Reestatização-já do setor elétrico!

Reforma do setor elétrico: redução de tarifas e ampliação do mercado livre  de energia | Nova Energia

 Por Heitor Scalambrini Costa*

São Paulo pode ser considerada como uma das 10 cidades de maior PIB do planeta.  Nos últimos anos, a falta de energia elétrica prolongada se tornou um problema recorrente na capital paulista. Chuvas, tempestades e ventos fortes, tem provocado quedas de árvores, danificando a rede elétrica e interrompendo o fornecimento de energia nesta megalópole, deixando milhares de pessoas sem luz por vários dias.

A Enel Distribuição São Paulo atende cerca de 7,5 milhões de unidades consumidoras em 24 municípios da região metropolitana, incluindo a capital, servindo mais de 20 milhões de pessoas, sendo a segunda maior distribuidora do Brasil, e com quase metade dos clientes da Enel no país.

O ápice da recente crise ocorreu em 10 de dezembro de 2025, quando um ciclone extratropical derrubou inúmeras árvores, afetando a rede elétrica, deixando mais de 2,2 milhões de unidades consumidoras sem energia na Grande São Paulo. O apagão durou vários dias, repetindo outros 4 ocorridos nos últimos 2 anos. A Enel SP acumula reclamações, multas não pagas, com milhões de paulistas afetados, e prejuízos estimados em bilhões de reais.

Não se pode culpar São Pedro pelas ocorrências, muito menos o cidadão/consumidor de um serviço essencial, que foi ludibriado pelas promessas neoliberais do governo FHC (PSDB) que propagavam que a privatização do setor elétrico atingiria ganhos de eficiência através da competição e do investimento de agentes privados, resultando na modicidade tarifária e na melhoria da qualidade dos serviços prestados. Pura balela.

A privatização das distribuidoras de energia, exemplificada pela Enel SP, tem gerado falhas graves e transgressões na prestação de serviços, com apagões frequentes e prolongados, devido à redução de investimentos em manutenção e no quadro de funcionários, priorizando o lucro para acionistas. Isto gera perdas econômicas para consumidores e empresas, e levanta questionamentos sobre a fiscalização das agências reguladoras, e a real vantagem de entregar serviços essenciais ao capital privado, com os governos das 3 esferas discutindo até rompimento antecipado do contrato de concessão (caducidade).  

O Ente Nazionale per l’Energia Elettrica (Enel) é uma empresa de capital predominantemente privado, com uma participação minoritária importante, do governo italiano, seu maior acionista individual. Fundada como estatal na Itália em 1962, foi privatizada nas décadas de 1990/2000, e hoje tem ações negociadas em bolsa, com o Estado italiano mantendo cerca de 23,6% do capital, influenciando a governança da empresa. No Brasil, opera concessões de distribuição de energia (SP, RJ, CE), adquiridas após privatizações de estatais como a Eletropaulo, privatizada em 1999 no governo de Mário Covas (PSDB).  

O caso Enel expõe a fragilidade na crença da superioridade e eficácia do setor privado, cujo foco no lucro, em detrimento do interesse público, resulta em altas tarifas e problemas na prestação dos serviços elétricos para o consumidor. O fornecimento de um serviço essencial, mostra que a prioridade no lucro leva à precarização do serviço, transferindo os riscos e prejuízos para a população.

Após 4 grandes apagões em dois anos, a Enel enfrenta a iminente cassação da sua concessão para o fornecimento de energia em 24 municípios da região metropolitana de São Paulo. Desde que assumiu o fornecimento de energia aos paulistas em 2018, o valor total de multas aplicadas contra ela supera os R$ 400 milhões. Menos de 90% deste valor foi pago.  Outra informação importante para entender como o aumento da lucratividade da empresa tem a ver com a redução dos custos, diz respeito ao seu quadro de funcionários. Entre 2020 e 2025 caiu 25,13%, de 26.962 para 20.185 empregados. Segundo os relatórios de administração da empresa esta redução foi devido aos terceirizados que passou de 21.114 para 15.521 trabalhadores. Entre os funcionários da empresa a redução neste período foi de 5.848 para 4.664. Tais números são contestados pela empresa.

Com a privatização de setores da economia nacional no final dos anos 90 do século passado, foram criadas as agências reguladoras federais e estaduais. Autarquias de regime especial, regulam e fiscalizam serviços públicos transferidos para o setor privado, como energia, saneamento, telecomunicações e transportes. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), como agência reguladora federal, é a responsável pela concessão dos serviços de energia elétrica (como os prestados pela Enel SP), e a ela cabe a regulação geral do setor e decisões sobre, por exemplo, a caducidade de contratos.

Para abranger todo o território nacional de maneira descentralizada foram criadas agências reguladoras nos Estados. A Aneel delega a estas agências a execução de tarefas regulatórias e fiscalizatórias no âmbito do território estadual.

A Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), criada a partir da Comissão de Serviços Públicos de Energia (CSPE), é a autarquia que atua na regulação e fiscalização dos serviços de energia elétrica e gás canalizado desde 1998. Sua principal atribuição na área de energia é fiscalizar:  7 concessionárias (CPFL Paulista, CPFL Piratininga, CPFL Santa Cruz, EDP São Paulo, Enel São Paulo, Energisa Sul-Sudeste e Neoenergia Elektro) e 12 permissionárias de serviços públicos de distribuição de energia elétrica; 54 centrais de geração hidrelétrica (CGH); 27 pequenas centrais hidrelétricas (PCH); 42 usinas hidrelétricas (UHE);  936 usinas termelétricas (UTE); 101 usinas fotovoltaicas (UFV); 1 usina eólica (EOL); e demais instalações de transmissão (DIT). E faz o monitoramento direto da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias, reportando à Aneel e aplicando sanções em alguns casos.

Pode-se afirmar que a Arsesp atua como um braço regulador e fiscalizador da Aneel em São Paulo, por meio de convênio de delegação e descentralização. Não substitui a Aneel que é a responsável final pela regulação e fiscalização. Em situações de crises ou eventos climáticos graves, as duas agências devem atuar em conjunto, monitorando e acompanhando o restabelecimento do fornecimento de energia.

