Empresas autuadas pela Operação Rejeito em MG estão em outras regiões do Brasil

A máfia mineral descoberta em MG pode acontecer em outras cidades mineradas do país e pode se agravar com o PL da Devastação; mais impactos nos territórios e na saúde vem por aí…  

Empresas autuadas pela Operação Rejeito em MG estão em outras regiões do Brasil

Por Márcio Zonta – Comunicação nacional do MAM 

As empresas Ferro Sul Mineração / SA e Irontech Mineral LTDA, denunciadas na Operação Rejeito, em setembro desse ano pela Polícia Federal, que revelou uma trama entre órgãos do meio ambiente e mineradoras para conseguir licenças de operação, atuam em outros estados.

A mineradora Ferro Sul mineração / SA, com sede em Nova Lima (MG), que foi fundada em 2020, tem pesquisa ativa concedida pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para pesquisar cobre e ouro em Canaã dos Carajás (PA).

Além dela, outra mineradora envolvida no escândalo em Minhas Gerais é a Irontech Mineral LTDA, com sede na cidade baiana de Alagoinhas, onde tem autorização de pesquisa permitida pela ANM, de minério de ferro e manganês. A empresa foi fundada em 2012 e usa também o nome fantasia de Global Tecnologia em Logística.

Subsídio estatal  

Ambas, as mineradoras, são consideradas de pequeno porte por estudiosos do setor mineral, o que denotaria uma proliferação dessas empresas para aproveitar os subsídios governamentais para mineração no Brasil, lançados ultimamente.

É  o que explica o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Tadzio Peter Coelho: “O fato é que mesmo essas operações ilegais ou atos ilícitos que essas empresas tem recorridos nos últimos tempos, como  a gente viu na Operação Rejeito, é bem verdade que existe uma estrutura financeira, estatal e econômica que fornece a possibilidade dessas chamadas pequenas empresas se expandirem pelo Brasil, tanto pela flexibilização das licenças ambientais que ocorre em todo país, como pelos financiamentos de bancos públicos”.

As mineradoras podem recorrer aos editais abertos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e por meio da Financiadora de Fundos e Projetos (FINEP), órgão do governo federal. As duas lançaram esse ano, aproximadamente 5 bilhões de reais, para linha de crédito de exploração mineral no país, sobretudo, voltado para exploração dos chamados minerais utilizados para transição energética, como cobre, lítio, cobalto, ferro, entre outros.

Ademais, em outubro passado, no Invest Mining Summit 2025, evento que ocorreu em São Paulo e que reúne empresas minerais de todo mundo para tratar de negócios, o BNDES em parceria com a multinacional Vale, apresentou um fundo para investir em empresas júnior de mineração no valor inicial de R$ 3 bilhões.

“Isso na verdade atraí uma espécie de empresários aventureiros, que se quer tem capital para instalar uma mina, mas com os empréstimos começam a abrir minas em muitos lugares, e muitas vezes eles nem pagam esses empréstimos. Nós estamos vendo isso acontecer em vários lugares em MG e em outros lugares do Brasil”, denuncia Coelho.

Mesmo modus operandi?

Para Julia Sanders, militante do Movimento pela Soberania Popular na Mineração – MAM, em Belo Horizonte, a pergunta que fica é se o modo de atuação dessas empresas com regalias ilegais do Estado, em MG, se repete em diversos lugares.

“Isso é grave, ver empresas que atuavam ilegalmente em MG se expandir pra outros estados. Embora a Operação Rejeito mostre que os crimes dessas mineradoras estavam enraizados na Secretaria de Meio Ambiente do estado de MG, ela também mostra que havia envolvidos da ANM nesses processos ilícitos, que podem ter facilitados a aquisição desses direitos minerários de pesquisas em outros estados do Brasil. Isso precisa ser investigado!”

A Integrante do MAM defende que a Operação Rejeito dê continuidade para que novos crimes e esquemas de corrupção das mineradoras venham à tona.

“É necessário que a Operação Rejeito avance, pois podemos ter muito mais pessoas envolvidas nessa trama, como deputados federais, o próprio governo Zema. O Fator Zema que promoveu um desmonte ambiental em MG ajudou a contribuir com essa proliferação de mais de 40 empresas atuando irregularmente em MG, e o que também, na minha opinião, motivou o PL da Devastação”, define.

Mineração agradece ao PL da Devastação

Coelho destaca três pontos preocupantes, na visão dele, que abarcam a mineração no chamado PL da Devastação aprovado no Congresso Nacional.

 “O primeiro é uma espécie de um licenciamento ambiental especial no qual os empreendimentos entendidos como prioritários e estratégicos passariam a tramitar mais rápido de uma maneira mais acelerada em comparação a outros. Isso é bastante preocupante porque essa aceleração pode prejudicar diversos grupos sociais, que podem ser impactados e podem não serem consultados dentro desse processo”, comenta.

A segunda preocupação esboçada pelo pesquisador diz respeito ao chamado licenciamento por adesão, “no qual os empreendimentos considerados de médio porte passariam por um auto licenciamento, onde as empresas ficariam responsáveis pelo próprio licenciamento do seu projeto”.

Embora, ele mencione que de certa forma isso ocorra na mineração, onde as empresas executam os estudos dos impactos dos seus próprios projetos, isso pioraria.

“Vários empreendimentos poderiam ser considerados de médio porte na mineração, mas isso não significa que ele não causará impacto de menor escala, poque também causam grandes danos e impactos a natureza e a população”, explica.

Numa terceira questão, ele destaca que a relação com a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Fundação Palmares sofrerá mudanças. Se antigamente todo empreendimento mineral dependia da consulta prévia dessas instituições como parte do projeto, agora não será mais necessário.

“Tem agora uma restrição no caso da consulta à FUNAI e na Fundação Palmares que passam a ser consultados somente em alguns casos, que é mais uma limitação dentro do processo decisório sobre um projeto minerador. Em suma a gente vê que é um ambiente antidemocrático, realizado uma semana depois do término da COP 30, não representativo aos interesses do povo brasileiro de maneira geral”, define.

Problema de saúde pública

A atividade mineral se constituiu no Brasil como um problema de saúde pública para a médica Diele Amorim. Ela indica que o avanço da mineração é proporcional ao adoecimento das populações que vivem em áreas mineradas.

“É preciso discutir os problemas da saúde gerada pela mineração, para não ficar somente discutindo aspectos econômicos da mineração, pois ela é um problema público de saúde”.

A médica alerta, que muitos dos territórios adentrados pelas mineradoras sequer sofriam de doenças, que passaram a ser comum depois da instalação da atividade mineral.

“Enfermidades que não existiam nos territórios passaram a atordoar as populações tradicionais, que são as mais impactadas. E como não tem acesso a saúde pública digna viram migrantes buscando atendimento médico adequado nas cidades, o que muitas vezes não acontece e acabam morrendo”, exemplifica.

Ela cita hoje a contaminação dos rios pelas mineradoras como um dos principais vetores de doenças, principalmente, pelo consumo dos peixes.

“O peixe é uma das principais fontes de proteínas, por exemplo, de populações tradicionais, como indígenas e quilombolas. Os metais pesados ficam depositados nos tecidos dos peixes. As doenças começam a aparecer no sistema nervoso central com dores de cabeça constantes, problemas gástricos e intestinais, infertilidade e má formação congênita”, afirma.

Por fim, Diele deixa um recado, que considera importante para população brasileira em geral, diante dos agravos da crise ambiental no país. “Nós somos parte inerente da biodiversidade e dos ecossistemas, se eles não estiverem livres da destruição, provocadas pela mineração, nós não seremos saudáveis”, conclui.

Essa matéria é fruto do projeto: Ampliação das Ações Voltadas para Área de Mineração, Saúde e Territórios- Impactos da Extração Mineral – FASE IV, em parceria do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MA) e Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)


Fonte: MAM

Fóssil de hominídeo descoberto na África do Sul pode ser uma nova espécie de ancestral humano, aponta estudo

Pesquisadores australianos acreditam que o esqueleto encontrado na África do Sul não pertence à mesma espécie que dois outros encontrados no mesmo sistema de cavernas sul-africano

Estudantes visitam Sterkfontein, local onde o Pequeno Pé foi descoberto.

Estudantes visitam Sterkfontein, local onde o Pequeno Pé foi descoberto. Fotografia: Universidade La Trobe

Por Dona Lu para “The Guardian” 

O Pé Pequeno, um dos fósseis de hominídeos mais completos do mundo, pode ser uma nova espécie de ancestral humano, de acordo com uma pesquisa que levanta questões sobre nosso passado evolutivo.

