A rede BBC publicou ontem uma matéria sobre o aumento explosivo das queimadas na Amazônia brasileira que deverão ocorrer em número recorde em 2020. A rede inglesa mostrou, usando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que ao longo do mês de julho, o número de queimadas na Amazônia atingiu o estratosférico número de 6.803 focos de incêndio, o que representou um aumento de 28% em relação ao ocorrido em 2019.
Como os principais meses para a realização de queimadas ainda estão por vir, o mais provável é que outros recordes irão ser batidos em termos de queimadas e de desmatamento, em uma clara demonstração de que a política do “passa boiada” do governo federal, encabeçada pelo improbo Ricardo Salles, está funcionando muito bem para a alegria de aliados paroquiais do presidente Jair Bolsonaro.
O problema é que o sucesso interno já suscitou uma série de reações negativas no plano externo, incluindo os anúncios do megafundo de investimentos Nordea e a da gigante chinesa Cofco International Ltd que estão cobrando uma mudança de rumo no controle do desmatamento e já anunciaram uma série de medidas que deverão atingir em cheio a combalida economia brasileira.
Essas reações deverão ser aumentadas quando imagens como as mostradas no vídeo abaixo, incluída na matéria da BBC, atingir não apenas os segmentos compostos por ecologistas e ambientalistas, mas também os acionistas de grandes fundos de investimento que estão, como o Nordea, cobrando uma ação mais diligente do governo Bolsonaro para conter a destruição em curso na Amazônia.
Eu fico me perguntando porque foi preciso que o correspondente de uma rede estrangeira fazer um sobrevoo no norte de Rondônia para mostrar o que está em curso na Amazônia neste momento. A única razão para essa omissão de informar a população brasileira se deve ao fato de que os donos da mídia brasileira são fiadores da política de destruição ambiental comandada por Ricardo Salles e Jair Bolsonaro.
Nunca é demais avisar que a consolidação da imagem de pária ambiental do Brasil será desastrosa. Mas parece que isso não sensibiliza o presidente Jair Bolsonaro ou quem quer que seja dentro do seu governo. O que parece existir é uma aposta arriscada de que a dependência global das commodities brasileiras irá fazer com que os discursos de preocupação na passe de discurso de fachada. Os dados dessa aposta estão rodando na mesa. Resta-nos esperar para ver se quem pressiona o Brasil para mudar o seu rumo está apenas blefando.
Não sei quem foi o criador do anúncio publicitário publicado na página oficial da emissora internacional da Alemanha, Deutsche Welle (Voz da Alemanha), na rede social Facebook (ver reprodução abaixo), mas quem o fez mandou uma mensagem poderosa para os brasileiros: esqueça a mídia corporativa nacional se quiser ficar minimamente bem informado.
É que lendo apenas três reportagens postadas em inglês sobre as manifestações anti-Temer que ocorreram ontem em diversas partes do Brasil não há outra coisa a fazer a não ser notar que são coberturas totalmente opostas ao que se viu ontem e se vê hoje nos grandes veículos da mídia corporativa brasileira.
Nos casos da matéria da agência Reuters para os leitores estadunidenses, do jornal El País para a edição em português, e da rede estatal britânica BBC para os leitores ingleses, o que se vê é a ênfase no caráter pacífico das manifestações e na violência policial injustificada (no caso da PM de São Paulo) contra os que participavam dos protestos (ver reproduções das manchetes logo abaixo).
Eu convido a todo leitor deste blog que procure na cobertura nacional as reportagens sobre o que ocorreu ontem para verificar se a cobertura dada é similar ou não. Mas aviso logo aos navegantes para que não comecem suas buscas com muita esperança de que a mídia brasileira esteja atuando com a mesma imparcialidade e qualidade de apuração. É que se há alguma coisa que os clãs bilionárias que controlam a mídia corporativa brasileira não querem neste momento é que a informação flua de forma qualificada. Na verdade, como articuladores centrais do golpe de estado “light” contra Dilma Rousseff, a última coisa que eles querem é que isso ocorra.
