Professor analisa o rumo que há por detrás da aparente falta de rumo nas ações da reitoria da UENF

Um acalorado debate está ocorrendo numa lista eletrônica mantida pelos professores da UENF desde que a reitoria anunciou a vinda da ex-jogadora basquete Hortência Marcari para proferir uma palestra motivacional (Aqui!) durante a Semana de Ciência & Tecnologia que ocorrerá a partir desta segunfa-feira (21/10).

Para muitos professores, trazer uma notável para dar uma palestra motivacional (sabe-se lá que custo) simbolizaria a falta de rumo da reitoria da UENF na definição de questões básicas para o funcionamento de uma instituição universitária pública.

Essa discussão motivou o Prof. Vitor Peixoto, coordenador do curso de Ciências e membro do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (LESCE) do CCH, a produzir uma interessante análise sobre o momento em que a UENF se encontra neste momento.

Como achei que a análise está muito bem feita, solicitei ao Prof. Vitor Peixoto e ele me autorizou a postá-la aqui no blog.

Por detrás de aparente falta de rumo na UENF, há o rumo da mercantilização do ensino e da pesquisa

Por Vitor Peixoto*

s200_vitor.peixoto

Não, não estão de “sacanagem” nem muito menos poderíamos dizer que estamos “sem rumo”. Infelizmente! Os eventos somente estão aparentemente isolados na superfície, entretanto, são peças que constituem uma engenhosa engrenagem que a todos toma como se fossem partes de um único corpo. Trazer a jogadora de Basquete ou o autor de autoajuda está contido no mesmo conjunto de ações em que se situa a quebra do regime de dedicação exclusiva. O esvaziamento das instâncias de deliberação coletivas é apenas o mecanismo para satisfazer e garantir as necessidades imediatas do organismo, pois.

A própria forma que se fazem ser vistos como isolados também é uma característica de sobrevivência e adaptação deste organismo, este é o mecanismo que lhe permite ser sorrateiro e imperceptível aos predadores. A camuflagem se completa com a inconsciência de ação de algumas “peças-atores”, que não fazem mesmo mínima ideia de que pertencem a esta engrenagem – podem lhes indagar sob tortura que lhes jurarão que os esquizofrênicos somos nós, pois vemos fantasmas em tudo que é canto escuro e inventamos e vivemos num mundo paralelo. E outros muitos realmente acreditam que são iluminados por fazerem parte da “engrenagem” e, por conseguinte, representa uma dádiva concedida pelo criador do próprio organismo.

 O fato que é a sobrevivência é sustentada por “peças” que ou não tem consciência do papel que cumprem no sistema, ou estão plenamente convencidas, o que garante a “corporificação” do conjunto ideológico. Em resumo, quanto mais (in)corporado e camuflado mais eficiente é o organismo.

Mas que organismo é esse? Aqui reside o ponto crucial da existência desta engrenagem, seu nome é escamoteado até as últimas consequências e para isto responde por muitos nomes e ao mesmo tempo não se deixa reconhecer por nenhum, mas sabemos que sua mãe é conhecida na praça pela alcunha de “Mercantilização do sistema de Ensino e Pesquisa”. Sabe-se que é um ser invertebrado, o que garante flexibilidade, aliás, flexibilização é uma característica que tenta impor a todos os subsistemas que o compõe e àqueles que visa integrar. Tem por objetivo flexibilizar principalmente leis trabalhistas e garantias ao trabalhador, mas enrijece a ponto de petrificar quando se aproxima qualquer outro ser que o ameace. Seu corpo flexível e coberto por argumentos fluidos extremamente escorregadios.

Outra característica é a individualização. Como já foi dito, é importante para sua sobrevivência que as “peças-atores” não se sintam com pertencentes ao sistema. Além de ajudar na inconsciência e, por conseguinte, na (in)corporação das peças, a individualização incute a concepção de auto responsabilização, o que representa uma importante economia de energia no sistema de controle. Peças que não precisam ser cobradas ou vigiadas, elas se auto organizam. A partir deste ponto se pode compreender a função cumprida pela autoajuda, tão bem incentivada e remunerada nesta instituição. Óbvio, o que mais além da motivação um docente necessita? Salários, estrutura de ensino e pesquisa, plano de carreira, lazer, garantias previdenciárias, seguro saúde são bens que se compram no mercado a partir da consecução plena da felicidade, ora! Não nos falta nada além da motivação, afinal, os grandes assim se fizeram por superarem todas as barreiras, e os maiores desafios estão dentro de nós mesmos. A responsabilidade de sermos felizes e produtivos é nossa. Existe um mercado onde podemos, uma vez “auto-solucionadas” as questões de felicidade, atuar para satisfazer nossas necessidades.

Mas ainda fica faltando ligar a autoajuda com os nomes específicos desta área, como Hortência Marcari e Augusto Cury. Não são quaisquer autores de autoajuda ou palestrantes motivacionais, necessita-se de indivíduos que sejam “notáveis” no mercado. Lembram dos argumentos dos TP 20? Pois é aqui que encontramos o polia de transmissão do sistema liga entre as “peças” de autoajuda motivacionais e a quebra da D.E. Todas se encaixam na engrenagem do MERCADO.

Temos rumo, sim. O pior é que temos rumo!

 * O texto acima não significa que sou um estrutural-funcionalista (não obstante o fato de admirá-los e acreditar que muitos foram descartados preconceituosamente, mas isso não é assunto para essa lista, ao menos por hora).

 * Vitor Peixoto é professor do  Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (LESCE) do Centro de Ciências do Homem, UENF.

Deixe um comentário