
Periquito-rico se alimenta de coquinho de jerivá no campus da USP. Foto: José Carlos Motta Junior

Uma pesquisa realizada no campus da Universidade de São Paulo (USP) acompanhou durante três anos a dieta de psitacídeos (aves da família dos papagaios, araras e periquitos) em vida livre e trouxe informações inéditas sobre como eles estão se adaptando ao ambiente urbano. O artigo com os resultados será publicado em breve na Revista do Instituto Florestal.
A escolha do campus da USP não foi por acaso: trata-se de uma área extensa e heterogênea, que reúne desde prédios e estacionamentos até jardins arborizados e bordas de Mata Atlântica, funcionando como um verdadeiro laboratório vivo para estudar a biodiversidade em cidades. O levantamento registrou 2.929 eventos alimentares, envolvendo principalmente três espécies: periquito-rico (Brotogeris tirica), maracanã-pequena (Diopsittaca nobilis) e papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva).
A motivação para o estudo surgiu da grande incidência de psitacídeos observada no campus e da constatação de que havia pouca produção científica sobre sua alimentação em áreas urbanas. “Notamos que a maioria dos trabalhos era realizada em ambientes naturais. Ao registrar essas aves no campus da USP, buscamos compreender como elas estão se adaptando a um cenário bastante modificado”, explica o professor doutor sênior José Carlos Motta-Junior, mestre em Zoologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e doutor em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).
Um dos principais diferenciais do trabalho é o uso exclusivo de fotografias (e eventualmente vídeos) para registrar os hábitos alimentares. Essa metodologia, pouco explorada até mesmo em nível mundial, trouxe mais precisão aos resultados. “Ao fotografar, conseguimos analisar depois no computador e confirmar o que estava sendo consumido. Por exemplo, em alguns casos o que parecia ser extração de néctar numa primeira impressão, ao ampliar as imagens, se revelava consumo de pólen. Se dependêssemos apenas da observação direta, poderíamos registrar de forma incorreta”, comenta o pesquisador.
O levantamento identificou 83 itens alimentares, sendo 79 espécies de plantas, a maioria arbóreas. Na cidade, a dieta dos periquitos, maracanãs e papagaios se baseia em grande parte nos coquinhos do jerivá, no araçá-roxo e nas sementes da paineira. Aproximadamente 60% das plantas consumidas eram nativas, fornecendo sementes, frutos e flores, enquanto cerca de 40% eram exóticas. Essa diversidade demonstra a flexibilidade alimentar das aves, fundamental para sua permanência em áreas modificadas. “Esse jogo de cintura permite que não apenas sobrevivam, mas também se reproduzam localmente, sem necessidade de migração”, acrescenta Motta-Junior.
Apesar do grande número de registros, o estudo reconhece algumas limitações, uma vez que, muitas vezes, as aves permanecem escondidas e em silêncio nas copas das árvores, dificultando a observação. Mesmo assim, a amostragem foi considerada robusta, representando a heterogeneidade do campus, que vai de áreas com forte intervenção humana até bordas de Mata Atlântica. Outro aspecto interessante é a mudança das estações do ano (sazonalidade), com maior consumo de flores em períodos secos, mostrando a adaptação às variações na disponibilidade de alimento.
A pesquisa também se destacou por não depender de financiamento externo. Os equipamentos utilizados já estavam disponíveis e a própria dinâmica de coleta não exigiu recursos adicionais. Para o pesquisador, a colaboração de estudantes de graduação da USP foi essencial no processo de coleta e análise dos dados, resultando em um trabalho coletivo de grande impacto.
Além de ampliar o conhecimento sobre a dieta dessas aves, o estudo oferece subsídios importantes para o manejo das áreas verdes urbanas. A predominância do consumo de plantas nativas reforça a importância de priorizar essas espécies em projetos de arborização. “É fundamental valorizar a flora nativa, mas sem excluir totalmente algumas exóticas, especialmente as que fornecem alimento em épocas de escassez e que não apresentam risco de invasão”, afirma Motta-Junior.
Para o especialista, os resultados também têm um papel educativo e de sensibilização. “Há um ditado que diz: conhecer é preservar. Ao divulgar dados básicos de ecologia e história natural, aproximamos a população da biodiversidade que ainda existe nas cidades, tornando mais pessoas conscientes e dispostas a valorizar essa riqueza”, destaca.
Os próximos passos da pesquisa incluem a continuidade do monitoramento para ampliar a lista de itens alimentares registrados e o aprofundamento em estudos sobre interações ecológicas, como polinização e dispersão de sementes. Também está em andamento a produção de um fotolivro digital gratuito sobre os psitacídeos do campus e a sua relação com as plantas, a ser disponibilizado futuramente no Portal de Livros Abertos da USP.
Fonte: Agência Bori






Sem mais fábricas de animais! Foto: dpa / Stefan Sauer