Apresentado ao público em 2017, Little Foot (Pé Pequeno) é o esqueleto de Australopithecus mais completo já encontrado. Os ossos do pé que dão nome ao fóssil foram descobertos pela primeira vez na África do Sul em 1994, o que levou a uma meticulosa escavação de mais de 20 anos no sistema de cavernas de Sterkfontein.

O professor Ronald Clarke, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, que liderou a equipe que escavou o esqueleto, atribuiu o Pé Pequeno à espécie Australopithecus prometheus . Outros acreditavam que se tratava de Australopithecus africanus , uma espécie descrita pela primeira vez em 1925 e que já havia sido encontrada anteriormente no mesmo sistema de cavernas.

Australopithecus – que significa “macaco do sul” – foi um grupo de hominídeos que existiu na África há pelo menos 4,2 milhões de anos.

Mas um novo estudo liderado por pesquisadores australianos, publicado no American Journal of Biological Anthropology , descobriu que as características do Pé Pequeno diferem de ambas as espécies, levantando uma terceira possibilidade.

“Acreditamos que seja uma espécie de ancestral humano até então desconhecida e não estudada”, disse o Dr. Jesse Martin, professor adjunto da Universidade La Trobe em Melbourne, que liderou a pesquisa.

“Não se parece com um Australopithecus prometheus, mas também não se parece com todos os exemplares de * Australopithecus africanus* que saíram de Sterkfontein.”

Um mapa mostrando o local onde Little Foot foi descoberto.
Mapa mostrando o local onde Little Foot foi descoberto. Ilustração: Universidade La Trobe

Martin, que também é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Cambridge, acrescentou: “Essa coisa fará parte de uma linhagem de hominídeos, então é possível que tenhamos descoberto não apenas um ponto em nossa árvore genealógica humana que ainda não tínhamos encontrado, mas um ramo inteiro dessa árvore.”

Martin afirmou que Clarke era “uma das poucas pessoas a sustentar a existência de duas espécies de hominídeos em Sterkfontein” e que “ter sido comprovado que ele estava correto” nesse aspecto.

“Onde [Clarke] e eu divergimos é que eu diria que um deles definitivamente não é Prometeu ”, disse ele.

Os pesquisadores identificaram diferenças importantes que distinguem o Little Foot do Australopithecus africanus , incluindo um plano nucal mais longo – uma região na parte posterior do crânio.

“Supõe-se que a parte inferior posterior do crânio seja bastante conservada na evolução humana, ou seja, não muda muito rapidamente”, disse Martin. “Se você encontrar diferenças entre estruturas na base do crânio… essas diferenças provavelmente representam espécies diferentes, porque, do ponto de vista evolutivo, elas não mudam facilmente. Todas as diferenças que encontramos estão nessa região.”

“Encontrar evidências, bem à vista de todos em Sterkfontaine, de uma espécie inteiramente nova é algo notável e contraintuitivo”, acrescentou Martin, visto que “é o fóssil ancestral humano mais completo já registrado”.

“Deveríamos ser capazes de descobrir onde ela se encaixa na árvore genealógica da humanidade.”

Os autores do estudo não reclassificaram formalmente o Pé Pequeno, sugerindo que: “É mais apropriado que uma nova espécie seja nomeada pela equipe de pesquisa que passou mais de duas décadas escavando e analisando o notável espécime do Pé Pequeno. Esperamos que eles vejam nossa sugestão a esse respeito como um conselho bem-intencionado.”

Também houve divergências entre os cientistas sobre a idade do Pé Pequeno. O esqueleto fossilizado foi datado como tendo 3,67 milhões de anos , mas outros cientistas sugeriram que o Pé Pequeno não pode ter mais de 2,8 milhões de anos .

O professor Ronald Clarke, que descobriu o esqueleto, foi contatado para comentar o assunto.


Fonte: The Guardian

Proibidos há anos, agrotóxicos perigosos persistem na agricultura nigeriana

Por Samuel Ogunsona para “Mongabay” 

O sol nasce sobre os campos verdejantes nos arredores de Lagos. Há mais de 20 anos, um agricultor chamado Joe cultiva a terra, dando origem à vida e colhendo fartas safras. Mas aqui, sob a superfície dessa cena idílica, esconde-se uma complexa teia de desafios — principalmente a ameaça implacável de pragas. A história de Joe é uma história de tentativas e erros, de desespero e perdas, e das consequências inesperadas da dependência de agrotóxicos químicos.

“Plantei manjericão africano na minha fazenda, ele começou a germinar, foi o começo, a primeira vez que plantei mudas assim, então não sabia o quão difícil seria”, relembra Joe, com a voz carregada de frustração e resignação ao falar com a Mongabay. Ele menciona a abundância de pulgões e lagartas em suas plantas, o que representa um desafio constante.

“Certa manhã, cheguei à minha fazenda e vi muitos insetos voando por toda parte”, conta ele. “Eles haviam infestado minha plantação de folhas aromáticas . Esse incidente resultou na perda total do meu investimento, pois ninguém conseguia comprar o produto.”

Essa experiência marcou uma virada em sua carreira na agricultura. Desesperado para proteger seu sustento, Joe recorreu aos agrotóxicos químicos, convencido de que eles eram a chave para salvaguardar suas plantações.

Mas os agrotóxicos que prometiam salvar as plantações de Joe se tornaram uma faca de dois gumes para ele. As substâncias que ele usou são chamadas de agrotóxicos organoclorados , que têm sido associadas à degradação do solo, ao declínio de animais benéficos ao solo e até mesmo à distorção da formação do solo . Esses produtos químicos, projetados para matar pragas, também podem prejudicar humanos e animais selvagens, contaminando fontes de água e cadeias alimentares.

Joe balança a cabeça, lembrando-se de um dia desastroso. “Eu tinha um lote de folhas de manjericão pronto para vender, e um cliente prometeu comprar tudo no dia seguinte. Na minha empolgação, decidi dar um cuidado extra a elas, aplicando uma dose forte de agrotóxicos  para afastar as pragas. Pensei que seria um herói, mas acabou sendo um cálice envenenado. Os produtos químicos queimaram toda a minha plantação de manjericão. Perdi todo o meu mercado e fiquei endividado.”

Fazenda de vegetais do fazendeiro Joe nos arredores de Lagos.
Fazenda de vegetais do fazendeiro Joe nos arredores de Lagos. Foto de Samuel Ogunsona.

Ao ser questionado sobre o que poderia ter causado o dano, Joe responde com um sorriso irônico: “Uso excessivo de agrotóxicos , sem medidas precisas. Eu só queria dar um sinal às pragas, mas parece que o sinal foi mais como uma sentença de morte para meus vegetais.”

Joe conta ao Mongabay que usa Gammalin, um pesticida que contém lindano e está proibido na Nigéria há anos devido à sua alta toxicidade e aos riscos ambientais que representa. Ele admite que esses pesticidas podem ter efeitos significativos na saúde.

“São substâncias químicas potentes — precisamos nos proteger 100% para evitar o contato da pele com elas; o cheiro dessas substâncias também é tóxico”, reconhece Joe.

A fazenda, que se estende por vários hectares, é uma importante fornecedora de vegetais para mercados locais populares, com produtos que variam de manjericão-africano ( Ocimum gratissimum ) a diversas verduras. Joe confirma que é comum os agricultores locais usarem agrotóxicos químicos em suas plantações, que são então vendidas em grandes quantidades para mercados em toda a cidade. No entanto, Joe não revela onde compra os agrotóxicos organoclorados, que, segundo ele, ele e outros agricultores da região usam em suas plantações.

A história de Joe ilustra um problema generalizado de saúde pública, já que agrotóxicos considerados inseguros em muitos países continuam a aparecer em fazendas por toda a África — e na Nigéria , em particular. Pesquisas recentes apontam para a necessidade de maior educação entre os agricultores nigerianos, pois muitos estão fazendo uso indevido de agrotóxicos (incluindo produtos químicos proibidos), aplicando-os sem equipamentos de proteção e sofrendo efeitos na saúde devido à exposição a essas substâncias.

A experiência de Joe motivou nossa investigação sobre a qualidade do solo e os potenciais riscos de contaminação associados ao uso prolongado de pesticidas organoclorados. Nossa reportagem inclui a análise de amostras de solo, animais do solo e vegetação da propriedade agrícola de Joe, que possui ampla extensão. Os resultados confirmam a presença de diversos pesticidas proibidos há 17 anos na Nigéria — incluindo o lindano, substância utilizada por Joe. Embora encontrados em quantidades “insignificantes” nas amostras de solo analisadas, esses resultados levantam questões sobre o uso de pesticidas na região — e sobre a saúde e a segurança dos agricultores, do meio ambiente e dos produtos que as pessoas consomem.

