado é carimbado pelo aumento dos conflitos no campo gaúcho, e, enfim, pela tragédia que acomete as bacias com o maior contingente populacional do Estado. As veias do Rio Grande Sul estouraram, e já há muito tempo que os diagnósticos são precisos e unânimes em dizer que é preciso uma mudança estrutural. Essa é a explicação concreta para compreender que essa tragédia que não só é anunciada, mas se repetirá se não houver uma ação incisiva do poder público e da pressão social, é preciso com urgência fortalecer os movimentos sociais.

É preciso dizer que nas inúmeras ações de resgate, de acolhimento nos abrigos, nas avaliações das condições das escolas e buscas ativas dos alunos (desta vez para saber se estão vivos e com moradia), na organização da mobilidade das pessoas resgatadas para rumos diversos, foi a força das comunidades, o trabalho coletivo que comandou a ação política. A necessidade tem produzido um conhecimento técnico e social impressionante, com base no conhecimento das pessoas que vivem e estão sendo mais uma vez expropriadas de seus lugares.

Para nós, geógrafes, geógrafas e geógrafos ficou evidente a centralidade da geografia, dos conteúdos do território, da apropriação do espaço, da compreensão das estratégias da produção do espaço, da relevância da cartografia e de todo o instrumental técnico científico produzido pelo conhecimento geográfico. É seminal nosso trabalho científico e sobretudo político, não há conhecimento que se enraíze na realidade se não estiver comprometido politicamente e assuma sua postura social.

Cozinhas solidárias de movimentos populares distribuem marmitas aos atingidos pelas enchentes no RS; veja como colaborar 

A força das comunidades e da solidariedade é presente, vieram de muitos cantos do Rio Grande do Sul pescadoras(es), remadoras (es), professoras(es), assistentes sociais, médicas (os), enfermeiras (os), psicólogas (os), enfim diferentes profissionais que tem realizado o trabalho de ação e coordenação das ações emergenciais e sabemos que também seremos convocados pela realidade para seguir trabalhando para superar essa tragédia anunciada. A solidariedade é fundamental, mas não é suficiente, o poder público precisa urgentemente fazer seu trabalho e instituir condições estruturais e estruturantes de superação dessa condição de destruição.

O que está acontecendo no Rio Grande do Sul (e se agrava em outras regiões do Estado) e no mês de março no Estado do Acre, que foi atingido praticamente em sua totalidade, é a tragédia anunciada e já vivida em diferentes pontos do Brasil. Não são desastres pontuais ligados de modo circunstancial ao aumento esporádico do regime de chuvas, ao estouro de uma barragem, de uma enchente, de um deslizamento, a destruição das condições da vida e da vida de milhares de pessoas no país nestes eventos climáticos é um projeto político e é um projeto criminoso. É fundamental que o Brasil inicie de fato um processo de responsabilização histórica e política de seus criminosos, não podemos ficar à mercê do jogo eleitoral que se intensifica em 2024.

Ao poder público cabe de modo evidente e já anunciado barrar as sucessivas reformas no campo legislativo, no estabelecimento de uma política ambiental e social nas diferentes escalas: recuperação de áreas degradadas, demarcação de territórios indígenas e quilombolas, estabelecimento de uma política fundiária fundamentada na Reforma Agrária.

A nós, a força crítica que pulsa pela vida cabe fortalecer as lutas sociais para além das ações imediatas de solidariedade, é tarefa nossa estruturar uma política de enfrentamento e proposição radical de um processo não de reconstrução do estado das coisas, mas de produção de um outro modo de morar, de estabelecer as bases legais que estabeleça a relação entre o ambiente, o trabalho e a vida.

Recebemos nos últimos dias o apoio de associados de diferentes seções locais da AGB e de Seções Locais da AGB pelo Brasil, agradecemos imensamente a Diretoria Executiva Nacional e a AGB São Paulo junto a toda a organização do VIII Congresso Brasileiro de Geografia por prorrogar os prazos de envio de trabalhos.

Para trilhar esse caminho, a AGB Porto Alegre promoverá uma mobilização de arrecadação emergencial e convida a comunidade geográfica para avaliar e discutir as ações para enfrentamento desse momento histórico que vive o Rio Grande do Sul, mas também o Brasil. Em breve anunciaremos estas ações.

Nossa força coletiva é o que seguirá nos colocando em movimento!

 Porto Alegre, 08 de Maio de um Outono chuvoso que desastrosamente lavou a produção capitalista do espaço carregando consigo vidas inteiras. Viveremos por muito tempo o luto e a luta. Vamos precisar de todo mundo! Que possamos juntos semear a esperança, e produzir coletivamente um campo e a cidade solidária e comunal

Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção Porto Alegre

Eventos extremos serão cada vez mais comuns e exigem medidas urgentes

Em coletiva na Câmara dos Deputados, diretora adjunta de Políticas Públicas do IPAM diz que adaptação aos efeitos das mudanças climáticas passa pela implementação estratégica de leis e reorganização territorial e urbana.  

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Enchente do Rio Taquari na cidade de Lajeado (RS). Foto: marcelocaumors/Instagram

Eventos climáticos extremos como as chuvas catastróficas que paralisaram o Rio Grande do Sul serão cada vez mais frequentes e exigem uma atuação enfática para seu enfrentamento, alertou Gabriela Savian, diretora adjunta de Políticas Públicas do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), durante coletiva convocada pela Frente Parlamentar Mista Ambientalista. O evento foi convocado em vista da das chuvas intensas no Rio Grande do Sul, que já deixam 95 mortos, mais de 207 mil desabrigados e afeta 80% das cidades do Estado. 

“Infelizmente, eventos extremos como estes serão cada vez mais recorrentes e exigem medidas urgentes de combate ao aquecimento global. As chuvas já afetaram rios de todo o estado, impactando milhares de pessoas. O desmatamento deve ser controlado e a ciência deve ser levada em consideração para a tomada de decisão nos planos de ação emergenciais decorrentes da urgência no atendimento da catástrofe do Rio Grande do Sul e demais estados, como o que vimos recentemente nos estados da Amazônia”, destacou.

Durante o encontro, foram apresentados documentos com medidas para avançar o pacote de legislações consideradas fundamentais para o combate às mudanças climáticas. Entre as propostas destacadas estão a implementação estratégica do Código Florestal, a destinação de florestas públicas na Amazônia, a recuperação de áreas degradadas e a proteção de áreas não-florestais, como o Pampa e Cerrado.

“Temos hoje mais de 16 milhões de hectares de passivos de Reserva Legal no Brasil que precisam ser recuperados e um montante muito maior de quase 200 milhões de hectares de excedente de florestas em áreas privadas que precisam ser preservadas. Estas áreas cumprem papel importante nos serviços ecossistêmicos imprescindíveis para a resiliência dos ecossistemas”, alertou Gabriela.