A Arsesp possui um quadro com cerca de 73 fiscais no total para todas as áreas reguladas (gás natural canalizado, resíduos sólidos, saneamento e energia elétrica), mas um número menor de 24 fiscais, dedicado especificamente para fiscalizar todo o setor elétrico. Com tal número de fiscais, fica caracterizado o famoso “faz de conta” na fiscalização.

Outro aspecto a ser levado em conta, nas ocorrências de condições climáticas extremas, é a gestão na poda e/ou remoção das árvores. A flexibilização ocorrida na Lei das Podas Urbanas em abril de 2022 pela base política do atual prefeito, alterou o planejamento, monitoramento e atendimento de podas e manejo arbóreo na cidade. Na atual lei é responsabilidade das subprefeituras realizarem a poda e remoção de árvores em espaços públicos. Manejo de árvores em área particular é de responsabilidade do proprietário do local. A concessionária faz a poda apenas quando os galhos estão perto ou encostando nos fios de energia. Esta atividade é importante pois na maioria das vezes são galhos e árvores tombadas que acabam rompendo as linhas de distribuição, interrompendo o fornecimento de energia. Árvores podadas e/ou removidas evitam acidentes, e consequentemente minimizam a interrupção elétrica. O fato é que a nova lei das podas não tem funcionado e que mudanças urgentes são necessárias.

Diante deste cenário por conta do péssimo serviço prestado pela Enel, da falta de coordenação, de entendimento, entre a prefeitura e a empresa concessionária, do reduzido número de fiscais estaduais para fiscalizar e monitorar a qualidade dos serviços oferecidos, e da Aneel que tem compactuado com as empresas privadas, quem sofre as consequência dos apagões é o consumidor/cidadão, as industriais, o comércio, a prestação de serviços, enfim toda a economia do estado mais rico do país e de seus moradores.

A concessão da Enel está prevista para durar até 2028, podendo ser renovada por mais trinta anos. Todavia existe um certo consenso que levou os governos municipal, estadual e federal a demandarem junto a Aneel, o rompimento do contrato de concessão. Tal procedimento dependerá da abertura de um processo administrativo, da investigação das causas do apagão, do contraditório e da ampla defesa à companhia, até que se chegue à decisão final.

Depois de 30 anos, desde a primeira privatização de uma distribuidora de energia elétrica, verifica-se que o fim da vigência de contratos de privatização de distribuidoras de energia a partir de 2025, reacendeu o debate sobre o papel do Estado e do mercado no fornecimento de energia, e de outros bens essenciais. O que não deixa de ser uma pauta atual e necessária para a discussão da reestatização dos serviços públicos no país.


*Heitor Scalambrini Costa é professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

Alimentos ultraprocessados: uma batalha implacável na América Latina

Walmart Wenatchee 2Embora a América Latina seja pioneira em políticas regulatórias, a promoção de alimentos e bebidas não saudáveis ​​para crianças e adolescentes continua sendo um problema na região. Crédito da imagem: Thayne Tuason/Wikimedia Commons , licenciada sob Creative Commons CC BY-SA 4.0 Deed . A imagem foi modificada.

[BUENOS AIRES, SciDev.Net] A promoção de alimentos e bebidas não saudáveis ​​direcionados a crianças e adolescentes é um problema urgente na América Latina, que, embora possua um forte poder legislativo para restringi-la, enfrenta desafios crescentes no combate à interferência corporativa.

Essa conclusão se baseia em uma revisão de 54 estudos sobre estratégias de marketing para alimentos ultraprocessados ​​aplicadas na região, na qual especialistas mexicanos constataram que 60% dos produtos anunciados são prejudiciais à saúde ou não são saudáveis ​​de forma alguma.

O artigo — publicado na revista BMC Public Health — focou em 11 países que “adotaram ou propuseram” ações para limitar a publicidade direcionada aos jovens.

Entre outras conclusões, a pesquisa observou que a grande maioria dos produtos anunciados são ultraprocessados: formulações com aditivos e cosméticos para realçar cores, sabores ou texturas, com alto teor de sódio, açúcares, gorduras trans e saturadas.

O estudo, que sintetiza evidências coletadas entre 2013 e 2023, destaca a necessidade de maiores restrições à publicidade na mídia, nos pontos de venda e nas escolas, para proteger o direito das crianças a uma alimentação adequada.

Embora o sobrepeso e a obesidade afetem 18% das pessoas entre cinco e 19 anos em todo o mundo , a América Latina está entre as regiões com maior prevalência, com taxas que chegam a 30% no México, Chile e Argentina.

As estatísticas são consistentes com as vendas de alimentos ultraprocessados. Em um ranking global compilado em 2015 , o México ficou em quarto lugar (214 quilos per capita anualmente), o Chile em sétimo (202 kg) e a Argentina em décimo quarto (185 kg).

Um estudo sobre economias regionais publicado em 2024 pelo Banco do México indicou que, no caso daquele país, o gasto per capita com alimentos processados ​​e ultraprocessados ​​atingiu 29,5% do gasto total com alimentação em 2022. O documento também apontou que o consumo per capita e a participação desses produtos na dieta continuam a aumentar, principalmente no México, na Argentina e no Chile.

Além de aumentar as chances de ganho de peso, seu consumo está associado a maiores riscos de doenças cardiovasculares e cerebrovasculares, depressão e mortalidade.

Crianças como alvo

Segundo a pesquisa, a categoria de alimentos mais promovida é a de bebidas açucaradas, seguida por doces, sorvetes e cereais matinais.

As estratégias persuasivas mais comuns incluem o uso de personagens registrados (como desenhos animados e mascotes), alegações relacionadas à saúde, imagens atraentes e slogans imperativos.

