‘PL do Veneno coloca em risco Direitos Humanos e meio ambiente’, avalia relator da ONU

Senado realiza audiência pública para debater projeto que tenta flexibilizar regras sobre agrotóxicos; especialistas temem que ele seja votado ainda este ano

pacote do veneno

Hélen Freitas | Agência Pública/Repórter Brasil

Os Direitos Humanos no Brasil e a proteção do meio ambiente correm risco com a aprovação do PL do Veneno, é o que avalia Marcos A. Orellana, relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) para tóxicos e direitos humanos. Nesta manhã (22), o Senado realiza uma audiência pública sobre o projeto de lei que flexibiliza as regras para avaliação e uso de agrotóxicos no país.

Apesar de a audiência ser um pedido da sociedade civil e de parlamentares que se opõem à aprovação do PL, ela também é um motivo de preocupação. “O PL pode ser votado a qualquer momento, inclusive logo após o debate”, afirma o assessor de advocacy da FIAN Brasil, Pedro Vasconcelos.

O projeto de lei não tem seguido os trâmites normais do Congresso. Após anos parado, em fevereiro o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), o colocou em votação a toque de caixa – foram 301 votos a favor e 150 contra. Assim que chegou ao Senado, as manobras continuaram. O presidente da Casa encaminhou o PL apenas para apreciação da Comissão de Agricultura, um espaço dominado pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista – que apoia a flexibilização dos agrotóxicos no país. Normalmente, os projetos de lei tramitam em pelo menos três comissões.

‘O alto uso de  agrotóxicos no Brasil resulta em pessoas adoecendo’, lamenta Marcos Orellana, relator especial da ONU para tóxicos e direitos humanos

“O fato de esse projeto de lei estar sendo discutido apenas na comissão agropecuária do Senado é motivo de preocupação, porque os pesticidas não são apenas para o cultivo, eles também geram impactos na saúde, no meio ambiente e definitivamente dizem respeito ao gozo dos Direitos Humanos”. O relator da ONU complementa dizendo, que para ter um debate mais rico, é preciso que outras comissões, como a de meio ambiente, direitos humanos e assuntos sociais, também façam parte dessa discussão.

Orellana é um dos convidados a participar da audiência pública no Senado. Além dele, estarão presentes o diretor do Departamento de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas do Ministério da Agricultura, Carlos Goulart, e a gerente de monitoramento e avaliação do risco da Anvisa, Adriana Pottier. O Ibama, que também será afetado pela aprovação do PL, decidiu não participar do debate. O órgão não respondeu às perguntas enviadas pela Repórter Brasil sobre o motivo de sua ausência.

O relator da ONU avalia que a audiência será uma ótima oportunidade para apresentar o posicionamento do órgão internacional sobre a aprovação do PL do Veneno. Em junho, diversos especialistas escreveram uma carta ao Senado pedindo para que o projeto de lei seja rejeitado por apresentar um retrocesso para o Brasil. “Em vez de retroceder nas proteções existentes, o Brasil deveria fortalecer sua legislação para proteger os direitos humanos e o meio ambiente”, pontua Orellana.

Novo governo

Não é apenas o encerramento do ano legislativo que preocupa a bancada ruralista, mas também o fim do governo Bolsonaro. Durante os seus quase 4 anos de gestão, foram registrados 1.801 agrotóxicos no país, um número recorde. A maior parte é produzida na China, cerca de 50% têm ingredientes ativos proibidos na União Europeia e a maioria dos produtos são usados em plantações de soja, milho, cana-de-açúcar e algodão.

“O alto uso de pesticidas no Brasil resulta em pessoas adoecendo, perdendo suas vidas, na retirada de povos indígenas de suas terras e em uma série de violações de direitos humanos que exigem uma mudança de direção que torne os padrões mais fortes, e não mais fracos”, afirma o relator da ONU.

Apesar da pressa para aprovação na Comissão de Agricultura, o debate não está ganho, segundo o assessor da FIAN Brasil. De acordo com ele, ainda é uma incógnita como o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG) irá se posicionar e se colocará o projeto em votação na Casa. “Pacheco não faz parte da bancada FPA, apesar de ter atendido até agora as demandas do grupo, então acho que vai ter um outro campo de disputa política e que com certeza vai envolver diretamente atores da equipe de transição”.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem realizado diversos discursos em que se propõe a ter um olhar mais voltado ao meio ambiente. Na COP27 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), o presidente chegou a afirmar que o país estará mais aberto para discutir as questões ambientais, reatar laços internacionais e combater a fome.

“Quando a gente ouve o presidente eleito Lula falando na conferência sobre mudanças climáticas que o Brasil está de volta, em relação à proteção ambiental, é minha sincera esperança que esse compromisso com as lideranças ambientais não seja apenas em relação às mudanças climáticas e ao desmatamento, mas em respeito à crise tóxica que o planeta enfrenta e à perda da biodiversidade”, comenta esperançoso Orellana.

O relator afirma que independentemente do resultado sobre o PL do Veneno, ele e os outros relatores especiais da ONU vão continuar denunciando e monitorando a situação dos agrotóxicos no Brasil. “O planeta enfrenta uma tripla crise de mudança climática, perda de biodiversidade e poluição tóxica que precisa ser abordada em soluções integradas.


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Este texto foi originalmente publicado pelo site “Por trás do Alimento” [Aqui!].

Senado Federal debate em audiência riscos do “Pacote do veneno”

Em audiências na Câmara, pesquisadores e representantes da ONU já haviam recomendado rejeição ao projeto

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Ativistas do Greenpeace foram até o Congresso Nacional manifestar a voz de dois milhões de brasileiros que já disseram: CHEGA DE AGROTÓXICOS! © Bárbara Cruz / Greenpeace

Brasília, 21 de novembro de 2022 – Amanhã, terça-feira (22), o texto do “Pacote do Veneno” (PL 1.459/2022) será debatido em audiência no Senado Federal e contará com a presença do relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para resíduos tóxicos e direitos humanos, Marcos A. Orellana. Apesar dos graves riscos socioambientais já alertados por cientistas e especialistas, o projeto está tramitando apenas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), de maioria ruralista, sem previsão de passar pela Comissão de Meio Ambiente (CMA) ou de Assuntos Sociais (CAS). O PL é de relatoria do senador e presidente da CRA, Acir Gurgacz (PDT/RO). 

“As pessoas precisam de comida no prato e compromissos firmes para conter o desmatamento e os impactos das mudanças climáticas, e isso só será alcançado com menos veneno e uma mudança no atual modelo de produção de alimentos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, precisa se lembrar do compromisso que assumiu com a sociedade durante o Ato pela Terra de garantir o debate devido a este tema. Depois de tantas alterações na Câmara dos Deputados, é indispensável que este projeto passe pelas comissões que de fato têm condições de avaliar o que mais nos interessa: seus prejuízos para o meio ambiente e para a saúde.” declara Marina Lacôrte, porta-voz de Agricultura e Alimentação do Greenpeace Brasil.

Para Karen Friedrich, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o PL apresenta diferentes dispositivos que vão impactar negativamente a saúde das pessoas e a biodiversidade. “O PL retira a Anvisa e o Ibama de várias etapas dos processos regulatórios e dá mais chances para que produtos cancerígenos e que causam problemas hormonais e reprodutivos, sejam registrados no país.”

O Pacote do Veneno visa revogar a atual lei de agrotóxicos e alterar uma série de medidas importantes na regulação destas substâncias, como a transferência de todo o poder decisório sobre liberação de um produto para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), tornando praticamente consultivas partes fundamentais do processo de avaliação e aprovação, como a Anvisa e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), órgãos responsáveis pelos aspectos da saúde e do meio ambiente.

O Projeto de Lei 1.459/2022 (que tramitava como PL 6299/2002 na Câmara dos Deputados) foi aprovado na Comissão Especial da Câmara em 2018, sob relatoria do Dep. Luiz Nishimori e pela presidência da Comissão da então Dep. Tereza Cristina (atual Ministra da Agricultura), mesmo sob intensa pressão da sociedade, a exemplo das quase 2 milhões de pessoas e diversas organizações públicas (como a Fiocruz, Abrasco, Inca, Ibama) e mais de 320 organizações da sociedade civil que se posicionaram contra o projeto. Ele é de autoria do ex-senador Blairo Maggi e há forte interesse de que seja votado e aprovado na Comissão de Reforma Agrária e Agricultura, ficando pronto para ir ao plenário da casa.
 

Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil – Um raio X dos 9 estados da região entre 2018-2022

Gui Amazonia

Por Sinal de Fumaça – Monitor Socioambiental

Às vésperas das Eleições 2022, o monitor Sinal de Fumaça lança o Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil – Um raio X dos 9 estados da região entre 2018-2022, uma produção independente baseada no levantamento dos principais acontecimentos da pauta socioambiental nos quatro anos de gestão Bolsonaro em cada um dos nove estados que compõem a região. 