Fazendeiro Joe.
Fazendeiro Joe. Imagem de Samuel Ogunsona

Legados tóxicos

“A história da vida na Terra tem sido uma história de interação entre os seres vivos e o ambiente ao seu redor. … Se vamos viver tão intimamente com essas substâncias químicas, ingerindo-as e absorvendo-as até a medula dos nossos ossos, é melhor sabermos algo sobre a sua natureza e o seu poder.” — Rachel Carson, Primavera Silenciosa.

Muito trabalho já foi feito sobre o uso de pesticidas e seus efeitos no meio ambiente, grande parte inspirado pelo alerta do livro inovador de Rachel Carson, Primavera Silenciosa . Carson documentou os danos ambientais causados ​​pelo uso indiscriminado de DDT , um tipo de pesticida organoclorado amplamente utilizado durante a Segunda Guerra Mundial. Ela acusou a indústria química de disseminar desinformação e as autoridades públicas de aceitarem suas alegações sem questionamento, chamando a atenção para a necessidade do uso responsável de pesticidas.

O trabalho de Carson foi fundamental para aumentar a conscientização pública sobre os perigos dos pesticidas e impulsionar um movimento ambientalista. Seu livro levou à proibição nacional do DDT para uso agrícola nos EUA e abriu caminho para a criação da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). Desde então, inúmeros estudos se basearam no trabalho de Carson, destacando ainda mais os riscos associados ao uso de pesticidas e a importância de práticas sustentáveis.

No entanto, atualmente, a contaminação por agrotóxicos perigosos ainda persiste em muitas regiões — incluindo a Nigéria.

Para determinar a extensão da contaminação por agrotóxicos na fazenda de Joe, a Mongabay contratou os serviços de Onafowokan Olayinka Kehinde, cientista de laboratório da Universidade Estadual de Lagos, e de Patrick Onianwa, técnico do Laboratório Analítico ISI em Surulere, Lagos, onde as amostras são analisadas.

Kehinde coletou solo, animais do solo (minhocas, Lumbricus terrestris ) e hortaliças folhosas ( Celosia argentea ) da fazenda, seguindo protocolos padrão (com a presença de Mongabay). As amostras foram coletadas por volta das 8h do dia 28 de agosto, colocadas em recipientes estéreis, etiquetadas e armazenadas em uma caixa térmica com gelo para manter uma temperatura de aproximadamente 4° Celsius (39° Fahrenheit). As amostras foram então transportadas para a ISI Analytical em até duas horas após a coleta.

Onafowokan Olayinka Kehinde utiliza uma sonda de solo para coletar amostras de solo e de animais do solo para análise laboratorial. Imagem de Samuel Ogunsona

Dos 24 compostos de agrotóxicos analisados, as amostras de minhoca revelaram a presença de 11, as amostras de solo apresentaram 11 e as amostras de vegetais indicaram a presença de quatro.

Lindano, heptacloro e aldrina foram encontrados em todas as amostras testadas (solo, animal e vegetal), enquanto endossulfan I, endossulfan II e endrina também foram encontrados em algumas das amostras. Todas essas substâncias são organoclorados, que pesquisas associam à ” alta toxicidade, lenta degradação e bioacumulação “. Todas essas substâncias são proibidas para uso agrícola na Nigéria. Elas também são proibidas, amplamente restritas ou estão programadas para eliminação nos EUA, na UE, no Japão e em outras regiões devido à sua persistência ambiental e aos potenciais riscos à saúde.

Segundo Victor Kusemiju, professor sênior de zoologia e biologia ambiental na Universidade Estadual de Lagos, “Os pesticidas organoclorados persistem no meio ambiente por muito tempo, permanecendo eficazes por anos após a aplicação. Ao contrário de outros pesticidas, eles se decompõem lentamente. Além disso, não são seletivos, matando uma ampla gama de pragas e organismos não-alvo, incluindo peixes, animais selvagens — e potencialmente seres humanos, se os níveis de exposição forem suficientemente altos.”

30 agrotóxicos foram proibidos na Nigéria — mas alguns ainda são usados

Em 2008, a Agência Nacional para Administração e Controle de Alimentos e Medicamentos da Nigéria ( NAFDAC ) divulgou uma lista oficial de 30 agrtotóxicos proibidos , incluindo os cinco especificados acima. De acordo com relatos locais , as proibições faziam parte de um esforço mais amplo para coibir substâncias perigosas associadas a problemas de saúde, incluindo mortes por intoxicação alimentar.

Nossa investigação esclarece os motivos pelos quais esses compostos ainda aparecem no meio ambiente. Outro agricultor que trabalha em campos próximos aos de Joe disse ao Mongabay que usa pesticidas à base de Gammalin, mas que não tinha conhecimento prévio da proibição. O agricultor deseja permanecer anônimo por motivos de segurança, mas sua história nos leva a investigar mais a fundo, indo a três mercados locais onde encontramos Gammalin à venda — incluindo um mercado onde o produto estava à vista na prateleira.

Esse vendedor em particular disse que desconhecia a proibição do Gammalin e que o produto está escasso no mercado, o que elevou seu preço. Uma garrafa de 1 litro (0,3 galão) costumava ser vendida por 4.000 nairas (US$ 2,75), mas o preço subiu para 10.000 nairas (US$ 6,90) e foi reduzido para 9.000 nairas (US$ 6,20) após negociação.

Gammalin à venda junto com outros pesticidas e inseticidas em um mercado local. Imagem de Samuel Ogunsona.

A acessibilidade desses produtos químicos nos mercados locais permite que os agricultores encontrem maneiras de adquiri-los e introduzi-los no meio ambiente, prejudicando os esforços para proteger a saúde pública e os ecossistemas.

A presença contínua dessas substâncias no meio ambiente — e no mercado — também levanta questões sobre a eficácia das proibições de agrotóxicos na Nigéria.

A Mongabay entrou em contato com a NAFDAC diversas vezes por e-mail, buscando informações sobre a eficácia da proibição do lindano e seu status atual de vendas, mas não recebemos resposta até o momento da publicação.

Ogunlade Olamide Martins, diretor associado de clima e meio ambiente da Corporate Accountability and Public Participation Africa, fala ao Mongabay sobre alguns dos principais fatores que contribuem para a persistência dessas substâncias. “Agrotóxicos proibidos continuam chegando aos mercados locais devido à porosidade de nossas fronteiras e às estratégias de fiscalização deficientes”, afirma Olamide. Ele também observa “a ausência de diálogo entre os formuladores de políticas e os atores envolvidos, onde uma estratégia progressiva de eliminação gradual e a sinergia entre as principais partes interessadas no monitoramento teriam sido exaustivamente discutidas”.

Olamide afirma que tudo isso reflete “a ausência de vontade política e as limitações da agência responsável para cumprir seu mandato de fiscalização, seja por incapacidade técnica ou por entraves burocráticos. […] Também não se pode descartar completamente a provável influência de entidades importadoras de pesticidas no atraso da fiscalização”, acrescenta. “Para melhorar a conformidade, o governo deve criar uma força-tarefa especial composta por membros das agências de segurança relevantes para iniciar e manter investigações coordenadas, com agentes treinados em melhores práticas e procedimentos operacionais padrão.”

Joyce Brown, diretora de programas da Health of Mother Earth Foundation, responde com urgência. “O governo precisa implementar políticas e fiscalização rigorosas para retirar imediatamente os agrotóxicos proibidos do mercado”, disse ela em entrevista à Mongabay. “Não há espaço para uma eliminação gradual de produtos químicos altamente perigosos – eles devem ser retirados de circulação agora.”

Perigos ocultos

O lindano foi classificado como “cancerígeno para humanos” pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC) da Organização Mundial da Saúde , com evidências que o associam ao linfoma não Hodgkin. A IARC observa que a exposição atual da população em geral ao lindano ocorre principalmente por meio da dieta ou quando usado como tratamento para sarna ou piolhos.

Kusemiju, professor sênior da LASU, levanta outra questão sobre essas substâncias: “Um dos aspectos mais preocupantes dos pesticidas organoclorados é a sua capacidade de prejudicar organismos não-alvo que desempenham papéis cruciais na manutenção do equilíbrio ecológico”, afirma. “Por exemplo, as minhocas são vitais para a saúde do solo, pois contribuem para a formação do solo, aeração e ciclagem de nutrientes.