Capazes de identificar personagens e logotipos, mas ainda sem a capacidade cognitiva de reconhecer que o marketing não reflete a realidade, crianças de quatro a oito anos demonstram maior preferência por produtos promovidos dessa forma, que elas podem até perceber como mais saborosos, apontam os autores.

A televisão foi o veículo promocional mais frequente (identificado em 20 estudos), seguida de perto pelas embalagens (19). Os locais mais comuns foram lojas e escolas.

No primeiro caso, a indústria concentra-se em táticas como displays ao nível dos olhos, promoções e descontos. Nas escolasa publicidade é feita em cartazes, campos desportivos e até refeitórios, além da oferta de brindes e palestras educativas.

Entre leis e corporações

Apesar dessa interferência, a América Latina é pioneira em políticas regulatórias sobre alimentos e bebidas não saudáveis.

Após a promulgação da primeira lei mundial de rotulagem frontal de embalagens (com octógonos alertando sobre quantidades excessivas de açúcares, sódio, gordura e calorias nas embalagens), implementada no Chile em 2012, a disponibilidade de alimentos ultraprocessados ​​nas escolas do país caiu de 90% em 2014 para 15% em 2016. Posteriormente, Peru, Uruguai, Equador e Brasil adotaram medidas semelhantes.

No México, as regulamentações obrigaram a indústria alimentícia a reformular seus produtos. “Isso deveria acontecer em todos os países da região”, afirma Lizbeth Tolentino-Mayo, pesquisadora mexicana e uma das autoras do estudo, em um e-mail para a SciDev.Net .

Embora valorize a promulgação dessas regulamentações, também aponta fragilidades relacionadas aos pontos de corte (o limite a partir do qual a qualidade nutricional é avaliada), à idade dos consumidores incluídos nas restrições e aos horários e programas em que os produtos são promovidos.

Andrea Graciano, coordenadora da Cátedra de Soberania Alimentar da Universidade de Buenos Aires (Argentina), que não participou do estudo, oferece uma análise semelhante. Embora o público “valorize a presença de rótulos e os leve em consideração em suas decisões de compra”, tanto a indústria quanto os governos, inclinados a fazer concessões, dificultam a implementação efetiva.

Assim, na Argentina, o governo do presidente Javier Milei modificou o cálculo dos pontos de corte estabelecidos por lei, de modo que produtos lácteos como queijos passaram a ter apenas um selo, enquanto alguns — segundo a medição anterior — tinham até quatro.

Algumas estratégias comuns de interferência corporativa incluem o lobby junto aos tomadores de decisão e a ” porta giratória ” (empresários que se tornam políticos ou vice-versa), entre outras.

Uma dívida devida

Os autores também alertam sobre técnicas que facilitam o marketing interativo, permitindo que os anunciantes estejam em contato constante com menores de idade.

“A segmentação baseada em algoritmos permite a criação de publicidade direcionada de acordo com os interesses do setor”, com táticas que são “agressivas, eficientes e difíceis de monitorar”.

Andrea Graciano, coordenadora da Cátedra Livre de Soberania Alimentar da Universidade de Buenos Aires.

As empresas de fast-food, por exemplo, concentram seus investimentos em campanhas nas redes sociais, videogames, vídeos online e mensagens instantâneas. Esses ambientes digitais são os mais difíceis de regular, alerta Graciano. “A segmentação baseada em algoritmos permite publicidade direcionada e personalizada aos interesses do setor”, com táticas que são “agressivas, eficientes e difíceis de monitorar”.

Ainda assim — ou precisamente por causa disso — “a regulamentação da mídia digital livre de conflitos de interesse é imprescindível”, argumenta Tolentino-Mayo.

“Em alguns países europeus, a regulamentação proíbe todas as formas de publicidade de produtos manufaturados”, explica ele. “E na Espanha, os pais ou responsáveis ​​devem autorizar o envio de publicidade por meios eletrônicos.”

O pesquisador acredita que a América Latina deveria seguir o mesmo caminho, exigindo não apenas que alimentos e bebidas nocivos deixem de ser promovidos, mas também que deixem de ser produzidos.


Fonte: SciDev.Net.

Reportagem da TV Record mostra o drama da erosão na Praia do Açu

Erosão avançada de forma acelerada na Praia do Açu em meio ao descaso dos responsáveis 

Em uma reportagem realizada de forma exemplar pelo jornalista Granger Ferreira, a TV Record mostrou as repercussões socioambientais do processo de erosão causado pelas estruturas perpendiculares que protegem o Porto do Açu sobre a faixa costeira localizada ao sul do empreendimento (ver vídeo abaixo).

A reportagem tem o mérito de mostrar a situação calamitosa em que foram colocadas as famílias da tradicional localidade de Barra do Açu que estão perdendo suas casas e meios de sobrevivência sem que haja qualquer medida por parte da Prefeitura Municipal de São João da Barra, do governo do estado do Rio de Janeiro ou do Porto do Açu para conter o avanço do processo erosivo.

Essa é uma insólita, pois registros históricos davam aquela área como estável até a construção do Porto do Açu, e agora que essa estabilidade foi rompida pelos molhes e diques de proteção das estruturas portuárias, fato previsto nos estudos realizados para obter as licenças ambientais, subitamente ninguém aparece para assumir ou exigir responsabilidades.

Como disse um dos moradores ouvidos na reportagem, a situação da Praia do Açu não é apenas de responsabilidade, mas de humanidade.  Enquanto isso, os gestores do enclave portuário continuam ignorando a situação de forma nada humana.

Divulgação! Livro Direitos Humanos no Brasil 2025

A 26ª edição do livro Direitos Humanos no Brasil traz 30 artigos de 49 autoras e autores que analisam uma diversidade de temas como políticas agrárias, ambientais, trabalhistas e tributárias em 2025. Os artigos incluem dados e perspectivas sobre educação, cultura, direitos das mulheres, população LGBTQIA+, imigrantes, justiça climática, povos indígenas e comunidades camponesas.