O material foi construído a partir de um processo de escuta ativa feito entre maio e julho de 2022 com a coleta de 19 depoimentos de pessoas atuantes nos territórios compreendidos pela publicação. Foram ouvidos comunicadores, pesquisadores, lideranças indígenas e comunitárias e ativistas. Os relatos direcionaram a pesquisa e resultaram em um material qualificado e abrangente sobre a região que ocupa quase 60% do território nacional, corroborado pelos melhores dados técnicos disponíveis. 

O Guia apresenta um panorama geral do que é a Amazônia Legal, contextualizando o leitor com informações geográficas, socioambientais e com os principais vetores de destruição florestal e violência. Traz uma curadoria de dados produzidos por institutos científicos e organizações da sociedade civil amazônida e o levantamento de casos emblemáticos, mortes violentas e indicadores da crescente ameaça sofrida pelos povos originários nessas áreas. 

<<Clique aqui para ler o Guia Amazônia Legal e o Futuro do Brasil – Um raio X dos 9 estados da região entre 2018-2022>>

Em outra ponta, a publicação revela a movimentação do Congresso Nacional nesse cenário de disputa de terras e recursos ambientais, destacando quatro projetos de leiem tramitação nas casas federais e o comportamento dos governos estaduais e das respectivas bancadas parlamentares diante do chamado Pacote de Destruição,uma série de propostas legislativas que altera profundamente a gestão do uso de terra no país. O Guia resgata ainda linhas do tempo estaduais, com os principais acontecimentos monitorados pelo Sinal de Fumaça ao longo dos últimos quatro anos e mapeia as principais fake news e campanhas de desinformação impulsionadas em cada localidade. Por fim, destaca pontos de atenção e projetos de alto impacto para as populações e a biodiversidade de cada estado que continuarão tramitando e sendo alvo de barganhas políticas após as eleições. 

“Produzimos o Guia como mais uma ferramenta para informar a cobertura jornalística e colocar o debate público sobre a Amazônia Legal como pauta central para o país antes, durante e após as eleições de outubro”, explica Rebeca Lerer, autora e coordenadora do Sinal de Fumaça. “Priorizamos as narrativas coletadas junto a pessoas que vivem e atuam em cada estado porque sem escutá-las não enfrentaremos de fato o racismo ambiental e a crise climática — dois desafios inadiáveis para o Brasil. O Guia é nossa pequena contribuição para que as pessoas interessadas possam conhecer e compreender melhor as múltiplas ameaças e potências das diferentes partes da Amazônia”, conclui. 

O que você vai encontrar no guia:

A Amazônia e aqueles que lutam pela defesa da floresta têm sofrido sucessivos ataques, mas nunca, desde a redemocratização, de forma tão sistematicamente violenta como durante a gestão de Jair Bolsonaro. De maneira articulada, a desestruturação da governança socioambiental no país foi feita por meio de reformas infralegais, aparelhamento das instituições civis de fiscalização como a Funai e o Ibama e transferência da responsabilidade pelo controle do desmatamento às Forças Armadas via edição de seguidos decretos de Garantia de Lei e Ordem. Para distrair e encobrir a ‘boiada’, criou-se uma sofisticada cortina de fumaça patrocinada pelo próprio governo federal e por ruralistas, um tsunami de fake news para criminalizar movimentos sociais e mascarar decisões que comprometem mais de três décadas de políticas públicas de combate ao desmatamento e avanços na legislação sobre o uso da terra no país. 

Amazônia Legal: um panorama

A região amazônica brasileira é organizada em dois principais territórios geográficos: o bioma Amazônia e a Amazônia Legal, que inclui toda a área do bioma, além de parte dos biomas Cerrado e Pantanal. Fazem parte da Amazônia Legal os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do estado do Maranhão. Essa área corresponde a 58,9% do território brasileiro e quase 16% da região foi atingida pelo desmatamento até o ano de 2020. Entre 2020 e 2021, houve um aumento do desmatamento de 21,97% e, em junho de 2022, a área sofreu a maior devastação já vista nos últimos 15 anos, com uma derrubada equivalente a dois mil campos de futebol em apenas 151 dias. A Amazônia Legal apresenta ainda sérios problemas de segurança e violência nas áreas rurais com 10 das 30 cidades mais violentas do país, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). 

Desmonte ambiental

Nos últimos quatro anos, a explosão dos índices de desmatamento e as queimadas históricas, além do incentivo político à grilagem, ao garimpo e outras atividades criminosas na floresta, trouxeram consequências letais para povos indígenas, ambientalistas, ativistas e defensores da luta pela terra. Esses fatos não são casos isolados  e fazem parte de um projeto de governo. As medidas que compõem o chamadoPacote da Destruição ganharam força com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, ambos aliados do presidente Jair Bolsonaro, na presidência da Câmara dos Deputados e do Senado, respectivamente.  

Dada a relevância política da Bancada Amazônica no legislativo federal e em seus domicílios eleitorais, o Guia lista, estado por estado, como os deputados federais e senadores eleitos para a Legislatura 2018-2022 votaram em quatro projetos-chaves do Pacote da Destruição de Bolsonaro: 

– PL 2633/2020 – Grilagem: ameaça 19,6 milhões de hectares de áreas federais.

– PL 3729/2004 – Licenciamento ambiental: obras dispensadas de licença geram insegurança jurídica e impactam comunidades que não participam do processo.

– PL 490/2007 – Demarcação de Terras Indígenas (TI): ameaça aos direitos indígenas por meio da incorporação do Marco Temporal e brecha para a exploração predatória nos territórios. 

– PL 191/2020 – Mineração em Terras Indígenas: descumpre as normas e os compromissos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Orçamento secreto

Em 2021, foi denunciado um esquema do Poder Executivo para a aprovação de emendas parlamentares ou de relator para a distribuição de verbas públicas e apoio a projetos de interesse do governo. O valor da verba provém de um acordo sigiloso e da articulação política entre governo e Congresso e, apesar de previsto no Orçamento Geral da União, não há registro do valor exato destinado a cada emenda liberada e muitas vezes os nomes dos parlamentares que indicaram a destinação da verba também são ocultados. No ano passado, o PLN 19/2021/PLOA 2022 destinou R$ 16,2 bilhões para as emendas de relator. Sem clareza nos critérios de divisão desse dinheiro e de acordo com informações veiculadas pela imprensa, durante a gestão Bolsonaro, parlamentares da base aliada do governo na Câmara dos Deputados têm sido favorecidos. 

Vetores de desmatamento

 As principais práticas que contribuem para o desmatamento das áreas de floresta e vegetação nativa na Amazônia Legal podem ser classificadas em quatro grandes vetores: grilagem, que consiste em invasão, roubo e posse de terras públicas para o lucro com o uso ou a venda ilegal da terra — a estimativa é que hoje exista uma área de 16 milhões de hectares fruto da atividade ilegal —, extração ilegal de madeira nativa ou corte sem autorização, avanço da fronteira agropecuária e expansão da mineração e dos garimpos ilegais, com concentração de 93,7% dos garimpos do país na Amazônia Legal.  

Destaques por estado da Amazônia Legal

Acre

No cenário político, dos oito deputados federais que representam o estado, 52,3% votaram favoravelmente aos quatro projetos de lei do Pacote da Destruição analisados no Guia; 62,5% dos deputados e dois dos três senadores fazem parte da bancada ruralista no Congresso. 

Um ponto de atenção no estado é a tramitação do PL 6024/2019 de autoria da deputada federal Mara Rocha (PSDB/AC), que propõe a redução da Reserva Extrativista Chico Mendes — entregando as terras para especulação fundiária — e a extinção do Parque Nacional Serra do Divisor, transformando-o em Área de Proteção Ambiental, com regras mais flexíveis. A mudança na unidade de conservação visa permitir a construção da Estrada do Pacífico para ligar Cruzeiro do Sul (AC) a Pucallpa (Peru). O projeto da rodovia ameaça diretamente as comunidades indígenas TIs Nukini e Nawa, que vivem no entorno do Parque Nacional da Serra do Divisor. Já o povo Ashaninka e 30 comunidades que também habitam a zona de fronteira estão ameaçados pela reabertura ilegal de outra rodovia, a Estrada Nueva Italia – Puerto Breu (UC-105), no Peru. Além da crise na fronteira, desde 2018 o desmatamento no estado é ascendente. A grilagem e o desmatamento avançam na área cobiçada pelo agronegócio conhecida como Amacro, localizada entre o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia.

Amapá

O estado possui oito deputados federais eleitos. Nas votações que compreendem os  projetos de lei do Pacote da Destruição, 62,5% dos votos destes deputados foram favoráveis e 25% dos parlamentares estão alinhados à Bancada Ruralista. Dos três senadores, dois fazem parte dessa bancada. 

