Ecocídio no Pantanal: Incêndios florestais no Brasil mataram cerca de 17 milhões de animais

fogo pantanalCientistas visitaram uma área do Pantanal 48 horas após um incêndio

Por Victoria Gill,  correspondente de Ciências, BBC News

Em meio à desolação de 2020, os cientistas no Brasil concluíram um estudo de conservação particularmente sombrio – tentando contar os animais mortos por enormes incêndios florestais no Pantanal.

Eles estimam que até 17 milhões de vertebrados – incluindo répteis, pássaros e primatas – morreram.

Os incêndios florestais ocorreram entre janeiro e novembro, destruindo 30% da maior área úmida tropical do mundo.

Esta estimativa de perda está publicada na revista Scientific Reports .

O Pantanal é a maior área úmida do planeta localizada no Brasil, Bolívia e Paraguai

O Pantanal é a maior área úmida do planeta localizada no Brasil, Bolívia e Paraguai.FONTE DA IMAGEM,AFP

A Dra. Mariana Napolitano Ferreira, chefe de ciência do WWF-Brasil, explicou que houve 22 mil incêndios separados registrados naquele ano.

Esta nova pesquisa destaca, dizem os pesquisadores, a importância de prevenir tais desastres no futuro.

Contagem de corpos

O Pantanal queima naturalmente, mas os incêndios florestais de 2020 foram “apocalípticos”, de acordo com o Dr. Alex Lees, um ecologista da Universidade Metropolitana de Manchester que trabalhou extensivamente no Brasil Central, incluindo no Pantanal. 

Eles eram “muito diferentes” daqueles que a região normalmente experimenta e do ciclo típico de queima e recuperação, explicou o Dr. Lees.

“Esses incêndios eram incomuns por causa de sua escala e estavam claramente ligados à megasseca que [a área] estava passando naquela época.

“O Pantanal não pode continuar queimando tanto ano após ano – a biodiversidade não pode se recuperar disso.”

Cervos do brejo que sobreviveram aos incêndios florestaisCervos do brejo que sobreviveram aos incêndios florestais. FONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBIO

O próprio estudo foi baseado em um exercício de contagem de corpos.

Os cientistas conseguiram alcançar áreas do pântano em 48 horas após um incêndio. Eles caminharam por trechos em intervalos definidos e examinaram todos os animais mortos que encontraram.

A equipe conseguiu identificar as espécies de 300 animais que encontraram. Eles então extrapolaram a partir da área que examinaram para dar uma estimativa de quantos animais foram mortos no total. 

Pesquisador coletando um animal morto.  CréditoFONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBIO

O Dr. Walfrido Moraes Tomas, ecologista do instituto de pesquisas Embrapa Pantanal, em Brasília, conduziu o estudo. Ele disse à BBC que ele e sua equipe “não ficaram surpresos com os números”, dada a vasta escala geográfica do desastre.

O que o surpreendeu, disse ele, foi como certos grupos de espécies foram mais impactados do que outros.

“O número extremamente alto de cobras mortas nos faz pensar sobre os efeitos em cascata”, explicou ele. “As cobras são geralmente predadores em pequenos mamíferos, rãs. Esse impacto pode resultar em um desequilíbrio inimaginável no ecossistema.”

O maior roedor do mundo, a capivara, é nativa do PantanalO maior roedor do mundo, a capivara, é nativa do PantanalFONTE DA IMAGEM,CHESTER ZOO

O Dr. Ferreira, do WWF Brasil, explicou que a pesquisa de campo ainda está em andamento. “O impacto imediato foi muito chocante”, disse ela à BBC News. “Mas também precisamos entender como o ecossistema se recupera semanas, meses e anos após os incêndios.”

Uma consequência da mudança climática

Os pesquisadores apontaram que incêndios florestais mais frequentes estão “entre as consequências mais visíveis das mudanças climáticas induzidas pelo homem”.

Visão geral do Pantanal após o incêndio.  Observe a fumaça cobrindo a região de entrada

Vista aérea mostra um trecho do Pantanal após o incêndio. FONTE DA IMAGEM,CENAP-ICMBI

Porém, por mais sombria que seja a conclusão deste estudo, colocar um número robusto na escala deste desastre, de acordo com o Dr. Tomas, poderia impulsionar os esforços para desenvolver “estratégias e políticas adequadas de gestão de incêndios” na região.

Outros cientistas levantaram preocupações sobre a precisão da estimativa neste estudo. Há uma grande margem de erro na extrapolação das poucas centenas de corpos que a equipe contou para o número total de animais perdidos. 

“Eles estão extrapolando em uma área enorme da maior área úmida do mundo, então [o cálculo] é um pouco grosseiro”, explicou o Dr. Lees. 

“Mas não me surpreenderia se essa estimativa for de um estádio – poderia ser mais. Haverá centenas de milhões de criaturas vivendo lá.” 

O Dr. Ferreira descreveu o desastre no Pantanal como “uma mensagem” para a humanidade.

“Isso nos mostra que a natureza está sofrendo, mas também estamos sofrendo – de falta de água potável e de comida”, disse ela. “Precisamos mudar a maneira como interagimos com a natureza se quisermos que as gerações futuras vivam neste mundo.”

O tamanduá-bandeira é uma das milhares de espécies do Pantanal
O tamanduá-bandeira é uma das milhares de espécies do Pantanal. FONTE DA IMAGEM,PA MEDIA 

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Este texto foi escrito inicialmente em inglês e publicado pela BBC News [Aqui! ].