Os efeitos da crise climática e o papel fundamental dos povos e comunidades tradicionais para a preservação da biodiversidade são temas centrais. Os povos indígenas, quilombolas e camponeses são guardiões do meio ambiente. O livro nos inspira também com a obra do fotógrafo João Ripper junto a comunidades tradicionais, com imagens belas, fortes e emocionantes. 

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Não é notícia velha: Brasil bate novo recorde de autorizações de agrotóxicos em 2025

Leonardo Fernandes para “Brasil de Fato”  

Parece notícia requentada, mas não é. Em 2025, o Brasil bateu um novo recorde na liberação de agrotóxicos para uso agrícola. A apuração exclusiva do Brasil de Fato mostra que foram 725 novos produtos liberados de fevereiro ao início de dezembro deste ano, o que representou um aumento de quase 10% em relação a 2024, quando o país já havia batido o recorde de liberação até aquele momento, com o ingresso de 663 novos produtos no mercado brasileiro.

Jaqueline Andrade, assessora jurídica da organização Terra de Direitos, lembra que o mercado de agrotóxicos no Brasil movimenta bilhões de reais com a colaboração do Estado, enquanto a população amarga as duras consequências dessa política.

“Isso significa que a gente tem mais água contaminada, a gente tem mais alimento contaminado e a gente tem mais pessoas diretamente intoxicadas, seja de forma aguda ou de forma crônica pelos agrotóxicos”, pontua Andrade.

“Nosso país é uma verdadeira lixeira química, nosso país está envenenado. E todas as estruturas estão caminhando em prol do agronegócio, seja em torno de subsídio, seja em torno de lei, seja em torno da permissividade que o governo dá para arrecadação bilionária dessas empresas no ramo dos agrotóxicos, em detrimento do ônus sofrido por toda a sociedade brasileira e dos impactos que isso tem causado”, afirma Andrade, que atribui esse alto volume de liberações à aprovação da Lei 14.785/2023, conhecida como o pacote do veneno”, que flexibilizou as normas e enfraqueceu o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), no procedimento para o registro dos venenos.

Diante do empoderamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) promovido pela lei, Jakeline Pivato, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, considera que o Mapa se tornou um “cartório de venenos”.

“O aumento contínuo nos registros de agrotóxicos no Brasil mostra que o Mapa virou um verdadeiro cartório de venenos. Basta um carimbo, e está aprovado. É impensável que estes agrotóxicos estejam sendo submetidos de fato aos estudos necessários para garantir a sua segurança. Se estivéssemos tratando de novas substâncias, menos tóxicas e mais eficientes, seria um esforço louvável; porém, o que vemos são novos registros de velhas moléculas, inclusive de glifosato e atrazina, já comprovadamente cancerígenos de acordo com a Organização Mundial da Saúde”, aponta Pivato.

Mas não era para reduzir?

O novo recorde ocorre no mesmo ano em que foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara), que estabelece diretrizes para políticas públicas na direção de reduzir o uso dessas substâncias químicas tóxicas na agricultura brasileira, o que despertou questionamentos das organizações da sociedade civil.

“O que a gente questiona é: qual é o compromisso do governo brasileiro na redução no uso de agrotóxicos que deveria ser institucionalizada pelo Pronara, que inclusive está sob ameaça do Congresso Nacional de ser revogado”, questiona Andrade, em referência à aprovação, no final de novembro deste ano, na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 443/2025, de autoria do deputado federal Rodolfo Nogueira (PL/MS), que busca sustar o decreto presidencial de criação do Pronara.

Por outro lado, Pivato lembra que o programa foi construído com a participação dos movimentos e organizações sociais, que trabalharam pela assinatura do decreto em julho passado, e cobra sua implementação. “É urgente que o Pronara comece a funcionar de fato, e que possa colocar um freio nesta festa do agronegócio”, defende.

Brasil: lixão tóxico do mundo

Entre os dez agrotóxicos mais utilizados no Brasil, sete são proibidos em outros países por comprovada relação com doenças graves, como distúrbios neurológicos, má-formação fetal, abortos espontâneos e vários tipos de câncer.

Entre os mais utilizados, está a atrazina, herbicida amplamente usado em plantações de cana-de-açúcar, soja e milho, que agora é objeto de uma Ação Civil Pública do Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS), que busca a proibição de seu uso e a reavaliação imediata pelos órgãos de controle.

A ação foi movida a partir de estudos que comprovaram a contaminação por atrazina em dois rios importantes que cortam o Mato Grosso do Sul: o rio Dourados e o rio Paraguai. A substância foi identificada em águas superficiais, de chuva e, inclusive, nas torneiras de comunidades ribeirinhas e indígenas.

Procurado pelo Brasil de Fato para comentar os dados recentes de liberação de agrotóxicos, o procurador federal Marco Antonio Delfino, autor da ação no Mato Grosso do Sul, alertou para o fato de que grande parte dos produtos liberados são genéricos, sobre os quais há pouca fiscalização.

“A produção de genéricos não vem acompanhada de um incremento no processo de fiscalização. Tanto dos produtos produzidos quanto dos insumos utilizados”, afirma o procurador, fazendo referência em seguida ao famoso “Agente Laranja”, substância química utilizada pelo exército dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã (1964-1975) e posteriormente aplicada como herbicida para uso agrícola.

“É importante recordar que o Agente Laranja, o principal efeito dele não foi o efeito da junção de dois agrotóxicos, mas justamente os resíduos tóxicos advindos do processo de fabricação. Então, uma liberação massiva de genéricos desacompanhada de uma fiscalização presente pelo Estado brasileiro é muito provavelmente um indício de muitos agrotóxicos com um alto nível de resíduos tóxicos, que vão causar danos tanto à saúde quanto ao meio ambiente”, comenta o procurador.

O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Agricultura e Pecuária, solicitando a comparação dos dados da pesquisa com os computados pelo ministério, além de uma posição da pasta em relação ao recorde de liberações de agrotóxicos em 2025. O MAPA apenas confirmou o recebimento da demanda, informando que foi encaminhada à área responsável, e que daria retorno assim que possível. No entanto, a resposta não foi recebida até o momento desta publicação. As informações serão agregadas à matéria tão logo sejam recebidas.