O Guia destaca como principal emergência indígena as áreas do Oiapoque e do Tumucumaque, onde há registro de contaminação dos rios e peixes por mercúrio usado no garimpo ilegal, ameaça que provoca insegurança alimentar e impactos na saúde das comunidades indígenas da região. O monitor Sinal de Fumaça elencou três acontecimentos importantes para o estado no período analisado: o assassinato do líder indígena Emyra Waiãpi por garimpeiros em julho de 2019, fato que foi questionado pelo presidente Jair Bolsonaro; o avanço de garimpeiros nas terras indígenas durante a pandemia e o apagão que afetou diretamente comunidades mais vulneráveis como as quilombolas em novembro de 2020.

Amazonas

No estado do Amazonas, o cenário político se mostrou ainda mais inclinado ao Pacote de Destruição proposto pelo governo Bolsonaro, com 83,3% dos votos dos oito deputados na Câmara favoráveis aos projetos de lei e 50% deles integrando a bancada ruralista. No Senado, os três representantes estaduais pertencem à FPA. 

O Guia aponta como uma das principais amostras do esforço federal para a passagem da boiada no estado, a obra de asfaltamento do Trecho do Meio da rodovia BR-319, qualificada pelo Ministério da Economia do governo Bolsonaro para seguir adiante, mas que enfrenta problemas no licenciamento ambiental e é contestada na justiça. A finalização da rodovia ameaça 63 terras indígenas onde vivem 18 povos, incluindo isolados. A perspectiva da pavimentação da BR-319 está ligada ao forte aumento do desmatamento e da grilagem de terras no sul do estado, que vem batendo sucessivos recordes, e ao interesse do agronegócio na região conhecida como Amacro.  

No eixo do rio Madeira, nos últimos anos também há registro de expansão do garimpo ilegal nos municípios de Borba, Nova Olinda do Norte, Novo Aripuanã e Autazes. Como emergência indígena, o Guia aponta a região da TI Vale do Javari. Os assassinatos dos aliados Bruno, Dom e Maxciel mostraram ao mundo a realidade dos 26 povos indígenas que vivem no Vale, região bastante pressionada por exploradores de recursos naturais e que têm sofrido ataques crescentes desde a eleição de Jair Bolsonaro. 

Maranhão

No cenário político, o estado do Maranhão possui 18 deputados federais e três senadores, sendo que 72,25% dos votos dos deputados maranhenses na Câmara  foram favoráveis aos PLs do Pacote da Destruição; e 50% deles integram a Bancada Ruralista. Dos senadores, dois fazem parte da bancada. 

A passagem da boiada no estado é exemplificada pela tramitação do projeto de lei complementar 246/2020, que institui o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba, medida que deve massificar as investidas do agronegócio contra o território. A região chamada de Matopiba, composta por partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, concentrou mais de 61% de todo o desmatamento no bioma Cerrado entre 2020 e 2021. No Matopiba, o Maranhão é o estado que possui a maior área desmatada (2.281 km²). 

A ampliação da base aeroespacial do Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA) é apontada pelo Guia como emergência quilombola. Em parceria com os EUA, a obra pode implicar a remoção forçada de 30 quilombos, afetando cerca de 2 mil pessoas na região. No monitoramento realizado pelo Sinal de Fumaça dos principais acontecimentos socioambientais desde a eleição de Jair Bolsonaro, destacam-se os assassinatos dos indígenas Paulino Guajajara em novembro de 2019 e de Laércio Guajajara em dezembro do mesmo ano. Relatos indicam que eles sofriam ameaças de morte de madeireiros da região. Em janeiro de 2020, Firmino Silvino Guajajara e Raimundo Bernice Guajajara, indígenas da mesma etnia de Paulino, foram mortos em um atentado a tiros no município de Jenipapo dos Vieiras (MA). 

Mato Grosso

No estado do Mato Grosso, os oito parlamentares que o representam na Câmara dos Deputados votaram favoravelmente nos projetos de lei do Pacote da Destruição em 76% das votações. Do total, 87,5% se alinharam aos interesses da Bancada Ruralista no Congresso, e dois dos três senadores da Casa fazem parte da bancada. 

O projeto de Lei 337/2022, que está em tramitação, exclui formalmente o Mato Grosso da área da Amazônia Legal. Com isso, o estado pode alterar a aplicação do Código Florestal e ampliar a área a ser desmatada “legalmente” em cada propriedade. O estado é o maior produtor e exportador de soja do país, com mais de 10 milhões de hectares de área cultivada com o grão, e dono do maior rebanho bovino da Amazônia Legal, com 32 milhões de cabeças de gado, além de ser líder nacional na produção de madeira nativa. Outro ponto de atenção é o desmatamento acumulado de 139.504 km² no estado, o equivalente a 58% do total para os biomas Cerrado e Pantanal em 2020. Os índices de desmatamento se refletem na emergência indígena. As TIs Batelão e Enawenê-Nawê aparecem na lista entre as 10 terras indígenas mais ameaçadas pelo desmatamento no país no primeiro trimestre de 2022. A TI Piripkura sofre com atrasos no processo de demarcação e avanço da grilagem e de queimadas criminosas. 

Pará

No cenário político, o estado é representado por 17 deputados federais e três senadores, sendo que 47,5% dos deputados e dois dos três senadores fazem parte da bancada ruralista. Os 17 deputados paraenses votaram a favor dos PLs do Pacote da Destruição do governo Bolsonaro, em 54% das votações na Câmara. 

O Pará é o estado mais desmatado da Amazônia Legal, líder do ranking há 16 anos. Mesmo assim, tem PIB per capita de apenas R$ 19 mil por habitante, pouco mais da metade do valor nacional (R$ 33,6 mil). O estado também acumula o status de maior produtor mineral do país, sendo responsável por mais de 94% das exportações de minérios da região, com o minério de ferro representando US$ 14,34 bilhões e o de ouro, US$ 424 milhões. 

 Sobre a passagem da boiada, o Guia destaca o projeto de decreto legislativo 508/2019 apoiado por um grande grupo de senadores, que propõe um plebiscito pela criação do estado do Tapajós, o que dividiria o Pará, seus moradores e seus recursos naturais. E ainda o Termo de Compromisso Ambiental entre a Norte Energia e o Ibama/ UHE Belo Monte, um acordo firmado entre as partes para aumentar o nível do reservatório da usina restringindo o volume de água do rio Xingu, medida que inviabilizaria a pesca de subsistência de comunidades indígenas e urbanas e ameaça também 80% das plantas e dos peixes da região.

Como pontos de atenção, a publicação elege a rodovia BR-163, palco do Dia do Fogo em 2019, e onde o desmatamento no entorno aumentou 359% em 2020. O trecho de Sinop (MT) – Miritituba (PA) foi leiloado pelo governo federal em 2021, sem uma consulta aos povos diretamente impactados pela obra, como os Kayapó e os Panará. O avanço da destruição florestal no Xingu também é considerado um ponto crítico da região. 

As emergências indígenas mais importantes estão nas comunidades dos Munduruku, onde seis entre cada dez indígenas apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima dos limites seguros. O garimpo na região cresceu mais de 269% no território Munduruku, de acordo com um levantamento feito entre janeiro de 2019 e maio de 2021. Na terra indígena Ituna-Itatá, 84,5% do desmatamento registrado ocorreu apenas entre os anos de 2019 e 2021. A localização da terra indígena também traz preocupação, já que ela se encontra na entrada para um complexo de 24 milhões de hectares de florestas protegidas pelo Mosaico da Terra do Meio, entre o Xingu e o Tapajós. 

Aqui, o monitor socioambiental Sinal de Fumaça destaca dois eventos relevantes para o território: o ataque a tiros realizado por garimpeiros contra uma equipe do Ibama durante uma ação de fiscalização em agosto de 2019, na TI Ituna/ Itatá, e em abril de 2022, a revelação de um esquema de empresários ligados à mineração que doaram mais de R$ 400 mil para candidatos a vereanças e prefeituras da região do Tapajós, sudoeste do Pará, nas eleições de 2020. 

Rondônia

Em Rondônia, os oito parlamentares representantes do estado na Câmara foram favoráveis em 41% das votações do Pacote da Destruição, sendo metade dos deputados integrantes da Bancada Ruralista e dois dos três senadores. 

Como destaques da passagem da boiada em nível estadual, o Guia aponta a Lei Complementar de 1089/2021, aprovada em abril de 2021 pela Assembleia Legislativa, que reduz em quase 220 mil hectares a Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e o Parque Estadual Guajará-Mirim, regularizando a grilagem e o desmatamento ilegal para a criação de gado. Também tem destaque a Lei 5299/2022, que proíbe a destruição e inutilização de máquinas, veículos e outros itens apreendidos em ações contra o garimpo e crimes ambientais no estado.

O principal ponto de atenção é o avanço da grilagem e do desmatamento, entre o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia, na Amacro, área cobiçada pelo agronegócio. E a emergência indígena na região é a tensão vivida pelos povos do território Uru Eu Wau Wau, que estão sob crescente pressão de madeireiros e grileiros, ameaça que se agravou após o assassinato do guardião da floresta Ari Uru Eu Wau Wau numa emboscada em 2020. 