“Além disso, quando ocorrem chuvas fortes logo após a aplicação desses pesticidas, os produtos químicos podem ser lavados e transportados para corpos d’água próximos, como rios, lagos ou oceanos. Se a concentração do pesticida for alta o suficiente, pode ser tóxica para os organismos aquáticos, levando a efeitos indesejados e potencialmente devastadores nos ecossistemas aquáticos”, afirma.

Ikechi Agbugba , um distinto cientista agrícola e empresário com experiência em gestão de agronegócio, educação agrícola e desenvolvimento sustentável, reforça as preocupações de Kusemiju. Ele fornece ao Mongabay uma lista de problemas relacionados aos pesticidas organoclorados: “Degradação da estrutura do solo: os OCPs reduzem a agregação do solo; perturbação das comunidades microbianas do solo: altos níveis de OCPs são tóxicos para os microrganismos benéficos do solo; redução da atividade enzimática: os OCPs podem inibir essas enzimas (como desidrogenase, urease, fosfatase e celulase), levando a uma decomposição mais lenta da matéria orgânica e à redução da disponibilidade de nutrientes para as plantas.”

Ele afirma que os agrotóxicos organoclorados podem ter efeitos devastadores nas populações da fauna do solo, levando a uma “decomposição mais lenta, redução das interações microbianas, estrutura deficiente do solo [e] ruptura das cadeias alimentares”.

Ele enfatiza particularmente a importância das minhocas. “Elas fazem parte do ecossistema do solo.” Os animais do solo, de modo geral, desempenham um papel crucial na manutenção da saúde do solo por meio da decomposição, ciclagem de nutrientes e formação da estrutura do solo, afirma. “Minhocas, nematóides, ácaros, colêmbolos, formigas e besouros são essenciais para a manutenção de solos saudáveis”, diz Agbugba. “Eles são frequentemente chamados de engenheiros do ecossistema devido aos papéis fundamentais que desempenham na decomposição, ciclagem de nutrientes, formação da estrutura do solo e até mesmo na saúde das plantas.”

Enquanto isso, Ogunrinde, agricultor e especialista em agroquímicos da Ogunrinde Agrochemical, aponta para outro problema: “O maior problema é que nosso ambiente mudou, o clima alterou muitas coisas e o tipo de sementes que plantamos hoje também é diferente daquelas plantadas há 50 anos”, afirma. “A maioria das nossas sementes hoje em dia são transgênicas, sementes inorgânicas. São sementes produzidas em laboratório e são suscetíveis a pragas, ao contrário das sementes naturais”, explica ele ao Mongabay por áudio.

Ele observa que os agrotóxicos são frequentemente a maneira mais eficaz de controlar essas pragas, mas reconhece os riscos associados ao seu uso. Ele sugere uma possível solução para ajudar a reduzir o uso de pesticidas: produzir sementes resistentes a pragas. “Acredito que seja possível produzir sementes das quais as pragas possam se manter afastadas”, afirma.

Agbugba, por sua vez, recomenda uma abordagem mais holística, sugerindo que os agricultores adotem o manejo integrado de pragas (MIP), que combina ferramentas biológicas, culturais, físicas e químicas para controlar as pragas. Segundo ele, os agricultores podem adotar uma variedade de práticas, incluindo o controle biológico (utilizando inimigos naturais das pragas, como predadores, parasitas ou patógenos), a diversificação e a rotação de culturas (a rotação de culturas interrompe os ciclos de vida das pragas e reduz o acúmulo de doenças transmitidas pelo solo).

A educação dos agricultores também é fundamental. “Antigamente”, diz Kusemiju, representantes do governo nigeriano instruíam os agricultores, dizendo-lhes “que tipo de agrotóxico  usar, qual a concentração ideal e também quando aplicá-los”. Mas agora, afirma ele, “isso não acontece mais”.

Amostra de vegetal coletada para testes e análises laboratoriais. Imagem de Samuel Ogunsona.

Sustentabilidade e segurança alimentar

Especialistas concordam que práticas agrícolas sustentáveis ​​são cruciais para garantir a segurança alimentar. “Os formuladores de políticas devem fortalecer a agricultura resiliente ao clima”, afirma Agbugba, promovendo práticas agroecológicas e regenerativas, como o plantio direto e o aumento da cobertura morta, para ajudar a restaurar a saúde do solo, melhorar a biodiversidade e reduzir o uso de pesticidas sintéticos. Outras ideias incluem tecnologias adaptadas ao clima, como culturas resistentes à seca, irrigação de precisão e sistemas de alerta precoce para condições climáticas adversas e surtos de pragas.

Agbugba destaca o cultivo sem solo como uma opção sustentável para a produção de alimentos com menor impacto ambiental. “Sistemas sem solo podem ser instalados em áreas urbanas, telhados ou ambientes internos, dispensando a necessidade de terras férteis”, afirma, acrescentando que os formuladores de políticas públicas devem investir em sistemas alimentares “do campo ao prato” e implementar regulamentações que “protejam os recursos naturais e a saúde humana”.

A lista de possíveis soluções é longa.

No entanto, as experiências preocupantes de Joe com agrotóxicos organoclorados — incluindo a perda devastadora de suas plantações de folhas aromáticas devido ao uso excessivo e à aplicação inadequada — indicam o quanto ainda precisa ser feito.

Imagem de destaque: Mulheres e crianças retornam de suas terras agrícolas após um dia de trabalho no centro-norte da Nigéria. Milhões de nigerianos enfrentam a fome. Além dos conflitos e das mudanças climáticas, pesquisas mostram que o abastecimento de alimentos da Nigéria enfrenta ameaças de pragas e do uso indevido de pesticidas. Foto: AP Photo/Chinedu Asadu.

Citações

Jayaraj, R., Megha, P., & Sreedev, P. (2016). Artigo de revisão. Pesticidas organoclorados, seus efeitos tóxicos em organismos vivos e seu destino no meio ambiente. Toxicologia Interdisciplinar , 9 (3-4), 90-100. doi: 10.1515/intox-2016-0012

Zhou, W., Li, M., & Achal, V. (2025). Uma revisão abrangente sobre os impactos ambientais e na saúde humana do uso de pesticidas químicos. Emerging Contaminants , 11 (1), 100410. doi: 10.1016/j.emcon.2024.100410

Taiwo F. Akinyanju, Fidelia Osuala, Abiodun Onadeko, Nnamdi H. Amaeze e Olukunle S. Fagbenro. (2025). Práticas de aplicação de pesticidas e implicações ambientais: percepções de agricultores no estado de Lagos, Nigéria. Dutse Journal of Pure and Applied Sciences , 11 (3c), 64-79. doi: 10.4314/dujopas.v11i3c.7

Okewole, SA, Rafiu, RA, & Amusat, MA (2023). Visão geral do uso e mau uso de pesticidas e seu impacto na degradação ambiental nos estados do sudoeste e em algumas partes dos estados do norte da Nigéria. Pesticide Science and Pest Control , 2 (1). doi: 10.58489/2833-0943/013


Fonte: Mongabay

Privatiza que resolve? O pesadelo dos brasileiros com o alto custo das contas de luz

Conta de luz mais alta está chegando: como economizar e pagar menos

Por Heitor Scalambrini Costa*

Um dos legados mais perversos da privatização do setor elétrico foi o aumento desproporcional, em relação à situação econômica do país, das tarifas pagas pelos consumidores de baixa tensão. Com a liberalização econômica, a partir de 1995 pelo governo FHC, foi adotada para o reajuste das tarifas a metodologia do “Preço Teto Incentivado” (price cap), que fixou valores considerados “adequados (?)” para remunerar e amortizar os investimentos, e cobrir os custos operacionais, além das empresas receberem o benefício de reajustes e revisões.

As cláusulas contratuais e as regras que interferem no aumento tarifário pós privatização provocaram impactos significativos no bolso dos consumidores, e na qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias, além de contribuírem para o aumento do índice inflacionário. Fatores como: os mecanismos de reajuste e revisão tarifária, a cobertura de custos de geração, e o equilíbrio econômico-financeiro; criaram um ecossistema favorável às empresas privadas, o “capitalismo sem risco”.