Fonte: Brasil de Fato

Decisão liminar suspende a licença ambiental do Projeto Longo Prazo da Samarco, em Mariana e Ouro Preto

Iniciativa de moradores de Bento Rodrigues resulta em decisão que impede a ampliação da mineração no mesmo local do rompimento da barragem de Fundão. Pela primeira vez, um projeto de mineração em Minas Gerais é paralisado pelos riscos da emergência climática

Moradores de Bento Rodrigues obtiveram nesta sexta-feira, 19.12.2025, decisão liminar que determina a imediata suspensão dos efeitos da licença ambiental concedida pelo Estado de Minas Gerais para o projeto Longo Prazo da Samarco Mineração S.A.. Na prática, a decisão impõe a imediata paralisação do empreendimento.

A decisão foi proferida pela Juíza Federal de Ponte Nova, Dra. Patricia Alencar Teixeira de Carvalho, na ação popular 6001877-67.2025.4.06.3822, após parecer do Ministério Público Federal, de autoria do Procurador da República Lauro Coelho Junior, favorável ao pedido dos autores populares. Esta é a primeira vez que um projeto de mineração em Minas Gerais é paralisado por uma decisão judicial que reconhece os riscos trazidos pelos eventos extremos climáticos, cada vez mais frequentes porém ignorados pelo licenciamento ambiental.

A ação judicial foi proposta em 26 de junho deste ano e tem como autores moradores de Bento Rodrigues – distrito de Mariana devastado pelo rompimento da barragem de Fundão – representados por advogados da equipe de litígio em Direitos Humanos do Instituto Cordilheira, organização não governamental com sede em Belo Horizonte. Os pedidos dos autores se baseiam em precedentes de tribunais de outros países e em notas técnicas de especialistas vinculados ao Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (CONTERRA/UFOP), ao Fórum Permanente do Rio São Francisco (FPSF) e à instituição Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW), com sede nos Estados Unidos.

De acordo com a decisão, o Estado de Minas Gerais deverá exigir da Samarco estudos complementares “que incorporem as análises de risco, vulnerabilidade e adaptação climática”, contemplando “(i) Modelagens Hidrológicas e Geotécnicas que integrem cenários de eventos climáticos extremos”; “e não apenas dados históricos, para o período projetado de operação e pós-fechamento das estrutura”; “(ii) Inventário e Avaliação de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), e a aferição do impacto do empreendimento sobre as metas de mitigação nacionais e internacionais”; e “(iii) Medidas de Adaptação que demonstrem a resiliência das estruturas PDER-M, PDER-C e SDR Alegria Sul 2 face aos riscos climáticos futuros”. Essas estruturas são as duas pilhas de estéril e o sistema de disposição de rejeitos úmidos que fazem parte do projeto.

Segundo Mônica Santos, moradora de Bento Rodrigues: “a suspensão da licença do Projeto Longo Prazo da Samarco é uma conquista diante de um crime que segue sem reparação. Quem destruiu vidas e territórios não pode avançar sem garantir a não repetição. Os estudos apresentados ignoram as ações de enfrentamento à crise climática e os riscos que ela impõe, tratando o licenciamento como mera formalidade. Autorizar a expansão da Samarco nessas condições é legitimar a impunidade. Não há licença, sem garantias reais de não repetição e sem respeito aos direitos dos atingidos e a preservação dos territórios de origem”.

Para o advogado Guilherme Souza, que representa os autores da ação: “essa liminar é um marco da justiça climática e uma vitória para Bento Rodrigues, Camargos e para todos os atingidos do Quadrilátero Aquífero Ferrífero. O Judiciário deixou claro que não é admissível analisar e autorizar empreendimentos de alto risco sem enfrentar, de forma séria e científica, os efeitos das mudanças climáticas. É inaceitável que a Samarco, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, tente justificar a continuidade do Projeto Longo Prazo alegando que sua paralisação comprometeria as reparações do crime da barragem de Fundão, utilizando uma tragédia que matou pessoas e destruiu comunidades para legitimar novos riscos. Justificar licença ambiental com base na morte e no sofrimento de milhares de atingidos é um escárnio. Após Mariana e Brumadinho, essas mineradoras afirmam que aprenderam, mas na prática retornaram piores, reproduzindo uma lógica colonial, indiferente à vida, ao território e à ciência, agora com o agravante de estarem sendo amparadas pelo próprio Estado de Minas Gerais, deixando claro os autores e partícipes desse processo”.

Digno de destaque é o seguinte trecho da decisão judicial:

“Ressalte-se, ainda, a inequívoca legitimidade e o interesse jurídico dos autores populares, cidadãos diretamente atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, integrantes de comunidades que até hoje vivenciam os efeitos sociais, econômicos, ambientais e psicológicos da maior tragédia socioambiental da história do país. Não se cuida, portanto, de atuação abstrata ou dissociada da realidade fática, mas de exercício concreto da cidadania por aqueles que suportaram — e ainda suportam — as consequências de um modelo de exploração mineral que falhou gravemente no passado. É legítimo, sob a ótica constitucional, que tais cidadãos questionem a concessão de uma licença ambiental de largo espectro antes mesmo de integralmente reparados os danos decorrentes do desastre anterior, especialmente quando o novo empreendimento se desenvolve na mesma região e sob condições que suscitam riscos extremos, inerentes à própria atividade minerária”.

Sobre o Projeto Longo Prazo da Samarco (PLP) e seus riscos à segurança

 O PLP prevê a ampliação da mineração no Complexo Germano, situado em Mariana e Ouro Preto: duas novas pilhas de estéril e rejeito, ampliação da pilha já existente, depósito de rejeito em cava confinada e instalação de estruturas para transportadores de correia de longa distância. Ele teve sua licença ambiental aprovada pelo Conselho de Política Ambiental (COPAM), da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Minas Gerais, em junho de 2025.