A linha do tempo do Sinal de Fumaça ressalta dois eventos importantes no estado de Rondônia durante o período analisado. As ameaças de morte e os bloqueios de ações de agentes do ICMBio em dezembro de 2018, com relatos dos agressores e invasores de terra confiantes na atuação do governo Bolsonaro e na regularização da grilagem de terras; e o assassinato de Ilma Rodrigues dos Santos e seu marido, Edson Lima Rodrigues, membros da Liga dos Camponeses Pobres (LCP) e residentes do Acampamento Thiago dos Santos no Distrito de Abunã, em fevereiro de 2022. 

Roraima

O estado possui oito deputados na Câmara, que votaram a favor do Pacote da Destruição em 74,8% das votações sobre o tema.  

O Guia destaca como principal esforço do governo para a passagem da boiada a aprovação da Lei 1.701/2022, sob contestação na justiça. A lei proíbe os órgãos de fiscalização e a Polícia Militar de destruir bens particulares apreendidos em operações de combate ao crime ambiental. 

O governo estadual de Roraima ainda tentou emplacar, sem sucesso, a Lei Estadual 1.453/2021 sancionada pelo governador Antonio Denarium em fevereiro de 2021, que previa a retirada da ilegalidade das atividades de garimpo de todos os tipos de minério no estado. A lei foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal por seu caráter inconstitucional e potencial ameaça ao meio ambiente. 

Sobre a emergência indígena o Guia destaca a situação do território Yanomami, duramente impactado pelo garimpo ilegal, pelo desmatamento e pela destruição dos rios. A  invasão de garimpeiros no local acarretou explosão nos casos de malária e outras doenças e um recrudescimento assustador da violência contra os indígenas que habitam a TI. O aumento dos conflitos contra os Yanomami pode ser exemplificado com  alguns casos emblemáticos. Dentre eles destacam-se: o assassinato de dois jovens Yanomami na região do rio Parima, em julho de 2020; um ataque contra pessas da comunidade de Helepe que resultou em um indígena gravemente ferido e na morte de um garimpeiro em fevereiro de 2021; mais recentemente, em abril deste ano, o caso de uma menina de 12 anos estuprada até a morte, e de uma criança que foi jogada no rio durante um ataque registrado por garimpeiros contra a comunidade Aracaçá, região de Waikás. Sinais da barbárie vêm se intensificando na região com o aval do Estado.  

Tocantins

Por fim, o estado do Tocantins é representado por oito deputados federais na Câmara, com 78,5% dos votos a favor dos PLs do Pacote da Destruição. Pouco mais da metade desses parlamentares, 62,5%, faz parte da Bancada Ruralista, incluindo os três senadores.

Como destaque da passagem da boiada na região, o Guia aponta o projeto de lei complementar 246/2020, que institui o Complexo Geoeconômico e Social do Matopiba, o que deve massificar as investidas do agronegócio contra o território. Mais uma vez a região do Matopiba é citada na publicação como ponto de atenção, com o estado do Tocantins no mapa do desmatamento, um total de 1.710,55 km² de área desmatada. 

E como emergência indígena, a área da Ilha do Bananal aparece como uma das mais destruídas entre as unidades de conservação do Cerrado sujeitas a grandes queimadas em 2020. O território abriga as comunidades indígenas Utaria Wyhyna/Iròdu Iràna, Inawebohona e o Parque do Araguaia. 

Para acessar o Guia completo clique aqui.


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Este texto foi originalmente publicado pela plataforma independente “Sinal de Fumaça – Monitor Socioambiental” [Aqui!].

Mais do que esperado: bancada ruralista tenta impedir o banimento do Carbendazim

bancada ruralista

Apesar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) ter adotado um processo faseado de banimento do fungicida Carbendazim, a bancada ruralista do congresso nacional que representa os interesses dos grandes fabricantes de agrotóxicos e do latifúndio agro-exportador resolveu agir para impedir que este perigoso produto, banido na União Europeia em funções dos seus danos à saúde humana, seja removido do mercado nacional de venenos agrícolas.

É que, segundo informa hoje o portal especializado Agrolink a bancada ruralista a proposta deum Decreto Legislativo (PDL 312/22) para impedir o banimento do Carbendazim até que haja um produto similar no mercado, alegando que “o perigo existente na utilização do agrotóxico“está na dosagem e na forma de manuseio”.

É preciso dizer que sta posição em relação ao Carbendazim é a mesma que foi adotada quando o herbicida Paraquat também foi banido pela Anvisa em função de sua alta periculosidade à saúde humana. Isso mostra que entre preservar a saúde de trabalhadores e consumidores dos produtos agrícolas produzidos no Brasil, a bancada ruralista pensa mesma apenas no lucro dos fabricantes de venenos e dos grandes barões do latifúndio agro-exportador brasileiro.

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Ainda segundo o Agrolink, o deputado José Mário Schreiner, membro da FPA e vice-presidente da CNA, que é o autor desse vergonhoso Projeto de Decreto Legislativo (PDL 312/22),  sustenta que a “não utilização do carbendazim afeta, de forma providencial o valor” dos itens básicos de alimentação, o que vai provocar mais inflação”. Há que se dizer que essa é apenas uma grosseira falsificação da realidade, pois já está demonstrado que a grande maioria dos agrotóxicos usados no Brasil (o Carbendazim incluso) não se destina à produção de alimentos, mas principalmente na produção de commodities agrícolas que são usadas, entre outras coisas, na produção de ração animal e biocombustíveis.

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Assim, há que se ficar atento à mais essa tentativa de impedir que um produto altamente perigoso para a saúde humana como o Carbendazim seja retirado do mercado de venenos agrícolas. E, mais uma vez, é por isso que eu sempre digo: o Agro não é pop, o Agro é tóxico.

Sob a batuta de Bolsonaro, Câmara dos Deputados deve aprovar o PL do Veneno que aumentará o legado tóxico imposto pelo agronegócio aos brasileiros

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A aprovação do Pacote do Veneno deverá ampliar o processo de contaminação por agrotóxicos, inclusive do leite materno que já ocorre nas áreas de maior uso dessas substâncias

Apesar da imensa tsunami de venenos agrícolas aprovados pelo governo Bolsonaro desde janeiro de 2019, a Câmara dos Deputados deverá aprovar hoje o primeiro componente do chamado “Combo da Destruição“, o Projeto de Lei 6299/2002 que é popularmente conhecido (e como muita justiça) como “Pacote do Veneno“.

A aprovação do “Pacote do Veneno” trará uma série de consequências drásticas para o processo de aprovação e comercialização de agrotóxicos no Brasil, incluindo a concentração total de poderes no Ministério da Agricultura e a possibilidade de produção e uso de compostos que sejam conhecidos como serem causadores de câncer. Haverá ainda a possibilidade de que determinados agrotóxicos sejam vendidos sem a necessidade do preenchimento do chamado “receituário agronômico“, o que para todos os fins impedirá que sejam conhecidos os volumes vendidos e os compradores de determinados compostos, o que aumentará o nível de descontrole em uma área extremamente sensível para o meio ambiente e a saúde humana.

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As razões para esse “passa boiada” nos mecanismos que controlam o uso, produção e comercialização de agrotóxicos estão ligadas principalmente às demandas do latifúndio agro-exportador que depende dessas substâncias para tocar seu modelo agrícola que só é precariamente viável se associado a um uso intenso de venenos e de sementes geneticamente modificadas.  Mas a passagem dessa boiada também interessa às grandes corporações multinacionais que vendem venenos agrícolas que estão proibidos em seus países-sede como é o caso das multinacionais alemãs Bayer e BASF. São os interesses dessas corporações que também explicam a volúpia com a qual se procura desmontar a legislação existente e impor uma versão mais frouxa e ainda mais pró fabricantes de venenos agrícolas.

Os custos ambientais e sociais da aprovação do Pacote do Veneno serão gigantescos

O Brasil ocupa hoje de forma sólida a posição de principal consumidor de agrotóxicos do planeta, incluindo dezenas de substâncias que já estão banidas em outros mercados por serem altamente tóxicos e trazerem graves consequências ambientais e para a saúde humana.  Os efeitos dessa dependência química do latifúndio agro-exportador já estão fartamente documentados na literatura científica (e cito como exemplo o livro mais recente da professora Larissa Bombardi com uma boa fonte de referência sobre os impactos dos agrotóxicos).

A virtual aprovação do Pacote do Veneno deverá aumentar não apenas o consumo de produtos altamente perigosos ( muitos deles fabricados por empresas europeias mas proibidos de uso na Comunidade Europeia), mas consequentemente o nível de contaminação ambiental e de doenças causadas pelo contato e o consumo de alimentos contendo resíduos desses agrotóxicos.