Código Florestal 

Ambientalistas e membros da sociedade civil presentes na coletiva também destacaram a importância de um acompanhamento da implementação do Código Florestal e a mobilização contra a flexibilização de leis ambientais.

“O que a gente tem acompanhado na Câmara e no Senado nos últimos meses é um movimento para flexibilizar a legislação ambiental, quando sabemos que o foco deve ser no fortalecimento da lei. O Rio Grande do Sul, por exemplo, não possui um Programa de Regularização Ambiental regulamentado. Isso significa que o Estado está atrasado na recuperação de seus passivos ambientais, na conservação da sua biodiversidade e seus recursos naturais”, destaca Jarlene Gomes, pesquisadora do IPAM.

O Rio Grande do Sul possui atualmente cerca de 255 mil hectares que deveriam estar preservados em áreas de Reserva Legal, mas que se encontram desprotegidos. Os dados são do Termômetro do Código Florestal, iniciativa do OCF (Observatório do Código Florestal), desenvolvida pelo IPAM e parceiros.

Impacto econômico 

Além dos crescentes impactos sociais e ambientais, ambientalistas também destacam o prejuízo econômico causado por eventos climáticos extremos. No Brasil, grande produtor agrícola, o aumento das temperaturas está diretamente ligado à quebra de safras, morte de gado e queda na produtividade agropecuária. Atualmente, 30% das fazendas na fronteira agrícola Amazônia-Cerrado, no Mato Grosso, Goiás e Matopiba, já estão fora do ideal climático para a agricultura por conta das alterações no clima.

“Uma coisa extremamente importante é que a Câmara dos Deputados possa levar para todos os rincões do Brasil o debate da adaptação às mudanças climáticas. Teremos eleições municipais no meio do ano e isso precisa ser debatido porque vivemos em um país em que 56% dos municípios não têm nenhum tipo de ação climática e apenas 1,8% monitoram a efetividade de suas leis ambientais. Essa crise afeta os mais pobres e vulneráveis primeiro, mas já afeta também as elites, afeta a nossa produção industrial e agropecuária”, alerta Marcos Woortmann, coordenador de políticas ambientais do IDS (Instituto de Desenvolvimento Socioambiental), que compõe a Virada Parlamentar Sustentável.

Os principais cientistas climáticos do mundo esperam que o aquecimento global ultrapasse a meta de 1,5°C

O planeta caminha para pelo menos 2,5°C de aquecimento com resultados desastrosos para a humanidade, descobriu uma pesquisa com centenas de cientistas

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A crise climática já está  causando danos profundos a vidas e meios de subsistência em todo o mundo. Ilustração: Guardian Design/Halil Kahraman

Por Damian Carrington para o “The Guardian”

Centenas dos principais cientistas climáticos do mundo esperam que as temperaturas globais subam para pelo menos 2,5°C neste século, ultrapassando as metas acordadas internacionalmente e causando consequências catastróficas para a humanidade e para o planeta, revelou uma pesquisa exclusiva do The Guardian.

Quase 80% dos inquiridos, todos do conceituado Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas (IPCC), prevêem pelo menos 2,5°C de aquecimento global acima dos níveis pré-industriais, enquanto quase metade prevê pelo menos 3°C. Apenas 6% consideram que o limite de 1,5°C  acordado internacionalmente será cumprido.

Muitos dos cientistas prevêem um futuro “semi-distópico”, com fomes, conflitos e migrações em massa, impulsionados por ondas de calor, incêndios florestais, inundações e tempestades com uma intensidade e frequência muito superiores às que já ocorreram.

Numerosos especialistas afirmaram que se sentiram desesperados, enfurecidos e assustados com o fracasso dos governos em agir, apesar das claras evidências científicas fornecidas.

“Penso que estamos caminhando para uma grande perturbação social nos próximos cinco anos”, disse Gretta Pecl, da Universidade da Tasmânia. “[As autoridades] ficarão sobrecarregadas com evento extremo após evento extremo, a produção de alimentos será interrompida. Eu não poderia sentir maior desespero em relação ao futuro.”

Quão alto irá o aquecimento global? Quão acima dos níveis pré-industriais você acha que a temperatura média global aumentará entre agora e 2100? Contagem de respostas dadas por especialistas em clima do IPCC

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Mas muitos disseram que a luta climática deve continuar, por mais elevada que seja a temperatura global, porque cada fração de grau evitada reduziria o sofrimento humano.

Peter Cox, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, afirmou: “As alterações climáticas não se tornarão repentinamente perigosas a 1,5ºC – já o são. E não será um ‘fim de jogo’ se passarmos de 2ºC, o que podemos muito bem fazer.”

O The Guardian abordou todos os principais autores ou editores de revisão contatáveis ​​dos relatórios do IPCC desde 2018. Quase metade respondeu, 380 de 843. Os relatórios do IPCC são as avaliações padrão-ouro das alterações climáticas, aprovadas por todos os governos e produzidas por especialistas em ciências físicas e sociais. Os resultados mostram que muitas das pessoas mais bem informadas do planeta esperam que a destruição climática se desenvolva nas próximas décadas.

A crise climática já está causando danos profundos a vidas e meios de subsistência em todo o mundo, com apenas 1,2ºC  de aquecimento global, em média, nos últimos quatro anos. Jesse Keenan, da Universidade de Tulane, nos EUA, disse: “Este é apenas o começo: apertem os cintos”.

Nathalie Hilmi, do Centro Científico de Mônaco, que espera um aumento de 3ºC, concordou: “Não podemos ficar abaixo de 1,5ºC”.

Os especialistas afirmaram que os preparativos massivos para proteger as pessoas dos piores desastres climáticos que se avizinham são agora críticos. Letícia Cotrim da Cunha, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, disse: “Estou extremamente preocupada com os custos em vidas humanas”.

A meta de 1,5ºC foi escolhida para prevenir o pior da crise climática e tem sido vista como uma importante estrela orientadora para as negociações internacionais. As actuais políticas climáticas significam que o mundo está no caminho certo para cerca de 2,7ºC , e o inquérito do The Guardian mostra que poucos especialistas do IPCC esperam que o mundo tome as medidas necessárias para reduzir esse valor.

Os cientistas mais jovens foram mais pessimistas, com 52% dos entrevistados com menos de 50 anos esperando um aumento de pelo menos 3°C, em comparação com 38% daqueles com mais de 50 anos. As mulheres cientistas também foram mais pessimistas do que os homens, com 49% pensando que a temperatura global aumentaria pelo menos 3°C, em comparação com 38%. Houve pouca diferença entre cientistas de diferentes continentes.