Felizmente, alguns dos grupos da mídia internacional não apenas possuem sucursais no Brasil, como também estão publicando edições voltadas para o público brasileiro. Caso os protestos continuem e aumentem de tamanho, a presença da mídia estrangeira certamente sofrerá restrições como a imposta a um jornalista da BBC que foi agredido ontem enquanto cobria a violência da PM paulista, apesar de ter se identificado com suas credenciais. Entretanto, por enquanto é provável que possamos continuar podendo acessar as matérias publicadas por esses veículos.
Em função do descompasso de coberturas, eu me arrisco a ir mais longe do que foi o anúncio da Deutsche Welle para afirmar que neste momento histórico preciso, nós vamos precisar mais do que nunca da opinião que vem de fora.
Finalmente, para quem quiser ler as matérias citadas da Reuters, do El País e da BBC, basta clicar ( Aqui!, Aqui! e Aqui!)
Nos últimos dias temos ouvido e assistido declarações aparentemente contraditórias do prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, indicando que as Olimpíadas estão se tornando uma “oportunidade perdida” para a cidade que ele governa (Aqui!).
Alguns críticos de Eduardo Paes rapidamente apontam para o cinismo das declarações, já que o prefeito não só foi um dos maiores entusiastas da vinda deste megaevento para o Rio de Janeiro, mas como tratou de forma fortemente centralizadora todos os aspectos relativos aos mínimos detalhes em relação à implantação das infraestruturas físicas e logísticas definidas para garantir a realização do mesmo.
Aliás, quem não se lembra da imagem épica de Eduardo Paes, em companhia dos filhos, de Pezão e do seu pupilo Pedro Paulo) apertando a alavanca de detonação do elevado da Perimetral no final de 2013,?
Entretanto, não considero que os posicionamentos públicos de Eduardo Paes sejam só cinismo, mas sim uma tentativa de ocultar todas as facetas negativas que certamente emergirão durante a realização dos Jogos Olímpicos e, principalmente, após o seu encerramento. Nesse sentido, posto abaixo a íntegra de uma entrevista realizada pelo BBC com o professor Jules Boykoff, doutor em ciência política e professor da American University, de Washington DC.
De cara, considero que as diferentes nuances abordadas nesta entrevista revelam a real face desse megaevento, não apenas na sua edição Rio de Janeiro, mas ao longo do tempo em que os Jogos Olímpicos foram vendidos como um megaevento esportivo capaz de resolver problemas urbanísticos acumulados, apenas para gerar condições ainda mais precárias e antidemocráticas nas cidades-sedes.
O fundamental aqui é entender que do ponto de vista das empreiteiras e das corporações essa edição dos Jogos Olímpicos já é um sucesso de vendas. Felizmente, como mostra o professor Boykoff, o jogo (desculpem-me o trocadilho) ainda está sendo jogado em termos dos processos de resistência e enfrentamentos com o modelo de cidade que se associa a este megaevento. E talvez seja isto o que realmente preocupa Eduardo Paes.
Rio 2016 escancara crise do modelo dos Jogos Olímpicos ‘como nunca antes’, diz pesquisador dos EUA
Jefferson Puff – @_jeffersonpuffDa BBC Brasil no Rio de Janeiro
AFP. Para especialista, cada vez menos cidades se interessam em sediar Jogos
A Rio 2016 será marcada como a Olimpíada em que “o verniz das relações públicas se desfez de forma inédita na história dos Jogos, como nunca antes”, na opinião do pesquisador Jules Boykoff, doutor em ciência política e professor da American University, de Washington.
Em entrevista à BBC Brasil, ele disse que problemas surgidos na preparação dos locais sede – “privilégios para os mais ricos, remoções de muitas pessoas do seu local de moradia e militarização do espaço público” – não são novos, mas que no Rio “você vê essas tendências aumentadas, e com clareza muito maior”.
Ele diz, como exemplo, que no Rio “jamais houve a mínima ilusão” de que a Vila dos Atletas seria revertida, após os Jogos, em alguma projeto de valor social, como foi o caso em Olimpíadas anteriores.
BRIAN LEE. Jules Boykoff escreveu livro sobre história política dos Jogos
“A Olimpíada como megaevento está lentamente entrando em crise, e você vê elementos desta crise se apresentando com força maior no Rio.”