Conforme mapas inseridos abaixo, o tamanho das novas pilhas, conjugadas às estruturas já existentes no território, podem agravar os danos em caso de deslizamentos, sendo difícil prever o real impacto sobre as comunidades e o ambiente. As comunidades do entorno do projeto – Camargos, Santa Rita Durão, Bento Rodrigues (território de origem) e Novo Bento Rodrigues (reassentamento) no município de Mariana; Antônio Pereira, em Ouro Preto; e Morro d’Água Quente, em Catas Altas – não foram devidamente informadas sobre o processo e correm o risco de terem novamente suas vidas impactadas.

Essas estruturas impactam comunidades anteriormente atingidas pelo desastre da barragem de Fundão, violando a legislação internacional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que prevê o direito e garantia à não-repetição de danos às comunidades e territórios atingidos.

Com relação à pilha de estéril e rejeito PDER M, proposta no entorno imediato de Bento Rodrigues (território de origem) e também muito próxima do Novo Bento Rodrigues (reassentamento coletivo), de acordo com nota técnica do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Conflitos em Territórios Atingidos (CONTERRA/UFOP): “a implantação seria em três etapas, totalizando uma altura final de 221m e volume final de 61.398.759m3. Está a montante do Dique S3, ou seja, um desabamento da pilha pode afetar a estabilidade desta estrutura que, por sua vez, está a montante de Bento Rodrigues e do Dique S4, podendo resultar em novo desastre em cadeia”.

Fundamentos da ação popular

 A Ação Popular parte da premissa de que a Samarco – autora do projeto – e o Estado de Minas Gerais – que o licenciou – foram negligentes ao não considerar os impactos das mudanças climáticas e dos eventos extremos – especialmente a alteração nos regime de chuvas – sobre as barragens (durante os 11 primeiros anos de funcionamento do empreendimento) e as pilhas de estéril e rejeito para o armazenamento de materiais provenientes do processo de extração mineral.

No texto da Ação Popular, os autores pedem novos estudos técnicos criteriosos, que levem em conta os riscos reais ao meio ambiente e aos moradores do entorno, argumentando, inclusive, que os custos desses novos estudos são irrisórios frente aos lucros que a Samarco prevê angariar com o projeto.

Porto do Açu dá resposta lacônica se eximindo de responsabilidades pela erosão que está destruindo a Barra do Açu

O Blog do Pedlowski acaba de ter acesso a uma correspondência emitida pela Porto do Açu S/A e que foi dirigida à Câmara Municipal de São João da Barra para “explicar”  o acelerado processo de erosão costeira que está ameaçando remover do mapa a tradicional localidade da Barra do Açu.

A resposta da Porto do Açu se ancora nos laudos emitidos pelo professor Paulo Cesar Colonna Rosman que esteve por aqui no agora distante ano de 2014 para se pronunciar em uma audiência pública na Câmara de São João da Barra. Como estive presente naquela mesma audiência, lembro que os estudos técnicos mencionados pela Porto do Açu S/A eram algo tão questionável que Rosman nunca mais voltou por aqui para verificar o grau de acerto de suas previsões que, aliás, contrariavam tudo o que que havia dito antes sobre estruturas perpendiculares e seu papel na ocorrência de processos de erosão costeira em áreas próximas.

A correspondência da Porto do Açu também mencionam a implementação do programa de monitoramento que supostamente é feito atualmente sob a coordenação técnica do Professor Moyses Gonsalez Tessler da Universidade de São Paulo (USP), cujos resultados estariam “corroborando” os “trabalhos de Paulo César Rosman”. Aí está uma coisa que eu gostaria de ver publicizada e não apenas mencionada, pois esse não é o primeiro pesquisador da USP que passa por nossa região a serviço da Porto do Açu. O outro foi contratado para estudar os efeitos da salinização nos aquíferos da região, mas saiu daqui sem dar maiores explicações, alegando razões contratuais. 

Mas já que temos esses estudos feitos pelo professor Tessler, a primeira coisa que a Porto do Açu deveria fazer seria divulgar todos os relatórios feitos por ele. E isso não deveria ser nada difícil já que estes estudos supsotamente corroboram os laudos de Paulo César Rosman.

Curiosamente, no seu documento a Porto do Açu informa que a Prefeitura Municipal de São João da Barra teria instituído no dia 18 de dezembro de 2025 uma Câmara Técnica sobre Erosão Costeira, vinculado ao Conselho Municipal de Meio Ambiente, onde o tema será debatido “tecnicamente”.  Pois bem, o que eu espero é que os resultados técnicos produzidos sobre esta câmara não sejam apenas para continuar isentando o Porto do Açu de suas responsabilidades, as quais foram previstas pelo Estudo de Impacto Ambiental que sustentou a emissão das licenças ambientais usadas para a instalação da Unidade de Construção Naval da OSX.

Agora, convenhamos, quem será que a Porto do Açu quer convencer com essa correspondência? É que até as mais inocentes pedras que estão rolando das ruas sendo destruídas na Barra do Açu sabem o que está na raiz da erosão que consome a praia que já foi um dos “hotspots” preferir para amenizar as alturas temperaturas do verão sanjoanense. 

Anvisa revela alimentos campeões de agrotóxicos, mas deixa pimentão de fora das análises

Anvisa divulgou nesta quarta os novos resultados do programa que monitora resíduos de agrotóxicos em alimentos; mais de 20% das amostras em 2024 continham agrotóxicos acima do limite permitido ou substâncias não autorizadas

Laranja, pepino e couve foram os alimentos que apresentaram mais irregularidades (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Por Diego Junqueira para “Repórter Brasil” 

A ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) divulgou na última quarta-feira (17) os resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, o PARA, com dados coletados em 2024. 

Segundo a agência, pepino, laranja e couve são os itens com maior proporção de amostras com resíduos de pesticidas acima do limite permitido ou de substâncias não autorizadas.