Dipak Dasgupta, do Instituto de Energia e Recursos de Nova Deli, afirmou: “Se o mundo, inacreditavelmente rico como é, ficar parado e fizer pouco para resolver a situação dos pobres, acabaremos todos por perder.”

Os especialistas foram claros sobre a razão pela qual o mundo não está conseguindo enfrentar a crise climática. A falta de vontade política foi citada por quase três quartos dos inquiridos, enquanto 60% também culparam interesses empresariais instalados, como a indústria dos combustíveis fósseis.

Muitos também mencionaram a desigualdade e o fracasso do mundo rico em ajudar os pobres, que sofrem mais com os impactos climáticos. “Espero um futuro semi-distópico com dor e sofrimento substanciais para as pessoas do Sul global”, disse um cientista sul-africano, que optou por não ser identificado. “A resposta do mundo até à data é repreensível – vivemos numa época de tolos.”

Cerca de um quarto dos especialistas do IPCC que responderam pensam que o aumento da temperatura global seria mantido em 2ºC ou menos, mas mesmo eles moderaram as suas esperanças.

“Estou convencido de que temos todas as soluções necessárias para um caminho de 1,5°C e que as implementaremos nos próximos 20 anos”, disse Henry Neufeldt, do Centro Climático de Copenhaga da ONU. “Mas temo que as nossas ações possam chegar tarde demais e cruzarmos um ou vários pontos de inflexão .”

Lisa Schipper, da Universidade de Bonn, na Alemanha, disse: “A minha única fonte de esperança é o fato de, como educadora, poder ver a próxima geração a ser tão inteligente e a compreender a política.”


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Fonte: The Guardian

Entrevista sobre a catástrofe climática no RS no metacast “Subversiva”

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Ontem tive a oportunidade de participar do  metacast “Subversiva” que é produzido pela jornalista Marina Valente a partir de Fortaleza, capital do Ceará.  O tema da entrevista/conversa foi a catástrofe climática que se abate neste momento sobre o estado do Rio Grande do Sul. 

Ao longo da entrevista, pudemos conversar não apenas sobre os mecanismos climáticos que explicam a ocorrência de chuvas extremas, mas também dos problemas que causam a falta de respostas mais efetivas aos problemas que esses eventos disparam.

Coloco abaixo a entrevista para quem desejar saber mais do que foi abordado ao longo de pouco de mais uma hora de conversa.

Eduardo Leite e seu Plano Marshall: casa de ferreiro, espeto de pau

eduardo leiteComo muitos governantes brasileiros, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, adora aparecer paramentado com trajes da defesa civil, mas destinou recursos irrisórios para o setor.

Como a maioria dos governantes brasileiros, o governador do RS, Eduardo Leite (PSDB), adora se ornamentar com coletes da Defesa Civil quando a água literalmente bate nos joelhos de cidadãos que ficam no caminho de grandes eventos climáticos que estão ocorrendo com cada vez mais frequência em função do aquecimento da atmosfera da Terra.

Leite, em um momento que misturou cinismo e hipocrisia, chegou a declarar recentemente que o RS vai necessitar de um “Plano Marshall” para iniciar o processo de reconstrução após a ocorrência de chuvas catastróficas na semana passada e que ameaçam se repetir nos próximos dias. Logo ele, um dos governantes mais neoliberais do Brasil nos brinda com essa chamado à aplicação de uma receita que funcionaria com largas de ingestões de recursos estatais (de preferência da União para que o neoliberalismo permaneça intocado nas terras gaúchas, é claro).

Mas um levantamento feito pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan)  mostra que desde 2020, Eduardo Leite promoveu um retalhamento das leis ambientais no RS, e que explicam em parte como os efeitos das chuvas foram potencializados por uma série de mudanças que enfraqueceram proteções e abriram caminho para uma explicação ainda mais desenfreada dos recursos naturais gaúchos. Dentre os exemplos elencados pela Agapan estão:

  • Em 2020,  Eduardo Leite fez aprovar na Assembleia Legislativa a Lei 15.434, apelidada de Novo Código Estadual do Meio Ambiente, que  suprimiu ou flexibilizou mais de 500 artigos e incisos do Código Estadual de Meio Ambiente criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica.
  • Em 2021, o governo de Eduardo Leite  também conseguiu aprovar o chamado Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), conhecido como autolicenciamento privado, que foi muito criticado por afrouxar a fiscalização ambiental.  O LAC permite que 49 atividades econômicas, sendo 31 com alto e médio potenciais poluidores, sejam autorizadas independente do seu porte, apenas a partir do uso de uma forma muito simplificada de licenciamento ambiental na qual o empresário basicamente fica com passe livre para desenvolver projetos potencialmente agressivos, sem a necessidade de aprovação de estudos técnicos e, pior, sem que se comprometa a adotar medidas de mitigação e reparação por danos eventualmente causados.
  •   Em 2023, enquanto as famílias no Vale do Taquari ainda choravam seu parentes mortos, procuravam desaparecidos e contabilizam os prejuízos econômicos causados pela enchente, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) sob controle do governo de Eduardo aprovou a “atualização” do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura (ZAS) no estado, que tornou possível que monoculturas de árvores passassem do limite 900 mil ou 1 milhão de hectares para 4 milhões de hectares em cada Unidade de Paisagem Natural (UPN) x Bacia Hidrográfica (BH), ampliando os impactos causados pela remoção de florestas nativas e sobreuso de recursos hídricos, e uma forte ampliação das áreas de deserto verde.
  • Em 2024, mais precisamente no dia 09 de abril, o governo de Eduardo Leite conseguiu aprovar, facilmente diga-se de passagem,  outro projeto com alto potencial de impacto ambiental que, mais uma vez, colocou Leite e entidades ambientalistas em lados opostos. Trata-se da lei que flexibiliza ainda mais o Código Estadual de Meio Ambiente para permitir a construção de barragens e açudes em Áreas de Preservação Permanente (APP). O objetivo manifesto da lei seria proporcionar alternativas de armazenamento de água para agricultura e pecuária, de modo a enfrentar períodos de estiagem às custas da recuperação das matas ciliares, áreas fundamentais para o controle de inundações.

Quando se olha todas essas ações realizadas por Eduardo Leite é fácil compreender que elas buscam favorecer o latifúndio agro-exportador e grandes empresas que não hesitam em colocar a segurança ambiental dos gaúchos para aumentar suas margens de lucros.  É com esses segmentos que reside o compromisso de Leite, deixemos isso claro de uma vez por todas.