Sendo bastante objetivo, considero quase inevitável a aprovação do Pacote do Veneno dado o controle que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a bancada ruralista, tem no congresso nacional. Nos restará a obrigação de aumentarmos os esforços para informar sobre os graves riscos que estarão sendo criados pelo desmantelamento da legislação vigente.  Além disso, haverá que se ampliar as alianças com movimentos sociais e organizações não-governamentais que hoje atuam em nível global para enfrentar o lobby da indústria química e lutar por um modelo agroecológico que acabe com a dependência existente aos agrotóxicos.

Contra PL do Veneno, petição com mais de 42 mil assinaturas apoiada por ativistas e artistas será entregue a parlamentares na Virada Sustentável

 A campanha contra o uso de agrotóxicos na moda, #ModaSemVeneno terá encontro  dia 20 de setembro às 18h em transmissão ao vivo com parlamentares para pressionar contra o PL 6299/02. Presenças confirmadas  dos deputados Nilto Tatto, Paulo Pimenta e Talíria Petrone da Frente Parlamentar Ambientalista.

Em meio à pandemia do Coronavírus no Brasil, a bancada ruralista vê oportunidade de aprovar o PL 6299/02, conhecido como PL do Veneno. Proposto pela frente parlamentar formada por empresários do agronegócio, o PL impacta diretamente a vida da população, mas foi construído de forma unilateral, sem qualquer diálogo com a sociedade. Os principais argumentos em favor do PL já foram rebatidos por uma série de especialistas. A Anvisa, a Comissão de Direitos Humanos,a Abrasco,a Fiocruz e uma série de entidades já se posicionaram contra a aprovação do projeto.

A campanha #ModaSemVeneno, contra a aprovação do PL, foi lançada em abril lançaram em abril durante a Semana Fashion Revolution pela união das organizações Fashion Revolution Brasil, Instituto Modefica e Rio Ethical Fashion,  especialmente por entender que não estamos no momento para ter um debate amplo com a sociedade sobre as consequências da aprovação do projeto de lei e pela estreita relação da indústria têxtil e de confecção com o agronegócio brasileiro

A petição já ultrapassou  42 mil assinaturas na plataforma Change Brasil e será entregue a representantes da Frente Parlamentar Ambientalista durante transmissão ao vivo dentro da programação da Virada Sustentável de São Paulo, no canal do Youtube do Instituto Modefica, além de divulgação de vídeo manifesto de diversos ativistas como  Paulina Chamorro, Marina Silva e Marina Colerato. Nomes da moda como Dudu Bertonlini, Flávia Aranha,  Feh Simon, Day Molina, Jackson Araújo, Yamê Reis, Elo Artuso e artistas engajados através do movimento 342 Artes também endossam a campanha. A ação tem apoio da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida,bem como de organizações da indústria têxtil e de confecção, como CNTRVCut, além de organizações de base, como Marcha das Margaridas, e mídias ativistas como Mídia Ninja e Design Ativista.

O que o PL 6299/02 tem a ver com a moda?

O algodão é a quarta cultura que mais consome agrotóxicos, sendo responsável por aproximadamente 10% do volume total de pesticidas utilizado no país. Entre os agrotóxicos mais utilizados está o glifosato, que pode causar diversos efeitos na saúde, como aborto espontâneo e câncer.


A exposição cumulativa aos agrotóxicos deve ser considerada visto que alguns compostos amplamente utilizados podem permanecer presentes em organismos, água e solo por muitos anos. O Brasil é também um grande exportador de celulose solúvel, matéria-prima para a produção de viscose. As culturas de eucalipto e algodão utilizam de 7 a 10 tipos dos agrotóxicos mais vendidos no Brasil, respectivamente. Entre os mais utilizados está o acefato, na 4º posição, com alto potencial carcinogênico e o Imidacloprido, na 7ª posição, considerado um dos mais fatais para abelhas, polinizadoras importantes, o que gera preocupação tanto do ponto de vista econômico, quanto socioambiental.

Entre os riscos para o setor da moda estão: (i) a desinformação do consumidor; (ii) riscos reais à saúde de trabalhadoras e trabalhadores, incluindo questões de saúde reprodutiva das mulheres; (iii) ameaça à exportação nacional dado novos posicionamentos dos países em relação ao uso intensivo de agrotóxicos.

As petições demonstram a preocupação da sociedade e são utilizadas para pressionar congressistas a votarem contra a aprovação do PL. O grupo organizador irá entregar as assinaturas formalmente à Frente Parlamentar Ambientalista. Assine e compartilhe este abaixo-assinado e junte-se à luta de diversas organizações e indivíduos contra a aprovação do PL do Veneno.

Saiba mais em: https://modefi.co/por-uma-moda-sem-veneno.

Sobre as organizações:

Fashion Revolution Brasil

Fashion Revolution é um movimento presente em mais de 90 países, criado após um conselho global de profissionais da moda se sensibilizar com o desabamento do edifício Rana Plaza em Bangladesh, que causou a morte de mais de 1.000 trabalhadores da indústria de confecção e deixou mais de 2.500 feridos. A tragédia aconteceu no dia 24 de abril de 2013, e as vítimas trabalhavam para marcas globais, em condições análogas à escravidão. A campanha #QuemFezMinhasRoupas surgiu para aumentar a conscientização sobre o verdadeiro custo da moda e seu impacto no mundo, em todas as fases do processo de produção e consumo. No Brasil, o movimento atua há 7 anos e hoje está estabelecido como Instituto Fashion Revolution Brasil realizando ações e projetos que promovem mudanças de mentalidade e comportamento em consumidores, empresas e profissionais da moda. Saiba mais em https://www.fashionrevolution.org .

Instituto Modefica

Fundada por Marina Colerato em 2014, o Modefica é uma organização de mídia, pesquisa e educação que atua pela justiça socioambiental e climática com uma perspectiva ecofeminista. Temos como missão aumentar a percepção sistêmica sobre os problemas socioambientais para promover relações de equidade e justiça entre seres humanos, não-humanos e Natureza. Fazemos jornalismo, pesquisas e projetos de educação de jornalismo socioambiental que evidenciam como as alterações climáticas e a devastação ambiental impactam de forma mais sistemática mulheres e pessoas não-brancas. Nossa pesquisa mais recente, Fios da Moda: Perspectivas Sistêmicas Para Circularidade, salienta as relações entre as fibras têxteis e impactos socioambientais na vida da população brasileira, além de propor uma economia circular para o Sul global. Saiba mais em modefica.com.br.

Rio Ethical Fashion

O Rio Ethical Fashion é um movimento que reúne pessoas para discutir, inspirar, criar parcerias e divulgar os valores da sustentabilidade na indústria da Moda, suas vertentes culturais e socioeconômicas no Brasil e no mundo. O Rio Ethical Fashion é o Primeiro Fórum Internacional de Sustentabilidade no Brasil, com edições realizadas em 2019 e 2020 com as principais lideranças da sustentabilidade da moda global. Nosso objetivo é colocar o Brasil na rota da discussão internacional trazendo o olhar de fora para nossas potencialidades criativas e criando novas oportunidades para nossa indústria, é uma de nossas principais missões. Saiba mais em https://www.rioethicalfashion.com.

As porta-vozes do Fashion Revolution Brasil, Instituto Modefica e Rio Ethical Fashion estão disponíveis para entrevistas. Para maiores informações e agenda de pautas entre em contato com a equipe da Voice 176:

  • Larissa Henrici – lari@voice176.com 
  • ● Nathalia Anjos – nathalia@voice176.com

Observatório lança série de 30 vídeos sobre a poderosa bancada ruralista

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De Olho nos Ruralistas inicia cobertura especial das eleições de 2022, com foco na Frente Parlamentar da Agropecuária e seus financiadores; live nesta terça terá MST, Greenpeace, MPA e pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

Por Alceu Luís Castilho

Quem está por trás da bancada do agronegócio? De Olho nos Ruralistas inicia nesta semana uma série de trinta vídeos sobre o poder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) e de seus principais expoentes. E sobre cada projeto de lei no Congresso que ataca o ambiente, os povos do campo e a perspectiva de uma alimentação saudável. Esse programa inédito — a maior série audiovisual já realizada sobre o tema — esmiuçará as leis que ameaçam os territórios de indígenas, camponeses e quilombolas, implodem o licenciamento ambiental e regularizam o roubo de terras no Brasil.

Confira aqui o primeiro vídeo:

O observatório promove nesta terça-feira (10) uma live de lançamento do projeto, com Mariana Mota (Greenpeace), Alexandre Conceição (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, MST), Saiane Santos (Movimento dos Pequenos Agricultores, MPA) e Regina Bruno, professora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. A mediação será deste editor, autor de livro sobre políticos ruralistas (“Partido da Terra”, Contexto, 2012). Alguns deputados foram convidados e ainda não confirmaram a presença.