Os reajuste e revisão tarifária previstas nos chamados “contratos de privatização” preveem reajustes anuais na data de aniversário da privatização, e revisões periódicas, geralmente a cada quatro ou cinco anos, com a justificativa de garantir o denominado “equilíbrio econômico-financeiro” das empresas, com o custo repassado para o consumidor. Além do reajuste extraordinário, que é o aumento de tarifa pontual e excepcional, autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), fora do cronograma regular de reajustes. Outra aberração cometida contra o consumidor foi aplicar nos reajustes o Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M), que historicamente tende a subir mais que o índice aplicado para a inflação, para o reajuste salarial, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE.

Utilizado para justificar as altas tarifas são os encargos setoriais e subsídios que financiam políticas públicas, e que são repassados aos consumidores. As bandeiras tarifárias criadas em 2015, foi outro mecanismo que contribuiu para aumentar o caixa das concessionárias e penalizar o consumidor. A justificativa foi de ressarcir as empresas desde que ocorresse qualquer interferência que afetasse os preços da energia por elas adquiridas. É, ou não é um capitalismo sem risco?

A partir de 2025 começou a findar a vigência, estipulada de 30 anos, dos contratos de privatização dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica. Duas situações se apresentaram para o poder público, decidir se prorroga o contrato ou faz uma relicitação. A prerrogativa desta decisão é do poder concedente, o Ministério de Minas e Energia. Outra alternativa seria a estatização das concessionárias sem custos, que lamentavelmente não estavam nos planos governamentais. A opção do Ministério de Minas e Energia, foi a da renovação dos contratos.

Ao longo dos 30 anos depois da primeira privatização, o setor elétrico acumulou poucos êxitos, muitas frustrações e decepções com promessas não cumpridas. De uma maneira geral, as empresas não cumpriram os regramentos, os requisitos e indicadores de qualidade dos serviços prestados, além da prometida modicidade tarifária. O que poderia caracterizar como “quebra de contrato”. Todavia a “força” do lobby garantiu a renovação dos contratos com modificações pontuais, sendo uma delas a de utilizar como índice para reajuste das tarifas, o IPCA. Alivio que será sentido, mas que não afetará significativamente o valor final da conta de luz.

O ministro Alexandre Silveira (sempre ele, o das “boas ideias”) defendeu a renovação dos contratos alegando que, se assim não acontecesse, poderia “ter um declínio na qualidade” e até risco de “colapsar o setor de distribuição”. Foram declarações realizadas no programa ”Roda Viva” da TV Cultura (24/11), para justificar a decisão de não abrir novas licitações. Infelizmente são alegações superficiais, com déficit de transparência, sem os devidos esclarecimentos e explicações que a escolha tomada exige.   

Segundo estudo de junho de 2025 da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (ABRACEEL) intitulado “Evolução dos preços e tarifas de energia”, a tarifa de energia elétrica em 15 anos (2010-2024) subiu 55% acima da inflação. No mesmo período as tarifas acumularam aumento de 177%, passando de R$ 112,00/MWh, para 310,00/MWh. No mesmo período, o índice oficial da inflação, o IPCA, cresceu 122%. Considerando tais números os resultados para as distribuidoras foram excelentes. Fica claro que enquanto as tarifas sobem de elevador, o salário do trabalhador(a), quando corrigido pela inflação, sobe pela escada.

É verificado que se a tarifa média de energia cresce mais que a inflação, significa que a eletricidade está ficando mais cara em termos reais em relação ao conjunto dos demais preços da economia. A consequência para os consumidores é uma redução do seu poder de compra, em especial para as famílias de baixa renda, que destinam maior parte do orçamento para pagar a conta de luz.

Levantamento do Instituto Pólis (https://polis.org.br/) e do Instituto Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica, ao entrevistar duas mil pessoas em julho de 2023, mostrou que 36% das famílias gastam mais da metade do orçamento para pagar a conta de luz e gás. E que a conta de luz e a alimentação, constituem o maior impacto no orçamento de quase metade (49%) das famílias brasileiras. Tais despesas são ainda mais importantes para quem recebe até um salário mínimo, e entre pessoas negras e moradoras das regiões Norte e Nordeste

O peso da conta de luz é considerado um dos principais gastos para os brasileiros, e seu custo elevado pode levar muitas famílias, especialmente as mais pobres, a dificuldades financeiras, como deixar de comprar alimentos para pagar as contas básicas. 

A tentativa governamental de rever minimamente normas que penalizam os consumidores com tarifas abusivas, e combater a desastrosa prestação de serviços por parte das concessionárias foi uma decepção, através do que foi chamado de modernização do marco regulatório com a PEC 1304/2025.

Os lobbies que atuam no setor elétrico desvirtuaram o projeto original. O agora Projeto de Lei de Conversão no 10 (PLV), com as modificações aprovadas pelo Congresso Nacional terão o efeito contrário, pois irá aumentar os custos pressionando a tarifa dos consumidores, além de distorcer o planejamento do setor.

Com 20 vetos a trechos do PLV foi sancionado em 25/11 pelo presidente da República em exercício, e transformado na Lei 15.269. Como esperado, os vetos atingiram os pontos mais polêmicos que comprometem o objetivo inicial do governo federal. Todavia ficou explicitado mais uma vez a contradição entre o discurso e a prática do governo federal. Mesmo o Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima se posicionar contrariamente, o Ministério de Minas e Energia foi atendido e, mantido o dispositivo que prorroga a compra de energia das termelétricas a carvão mineral, o mais poluente e mais caro dos combustíveis fósseis.

Assim fica comprometido efetivamente que as contas de energia diminuam para o consumidor, o que parece longe de ocorrer, e nem atender os acordos internacionais para diminuição das emissões de gases de efeito estufa. Quem viver, verá.

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*Heitor Scalambrini Costa é Físico, graduado pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, com mestrado em Ciências e Tecnologia Nuclear na UFPE, e doutorado em Energética na Universidade de Marselha/Centro de Estudos de Cadarache-Comissariado de Energia Atômica-França.

Depois de semanas de “Greenwashing”, Anglo American adquire mineradora canadense Teck Resources

The great greenwashing myth being sold to Australians - The Australia  Institute

Para bom entendedor, meia palavra basta. Essa foi a reação de um espectador privilegiado das idas e vindas da mineradora Anglo American em Minas Gerais. Segundo esse espectador, após meses de intenso greenwashing que apresentam sua mineração predadora como “sustentável”, a Anglo American viu aprovada a sua fusão com a mineradora canadense Teck Resources.

A nova criatura corporativa se chamará será dona, no Brasil, do projeto Minas-Rio,  mega empreendimento de minério de ferro localizado em Conceição do Mato Dentro, na região central de Minas Gerais. A fusão foi aprovada por 99,17% dos acionistas da Anglo American e por mais de dois terços dos acionistas da Teck. A sede da nova empresa será em Vancouver, no Canadá.  

A Teck tem operações de cobre e zinco no Canadá, EUA, Chile e Peru. Depois de vender seu negócio de carvão metalúrgico, o cobre é agora sua maior commodity, seguida pelo zinco. 

Projeto Minas-Rio

O Minas-Rio é composto por uma mina e uma unidade de beneficiamento, localizadas em Conceição do Mato Dentro, um mineroduto e um terminal dedicado no Porto de Açu, no Rio de Janeiro. A Anglo American é dona da mina, da unidade de beneficiamento e do mineroduto, e de 50% do porto. A estimativa da companhia é de fechar o ano com uma produção da ordem de 23 a 25 milhões de toneladas de minério de Ferro.

Em dezembro de 2024, Anglo American anunciou a compra, por US$ 157 milhões, dos recursos de minério de ferro de alto teor localizados na Serra da Serpentina, que foi integrada ao Minas-Rio. O projeto continuará sendo operado pela empresa. A venda foi feita pela Vale, que passou a ter uma participação minoritária, de 15%, no Minas-Rio.


Com informações de “O Fator

Reciclagem ‘agrava problema dos microplásticos’

A Changing Markets Foundation revela que o poliéster reciclado gera 55% mais poluição por microplásticos.
Imagem do site da Patagonia. 
Por Brendan Montague para “The Ecologist”

Uma nova investigação revelou que a estratégia ambiental do setor da moda está agravando a poluição por microplásticos.

Mais de cem marcas afirmam que o poliéster reciclado proveniente de garrafas de plástico descartadas pode ajudar a reduzir a poluição e outros problemas ambientais. Adidas, H&M, Puma e Patagonia substituíram quase todo o poliéster virgem por poliéster reciclado em suas linhas de produção por motivos de sustentabilidade.