Em seu livro recém-lançado, Power Games: A Political History of the Olympics(“Jogos de Poder: Uma História Política das Olimpíadas”) ainda sem título oficial em português, Boykoff descreve o que vê como uma crise estrutural no modelo dos Jogos, da escolha da cidade-sede ao descompasso orçamentário e às promessas de legado não cumpridas.
Para o especialista, o COI (Comitê Olímpico Internacional), é parte do problema, por encorajar projeções de custo irreais no momento da candidatura das cidades-sede e por guardar seu próprio orçamento a sete chaves. Ele acredita que o Rio avançou muito pouco após dez anos sediando megaeventos.
Em entrevista à BBC Brasil, Boykoff, que jogou no time olímpico de futebol dos Estados Unidos nos anos 1990, diz que há cada vez menos cidades interessadas em sediar as Olimpíadas e que a tendência é que o COI encontre cada vez mais dificuldades em achar candidatos.
Veja os principais trechos da entrevista:
PA. Estudioso diz que ‘verniz das relações públicas’ caiu no Rio
BBC Brasil – A Rio 2016 enfrentou problemas como promessas não cumpridas na área ambiental, remoções de comunidades para dar lugar a obras, além de projetos que ficaram mais caros e atrasos em áreas importantes, como a expansão do metrô linha 4. São problemas que vêm se tornando rotina paras as cidades-sede ou tratam-se de questões específicas do Rio?
Jules Boykoff – A Olimpíada do Rio segue um padrão de problemas que estamos vendo em diversas cidades-sede nos últimos anos, e estes incluem os privilégios para os mais ricos, remoções de muitas pessoas do seu local de moradia e militarização do espaço público. Eu diria que no Rio você vê essas tendências aumentadas, e com clareza muito maior. No Rio o verniz das relações públicas dos Jogos se desfez de forma inédita na história das Olimpíadas, como nunca antes.
A Vila dos Atletas é um bom exemplo disto. Em Olimpíadas anteriores, os organizadores escolheram esta área para se obter um valor social positivo após os Jogos, com a transformação em moradias sociais. No Rio, jamais houve a mínima ilusão de que isto aconteceria.
Desde o início o plano foi converter os apartamentos em condomínios de luxo. O contexto em torno das Olimpíadas mudou de forma muito drástica. Elas estão agora numa crise que vai além dos Jogos do Rio 2016. A Olimpíada como megaevento está lentamente entrando em crise, e você vê elementos desta crise se apresentando com força maior no Rio.
GETTY IMAGES. Vila dos Atletas será transformada em condomínio de luxo.
BBC Brasil – Quais são os principais aspectos desta crise estrutural que o senhor identifica para a forma como as Olimpíadas vêm sendo projetadas e geridas?
Boykoff – Um grande indicativo é que cada vez menos cidades estão interessadas em sediar as Olimpíadas. Olhe para o processo de seleção para os Jogos de Inverno de 2022. Você vê que no final sobraram apenas dois locais: Almaty, no Cazaquistão, e Pequim, na China. Nenhuma das duas conhecidas como bastiões da democracia. E Pequim ganhou.
Se você olhar para trás, verá que todas as vezes que os cidadãos tiveram a oportunidade de dar sua opinião, num processo democrático, eles disseram não a sediar os Jogos. Isso aconteceu em Cracóvia, na Polônia, em Estocolmo, na Suécia, e em dois cantões da Suíça.
Em Oslo, deputados noruegueses também rejeitaram sediar a Olimpíada. O que se percebe é que, cada vez mais, se o processo de decisão é aberto à população ou a Casas parlamentares, numa consulta democrática, a resposta é não a sediar a Olimpíada.
BBC Brasil – A Olimpíada é vista por especialistas como o evento que mais extrapola o orçamento em comparação com qualquer outro grande evento. Sempre foi assim, ou é uma tendência recente?
Boykoff – Ao menos desde 1960 todas as Olimpíadas ultrapassaram o orçamento. Em parte, isso se deve ao fato de que as Olimpíadas se tornaram tão grandes. É o que alguns especialistas que estudam os Jogos chamam de “gigantismo”. E por causa disso os Jogos continuam crescendo mais e mais, acrescentando novos esportes, e conforme se tornam um alvo em potencial para grupos terroristas, o orçamento de segurança também aumenta.