O primeiro vídeo da série traz informações gerais sobre a bancada ruralista: quais as principais frentes, quem as financiam, qual o poder que elas têm no Congresso. A começar da quantidade: metade do Congresso. “Eles representam os donos do boi, da soja, da cana, do arroz, da madeira”, diz o início do vídeo. “E da indústria e dos bancos. Eles são a bancada do agronegócio”. Essa quantidade de parlamentares foi decisiva para se derrubar Dilma Rousseff e manter Michel Temer no poder: “Frente Parlamentar da Agropecuária compôs 50% dos votos do impeachment e 51% dos votos para manter Temer.

FINANCIADORES DA ‘BOIADA’ SERÃO UM TEMA CENTRAL DA COBERTURA

Nem todo apoio financeiro à bancada ruralista é tão óbvio e divulgado como se deveria. Por isso, ao longo dos próximos meses, serão feitos vídeos temáticos sobre os projetos de lei (como os da grilagem e licenciamento ambiental), sempre com foco em quem lucra com suas aprovações. O objetivo é mostrar como essas iniciativas vêm do mercado, nacional e internacional, e não apenas de fazendeiros atrasados, que ainda não teriam compreendido noções de “sustentabilidade”. É o mercado quem banca os projetos de lei na Câmara e no Senado.

Outra frente desse projeto audiovisual consiste em divulgar mais informações sobre os principais protagonistas da bancada ruralista: aqueles deputados e senadores encarregados de articular os projetos de lei, dialogar com os lobistas nas reuniões das frentes, brigar com o governo — o Centrão é ruralista — por cargos no governo e liberação de verbas para suas bases. A ideia de um “tratoraço” chega a ser literal, já que eles também reivindicam maquinário para interesses públicos e privados. Spoiler: o primeiro personagem será o presidente da Câmara, Arthur Lira.

Os vídeos são um dos aspectos da cobertura especial que se consolida neste mês de agosto. Todos os temas mencionados já fazem parte do escopo do observatório. Mas agora haverá, por um lado, um esforço maior de pesquisa e de reportagens, para que sejam descortinados determinados conflitos de interesse, especialmente em relação aos candidatos à reeleição; por outro, uma divulgação maior, com os vídeos e outros materiais de divulgação, para que os leitores tenham condições de replicar as informações a um público maior.

Um dos cards iniciais de divulgação, por exemplo, apresenta a Bancada Sudestina. Ao contrário do que muita gente pensa, a maioria da bancada não vem dos estados do Norte ou do Centro-Oeste. O Nordeste também tem muita importância nessa configuração, já que tem nove estados, alguns muito populosos; mas metade da Frente Parlamentar da Agropecuária na Câmara é composta por deputados do Sul e do Sudeste — em diálogo direto com a piada do Porta dos Fundos sobre “sudestinos”, vídeo que já tem quase 1,5 milhão de visualizações.

SEGUNDO VÍDEO FALARÁ SOBRE A ‘BOIADA’ NO CONGRESSO

Na semana que vem será lançado o segundo vídeo da série, sobre o rolo compressor no Congresso. A partir daí, a periodicidade será quinzenal. Estão previstos outros debates até outubro de 2022, sobre a necessidade de se multiplicar uma bancada socioambiental (com camponeses, com indígenas, com defensores de uma alimentação saudável) e, na reta final das eleições, sobre os candidatos inscritos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e qual Câmara e Senado deveremos ter nos anos seguintes.

Criado em setembro de 2016, como um portal sistemático sobre agronegócio, De Olho nos Ruralistas está prestes a completar cinco anos. A série especial sobre o Congresso antecipa desde já as comemorações desse aniversário, que terá ainda o lançamento de outros projetos e a divulgação de uma campanha massiva de assinaturas. As doações para o observatório, a partir de R$ 12 mensais, ajudam a manter a equipe fixa. Com mais assinantes, o observatório poderá ter uma equipe maior para a própria cobertura do Congresso. Elas podem ser feitas aqui.

Em novembro de 2016, a equipe do De Olho foi expulsa da sede da Frente Parlamentar da Agropecuária, em Brasília, apenas porque seu diretor-executivo decidiu que as reuniões abertas à imprensa estavam interditadas ao observatório. A perseguição à imprensa, uma característica do governo Bolsonaro, tem crescido no Brasil. Por isso a importância de se ajudar a manter este e outros projetos da imprensa independente, que não têm rabo preso com banqueiros.

| Alceu Luís Castilho é diretor de redação do De Olho nos Ruralistas. |

fecho

Este texto foi inicialmente publicado pelo “De olhos ruralistas” [Aqui!  ].

Observatório do Legislativo Brasileiro mapeia influência da bancada ruralista no congresso nacional

No senado, bancada ruralista tem maior controle sobre a pauta e sobre comissões importantes para a agenda ambiental

Plenário do Congresso

 

Desde o início da gestão do presidente Bolsonaro, os temas “Meio Ambiente” e “Amazônia” têm ocupado grande espaço nos debates políticos e nas mídias nacional e internacional, não apenas porque ações assertivas de preservação ambiental são cada vez mais urgentes mundo afora, mas também porque o governo brasileiro tem sistematicamente emitido sinais contrários às agendas ambiental e climática. Em favor de uma suposta maximização dos ganhos do agronegócio brasileiro, o governo desconsidera que a questão ambiental é hoje fator determinante para a própria estabilidade e crescimento do setor.

Em agosto de 2019, as queimadas na Amazônia levaram o Brasil ao centro do debate internacional. Em junho de 2020, houve novo crescimento das queimadas – 20% a mais com relação ao mesmo mês do ano anterior. Internamente, contudo, a questão ambiental tem estado na pauta desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Especialistas, ativistas e
organizações não governamentais, logo no início do mandato, enfrentaram tentativas de extinção do Ministério do Meio Ambiente, cortes orçamentários no ICMBio e no IBAMA, redução de unidades de conservação ambiental, bloqueio de verbas destinadas a políticas de combate a mudanças climáticas, dentre outras ações do gênero. Em janeiro de 2020, Bolsonaro reativou o Conselho da Amazônia e transferiu sua gestão do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência, sem muitos resultados concretos do órgão, a não ser a proibição das queimadas no bioma amazônico por 120 dias a partir de meados de julho. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, considerou a pandemia de COVID-19 uma oportunidade para avanço do projeto de desregulamentação e simplificação de regras infralegais da área.

Os problemas dessa agenda, entretanto, não se resumem às decisões do Executivo. O setor ruralista tem representação historicamente forte no legislativo brasileiro e avessa à legislação ambiental. Ao mesmo tempo, há poucas informações sistematizadas sobre o Congresso que permitam identificar o interesse individual, a agenda e o posicionamento de cada parlamentar sobre o assunto. Com o objetivo de contribuir para diminuir essa lacuna, o Observatório do Legislativo Brasileiro fez um mapeamento inicial do agronegócio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.

Este boletim prioriza os seguintes aspectos: a) patrimônio e ocupação; b) participação de proprietários rurais em comissões e frentes; c) produção legislativa e ativismo parlamentar sobre o tema.

1. Proprietários rurais concentrados no Senado e em partidos de centro-direita

Identificar parlamentares vinculados direta ou indiretamente ao agronegócio não é tarefa simples, e detectar a propriedade de terras por deputados e senadores cumpre um primeiro papel essencial nessa direção. Para isso optamos por três caminhos: a) identificar o exercício de atividades relacionadas ao agronegócio por meio das autodeclarações de ocupação realizadas no momento do registro das candidaturas junto ao TSE; b) identificar a existência e o tamanho de propriedades rurais em nome dos parlamentares nas declarações patrimoniais constantes do mesmo órgão; e c) identificar propriedades rurais em nome de parlamentares na base fornecida pelo Incra. Nos três casos, há problemas. Nas autodeclarações de ocupação, é muito comum que deputados e senadores se autoidentifiquem como políticos em exercício do cargo x ou y, sem que haja referência a sua atividade pregressa à vida política. Já nas declarações patrimoniais, extraídas das estatísticas dos pleitos de 2014 e 2018, há imprecisões e lacunas que subestimam a magnitude do vínculo com o setor e a intensidade da defesa de seus interesses. Na base da Incra, os proprietários são identificados por nome e não CPFs, o que torna mais difícil a tarefa de excluir homônimos. Ainda assim, os dados revelam informações instigantes. Somente 7 dos 513 deputados federais se autodeclararam no exercício de atividades relacionadas à agropecuária. No Senado, esse número é de apenas 1. No que se refere às propriedades no campo, no entanto, de 10% a 16% dos deputados têm propriedades rurais declararam, quando observados os dados do TSE e do Incra, respectivamente. Segundo levantamento feito pelo Ruralômetro em 2014, esse percentual era de 55% no início da última legislatura, não estando claro se o cenário atual retrata queda significativa da representação desse perfil ou se há aumento importante na subnotificação. No Senado, para o qual não há dados comparativos na ferramenta do Ruralômetro, esse percentual é hoje de 25%, ou seja, 1 a cada 4 senadores possui bens rurais. Se incluídos os dados do Incra, essa proporção sobe para 35%.