Mas uma nova pesquisa laboratorial , publicada hoje pela organização sem fins lucrativos Changing Markets Foundation , descobriu que o poliéster reciclado cria, em média, 55% mais partículas de poluição microplástica durante a lavagem do que o poliéster virgem, que é menos quebradiço. 

Organismos

Constatou-se também que as partículas eram quase 20% menores, o que as tornava mais capazes de se espalhar no ambiente e causar danos. 

Urska Trunk, gerente sênior de campanhas da Changing Markets Foundation, afirmou: “A indústria da moda vem vendendo poliéster reciclado como uma solução ecológica, mas nossas descobertas mostram que isso está agravando o problema da poluição por microplásticos. 

“Isso expõe o poliéster reciclado pelo que ele é: uma cortina de fumaça da sustentabilidade que encobre a crescente dependência da moda em relação aos materiais sintéticos.” 

“Ajustes de design mais inteligentes e correções pontuais apenas arranharão a superfície. Soluções reais significam desacelerar e eliminar gradualmente a produção de fibras sintéticas e interromper o desvio de garrafas plásticas para a fabricação de roupas descartáveis.”

Um único ciclo de lavagem pode liberar até 900.000 fibras de microplástico. Os microplásticos estão tão disseminados que são encontrados nos locais mais extremos e circulam em todos os ambientes: solo, ar, água e organismos vivos. Foram encontrados em diversos órgãos humanos e estão associados a um número crescente de problemas de saúde.

Vestuário

O poliéster reciclado é uma cortina de fumaça da sustentabilidade que encobre a crescente dependência da moda em relação aos materiais sintéticos. 

O estudo focou em um número relativamente pequeno de peças de roupa de cinco grandes marcas, e os resultados fornecem apenas uma indicação das prováveis ​​taxas de poluição. Camisetas, blusas, vestidos e shorts vendidos pela Adidas, H&M, Nike, Shein e Zara foram testados. 

O estudo é o primeiro a comparar marcas em relação à poluição por microplásticos, segundo a Changing Markets. As marcas estão entre as maiores produtoras e usuárias de tecidos sintéticos do mundo da moda, de acordo com uma pesquisa recente da Changing Markets . 

As roupas de poliéster da Nike foram consideradas as mais poluentes, tanto para tecido virgem quanto para tecido reciclado. O poliéster reciclado da marca liberou, em média, mais de 30.000 fibras por grama de amostra de roupa, quase quatro vezes a média da H&M e mais de sete vezes a média da Zara.

As roupas da Shein também se destacaram. Suas peças de poliéster reciclado liberam microplásticos em uma taxa semelhante à das roupas de poliéster virgem.

Superprodução

Mesmo antes das descobertas de hoje, ambientalistas já haviam concluído que a campanha da indústria da moda em prol do poliéster reciclado era, em grande parte, uma estratégia de marketing verde. 

Os sistemas de reciclagem de roupas de poliéster são considerados “ importantes ”, mas também “em desenvolvimento”, sendo capazes de processar apenas “cerca de dois por cento de todo o poliéster reciclado”. Em contrapartida, o setor de bebidas pode reutilizar repetidamente garrafas plásticas descartadas, mas agora precisa competir com as marcas de moda por elas. 

Entretanto, o uso de poliéster virgem na moda está crescendo tão rapidamente que a participação do poliéster reciclado no ano passado chegou a cair . O baixo custo dos tecidos sintéticos, agora produzidos em níveis recordes , impulsionou uma enorme superprodução, superconsumo e desperdício.

Um porta-voz da Puma disse: “Os resultados dos nossos testes de liberação de fibras em tecidos 100% poliéster reciclado e 100% poliéster virgem mostram que o poliéster reciclado não libera consistentemente mais ou menos microfibras do que o poliéster virgem.”

Um porta-voz da H&M disse ao The Ecologist : “Acreditamos que as microfibras precisam ser abordadas em várias etapas de nossa cadeia de valor, incluindo design, produção, uso e descarte, e é por isso que cooperamos com outras partes interessadas para encontrar soluções eficazes.”

O Ecologist entrou em contato com a Adidas e a Patagonia para obter um posicionamento.

Este autor

Brendan Montague é editor da revista The Ecologist.


Fonte: The Ecologist

TJMG derruba decisão do TCE e libera licenciamento de barragem da Anglo American em Conceição do Mato Dentro

Segundo a empresa, esse segundo alteamento da barragem é necessário para a continuidade das operações da Mina do Sapo

Moradores temem barragem da Anglo American e exigem reassentamento - Brasil  de FatoComunidades de Conceição do Mato Dentro protestam contra Anglo American em 2015| Crédito: Arquivo REAJA

 
Por Lucas Ragazzi para “O Fator”

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) determinou, na manhã dessa sexta-feira (5), a retomada imediata do licenciamento ambiental para o segundo alteamento da Barragem de Rejeitos do Sistema Minas-Rio, operado pela Anglo American, em Conceição do Mato Dentro. A decisão suspende a paralisação determinada em agosto pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-MG).

O desembargador Edilson Olímpio Fernandes concedeu liminar pedida pela mineradora contra o TCE-MG, que havia sustado o processo administrativo. A Corte de Contas alegava que a operação violava a Lei Estadual conhecida como Lei “Mar de Lama Nunca Mais”, criada após os desastres de Brumadinho e Mariana.

A Anglo American protocolou a ação depois que o conselheiro Agostinho Patrus, relator da representação no TCE, determinou a paralisação do processo. A ação apontava que a comunidade de São José do Arrudas, localizada na Zona de Autossalvamento da barragem, não tinha plano de reassentamento pactuado. A lei estadual veda a concessão de licenças ambientais para barragens quando há comunidades na Zona de Autossalvamento.

O TCE entendeu que a vedação alcança todas as fases do licenciamento, incluindo a Licença Prévia. O argumento foi referendado pelo Plenário do tribunal em agosto. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) havia cumprido a determinação e suspenso o processo, que se encontrava em fase de instrução, aguardando parecer técnico da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam).

No recurso ao TJMG, a Anglo American sustentou que o TCE excedeu suas atribuições. A empresa argumentou que a Licença Prévia não autoriza obras ou intervenções – apenas avalia a viabilidade ambiental do projeto. A mineradora também afirmou que a decisão do tribunal de contas impedia a apresentação de esclarecimentos e documentos complementares, frustrando a manifestação final da Feam.

A liminar da Corte reconheceu que a sustação do processo impacta o planejamento operacional da Mina do Sapo e pode gerar prejuízos econômicos e sociais para a região. O desembargador citou julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu a Licença Prévia como etapa fundamental para análise de impactos ambientais, sociais e econômicos de grandes empreendimentos.

A decisão do TJMG não descartou a necessidade de resolver a questão do reassentamento das comunidades. Ao contrário: o magistrado destacou que a discussão deve ocorrer na fase preliminar do licenciamento, mas ressaltou que a administração pública tem o dever de decidir em prazo razoável.

A Anglo American controla o Sistema Minas-Rio, que integra mina, beneficiamento de minério de ferro e transporte por duto até o porto do Açu, no Rio de Janeiro. Segundo a empresa, esse segundo alteamento da barragem é necessário para a continuidade das operações da Mina do Sapo, uma das principais unidades de produção da empresa no estado.


Fonte: O Fator

Os arautos do mercado no setor elétrico brasileiro e suas falácias neoliberais

“ Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores”, música de Geraldo Vandré

O setor elétrico brasileiro – tendências e desafios para os trabalhadores -  Eletricitários de São Paulo

Por Heitor Scalambrini Costa*

Uma das lendas que ainda persistem em nosso país é a ideia que o setor privado é naturalmente superior, ou mais eficiente, que o setor público. Para refutar tal colocação é necessário analisar a complexidade e os fatores que levam a esta assertiva. A primeira distinção consiste nos objetivos distintos que movem estes setores.

O setor privado visa primordialmente o lucro e a geração de valor (criação de riqueza) para os acionistas, enquanto o setor público o foco principal é o interesse social, a equidade e o atendimento das necessidades da população. ­­­

Comparar a eficiência de ambos sem considerar esses diferentes fins é, muitas vezes, incompleto e enganoso, e leva a situações em que setores como saúde, educação, saneamento, segurança pública, além de bens essenciais à vida, como água, energia são repassados ao controle privado.

No final da década de 80 do século passado com o objetivo propagandeado de ajudar países latino-americanos a retomarem o caminho do crescimento, um conjunto de ideias econômicas foram propostas para combater a crise da dívida e a hiperinflação na América Latina, como o controle fiscal, a abertura comercial e financeira, e a privatização. Tais recomendações de políticas neoliberais foram baseadas nos ideais do FMI, do Banco Mundial e do Departamento do Tesouro dos EUA.