No balanço geral de 2024, foram avaliadas 3.084 amostras de 14 alimentos, das quais 636 foram classificadas como insatisfatórias. Isso representa 20,6% das amostras analisadas, o menor percentual desde 2017. 

Entre os problemas identificados, 12% do total de amostras tinham resíduos de agrotóxicos não permitidos para a cultura analisada; 5,6% apresentaram resíduos acima do limite permitido; e 0,1% continham substâncias proibidas no Brasil. As demais amostras foram consideradas satisfatórias: em 26% não houve detecção de resíduos e, em 54%, foram encontrados agrotóxicos nos alimentos, mas dentro dos limites permitidos.

Agrotóxicos com percentual de detecções acima de 1% no ciclo 2024, destacando-se o
percentual relativo à conformidade da detecção

Os maiores índices de amostras insatisfatórias apareceram no pepino, com 46% de irregularidades entre 217 amostras analisadas. Na sequência vieram a laranja, com 39% de amostras insatisfatórias em um total de 240, e a couve, com 35% em 204 amostras. 

Também apresentaram percentuais acima da média geral a uva (28%), a maçã (27%), a abobrinha (26%) e o mamão (21%). Abaixo da média apareceram aveia (18%), cebola (13%), banana (12%), soja (8%), pera (7%), milho (3%) e farinha de trigo (2%). O pimentão, que liderou algumas das análises anteriores, não foi avaliado neste ciclo.

Gráfico: Rodrigo Bento/Repórter Brasil e superior do formulário

Programa já monitorou mais de 45 mil amostras desde 2001

O PARA monitora resíduos de agrotóxicos em alimentos com o objetivo de mitigar riscos à saúde. Desde 2001, mais de 45 mil amostras foram analisadas. O programa é realizado em parceria com órgãos estaduais e municipais de vigilância sanitária e laboratórios de saúde pública. Os resultados completos de 2024 estãoneste link.

A meta do programa é investigar periodicamente 36 alimentos que, segundo o IBGE, representam 80% dos itens de origem vegetal consumidos pela população brasileira.

As coletas em 2024 englobaram 14 produtos e foram feitas por equipes de vigilância sanitária em supermercados e sacolões de 88 municípios.

Durante apresentação dos dados na manhã de hoje, Adriana Torres, gerente de Monitoramento e Avaliação de Risco da Anvisa, afirmou que o fato de uma amostra ser considerada “insatisfatória” não significa automaticamente risco ao consumidor. Segundo ela, para determinar se há perigo à saúde, é necessário realizar uma avaliação de risco, considerando o nível de resíduo encontrado e o padrão de consumo do alimento. 

De acordo com a análise da Anvisa, 12 amostras (0,39% do total) representaram “risco agudo” à saúde do consumidor — caso uma grande porção do alimento seja consumida em um único dia. Os 12 casos incluem seis amostras de uva, cinco de laranja e uma de abobrinha. Por outro lado, nenhuma amostra representava “risco crônico”, manifestado a longo prazo.

Segundo a agência, a higienização com hipoclorito ou água sanitária, prática comum para limpeza de alimentos, tem mais relação com a redução dos riscos microbiológicos, como bactérias, fungos ou parasitas. “Então não se aplica tanto para resíduos de agrotóxicos, mas complementa a questão da segurança do alimento”, afirmou Torres.

“É importante salientar que nesse ciclo de 2024 observamos uma melhora no índice de não conformidades. É o melhor índice desde 2017. Tivemos uma redução de 5% desse porcentual [na comparação com 2019, de 25,6% para 20,6%]”, afirmou.

A lista completa de 36 produtos monitorados  pelo PARA representam 80% dos alimentos de origem vegetal consumidos pela população brasileira: arroz, milho, trigo, aveia, feijão, soja, amendoim, tomate, chuchu, pepino, pimentão, abobrinha, quiabo, alho, batata, batata doce, beterraba, cebola, cenoura, mandioca, repolho, alface, couve, brócolis, maçã, uva, goiaba, pera, morango, banana, laranja, mamão, abacaxi, manga, maracujá e café.

Mudanças de critérios dificultam dizer se riscos aumentaram ou caíram, diz pesquisadora

A toxicologista Karen Friedrich, do Grupo Temático de Saúde e Ambiente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), alerta que o PARA não permite uma comparação histórica consistente, porque nem todos os alimentos são analisados ano a ano e porque a lista de agrotóxicos pesquisados muda com frequência.

Além disso, ela aponta que, especialmente após 2016, houve flexibilização de normas, com agrotóxicos antes não permitidos passando a ser autorizados em certas culturas e, em alguns casos, com aumento de limites de resíduos.

Ela chama atenção ainda para a presença de substâncias proibidas em outros países e de compostos associados a câncer, doenças endócrinas e reprodutivas — como glifosato, 2,4-D e malationa. “Para agrotóxicos cancerígenos não existem limites seguros”, diz.

A pesquisadora avalia também que o método de risco agudo e crônico ignora possíveis “sinergias” entre diferentes agrotóxicos consumidos numa mesma refeição, o que reforçaria a importância de divulgar os resultados por amostra. “Em anos anteriores, houve hortaliças com 10 a 21 agrotóxicos identificados, diz.

“Outra fragilidade da avaliação de risco apresentada é que a Anvisa considera os dados de consumo para ‘pessoas acima de 10 anos’. Com isso, a segurança para bebês e crianças fica ainda mais comprometida. Nesse período da vida, os agrotóxicos encontrados sao ainda mais danosos”, completa Friedrich.


Fonte: Repórter Brasil

Agrotóxicos utilizados no Brasil comprometem a sobrevivência e capacidade de voo de abelhas, mostra estudo 

Abelha é fundamental na polinização de diversas culturas; estudo avaliou em laboratório efeito dos inseticidas nos insetos

Agência BORI

Um estudo desenvolvido na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), em condições de laboratório, revela que a exposição das abelhas africanizadas aos inseticidas clorantraniliprole e ciantraniliprole reduz a sobrevivência e prejudica a capacidade de voo, fator essencial para atividades como coleta de néctar, polinização e retorno à colmeia.  