Além disso, o Senado supera a Câmara no que se refere ao valor das propriedades listadas. O valor médio no Senado é R$ 1.98 milhões, enquanto na Câmara é quase 3,5 vezes menor, R$ 0.57 milhões. Nas duas casas, boa parte dos proprietários possui mais de uma propriedade rural.

No que se refere à distribuição partidária, utilizados os dados do TSE, obtidos por CPF do parlamentar, cinco partidos de centro e centro-direita reúnem sozinhos 60% dos proprietários rurais do Congresso – MDB, PSD, PP, PL e DEM. Quando observado o percentual de proprietários por partido, observamos novamente a prevalência desses partidos. No MDB e no DEM, inclusive, o percentual de proprietários supera 20% de suas bancadas no Congresso.

2. A bancada ruralista nas comissões: Senado novamente se destaca

A propriedade de bens rurais não implica necessariamente defesa formal de interesses do agronegócio e a defesa de tais interesses não é monopólio dos congressistas que possuem propriedades rurais. Uma primeira forma de avaliar a atuação política dos parlamentares sobre o tema é identificar quais comissões e frentes impactam o setor, nas duas casas legislativas, em virtude dos temas de que tratam; se congressistas com propriedades rurais ocupam predominantemente esses espaços; e qual o perfil dos deputados não proprietários que coabitam esses órgãos/associações.

Na Câmara dos Deputados, observamos a composição das comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Nelas, não há sobrerrepresentação dos proprietários rurais, apenas 6 de 69 parlamentares do total dessas comissões são proprietários (8,6%), em contraste com os parlamentares proprietários na casa, cerca de 11% (TSE). Já no Senado, o papel dos proprietários rurais é bastante relevante nas duas comissões mais importantes para o setor – a Comissão do Meio Ambiente (CMA) e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Quase 50% dos senadores proprietários ruralistas ocupam cadeiras nesses órgãos, o que é indício de que a posse de propriedade rural entre senadores pode estar relacionada com atuação mais propositiva e influência maior dos ruralistas na legislação sobre o setor e assuntos correlatos.

3. O tamanho e a importância da FPA na produção de informação e tomada de decisão

Tão importantes, nesse caso, quanto as próprias comissões são as frentes parlamentares constituídas para tratar do tema. As frentes não têm papel estruturalmente definido na avaliação das proposições, mas cumprem ao menos duas tarefas interdependentes de suma importância: garantem visibilidade ao tema que lhes dá origem e ajudam a organizar em coalizões os apoiadores das posições defendidas.

No primeiro ano da atual legislatura, o número de frentes criadas (mais de 300) foi 4 vezes maior que a média das frentes instituídas no primeiro ano das legislaturas coincidentes com Lula I, Lula II, Dilma I e Dilma II. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), no entanto, que aqui nos interessa, não é nova. Data da Constituinte (entre 1987 e 1988) a criação desse grupo de parlamentares dedicado à defesa dos interesses do setor, que, desde então, tornou-se uma das principais frentes temáticas no Congresso. É a maior frente parlamentar mista atualmente existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246 deputados e 39 senadores. O tamanho é suficiente para fazer avançar proposições de interesse e barrar iniciativas contrárias ao setor.

Como membros da FPA, destacam-se partidos como PP e MDB, que, conforme dito anteriormente, abrigam boa parte dos proprietários rurais. PSL e Novo, no entanto, que reúnem poucos proprietários rurais, também se destacam na composição da frente. A força da FPA parece advir, portanto, em boa medida, de sua grande capacidade de atrair parlamentares não proprietários, ao menos se considerado exclusivamente o perfil de seu patrimônio declarado, conforme gráfico a seguir.

Outro dado relevante é a presença de membros da FPA nas comissões que impactam o setor, aquelas relacionadas à agropecuária e meio ambiente anteriormente citadas. Na Câmara, onde cada parlamentar pode integrar no máximo até duas comissões permanentes, a sobrerrepresentação de membros da FPA nos órgãos que legislam sobre agronegócio é evidente. Dos deputados que ocupam vagas nas duas comissões, 43 pertencem à frente e 26 não. Dito de outro modo, 62% dos membros das comissões pertencem à FPA. No Senado, há equiparação na proporção de vagas ocupadas por membros e não membros da FPA nas duas comissões correlatas, mas 40% dos membros da FPA ocupam cadeira em uma delas. Ou seja, a despeito do fato de que as regras de funcionamento do Senado facultam aos senadores integrar até seis comissões permanentes simultaneamente, o que reduz a necessidade de priorização de um único tema sobre o qual atuar, senadores da FPA mantêm forte atuação nas duas comissões.

4. O impacto da FPA na produção legislativa em temas afeitos ao agronegócio

Para investigar o impacto da atuação de grupos potencialmente ligados ao agronegócio na produção legislativa, analisamos, inicialmente, a autoria de proposições apresentadas nas áreas de agropecuária e meio ambiente, nas duas casas legislativas, considerados os seus tipos mais relevantes – Projetos de Lei, Proposta de Emenda Constitucional e Projetos de Lei Complementar. Dado que há lacunas nas informações sobre ocupação profissional e propriedades rurais, optamos pela identificação da incidência dos parlamentares da FPA, comparativamente aos demais, na autoria de propostas sobre os temas, não importando, para esta fase da pesquisa, se as propostas foram ou não transformadas em norma jurídica.

O resultado é revelador. Na Câmara, 48% das proposições relativas à agropecuária e ao meio ambiente são de autoria de membros da FPA – proporção idêntica ao percentual de deputados que participam da Frente. No Senado, no entanto, o impacto da Frente na definição de propostas sobre os temas é muito mais expressivo. 70% das propostas nas duas áreas foi apresentada por senadores da FPA, o que significa potencial impacto da frente na agenda ambiental indicativa que circula no Casa.

5. Índice de ativismo de tribuna

Por fim, buscamos analisar o esforço empreendido pelos congressistas para formação de opinião e construção de consensos nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo. A tribuna é, nesse sentido, elemento fundamental, motivo pelo qual o OLB criou um índice novo, chamado Índice de Ativismo na Tribuna (IAT). O indicador varia entre 0 (nenhum ativismo na tribuna sobre o tema) e 10 (máximo de ativismo na tribuna sobre o tema). Sua metodologia baseia-se na análise de discursos parlamentares, procurando neles palavras-chave relativos ao tema2*. É importante frisar, entretanto, que a análise de engajamento não tem qualquer valor de valência. O que o índice revela não é a posição de determinado parlamentar, se favorável ou contrária à agenda em questão, mas o quanto ele se engaja no tema a despeito de seu posicionamento.

Na Câmara, 207 parlamentares (40%) tiveram alguma pontuação no índice, a maior parte deles (66%) com menos de 5 pontos, o que denota um engajamento baixo do conjunto da casa. Apesar disso, 23 parlamentares obtiveram nota acima de 7 (de médio a alto engajamento), destacando-se a presença significativa, nesse conjunto, de membros da FPA (13), mas também de filiados a partidos de esquerda (principalmente do PT), com posição provavelmente contrária à do primeiro grupo.

2* As palavras usadas na busca e análise foram: propriedade agrícola, reserva indígena, fundiário, fundiária, desmatamento, reserva ambiental, fronteira agrícola, inca, proteção ambiental, fazenda, gleba, imóvel rural, lote rural, área rural, loteamento, terreno agrícola, propriedade rural, agropecuária, pecuária, extrativismo, agricultura deputados com nota acima de 7 fazem parte das duas principais comissões que discutem o tema. Ou seja, lideranças mais engajadas na tribuna não tomam decisões no âmbito das comissões.

No Senado, 20% dos parlamentares têm nota acima de 7. Há maior presença de parlamentares com propriedade de terra nesse conjunto e participação mais ativa desse senadores e senadores nas comissões que discutem Meio Ambiente e Agropecuária.

Nas duas casas, há clara predominância de parlamentares bem posicionados no IAT oriundos de estados com forte relação com o tema da agricultura ou pertencentes à Amazônia legal.

Conclusão: Mensurar o quanto os interesses do agronegócio brasileiro estão representados no Congresso e refletidos na sua agenda requer análise conjugada de uma série de variáveis relativas ao perfil político-partidário do parlamentar e às suas atividades legislativas. Neste estudo do tema na atual legislatura, o OLB fez um primeiro mapeamento de algumasdessas variáveis. A despeito dos limites observados nos dados consultados, há alguns achados importantes. A pequena parcela de deputados e senadores que declaram possuir propriedades rurais concentra filiados a partidos de centro-direita. O Senado é a instituição que tem maior proporção dos proprietários, ¼ da casa, garantindo sobrerrepresentação dos mesmos em comissões permanentes dedicadas a temas relativos à agropecuária e ao meio ambiente.