O que ficou conhecido como o Consenso de Washington, o liberalismo econômico da época, defendia a mínima intervenção estatal na economia, com o mercado se autorregulando pela lei da oferta e da procura. Afirmavam que a liberdade individual e econômica levaria a mais investimentos e empregos, e a melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Na comunidade europeia a política de liberalização do mercado levou a privatizações das empresas de energia elétrica. No entanto, não houve um modelo único e uniforme para todos os países do bloco, coexistindo empresas privatizadas e estatais. Todavia a tendência recente em alguns países tem sido a reestatização. O caso mais emblemático é o da França, que em 2022 o governo anunciou a reestatização da sua maior companhia elétrica, Électricité de France (EDF), justificando a necessidade de garantir a soberania energética do país, e enfrentar a crise energética

As reformas neoliberais da década de 1990 no Brasil estão inseridas no contexto das liberalizações promovidas em virtude do processo de globalização, em que a dinâmica do capitalismo – vinculada à expansão do capital financeiro – levou à redução dos estados nacionais. Nesse sentido, o setor elétrico brasileiro seguiu exemplarmente o processo de privatização, adotado como política de Estado durante as duas gestões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), planejado levando em consideração apenas questões econômico-financeiras, relegando a segundo plano questões de atendimento à população. O resultado foi problemas para a cidadania e mesmo, dificuldades de abastecimento, além dos valores abusivos das tarifas cobradas, colocando em risco a situação financeira das famílias, principalmente aquelas de baixa renda, a maioria da população.

O liberalismo da política econômica aplicado ao setor elétrico propôs a reestruturação do setor, quebrando monopólios e introduzindo o que chamavam de concorrência, com a separação das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia. O objetivo apregoado era de promover a eficiência econômica, à inovação, e como afirmavam os neoliberais, oferecer mais opções e estimular o protagonismo do consumidor. A liberalização, segundo seus defensores, buscava atingir ganhos de eficiência através da competição e do investimento de agentes privados, resultando na modicidade tarifária e na melhoria da qualidade dos serviços prestados.

Passados 30 anos desde o início da privatização, iniciado pelas distribuidoras, o fiasco e a decepção são evidentes e frustrantes para o consumidor. A eficiência, os investimentos prometidos, a concorrência e a inovação, resultando na diminuição de custos, e a redução das tarifas para o consumidor, não aconteceram. Ao contrário, as tarifas aumentaram e os serviços prestados despencaram. E coube ao consumidor simplesmente ser um mero observador, ao mesmo tempo arcar com os aumentos na tarifa bem superior à inflação. Foram enganados, ludibriados.

O processo de privatização resultou na demissão de pessoal das empresas, na queda nos investimentos, e da manutenção do sistema, com as despesas sendo superadas pela busca por lucros a curto prazo.  O “desmonte” do setor estatal ocorreu, com decisões que favoreceram interesses privados em detrimento da base técnica. A desnacionalização do setor e a perda do protagonismo estatal provocaram a perda da soberania energética e hídrica do país, especialmente em um contexto de mudanças climáticas, tecnológicas e de desafios no planejamento e na segurança do funcionamento do sistema.

A separação das atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização com diferentes agentes privados e públicos atuando, introduziu um desarranjo no sistema, rompendo com a integração vertical tradicional. E foram verificados problemas de coordenação e governança fragmentada, e pelos interesses específicos de cada atividade.  O que levou a problemas frequentes que afetaram diretamente o consumidor, quer pelo rebaixamento da qualidade dos serviços oferecidos, quer pelas escandalosas tarifas cobradas.

Os mensageiros das soluções de mercado no setor elétrico se locupletaram nestes 30 anos pós-privatização. A partir da lógica liberalizante/mercantil, o setor se compromete com o pagamento dos acionistas privados e de seus gerentes, as custas do bem-estar da sociedade brasileira e de nossa soberania. Enquanto a população contribui significativamente para a transferência de renda para as grandes corporações transnacionais, provocando o empobrecimento da população.

Ao longo deste período de mercantilização da energia elétrica, a atuação dos lobbies pulverizados, atuando na esfera do Ministério de Minas e Energia (MME) e no Congresso Nacional (CN) na defesa de vários interesses, muito deles antagônicos, cresceu intensamente, causando um desequilíbrio de poder entre o Estado, as empresas e o mercado. Particularmente pelos inúmeros lobbies atuando tanto no MME, como no CN, buscando benefícios pontuais, e contribuindo para a desorganização do arcabouço regulatório do setor e de sua governança.

A partir de 2025, começa a findar a vigência, estipulada em 30 anos, dos contratos de concessão dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica. Entre 2025 e 2031, 20 contratos de distintas concessionárias chegam ao fim. E é prerrogativa do poder concedente, o MME, decidir se prorroga ou não essas concessões.

A decisão tomada pelo governo federal foi pela prorrogação por mais 30 anos, podendo mesmo ser solicitada a prorrogação contratual antecipada. Em 21 de junho de 2024, foi publicado o Decreto no 12.068, que estabeleceu mudanças pontuais, e definiu diretrizes similares às já existentes nos contratos de concessão inicial, que foram violados sistematicamente pelas concessionárias. Sem dúvida com a atual decisão governamental as distribuidoras de energia elétrica continuarão penalizando o povo brasileiro, seguindo como um dos principais algozes do consumidor, e da economia nacional.

Neste sentido é urgente e necessário a reestatização do setor elétrico, iniciando pela distribuição, e assim promover justiça, bem-estar social e o desenvolvimento sustentável. Nada custaria aos cofres do tesouro nacional, pois os contratos estariam finalizados, e não haveria nem prorrogação, nem nova licitação. Os bens reversíveis, envolvendo ativos como imóveis, equipamentos e a infraestrutura seriam devolvidos ao patrimônio do Estado, titular do serviço.

Setor elétrico. Reestatização Já!!!!


 *Heitor Scalambrini Costa é Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

Colapso elétrico em SP revela falta de adaptação e explicita os efeitos drásticos da privatização

Um quarto da cidade sem luz, milhares sem água e voos cancelados: como foi  o dia de caos em São Paulo

A mídia corporativa está noticiando a situação insólita que está ocorrendo na maior cidade brasileira, São Paulo, e em toda a sua região metropolitana.  Sofrendo com a ocorrência de fortes ventos causados pelo ciclone extropical que assola a região litorânea desde o Rio Grande do Sul, a cidade convive com a óbvia falta de adaptação com as mudanças climáticas e que se combina com a lerdeza de ações da concessionária Enel, empresa  cujo principal acionista é o estado italiano. Aliás, a Enel está se mostrando mais uma vez incapaz de restabelecer serviços em mais de um milhão de residências, o que significa que 20% da cidade está às escuras.

Temos diante de nós um quadro que é uma espécie de antessala do que poderá acontecer com as principais brasileiras que ainda não iniciaram nenhum esforço real de adaptação climática e que tiveram os principais serviços públicos entregues à empresas privadas, muitas delas estatais estrangeiras, que só aparecem por aqui para retirar lucros fabulosos.

O fato é que ainda vivemos uma negação objetiva dos problemas causados tanto pelas mudanças climáticas, o que é agravado pelo afastamento do Estado de serviços públicos essenciais. E, pior, enquanto se mantém a aplicação de políticas neoliberais que impedem o financiamento das medidas de adaptação climática que se tornam cada vez mais urgentes e necessárias.

Há ainda que se enfatizar que são as regiões mais pobres das grandes cidades que vão sofrer os efeitos mais drásticos dos eventos meterológicos extremos e que ficam desprovidas de serviços básicos após a ocorrência dos mesmos.

Rio Morto: Elementos potencialmente tóxicos acumulados em bananas cultivadas em solo com rejeitos de minério do desastre de Mariana excedem valores-limite da FAO

Chumbo presente na fruta é o principal motivo; trabalho também avaliou os riscos do consumo de cacau e mandioca plantados em Linhares (ES), área impactada pelo rompimento da barragem de Fundão (MG), há dez anos

Grupo de pesquisa alerta que o consumo contínuo de alimentos cultivados em solos contaminados pode significar risco carcinogênico pela acumulação a longo prazo no organismo de elementos potencialmente tóxicos (montagem de imagens de Pixabay e Wikimedia Commons)

Karina Ninni | Agência FAPESP  

Cientistas das áreas de geoquímica de solos, engenharia ambiental e saúde ligados à Universidade de São Paulo (USP), à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e à Universidade de Santiago de Compostela (Espanha) avaliaram os riscos de consumo de banana, mandioca e polpa de cacau plantados em solos impactados pelos rejeitos de mineração de ferro no estuário do rio Doce, em Linhares (ES). A região vem recebendo o material desde o rompimento da barragem de rejeitos de Fundão (MG), em novembro de 2015.