As cidades são estruturalmente encorajadas a reduzirem o valor de tudo nos seus dossiês de candidatura. Oferecer estimativas menores do que os Jogos vão custar é crucial porque as cidades precisam de apoio da opinião pública durante o processo de candidatura.
GETTY IMAGES. Especialistas criticam gigantismo dos Jogos
BBC Brasil – Atualmente é praticamente impossível uma cidade-sede conseguir manter o orçamento previsto no processo de candidatura. Como o COI poderia ajudar a evitar este descompasso orçamentário?
Bookoff – Eu acho que o COI realmente é parte do problema porque tem demonstrado uma grande facilidade espontânea em ser enganado. Eles acreditam em qualquer coisa que qualquer candidato diga. Trata-se de um pensamento mágico por parte do COI, já que eles não fazem perguntas duras para as cidades candidatas.
O COI precisa ser muito mais transparente sobre o processo de votação das cidades-sede. Há a montagem de comitês e são produzidos relatórios técnicos sobre cada cidade, mas no final das contas as pessoas que votam podem ignorar toda essa documentação técnica e decidir porque têm uma relação com o presidente do país ou porque gostam do prefeito da cidade-sede.
BBC Brasil – Houve avanços no combate à corrupção no processo de seleção das cidades-sede? O COI diz que não pode divulgar informações sobre orçamento e gastos devido a contratos com parceiros comerciais e patrocinadores. Por que há tanta falta de transparência sobre as finanças do COI?
REUTERS. Candidatura de Sydney e outras cidade teve muita corrupção, diz especialista
Boykoff – É muito difícil saber por ser um processo tão cinzento e cheio de segredos. Houve muita corrupção em torno das candidaturas de Sydney, na Austrália, e de Nagano, no Japão. Eles destruíram todos os documentos em Nagano, então nem sabemos o que aconteceu. A corrupção saiu do controle na candidatura de Salt Lake City, nos EUA, para os Jogos de Inverno de 2002, eles foram pegos, e o escândalo levou a algumas reformas no COI.
Hoje em dia, os membros do COI não podem fazer visitas especiais às cidades-sede antes da votação, que era justamente quando muito da corrupção ocorria. A corrupção parece estar menos disseminada atualmente na relação do COI com os processos de candidatura. Eu aplaudo o COI por recentemente ter começado a ser um muito mais transparente com relação aos seus gastos. Eles revelaram alguns dos benefícios do presidente da entidade, Thomas Bach, e de quanto são as diárias de alguns dos diretores do comitê quando estão em viagem.
Se você é um membro executivo do COI e vem ao Rio para reuniões, além de ficar no Hotel Copacabana Palace, você pode receber uma diária de US$ 900 para seus gastos pessoais. Se você é um membro normal, a diária é de US$ 400. Compare isso ao rendimento médio de um morador da Rocinha, de US$ 240 por mês.
Só por estar dentro da lei não significa que é ético, e só por estar sendo revelado não significa que não é chocante. O COI precisa ser mais responsável com o legado e os impactos dos Jogos para as cidades-sede. Muitas vezes, o COI diz que não pode divulgar informações sobre orçamento devido a contratos com seus patrocinadores. Trata-se na verdade de um escudo atrás do qual o comitê se esconde para justificar que por isso não pode compartilhar informações financeiras.
BBC Brasil – Quando é que os Jogos começaram a perder seu apelo para as cidades?
Boykoff – Eu acho que 1976 foi o ano mais decisivo para a história política do COI, primeiro por conta de Montreal, quando o prefeito disse que os Jogos custariam US$ 125 milhões, e disse que seria mais fácil um homem ter um bebê do que a Olimpíada entrar em deficit orçamentário. Ela acabou custando US$ 1,5 bilhão e levou 30 anos para que a dívida deixada pelos Jogos fosse paga pelos contribuintes.
No mesmo ano, no processo de candidatura dos Jogos de Inverno, os cidadãos de Denver, nos EUA, se posicionaram, fizeram protestos e conseguiram exigir um plebiscito no qual votaram contra sediar os Jogos, dizendo que isto acabaria com o meio ambiente e traria dívidas, e o COI teve que mudar a sede para Innsbruck, na Áustria.