Assim, antes que se isente o governador gaúcho e se atribua a catástrofe aos desígnios divinos, há que deixar claro que o que ocorre hoje no RS tem uma forte influência de decisões bem terrenas e que visam tornar os muito ricos ainda mais ricos, ainda que isto signifique afogar os pobres.  Sem isso, não haverá como iniciar as bases da reconstrução das formas de interação sociedade-natureza no RS, o que apenas garantirá a repetição das catástrofes climáticas que hoje estão se repetindo em frequência cada vez maior.

Pegada plástica: projeto de compensação da Danone em Bali entra em colapso após denúncias da comunidade local

O projeto foi suspenso após denúncias de que uma instalação de reciclagem construída por um parceiro local na Indonésia violava os regulamentos habitacionais e afetava a saúde da comunidade

Beach Clean up and Brand Audit on Rambut Island, Jakarta

Uma garrafa de lixo com o rótulo “Aqua” da marca Danone flutua na água durante uma limpeza de praia e auditoria de marca no norte de Jacarta, na Indonésia. Foto: Muhamad Adimaja/Greenpeace 

Por  Emma Howard,  Ellie O’Donnell e  Tonggo Simangunsong para a Unearthed

Um projeto de compensação de plástico apoiado pela gigante de alimentos e bebidas Danone foi suspenso , após alegações de que uma instalação de reciclagem foi construída ilegalmente perto de uma comunidade balinesa e sem a devida consulta , descobriu  uma investigação da Unearthed .

O projeto da Danone foi criado como uma tentativa da multinacional francesa de compensar a sua enorme pegada plástica na Indonésia e parte da sua promessa de recuperar mais plástico do que aquele que utiliza no país até 2025.

É um dos primeiros e maiores esquemas de compensação registados no âmbito do novo programa de créditos de plástico desenvolvido pela Verra, o maior emissor mundial de créditos de carbono. 

Mas está em desordem desde maio do ano passado, quando Verra suspendeu a acreditação depois de receber reclamações que, segundo ela, mereciam uma “ revisão adicional ”.   Esta medida ocorreu depois que Verra recebeu reclamações de residentes e ONGs de que uma das instalações do projeto de compensação – a instalação Samtaku Jimbaran em Bali – foi construída a poucos metros das casas das pessoas sem consultar os moradores próximos e estava prejudicando a saúde dos residentes , documentos vistos. pelo programa Unearthed .

A compensação de plástico é um novo mercado, modelado na compensação de carbono, no qual as empresas pretendem reduzir a sua “pegada plástica pagando para “remover” o plástico do ambiente. Isto significa esquemas de financiamento, baseados em grande parte no Sul Global para apoiar a reciclagem, a recolha por catadores de lixo ou a queima de plástico como combustível. 

Espera-se que a procura por estas compensações cresça à medida que as empresas ficam sob maior pressão para enfrentar os danos ambientais causados ​​pelos plásticos descartáveis. No início deste ano, o Banco Mundial e o Citi emitiram um título de créditos de plástico no valor de 100 milhões de dólares que financiará projetos de recolha e reciclagem de plástico acreditados pela Verra em Gana e na Indonésia. 

A Verra tem defendido o seu programa de créditos de plástico aos delegados do tratado global de plástico da ONU, que acaba de entrar na sua quarta ronda de negociações esta semana em Ottawa, Canadá A ONU pretende chegar a um acordo juridicamente vinculativo para acabar com a poluição plástica até ao final do ano. 

Mas os activistas indonésios afirmaram que projectos como o da Danone mostraram que a compensação era apenas uma tentativa inútil por parte das empresas para evitarem combater as causas profundas da poluição por plásticos.

“A compensação do plástico é dinheiro jogado fora – pelo menos da forma como está a ser feito agora”, disse Tiza Mafira, cofundadora do grupo de campanha indonésio Movimento da Dieta do Plástico e diretora da Iniciativa de Política Climática . 

“Este projeto é um exemplo disso. Na Indonésia e em todo o mundo, as empresas estão a investir na remoção do plástico do ambiente, em vez de tentarem evitar a sua produção.” 

A poluição por resíduos plásticos nos cursos de água é um grande problema na Indonésia. A Danone – que descreve a sua subsidiária Aqua como a maior marca de água engarrafada da Indonésia – tem sido repetidamente identificada como o maior poluidor de plástico do país em auditorias de resíduos pela campanha Break Free From Plastic (BFFP). 

Um porta-voz da Danone disse que a empresa continua a trabalhar na Indonésia para reduzir o uso de plástico, melhorar a reciclagem e remover resíduos do meio ambiente.

Ela disse ao Unearthed em fevereiro que as instalações de Bali pertenciam à PT Reciki Mantap Jaya, uma “subsidiária” da empresa indonésia de gestão de resíduos Reciki Solusi Indonesia , mas a Danone forneceu financiamento inicial para o seu sistema de segregação de resíduos e educação comunitária. 

Ela acrescentou que a Danone “estabeleceu expectativas claras em torno dos padrões que esperamos que nossos parceiros cumpram e tomou medidas imediatas em 2023, investigando as reclamações feitas sobre a instalação de processamento de resíduos”.

Em Março, um jornal local noticiou que a Reciki Solusi Indonesia estava a “deixar de ser accionista” em Mantap Jaya e que a instalação de reciclagem estava a reduzir o número de funcionários e a debater-se com equipamentos avariados. 

Depois disso, a Danone disse à Unearthed numa declaração posterior que o seu próprio envolvimento com as instalações de Bali estava agora “concluído” e que a empresa operacional local estava num “período de transição para encontrar um novo investidor”.  

A Unearthed entrou em contato com Reciki Solusi Indonesia para comentar, mas não recebeu resposta.

Delegados acompanham os procedimentos do dia em Nairóbi durante a terceira rodada de negociações para formular um tratado internacional juridicamente vinculativo sobre plásticos até 2024. Foto: James Wakibia/SOPA Images/LightRocket via Getty

Verra disse à Unearthed que não poderia comentar sobre a revisão do “controle de qualidade” do projeto de compensação da Danone, pois ainda está em andamento.

Um porta-voz disse: “Verra acredita que os requisitos de consulta e auditoria do Programa Plástico são os melhores do mercado e servem como modelo de transparência, ação e integridade”.

Ele acrescentou que os créditos de plástico não substituem os esforços “a montante” para reduzir o uso de plástico, e ambos são necessários. “Reconhecemos que é necessário financiamento para abordar a poluição plástica a jusante, enquanto as empresas fazem esforços máximos para reduzir o uso de plástico virgem em primeiro lugar”, disse ele ao Unearthed .

“Mesmo que o mundo tenha parado de produzir plástico hoje, uma grande quantidade de plástico já está no meio ambiente, ou chega até lá se não intervirmos nos esforços de coleta e reciclagem.”