Nos solos, as concentrações de cádmio, cromo, cobre, níquel e chumbo ocorrem associadas ao principal constituinte do rejeito – óxidos de ferro. A equipe também descobriu que há um possível risco à saúde associado ao consumo, por crianças de seis anos ou menos, das bananas plantadas em solos impactados pelos rejeitos. 

“Nosso grupo vem estudando os impactos do rompimento da barragem há anos. Obtivemos a primeira amostragem sete dias após o acidente e, imediatamente, compreendemos que existia um risco iminente de contaminação de plantas, solo, água e peixes. Mas persistia a pergunta: essa contaminação traz risco para a saúde humana?”, lembra Tiago Osório, agrônomo e professor no departamento de Ciência do Solo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).

Em artigo publicado na Environmental Geochemistry and Health, o grupo se dedica a responder a essa pergunta, revelando como as plantas acessam os elementos potencialmente tóxicos (EPTs) associados ao rejeito, acumulando-os em suas partes comestíveis, e de que maneira esse material chega à cadeia trófica. O artigo é parte do doutorado de Amanda Duim pela Esalq. Além de já ter rendido sete publicações em revistas internacionais, a tese de Duim ganhou dois prêmios em 2025: o Prêmio USP de Tese, na área de Sustentabilidade, e o Prêmio Capes de Tese. Ela recebeu apoio da FAPESP por meio de bolsa de doutorado.

O suporte da FAPESP aos trabalhos do grupo estende-se a duas bolsas de pós-doutorado (20/12823-5 e 21/00221-3); dois auxílios à pesquisa (23/01493-2 e 22/12966-6); uma bolsa do programa de fixação de jovens doutores e uma bolsa de iniciação científica.

Concentração alta

Segundo Duim, primeira autora do artigo, o diferencial do trabalho é que a equipe correlacionou o risco à saúde humana com a transferência dos EPTs do solo para a planta. “O teor dos óxidos de ferro no solo, que são os principais constituintes do rejeito, está correlacionado ao teor deles na planta. Estudamos a passagem de constituintes do rejeito do solo para a água e da água para a planta, incluindo suas folhas e frutos.”

“Primeiro, é preciso saber quais elementos estão ali e em que quantidade, para entender a dinâmica bioquímica de sua liberação”, explica Osório.

Duim começou o doutorado em 2019 trabalhando com plantas de regiões alagadas para remediação de ambientes contaminados. “Avaliamos espécies cultivadas e nativas. No caso das últimas, queríamos saber como afetam a dissolução do óxido de ferro e, nesse processo, tentar entender se os EPTs associados a esse rejeito vão para dentro da planta, e de que maneira, já que diferentes espécies têm formas diversas de acumular EPTs”, detalha a pesquisadora. “A ideia era descobrir quais seriam as melhores nativas para remediação de ambientes contaminados e chegamos a mais de uma espécie que pode cumprir essa função, com resultados já publicados inclusive. No caso das espécies cultivadas, queríamos saber se os EPTs seriam transferidos para os frutos e partes comestíveis das plantas”, explica.

“Coletamos o solo e a planta, lavamos a planta, pesamos a biomassa fresca, secamos a planta, pesamos a biomassa seca e trituramos separadamente raízes, caule, folhas e frutos sem a casca. Só então analisamos todas as partes para saber o que havia em cada uma. Dissolvemos o ‘pó de planta’, transformando-o em solução com o uso de vários ácidos, e determinamos a concentração na solução. Convertemos o cálculo da concentração de material na solução e comparamos com o peso do material que foi diluído, conseguindo, assim, obter a concentração do EPT em miligramas por quilo de biomassa seca”, descreve Duim.

Na banana e na mandioca, todos os EPTs (exceto cromo) se acumularam mais nas partes subterrâneas, como raízes e tubérculos, do que nas partes aéreas. Já o cacau apresentou alto acúmulo de EPTs nas partes acima do solo (caules, folhas e frutos). Além disso, as concentrações de cobre e chumbo na polpa do fruto excederam os valores-limite estabelecidos pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

Quando a equipe viu que havia nas plantas cultivadas uma concentração de EPTs acima do indicado, inclusive nas partes comestíveis, decidiu fazer uma análise de risco nos frutos e tubérculos.

Riscos à saúde

Os cientistas estimaram os riscos do consumo de frutos de banana, rizoma da mandioca e da polpa de cacau calculando o Quociente de Risco (QR), o Índice de Risco (IR) e o Índice de Risco Total (IRT) para crianças (menores de 6 anos) e adultos (maiores de 18 anos). O QR é a razão entre a ingestão média diária de uma substância química e sua dose de referência correspondente. Já o IRT é uma métrica fundamental para avaliar os potenciais riscos não cancerígenos à saúde ligados à exposição aos EPTs (para indicar baixa existência de risco, ele deve ser menor que 1).

“Esses elementos existem naturalmente no ambiente, estamos expostos a eles em uma concentração menor, mas no caso de um desastre como o de Mariana, quando se espera que a exposição aumente, é preciso redobrar a atenção”, conta Tamires Cherubin, doutora em ciências da saúde e também autora do trabalho. A metodologia geralmente utilizada é a de calcular o risco da biodisponibilidade desses elementos, tendo em vista que a exposição a determinadas concentrações pode causar danos importantes à saúde, como problemas renais, cardíacos, desconfortos gastrointestinais, danos pulmonares, quando a exposição é respiratória, e outros riscos mais agudos, como problemas na pele ou irritações na visão.

No cálculo da análise de risco entram fatores como o consumo das plantas cultivadas localmente pela população. Os pesquisadores inclusive estimaram quanto da alimentação das populações locais vinha de fora e quanto ingeriam dos alimentos ali cultivados, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Outros fatores são a duração da exposição (por quantos anos a pessoa consome o produto), o teor de consumo em relação à massa corporal do adulto e da criança e o tempo que leva para que o consumo resulte em algum efeito deletério.

“De acordo com as doses de referência de ingestão diária dos contaminantes chanceladas pela literatura, consideramos os limites de 0,05 mg/kg-1 para a presença de cádmio nas frutas e 0,1 mg/kg-1 nos tubérculos, 0,5 – 1,0 mg/kg-1 para a presença de cromo, 20,0 mg/kg-1 para cobre, 0,5 – 1,0 mg/kg-1 para níquel, 0,8 – 2,3 mg/kg-1 para chumbo e 50,0 mg/kg-1 para zinco”, detalha Cherubin.

Embora os IRTs para a maioria dos elementos analisados tenham ficado abaixo do nível de risco (menor que 1), indicando que o consumo desses alimentos cultivados no estuário do rio Doce não apresentava ameaça significativa para os adultos, o resultado para a banana em crianças excedeu o limiar 1, sugerindo potenciais impactos à saúde. O principal fator de risco foi a maior concentração de chumbo presente no fruto, que também apresentou teor de cádmio superior ao preconizado pela FAO. Segundo os cientistas, a exposição prolongada ao chumbo, mesmo em baixas doses, está associada a danos irreversíveis no desenvolvimento neurológico, incluindo reduções no QI, déficits de atenção e distúrbios comportamentais.

O grupo alerta que, a longo prazo, o consumo contínuo de alimentos cultivados em solos contaminados pode, em alguns casos, significar riscos cumulativos. “Com o passar do tempo de exposição, considerando a expectativa de vida do Brasil, de mais ou menos 75 anos, pode surgir o risco carcinogênico, uma vez que existe a possibilidade de ocorrerem danos diretos e indiretos ao DNA”, diz Cherubin. Essas mutações têm o potencial de resultar em maior incidência de cânceres de diversos tipos como os que afetam o sistema nervoso central, o trato gastrointestinal e o sistema hematológico. “Tudo depende da capacidade do organismo humano de absorver e metabolizar esses elementos que estão disponíveis no ambiente”, afirma a pesquisadora.

O artigo From tailings to tables: risk assessment of potentially toxic elements in edible crops cultivated in mine tailing impacted soils pode ser lido em: https://doi.org/10.1007/s10653-025-02770-9.


Fonte: Agência Fapesp