GETTY IMAGES. Dívida dos Jogos de Montreal demoraram 30 anos para serem pagas
BBC Brasil – O senhor ressalta vários pontos negativos e problemas em sediar as Olimpíadas, mas quais são os benefícios que uma cidade pode obter ao sediar os Jogos?
Boykoff – Olhando para as Olimpíadas recentes eu diria que um dos maiores ganhos para uma cidade que sedia os Jogos pode ser o avanço na rede de transporte público. Veja o caso de Atenas, em 2004. A maior parte das pessoas viu os Jogos de Atenas como um desastre total. É fato que eles mal terminaram as obras antes dos Jogos, mas melhoraram o sistema de metrô, e isso é algo que todos os cidadãos de Atenas podem usufruir todos os dias.
Se a linha 4 for concluída, no caso do Rio este seria um grande ganho para o transporte público. Já em quesitos ambientais e de sustentabilidade o COI precisa melhorar. Se as promessas ambientais tivessem sido cumpridas no Rio este seria um grande ganho para os cariocas.
REUTERS. se concluída, linha 4 do metrô pode ser legado para cidade
BBC Brasil – O Rio acaba de sair de um ciclo de dez anos como sede de grandes eventos. Houve os Jogos Panamericanos, Jornada Mundial da Juventude, Rio+20, Jogos Mundiais Militares, Copa das Confederações, Copa do Mundo e agora Olimpíada. Se houvesse tantos avanços com a realização desses megaeventos, a cidade não deveria ser, a esta altura, muito melhor e com problemas muito mais resolvidos, em setores como transporte público e saneamento básico?
Boykoff – Sim, poderíamos esperar que após dez anos de megaventos o Rio estaria num outro patamar de transporte público, com melhor saneamento básico, tratamento de esgoto e questões de sustentabilidade resolvidas. Haveria maior avanço se muitas das promessas feitas para cada um desses eventos tivessem sido cumpridas.
Mas, dez anos depois, aqui estamos nos perguntando como foi possível gastar todos esses bilhões de dólares e como muito desse dinheiro público acabou servindo para proporcionar vantagens aos segmentos mais ricos da população carioca, as elites econômica e políticas. É doloroso refletir sobre todo esse dinheiro usado em megaeventos no Rio e o pouco que se conseguiu de beneficio para os cariocas.
AP. Megaeventos não resolveram problemas da cidade
BBC Brasil – O senhor diria que os países que optam por pagar pelas arenas e instalações olímpicas, em vez de criar parcerias com a iniciativa privada, e depois usufruem 100% dos locais e podem dar finalidades coletivas a eles, acertam mais do que o modelo escolhido no Rio, onde em troca dos recursos para construção das arenas, grandes empreiteiras receberam o direito de explorar as regiões com empreendimentos de luxo, como na Vila dos Atletas, Campo de Golfe e parte do Parque Olímpico?
Boykoff – Eu acho que este seria um passo potencialmente muito positivo a ser tomado. Em geral a cidade-sede paga por essas construções, mas há um risco envolvido. O ideal seria o Estado pagar e depois poder usufruir 100% das instalações no plano de legado.
Caso o Rio tivesse usado lições de Olimpíadas anteriores nos aspectos onde houve avanços, poderia ter chegado a um plano muito bom. Usando, por exemplo, o sistema de transporte público de Atenas, e o estádio de natação de Londres. De forma geral, nenhuma Olimpíada recente serviu muito para o bem coletivo, e essa é uma das maiores enganações.
BBC Brasil – Seis meses após os Jogos, corre-se o risco de que o Estado e a Prefeitura do Rio se colocaram em dívidas muito maiores do que o imaginado por conta da Olimpíada?
Boykoff – Fazer predições é algo muito difícil, sobretudo num ambiente tão volátil e com tantas mudanças como a política e a economia do Estado e da cidade do Rio, onde há tantas turbulências constantes. Mas eu diria que o futuro ainda está em aberto no Rio, e há muito espaço para mudanças. Há diversas cartas sobre a mesa, e oportunidade de agitar e transformar. Resta saber se esta oportunidade será tomada.