‘Comentários substantivos’

Segundo Verra, o projecto da Danone visa recolher cerca de 170 mil toneladas de plástico na Indonésia até 2030, apoiando a instalação e operação de cinco instalações de processamento de resíduos em todo o país, que deveriam ser todas geridas pela Reciki

Os documentos do projecto mostram que a Reciki constrói estes locais em acordos de “parceria público-privada” com os governos locais, nos quais as autoridades locais fornecem o terreno para as instalações.

A segunda destas instalações – Samtaku Jimbaran – foi inaugurada em Bali em 2021 . Em dezembro de 2022, a Verra registrou o projeto de compensação da Danone em seu programa de redução de resíduos plásticos. 

Mas em Maio do ano passadoVerra escreveu à Danone dizendo que estava começando uma revisão do “controle de qualidade” do esquema de compensação, em resposta a “comentários substanciais das partes interessadas” sobre o projecto. Verra suspendeu a emissão de créditos de plástico do esquema até que esta revisão fosse concluída. 

Onze meses depois, a revisão ainda está em andamento e o status do projeto está marcado como “em espera ” no registro da Verra. A instalação de Bali continuou a funcionar apesar da revisão, mas desde que os desenvolvimentos em Março e o apoio da Danone chegaram ao fim, o seu futuro é agora incerto.

A Danone não comentou se continuaria a buscar o credenciamento da Verra para as instalações de Bali ou para o esquema mais amplo. “Embora tenhamos usado a certificação de projetos usando o esquema Verra no passado, não compramos créditos de plástico deste projeto”, disse o porta-voz da empresa. 

“Acreditamos que são necessárias mais pesquisas para testar a eficácia dos créditos de plástico e seremos guiados pelos princípios estabelecidos pelo Tratado Global das Nações Unidas sobre Plásticos.”

O porta-voz da Danone disse que os créditos de plástico eram apenas uma entre várias soluções para resíduos plásticos nas quais a empresa estava trabalhando. “Com parceiros, apoiamos 36 instalações em toda a Indonésia, juntamente com uma rede de bancos de resíduos comunitários e quase 10.000 coletores de resíduos em toda a Indonésia”, disse ela. “Como resultado destes esforços, conseguimos recolher até 22.000 toneladas de resíduos plásticos por ano.”


Uma mulher com dois meninos está sobre uma madeira coberta por resíduos plásticos trazidos pelas ondas fortes na praia de Jimbaran, perto da instalação em Bali, na Indonésia. Em Bali, famosa entre os turistas pelas suas praias e pores-do-sol, as monções do noroeste trazem um tipo diferente de chegada: grandes quantidades de resíduos plásticos. Foto: Agung Parameswara/Getty

‘Consentimento tácito’

Um porta-voz da Verra disse ao Unearthed que não havia recebido nenhuma informação da Danone indicando que as instalações de Bali não estavam operando adequadamente e estavam buscando novos investidores, ou que a Danone não estava mais fornecendo suporte para isso . adaptar projetos do programa de plásticos, ou retirá-los completamente, mas a Danone não tentou fazer nada disso.

A Verra recusou-se a fornecer quaisquer detalhes sobre os comentários que desencadearam a sua revisão, exceto para dizer que os recebeu entre dezembro de 2022 e abril de 2023. 

No entanto, a Unearthed obteve documentos que mostram que Verra recebeu uma série de reclamações sobre Samtaku Jimbaran durante este período, que incluíam as seguintes alegações: 

  • Que a instalação foi criada em violação dos regulamentos indonésios que proíbem a instalação de uma central de reciclagem num raio de 500 m de habitações residenciais . Os moradores estimam que a casa mais próxima fica a menos de dois metros da borda da instalação.
  • Que muitos residentes tiveram problemas de saúde, incluindo problemas respiratórios, dores de cabeça e dores de estômago , que acreditam terem sido causados ​​pelo cheiro das instalações.
  • Que muitas pessoas que moravam nas proximidades não foram consultadas antes da construção da instalação; a documentação sobre o projeto não foi disponibilizada à comunidade local e não foi publicada em indonésio. 

Imagens de satélite analisadas pela Unearthed indicam que havia mais de 100 casas num raio de 500 metros do local antes de ser construído, com algumas casas a menos de 100 metros de distância.

A Danone afirmou na sua proposta de projecto que Reciki obteve o consentimento da comunidade com base no facto de o projecto ter sido aprovado pelo governo local e a prestação de um serviço público equivaler a “consentimento tácito ” . Também obteve uma carta de consentimento das comunidades vizinhas e disse que o chefe da aldeia estava a participar no processo. 

No entanto, Jero Agung Dirga, o chefe tradicional da aldeia onde a instalação está sediada, disse ao Unearthed que, de acordo com as queixas dos residentes, “a gestão realizou ações de sensibilização”, mas isto foi “com residentes que não foram afetados, que moravam mais longe da localização [da instalação], e não com moradores mais próximos do projeto que vivenciaram os impactos”. Ele próprio não esteve envolvido em nenhuma consulta antes da construção da instalação, acrescentou. 

As reclamações enviadas à Verra no ano passado não foram as primeiras que a empresa de credenciamento recebeu sobre as instalações de Bali. A Unearthed também analisou documentos, arquivados na Verra antes do registro do projeto, nos quais Danone e Reciki respondem a reclamações recebidas em 2022. As empresas admitem que resíduos líquidos contaminados vazaram em cursos de água locais e ocorreram queima de resíduos de tecidos no local , o que poderia ter levado à fumaça preta . Em resposta, a Reciki comprometeu-se a atualizar o seu sistema de gestão de águas residuais e a aumentar a capacidade do seu equipamento para capturar fumo.

Outros documentos vistos pela Unearthed mostram que nos últimos dois anos pessoas reclamaram do cheiro a até um quilômetro de distância. Os moradores queixaram-se de vertigens e problemas de sono , e tiveram que ir ao hospital devido a problemas de saúde que atribuem aos fumos. 

“O cheiro era absolutamente terrível”, disse Owen Podger, um ex-residente que morava a cerca de 150 metros das instalações até se mudar no ano passado, ao Unearthed : “Durante dois meses, tivemos que fechar nossas janelas e portas quase o tempo todo, então durante meses depois, várias horas por dia. Não podíamos sentar do lado de fora de casa ou fazer compras pela manhã. Minha esposa teve câncer e isso tornou os últimos meses de sua vida muito difíceis.”

Dirga disse ao Unearthed que outros moradores também desejam deixar a área. “[Eles] querem vender a sua propriedade, mas não se mudam porque ninguém quer comprá-la, disse ele. “Os principais problemas de que se queixam são o odor, o facto de o local em redor [das instalações] não ser limpo e estarem muito preocupados com a sua saúde.”