Os resultados serão detalhados no artigo “Survival and flight ability of Apis mellifera after exposure to anthranilic diamide insecticides”, publicado no Brazilian Journal of Biology. O trabalho, apoiado pela Capes (Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), é resultado de uma pesquisa de mestrado da UFCG e foi orientado por Ewerton Marinho da Costa, engenheiro agrônomo, doutor em fitotecnia e docente da instituição.

Segundo o pesquisador, a ideia foi responder a uma demanda crescente dos próprios agricultores. “A principal motivação foi gerar informações para auxiliar na conservação das abelhas em áreas agrícolas. Essa é uma demanda dos produtores, que precisam de subsídios em relação aos efeitos de inseticidas sobre as abelhas para adoção de estratégias mitigadoras de risco”, afirma Costa.

A pesquisa comparou a mortalidade e as implicações motoras em abelhas expostas de duas maneiras: por pulverização direta e pela ingestão de dieta contaminada. As análises foram realizadas em laboratório. Os resultados mostraram baixa mortalidade para ambos os inseticidas, mas com diferenças importantes entre os modos de exposição. “Observamos que a exposição direta foi mais prejudicial às abelhas. Dentre os dois inseticidas, o ciantraniliprole causou os maiores percentuais de mortalidade”, relata o professor.

Além da sobrevivência, a equipe avaliou a capacidade de voo das abelhas, essencial para a polinização e para a manutenção da colônia. Costa enfatiza que impactos subletais podem comprometer todo o ciclo de produção agrícola. “A capacidade de voo das abelhas foi afetada, mesmo que de maneira sutil, após a exposição direta às gotículas da pulverização com os inseticidas”, diz. A comparação foi feita com abelhas pulverizadas com água destilada.

De acordo com o engenheiro agrônomo, estudar a capacidade de voo é crucial porque existem inseticidas que podem não proporcionar elevada mortalidade, mas podem prejudicar a mobilidade dos insetos. Qualquer prejuízo na mobilidade pode proporcionar falhas na polinização e redução drástica na obtenção de alimento. 

Os cientistas também se surpreenderam com alguns resultados. “Mesmo conhecendo o mecanismo de ação dos inseticidas, surpreendeu o fato da baixa mortalidade proporcionada em ambos os modos de exposição em comparação com o controle positivo. Outro ponto que gerou impacto foi o efeito adverso na capacidade de voo”, destaca Costa. “Os resultados serão utilizados para orientar produtores sobre formas de mitigação de riscos para abelhas em condições de campo, destacando os ingredientes ativos mais prejudiciais e aqueles que causam baixa ou praticamente nenhuma mortalidade”, diz.

Apesar dos avanços, o pesquisador reforça que é necessário avaliar os inseticidas em condições reais de campo, levando em consideração fatores ambientais como temperatura, vento e horário de aplicação.


Fonte: Agência Bori

O agro é tóxico, com STF, com tudo

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de dar um gordo presente de Natal aos fabricantes e grandes usuários de agrotóxicos ao julgar improcedentes as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 5553 7755, que questionavam benefícios fiscais concedidos à comercialização de agrotóxicos.   

Com isso, como já mostrado aqui no Blog do Pedlowski, continuaremos sendo vítimas de uma combinação mortífera entre farra fiscal e envenenamento por agrotóxicos banidos em outras partes do mundo por sua alta periculosidade ambiental e para a saúde humana.

O ministro Nunes Marques, último a votar, coroou o julgamento ao destacar que “desonerações a insumos agrícolas são prática comum em outros países para garantir competitividade internacional e que o ordenamento jurídico brasileiro tem mecanismos adequados de controle dessas políticas”.  O curioso é que enquanto boa parte dos países da Europa estão não apenas restringindo, mas objetivamente diminuindo o uso de agrotóxicos, o Brasil não apenas se tornou o epicentro mundial do consumo de agrotóxicos altamente perigosos, mas também faz isso concedendo isenções mais do que generosas para empresas multicionais virem aqui para despejar substâncias que ninguém mais que usar.

Há ainda que se notar que enquanto se permite a continuidade dessa farra fiscal que gera adoecimento em massa, temos, por outro lado, o encurtamento das verbas para a saúde. Assim, enquanto se multiplicam casos de câncer e de outras doenças causadas pelo contato direto e indireto com esses venenos agrícolas, a maioria da população fica sem ter como cuidar daquilo que resulta do uso excessivo e abusivo de agrotóxicos.

Há ainda que se ressaltar que perto de 80% dos agrotóxicos utilizados no Brasil são para as monoculturas de exportação, o que beneficia os grandes latifundiários brasileiros. Esse é um tipo explícito de injustiça tributária, na medida em que o Brasil possui uma lógica tributária regressiva onde os mais pobres são os que mais pagam impostos.  Por outro lado, os latifundiários ainda possuem outras vantagens para aumentarem suas fortunas, como é o caso da Lei Kandir que os isenta de pagar o Imposto sobre Circulação de Mercadoria e Serviços (ICMS) para aquilo que é exportado.

Como já escrevi em outras ocasiões, a questão do combate aos agrotóxicos deveria ser uma das pautas fundamentais para quem se dizer da esquerda no Brasil. É que não há nada mais aviltante para a classe trabalhadora do que ter que ter de suar sangue por salários miseráveis e ainda ser contaminado por venenos podersos via a ingestão de alimentos e água que estão contaminados por agrotóxicos.

Finalmente, para aqueles que depositam suas esperanças no poder moderador do STF, fica evidente com esse julgamento o erro desse tipo de aposta. É que a despeito de votações aqui e acolá, esse é um tribunal conservador e alinhado com as forças agrárias que estão hoje na raiz da destruição dos biomas florestais e da contaminação ambiental que estão transformando o Brasil em uma imensa lixeira química de agrotóxicos indesejados em outras partes do mundo.