Thiago Guimarães – @thiaguimaDa BBC Brasil em Londres
Montagem em petição na internet critica King’s College de Londres por título concedido a CEO de mineradora
A entrega do título de doutor honoris causa ao CEO da mineradora anglo-australiana BHP Billiton, uma das donas das barragens que se romperam em Mariana (MG), motivou uma reação dura de alunos do King’s College, uma das universidades mais tradicionais da Inglaterra.
O geólogo escocês Andrew Mackenzie recebeu a homenagem em outubro, uma semana antes do maior desastre ambiental da mineração no Brasil. O título foi concedido em reconhecimento a seu trabalho de destaque como geólogo e “por ter chegado aos mais altos níveis de liderança em negócios globais através de uma combinação de tino comercial, liderança regida por princípios e uma contínua fascinação com a ciência”.
Na semana passada, estudantes organizaram um abaixo-assinado na internet em protesto contra a honraria. Pedem que a universidade revogue o título ao “executivo da mineradora responsável pelo derrame de lama tóxica no Brasil”. Até a publicação da reportagem, a iniciativa reunia cerca de 150 apoiadores.
“Como uma instituição de pesquisa de ponta que pretende reconhecer sua responsabilidade em sustentabilidade e proteção ambiental, o King’s deveria estar liderando um caminho de respeito ao ambiente global, mais do que conceder títulos honorários a CEOs de empresas que estão lucrando por meio de práticas empresariais irresponsáveis e danosas”, afirma o texto da petição.
A BHP é a maior mineradora do mundo. Ao lado da brasileira Vale, controla a Samarco, dona das barragens que se romperam em Mariana e lançaram 40 bilhões de litros de rejeitos de mineração na bacia do rio Doce, em Minas Gerais e no Espírito Santo. Ao todo, 15 pessoas morreram e quatro ainda estão desaparecidas.
Ainda não há dados definitivos sobre a composição dos rejeitos e seus potenciais danos à saúde. Não houve estudos de órgãos de governo, apenas análises de qualidade da água, com resultados distintos.
Na semana seguinte à tragédia, Andrew Mackenzie esteve em Mariana. Ao lado dos presidentes da Vale e da Samarco, disse “lamentar muito” o desastre e prometeu reconstruir casas de famílias atingidas.
Image copyrightBHP Em entrevista em Mariana ao lado dos presidentes da Vale e da Samarco, Andrew Mackenzie disse “lamentar profundamente” o desastre e prometeu apoio aos atingidos
“Lamentamos profundamente por todos que sofreram, e irão sofrer, por essa terrível tragédia, por amigos e parentes dos mortos e desaparecidos e a aqueles que perderam suas casas e bens, e que sentem que sua sobrevivência pode estar em risco”, disse o CEO da BHP na ocasião.
Após o desastre e multas impostas por órgãos de governo à Samarco, as ações da BHP atingiram o menor valor em dez anos. A empresa também revisou para baixo sua meta de produção de minério de ferro para o ano fiscal de 2016.
‘Ficha demorou a cair’
A mobilização contra a homenagem partiu, sobretudo, de estudantes brasileiros do King’s College ligados ao Brazil Institute, centro de estudos brasileiros da universidade.
“Demorou um pouco para cair a ficha (em relação à homenagem). Depois veio a revolta, e não só pelo título, mas pela prática de grandes universidades de conceder homenagens a representantes de empresas que não se pautam pela ética”, afirmou Grace Souza, aluna de doutorado no Brazil Institute.
Souza disse considerar que falta diálogo com a comunidade acadêmica no processo de definição dos homenageados.
“Apesar de saber que a universidade não irá revogar o título, até porque houve uma petição contrária antes mesmo da homenagem, achamos que vale demonstrar que a comunidade brasileira e simpatizantes da causa ambiental não estão satisfeitos. A universidade está jogando lama em seus alunos”, afirmou.
AF Desastre liberou cerca de 25 mil piscinas olímpicas de rejeitos de mineração e causou graves danos ambientais e sociais
Antes da concessão do título, uma outra petição online, encabeçada por ativistas ambientais, já pedia que a homenagem não fosse concretizada. O abaixo-assinado, que reuniu 227 apoiadores, apontava contradição entre o ato e a política da instituição de incentivo à economia de baixo carbono.