De acordo com os documentos do projeto da Danone, a instalação recebe resíduos municipais locais. Separa e enfarda cerca de 40% do plástico desses resíduos para ser vendido para reciclagem; os restantes plásticos de qualidade inferior são convertidos no local em Combustível Derivado de Resíduos (RDF), um processo que transforma resíduos em pellets de combustível através de trituração , calor ou compressão .

No ano passado, o auditor contratado pela Verra descobriu que o RDF, fabricado nas instalações balinesas, não atendia aos padrões legais para venda. A Verra ainda não certificou ou aprovou a produção de RDF da instalação no âmbito do seu programa de plástico. 

As pessoas transportam resíduos plásticos que foram selecionados para serem vendidos a coletores de resíduos plásticos em Denpasar, em Bali. O governo indonésio tem uma meta de redução de resíduos de 30% até 2025. Foto: Sonny Tumbelaka/AFP via Getty.

‘ Greenwashing na imagem da Danone’

Os documentos mostram que a Danone planeou originalmente a emissão de créditos de plástico a partir do seu projecto de compensação na Indonésia, dizendo que seria “benéfico para a sustentabilidade do projecto a longo prazo”. No entanto, mais tarde alterou o seu plano para declarar que os créditos não seriam emitidos e disse que pretendia utilizar o esquema da Verra como certificação independente da quantidade de plástico que está a recuperar na Indonésia.

“Isso ainda está permitindo que a Danone faça uma lavagem verde em sua imagem”, disse Emma Priestland, coordenadora de campanhas da ONG global Break Free From Plastic (BFFP), ao Unearthed. “ A alegação de que estão a combater a poluição plástica através da recolha de mais embalagens do que as que vendem é uma distração destinada a evitar mudanças reais e substanciais no seu modelo de negócio, para que possam continuar a poluir a Indonésia com plásticos de utilização única.”

A Danone é uma das maiores empresas de alimentos e bebidas do mundo . Atualmente, enfrenta um desafio legal por parte de grupos ambientalistas que alegam que não conseguiu resolver adequadamente a sua pegada plástica, utilizando uma lei francesa histórica que exige que as empresas previnam violações dos direitos humanos e danos ambientais na sua cadeia de atividade. Nenhuma decisão foi tomada ainda.

A compensação de plástico é um novo mercado em expansão que surgiu nos últimos anos e que recebeu apoio significativo dos principais poluidores de plástico . As subsidiárias da Unilever da Nestlé fizeram reivindicações de “neutralidade plástica” respectivamente na Índia e nas Filipinas, onde a Plastic Credit Exchange – o maior player no mercado – vendeu a maior parte dos seus créditos.

A Danone faz parte do conselho consultivo do programa de crédito de plástico da Verra e fez parte da iniciativa 3R, um dos esforços iniciais que desenvolveu o conceito de créditos de plástico. Um porta-voz da Verra disse ao Unearthed que “o envolvimento nesses grupos não tem influência na elegibilidade de um projeto ou nos processos que Verra segue para revisar um projeto”. 

Um porta-voz da Verra também negou que seus esforços nas negociações do tratado de plástico equivaliam a lobby e disse ao Unearthed : “Verra é um observador credenciado da ONU e participa do processo do tratado para educar as partes interessadas sobre o papel do Programa Plástico de Verra como uma estrutura para mobilizar financiamento para o plástico. atividades de coleta e reciclagem de resíduos.”

Na terça-feira desta semana, Verra organizou um evento paralelo na rodada de negociações do tratado em Ottawa para discutir o título de créditos plásticos de US$ 100 milhões do Banco Mundial e do Citi. Falando neste evento, Fei Wang, diretor financeiro sênior para soluções de mercado do Banco Mundial, disse: “Esperamos que isto se torne um mercado e esperamos que outros emissores também possam emitir”.

Quando questionado pela Unearthed sobre as questões levantadas pelo projeto Danone, ele disse: “Há sempre projetos que não estão funcionando… é um desafio o que você mencionou e viu em outros projetos, mas é por isso que queremos trabalhar com parceiros que têm um histórico.”

O Banco analisou de forma independente os dois projetos que o título apoia e disponibilizará relatórios aos investidores anualmente, acrescentou.


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Fonte: Unearthed

MST lança SOS Rio Grande do Sul para vítimas das chuvas

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Estimados/as amigos, amigas e camaradas da luta do MST

Nós do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra estamos fazendo uma campanha de arrecadação financeira para contribuir nas ações nos municípios gaúchos.

Cerca de 300 famílias inteiras de assentamentos do MST estão atingidas pelas enchentes. Muitos perderam tudo e maior parte da produção de nosso arroz orgânico foi comprometida ou totalmente perdida.

Compartilhamos vídeo da situação de algumas das nossas áreas na região metropolitana, em especial a do Assentamento de Eldorado do Sul [Aqui!].

Informações Bancárias:

Banco: 350 Agência: 3001

Conta: 30253-8

CNPJ: 09.352.141/0001-48

Nome: Instituto Brasileiro de Solidariedade

CHAVE PIX: 09352141000148

O MST sugerindo uma contribuição mínima de 50 reais

Esses recursos serão utilizados para reconstrução de 420 casas de famílias assentadas que foram destruídas, viabilizar as cozinhas comunitárias nas áreas afetadas seja assentamentos ou bairros e na compra de material de higiene; além de organizar atendimento de água potável.

Posteriormente disponibilizaremos do relatório de aplicação!

Consumidor quer informações sobre origem da carne em embalagem, mas higiene e preço do produto ainda é o que mais pesa na hora da compra 

Pesquisa do Instituto Locomotiva encomendada pelo Idec mostra que a população ainda tem pouco conhecimento sobre a cadeia de produção da carne; também foram pesquisadas percepções sobre produtos à base de plantas

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O que mais importa na hora de decidir comprar carne no supermercado? Preço, condições de higiene, impacto ambiental, bem-estar animal? Para tentar entender qual é a percepção das pessoas consumidoras sobre o consumo de carne, o Idec (Instituto de Defesa de Consumidores) encomendou uma extensa pesquisa sobre o tema, incluindo também o tema dos alimentos feitos à base de plantas para substituir a carne, os chamados plant-based. A pesquisa inédita foi realizada pelo Instituto Locomotiva em agosto de 2023, e ouviu mil pessoas nas cinco regiões do Brasil. Todas elas com 18 anos ou mais, sendo 58% dos entrevistados da classe C e a maioria residente de alguma capital brasileira.