São os dados de composição e atuação da FPA, contudo, que mais revelam o possível impacto do agronegócio no Congresso. Cerca de 50% dos deputados e senadores da atual legislatura compõem a Frente, que controla as comissões sobre o tema na Câmara e tem participação importante em comissões correlatas no Senado. Os membros da FPA também possuem índice de ativismo de tribuna mais elevado nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo comparativamente aos demais congressistas. Os mais engajados no levantamento desses temas em seus discursos são parlamentares oriundos de estados em que agropecuária tem peso relevante.

Outros dados serão agregados a este primeiro mapeamento sobre o peso do agronegócio no Congresso, mas, até então, pode-se afirmar que o setor tem capilaridade suficiente nas duas casas legislativas, especialmente, no Senado, para pender a balança da agenda ambiental do Legislativo em seu favor.

Metodologia

As análises apresentadas neste boletim foram feitas a partir de dados coletados de diferentes fontes oficiais. Do Repositório de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal , extraímos as seguintes informações:

● lista de Deputados titulares na Câmara;

● lista de Senadores titulares no Senado;

● filiação partidária atualizada dos congressistas;

● lista de ocupantes de comissões permanentes nas duas casas legislativas;

● discursos proferidos em Plenário;

● proposições (PL, PEC, MPV e PLP) apresentadas e tramitadas na Câmara dos Deputados desde 2019;

● classificação das proposições por tema, realizada pelo Setor de Informação da Câmara, e por autoria.

Como forma de identificar parlamentares com propriedades rurais, recorremos às declarações de bens realizadas pelos congressistas no momento do registro de suas candidaturas junto ao TSE em 2018 (e em 2014 para senadores cujos mandatos terminam em 2022). Organizamos essas informações de forma a manter apenas ocorrências que diziam respeito aos seguintes tipos de propriedades declaradas: fazendas, glebas, imóveis rurais, áreas rurais, áreas de loteamento, terrenos agrícolas e propriedades rurais. Feito isso, contabilizamos as ocorrências de propriedades por congressista e deflacionamos os valores declarados de cada uma pelo IPCA de maio de 2020 (usando os indexadores fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada ). Do TSE, também extraímos informações como escolaridade, sexo e ocupação profissional declarada de cada congressista.

As proposições legislativas consideradas em nossas análises foram Projetos de Lei, Medidas Provisórias, Projetos de Lei Complementar e Propostas de Emenda à Constituição. Coletamos dados de proposições como essas apresentadas desde 2019 até o final de maio de 2020. Para agrupá-las nas áreas de interesse do agronegócio, utilizamos as classificações desenvolvidas pelos setores de documentação da Câmara e do Senado: no primeiro caso, consideramos os temas Agricultura, pecuária, pesca e extrativismo, meio ambiente e desenvolvimento sustentável e estrutura fundiária; já na câmara alta, consideramos os temas agricultura, pecuária e abastecimento, política fundiária e reforma agrária, meio ambiente. Como informações sobre a tramitação das proposições são disponibilizadas em estruturas e formatos diferentes em cada casa, o banco de dados final foi sistematizado para permitir a análise da produção legal do Congresso.

Finalmente, para realização dos cruzamentos entre bases de dados, utilizamos IDs únicos para cada parlamentar extraídos do TSE (no caso, o código sequencial de candidatura), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e também número de CPF dos parlamentares, disponível tanto nos repositórios do TSE quanto da Câmara. Na ausência de  dados atualizados sobre a frente mista pela agropecuária, extraímos a composição da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) a partir do website do grupo na internet,utilizando os nomes dos parlamentares para identificar os pertencentes à frente. A base final foi consistida para checar a validade das informações.

Sobre o OLB

O Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), núcleo de pesquisas ligado ao IESP-UERJ combina expertise acadêmica e ferramentas de análise de dados para acompanhar e avaliar o comportamento dos parlamentares no Congresso Nacional. Produzimos informações substantivas para organizações da sociedade civil e cidadãos sobre a tramitação e aprovação de políticas públicas, promovendo a transparência da atividade legislativa.

Estudo publicado na Nature Sustainability mostra que titulação de terras pode aumentar desmatamento na Amazônia

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Estudo mostra que titulação de terras não é tão eficiente para deter o processo de desmatamento como apregoado pelo governo Bolsonaro e pela bancada ruralista no congresso nacional

Desde a década de 1990, com base em políticas formuladas pelo Banco Mundial, ouço a cantilena de que a posse de um título de propriedade asseguraria melhores práticas ambientais por seus detentores, o que, consequentemente beneficiaria os esforços para controlar o processo de desmatamento nos trópicos. Aliás, toda a argumentação apresentada pelo governo Bolsonaro e pela bancada ruralista para aprovar a famigerada MP 910 se baseava nesse argumento.

Pois bem,  os resultados de um artigo assinado por pesquisadores ligados à Universidade de Cambridge (Reino Unido), ao College of William & Mary, Williamsburg (EUA), à Universidade Católica de Louvain, e ao Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), que acaba de ser publicado pela Nature Sustainability demonstram  que essa suposição não é sustentada pelos fato. Após analisarem as respostas de 10.647 proprietários de terras na Amazônia brasileira que participaram do programa de titulação de terras em larga escala chamado “Terra Legal” na Amazônia Brasileira,  e que regularizou uma área de terra tão grande quanto a Alemanha e a França juntas, os pesquisadores resultados que apontam no sentido contrário.

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Tendência de desmatamento após recebimento do título da terra no prograam “Terra Legal”.

Usando uma estratégia de modelagem de regressão de efeitos fixos e dados no nível da propriedade, os autores conseguimos explorar a cadeia causal entre a titulação da terra e o desmatamento.  Mas ao contrário das expectativas, os autores encontraram evidências de que pequenos e médios proprietários aumentaram o desmatamento após o recebimento dos título, enquanto que o comportamento dos grandes proprietários permaneceu praticamente inalterado em relação à decisão de desmatar áreas com floresta nativa.

O estudo descobriu ainda que os proprietários de terras com títulos de propriedade desmatam mais à medida que os preços de commodities agrícolas e do gado aumentam, indicando uma maior integração do mercado às custas da conservação. Em função dos resultados, os autores concluem sugerem que a titulação sozinha, sem maior coordenação com outras políticas, não trará os benefícios ambientais esperados, implicando até no efeito oposto ao pretendido.

 

 

Bancada ruralista: mais veneno e menos orgânico na mesa dos brasileiros

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Não bastando ter aprovado preliminarmente a facilitação da venda de agrotóxicos no Brasil, inclusive os proibidos em outras partes do mundo, a bancada ruralista agora quer impedir o acesso mais fácil à comida produzidas sem esses venenos agrícolas.  É que  regra aprovada na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados vai criar barreiras à comercialização de alimentos orgânicos em supermercados e outros estabelecimentos que comercializam alimentos. De acordo com o Projeto de Lei 4576/16, supermercados, mercearias, varejões e sacolões não poderão mais vender produtos orgânicos diretamente ao consumidor.

Caso o PL volte a ser aprovado, desta vez no plenário da Câmara, só os pequenos produtores da agricultura familiar vinculados a organizações de controle social cadastradas nos órgãos fiscalizadores do governo poderão comercializar os orgânicos.  Pelo projeto, os agricultores familiares poderão vender a produção própria, de outros produtores certificados ou de produtos com a certificação prevista na Lei da Agricultura Orgânica (Lei 10.831/03). A comercialização deverá ocorrer em feiras livres, sejam provisórias ou permanentes, ou em propriedade particular.

O relator desse projeto “barbárie” é o deputado Luiz Nishimori (PR/PR) que, pasmemos todos, também foi o relator do Pacote do Veneno! Em outras palavras, Luiz Nishimori representa  não apenas os interesses dos fabricantes e vendedores de veneno,  mas também dos que vendem comida contendo resíduos de um conjunto de produtos que a literatura científica já determinou serem responsáveis por uma série de doenças graves, começando pelo câncer.

Enquanto isso, países que sediam as empresas que fabricam esses venenos agrícolas estão adotando políticas agrícolas que tornarão obrigatória a produção orgânica de alimentos, a começar pela Dinamarca. Mas mesmo nos EUA,  um dos bastiões do consumo de agrotóxicos, as grandes redes de supermercados estão ampliando a oferta de todo tipo de produtos orgânicos, incluindo laticínios e carnes em geral.

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Comida orgânica sendo vendida num supermercado dinamarquês.  Na Dinamarca, o consumo de comida orgânica aumentou 14% entre 2015 e 2016, fazendo o país um dos líderes mundiais no consumo de produtos cultivados sem o uso de agrotóxicos.

O problema é que aqui o lobby vencedor é o dos vendedores de veneno e de comida envenenada.  Por isso, reagir a esse projeto de lei que restringe o acesso à alimentos orgânicos não é mera quimera, mas uma necessidade urgente.