Dentre os principais resultados, destaca-se o interesse do consumidor em saber o que come: 9 em cada 10 pessoas afirmaram que as informações do rótulo/embalagem são levadas em consideração para escolher um alimento e, entre os que costumam comprar carne, 86% procuram informações sobre a origem desses produtos. Ainda entre os compradores de carne, 95% disseram que a origem deste alimento seria levada em consideração na hora da compra se tivesse essa informação no rótulo/embalagem. No entanto, ainda não há legislação que obrigue essa informação nos produtos. 

Outro dado importante da pesquisa é que, apesar do interesse em saber o que se come, o que realmente é mais importante na hora de decidir pela compra ou não da carne são as condições de higiene tanto da carne (34%) quanto do local de venda (20%). O preço foi o terceiro ponto relevante, citado por 16% dos entrevistados como o mais importante. 

Por outro lado, apenas 4% dos participantes consideram que o mais importante é como os animais são tratados e 2% consideraram o impacto da agricultura e da produção de carne nas mudanças climáticas. 

A coordenadora do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto, Laís Amaral, reforça que o Guia Alimentar para a População Brasileira enfatiza a importância da manutenção da cultura alimentar do país, que inclui a carne. O que não significa que devemos ignorar seu consumo excessivo e a forma como ela chega à mesa. “O Guia também aponta a necessidade de pensarmos a sustentabilidade da produção de alimentos, é essa a reflexão que queremos fazer. E como o consumidor pode realmente ter informações de que aquele produto que ele consome não é resultado de desmatamento, por exemplo”, explica Amaral. 

Mais da metade dos entrevistados, 56%, disse não ter acesso a informações precisas e confiáveis sobre as consequências da produção da carne e dos laticínios nas mudanças climáticas. Além disso, 78% dos respondentes reconhecem que a criação de gado e processamento da carne e dos laticínios traz impacto negativo nas mudanças climáticas, mas somente 2% apontam que essa é a principal atividade na geração desse problema. 

“O que o estudo evidencia é que, para a maioria das pessoas consumidoras, não está nítida a relação direta entre a produção e o consumo de carne e a crise climática”, disse Julia Catão, especialista do programa de Consumo Sustentável do Idec. Segundo monitoramento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), atividades como o cultivo de bovinos; tratamento, armazenamento e disposição dos dejetos animais gerados pela produção agropecuária; o uso de agrotóxicos sintéticos nitrogenados e a queima de combustíveis na agropecuária são responsáveis por 73,7% dos gases de efeito estufa (GEE) emitidos no país.

“A pesquisa foi realizada justamente para entender os hábitos e as percepções dos consumidores e, a partir disso, pensarmos em políticas públicas que promovam a alimentação saudável e sustentável”, completa a coordenadora do programa de Alimentação Saudável do Idec. 

Plant-based, o falso saudável

Pensando também em entender como a população tem tido acesso a produtos vendidos como possíveis substitutos da carne, foram elaboradas questões sobre os plant-based. Os resultados mostraram que 35% já consumiram algum produto plant-based ou à base de plantas, sendo que 1% afirma que consome esses produtos com frequência. 

Quanto aos motivos de consumi-los, 88% daqueles que consomem esses produtos afirmam que levam em consideração as informações sobre sustentabilidade e saúde existentes em suas embalagens/rótulos. Entre os entrevistados que conhecem algum produto plant-based, 51% os consideram mais saudáveis que a carne, sendo que 30% os consideram muito mais saudáveis.  

“Essa é nossa preocupação com os plant-based. Eles são vendidos como mais saudáveis e mais sustentáveis mas, na verdade, a grande maioria também são produtos ultraprocessados, ou seja, aqueles que o Guia Alimentar recomenda que sejam evitados”, explica a coordenadora do programa de Alimentação do Idec. 

E, apesar de o consumo frequente dos plant-based ainda ser pequeno, existe uma crescente na oferta desses produtos. 

“Precisamos pensar nos sistemas alimentares de forma completa. O consumidor tem manifestado seu interesse de ter mais detalhes sobre o produto que está adquirindo, especialmente relacionado a um tema tão contemporâneo/atual como o das mudanças climáticas. Por isso, é muito importante – além de ser um direito – dar informação cada vez mais adequada ao cidadão para que ele possa fazer escolhas mais conscientes, saudáveis e sustentáveis”, conclui Amaral.

Eleições 2024. Cenários e perspectivas para Campos dos Goytacazes

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Por Douglas Barreto da Mata

Ninguém ousa duvidar de números e da ciência estatística. Guardadas as margens de erro, o fato é que a ciência estatística tem considerável margem de acerto, que se eleva devido a um truque sutil. Usar a prospecção de um momento ou de uma conjuntura, e dar a esse evento um caráter profético.

A chamada previsão auto-realizável, ou, como o nome de um dos institutos de pesquisa sugere: futuro pré-fabricado (Prefab future). A enorme vantagem de Wladimir Garotinho sobre seus concorrentes não é irreal.  Ela existe e reúne em si (esta vantagem) um conjunto de circunstâncias: o enorme carisma do prefeito e sua habilidade em manejar suas redes sociais,  o bom governo, ainda mais se comparado à tragédia anterior de Rafael Diniz,  a capacidade em circular entre forças políticas distintas, desde PT até o Bolsonarismo.  E claro, o bônus de herdar um sobrenome com imenso recall entre as camadas mais pobres.

Porém, não são apenas as qualidades dele que sobressaem. A incapacidade da oposição é um fator crucial. Desde a derrota do governo Wladimir, na desastrada antecipação da votação para presidência da Câmara, em 2021, quando o grupo liderado por Marquinhos Bacellar conseguiu criar um embaraço real ao governo que começava, nunca mais, a partir daí, a oposição conseguiu sequer arranhar o governo.

Não rimaram ré com cré, parecem sem rumo, um bando disperso, sem liderança. Dentre os principais fiascos, o Impasse da LOA, a CPI da Educação, culminando com a perda da maioria, a oposição patina.  Hoje, a Câmara tem uma rejeição ainda maior àquela já normal aos parlamentares. 

Pesquisas não divulgadas indicam que a preferência do eleitor pelo presidente da Câmara, se ele fosse considerado como candidato a prefeito, caiu de 6% para 2%, durante estes embates até aqui.  Se é verdade que a presidência da Alerj elevou Rodrigo Bacellar nas divisões da política nacional, é certo que isso não se repercute em Campos dos Goytacazes.

Tentaram emplacar, ou tentam emplacar uma candidata mulher, orientados por sondagens que indicam que esse flanco seria o único com alguma chance. Nada. A candidata que tem mais intenções está inelegível, e ponto. Colocam-na apenas para tentar fazer a chamada candidatura-cavalo (na tradução da umbanda, cavalo é quem recebe a entidade).

A tática é explorar as intenções de voto da deputada petista, mesmo que o registro seja negado, colocando uma substituta para “incorporar os votos” da deputada. Dizem que será Elaine Leão do sindicato dos servidores. Jefferson foi preterido, dizem, porque não aceitou o jogo. Esta alternativa (Elaine dublê de Carla Machado) não se concretiza só pela questão do prefeito itinerante. 

Mesmo que houvesse entendimento diverso, este não pode fazer efeito para esse próximo pleito, pois há um prazo mínimo para tanto. Ainda que a deputada estivesse apta, seu capital eleitoral é reduzido, olhando os dados, ao centro da cidade e setores da baixada. Apesar de seus correligionários, como era de se esperar, dizerem o contrário. Ela detém o que se chama de voto de vizinhança, como acontece com alguns políticos que orbitam entre a capital do Rio e suas zonas metropolitanas, principalmente, a baixada. Tendo sido prefeita de São João da Barra, cidade-veraneio de boa parte da classe média e classe C de Campos, é normal que ela tenha alguma votação por aqui. Ao mesmo tempo, ela captura uma parte do antigarotismo, hoje já parcelada com a delegada e outros candidatos. É só.

A pulverização pretendida pela oposição parece ter explodido dentro das linhas da oposição. Pulverizou os votos deles, e cristalizou a liderança do prefeito.

Chama atenção que, mesmo muito menos exposta que o prefeito, para o bem e para o mal, tenha ele uma rejeição quase idêntica à dela, ou seja, é claro que isso indica que, sendo muito menos conhecida, sua rejeição é muito maior.

Em outras palavras, quem tem 18% de intenções de voto e 8% de rejeição, tem quase metade de rejeição em relação a intenção de voto. Já o prefeito tem 53% e 9% de rejeição, isto é, um sexto de rejeição aproximados, relativos aos votos declarados.

Alguns correlegionários da deputada falam que o prefeito estaria próximo do teto, mas olhando os dados comparados entre votos e rejeição, a deputada parece bem mais limitada que ele. O mesmo pode se dizer da delegada, pois sua rejeição, aparentemente baixa, chega próxima à metade das suas intenções. Sendo um pouco cruel, podemos concluir que são pouco rejeitadas porque pouco conhecidas.

Outro dado, na espontânea, o prefeito mantém-se acima de 50%, e ela despenca das suas intenções para próximo de 3%.

Existe outro dado que foi avaliado de forma enviesada. Trata-se do percentual de indecisos, algo como 40%. Se considerada a série histórica, os indecisos ficaram entre 25 a 30%. Ou seja, a margem de disputa estará entre 10 a 15% de indecisos, e não 40%, como argumentam os que torcem pela deputada/sindicalista.

Na referida pesquisa, outro truque: colocar o nome da deputada na cabeça do questionário, o que eleva as intenções de voto em 2 a 4%. 

Esses números podem mudar? Sim, mas a pergunta honesta a se fazer é: o prefeito tem mais chance de fazer a previsão virar fato, ou a oposição tem mais chance de transformar o futuro, que parece pré fabricado?

Agricultura familiar no Brasil: importância e perspectivas futuras para seu fortalecimento

agricultura familiar

Por Andréia Vigolo Lourenço e Catia Grisa

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Há dez anos, durante uma Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), 2014 era eleito o Ano Internacional da Agricultura Familiar. A data marcou politicamente o debate internacional que reconhece a importância dessa categoria social para a geração de emprego e renda nas áreas rurais, a gestão dos recursos naturais, a produção de alimentos e a garantia da segurança e soberania alimentar dos países.

No Brasil, o reconhecimento político da agricultura familiar ocorreu antes. A Lei nº 11.326, de 2006, atende à demanda de diversos movimentos sociais do campo por políticas públicas que fossem além de considerar a existência desse grupo social. Eles reivindicaram a implementação de ações que vão da previdência e direitos sociais à reforma agrária de acordo com as particularidades de seus modos de vida, de organização e de produção.

O último recenseamento agropecuário, realizado em 2017 pelo IBGE, evidencia a importância das unidades familiares de produção em termos não apenas de participação na produção de alimentos, mas também na abertura de postos de trabalho. Só para se ter uma ideia, 77% de todos os estabelecimentos no Brasil se enquadram nessa categoria, empregando mais de dez milhões de pessoas. Isso corresponde a 67% de todo o pessoal ocupado no campo.

Além disso, embora ocupe apenas 23% da área total da agropecuária, naquele ano a agricultura familiar participou com 84% da produção de fava no país, 70% de mandioca, 64% de leite de vaca, 51% de suínos, 46% de aves, além de 58% de abóbora e da cebola. Na produção de frutos, participou com 67% do volume total de abacaxi, 79% da uva para processamento, 73% do maracujá e 68% do pêssego. Sem contar os produtos regionais, como açaí (79% do volume produzido), jambo (88%), guaraná (74%), erva-mate (69%), cupuaçu e caju (ambos com 66%), que possuem enorme relevância para a preservação da diversidade alimentar e cultural do nosso país.

Portanto, ao construirmos ações que favorecem a melhoria da qualidade de vida e das condições produtivas da agricultura familiar, contribuímos para a o fortalecimento da produção e oferta de alimentos, a geração de emprego e renda no campo e para uma melhor gestão dos recursos ambientais do Brasil.

Nesses quase vinte anos, ocorreram conquistas em termos de inserção em mercados, acesso a insumos, crédito e financiamento, pesquisa, assistência técnica e organização social. Entretanto, a agricultura familiar ainda enfrenta desafios como o envelhecimento da população rural, dificuldades de acesso à terra, violência no campo, condições de trabalho inadequadas, problemas ambientais e de saúde pública.

O enfrentamento desses desafios ganha destaque em nível internacional. Em 2019, por exemplo, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) lança a Década da Agricultura Familiar 2019 – 2028 para articular ações que contribuam, principalmente, na luta contra a fome e a pobreza.

Estamos na metade da Década e, buscando fortalecer esse debate, nos dias 7 e 8 de maio de 2024 acontecerá, em Porto Alegre (RS), o Seminário Internacional sobre Agricultura Familiar, aberto à participação de organizações. As perspectivas futuras para a agricultura familiar emergem com novas questões a serem respondidas: pensar políticas que valorizem as características potenciais da agricultura familiar, associadas a instrumentos que contribuam para mitigação das mudanças climáticas e transição para sistemas alimentares mais sustentáveis.

Sobre as Autoras

Andréia Vigolo Lourenço – Pesquisadora de Pós-Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS/UFRGS) e integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura Alimentação e Desenvolvimento (GEPAD)

Catia Grisa – professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenadora do GEPAD e da Rede Políticas Públicas e Desenvolvimento Rural na América Latina e Caribe (Rede PP-AL)


Fonte: Agência Bori