Procurado pela BBC Brasil, o King’s College disse que a comunidade acadêmica pode indicar nomes para as homenagens, e que todo o processo é detalhado no site da instituição.
“O King’s homenageou o dr. Andrew Mackenzie em reconhecimento a seu trabalho de destaque como geólogo e um dos principais líderes empresariais do mundo. Eleito para a Royal Society (a academia britânica de ciência) em 2014, dr. Mackenzie publicou mais de 50 artigos como cientista, e integra o subcomitê de Ciência Ambiental e de Sistemas Terrestres para universidades do Reino Unido”, informou a universidade.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da BHP para eventuais comentários sobre a petição, mas não havia obtido resposta até a publicação desta reportagem.
A matéria abaixo publicada pelo jornal Estado de Minas traz uma fotografia mais sóbria das expectativas de recuperação da bacia do Rio Doce após a invasão do TsuLama da Mineradora Samarco (Vale +BHP Billiton). Interessante notar que um dos especialistas ouvidos foi o professor Paulo César Rosman da COPPETEC/UFRJ que causou um certo frisson ao anunciar em uma entrevista à BBC a ressurreição do Rio Doce para um período de cinco meses (Aqui!). Na matéria mostrada abaixo, o Prof. Rosman é bem mais conservador em seus prognósticos, o que, convenhamos, já deveria ter sido na primeira entrevista.
O ponto que a matéria levanta e eu concordo integralmente é que os desafios colocados pelo TsuLama da Mineradora Samarco só serão solucionáveis em curto, médio e longo prazos. E mais importante, que dar resposta à crise social causada pelo TsuLama será apenas o primeiro passo de uma longa caminhada.
Mas atenção, essa caminhada só será possível com a permanente observação de membros socialmente comprometidos da comunidade científica e da sociedade civil, especialmente dos municípios atingidos pelo TsuLama. É que se depender do Estado brasileiro e das mineradoras (Samarco, Vale e BHP Billiton), toda essa lama será imediatamente empurrada para debaixo do tapete.
Reparação dos estragos em Mariana e no Rio Doce pode durar uma década
Balanço da catástrofe aponta desafios de curto, médio e longo prazos e indica que curar a ferida humanitária é só a primeira meta de uma longa missão
Valquiria Lopes
(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Uma longa missão de recuperação, de alto custo, com ações que vão exigir sucessivos anos de comprometimento, público e privado. Essa foi uma das poucas certezas que ficaram depois das 16h20 de 5 de novembro, quando a Barragem do Fundão estourou, em Mariana, na Região Central de Minas. De lá até a foz do Rio Doce, no Espírito Santo, a enxurrada de 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério fez vítimas, causou prejuízos em escala ainda não estimada e deixou um imenso rastro de devastação. Passado um mês da tragédia, autoridades trabalham para cobrar da Samarco, proprietária da barragem, e de suas controladoras, as gigantes Vale e a anglo-australiana BHP, reparação dos estragos. Com a catástrofe ambiental ainda se expandindo, encontrar uma solução humanitária para as mais de 700 pessoas atingidas – muitas delas ainda vivendo em hotéis – é a medida mais urgente. A médio prazo, o desafio é evitar ainda mais devastação no Rio Doce. Mas chegar perto da recuperação de toda a bacia hidrográfica é tarefa bilionária, para pelo menos uma década.
Especialistas explicam ainda que a recuperação vai exigir diferentes medidas, a depender da localização do estrago. “Obviamente, nas áreas de montante (mais próximas da barragem), mais impactadas, onde os rejeitos passaram com volume e velocidade maiores, a recuperação será mais lenta. Até porque os resíduos extrapolaram a calha dos rios Gualaxo do Norte e do Carmo, e ainda há muito sedimento nas margens”, explica o professor Paulo Cesar Rosman, do Departamento de Recursos Hídricos e Meio Ambiente da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que tem estudos sobre a Bacia do Rio Doce. Nos trechos seguintes, no médio Rio Doce, onde há três usinas hidrelétricas que contiveram parte dos sedimentos, o prazo para restauração deve ser um pouco menor. Na foz, é possível que, passado o período chuvoso, em abril, a água retome os índices normais de turbidez e oxigenação, com a sedimentação da lama e de metais pesados, como chumbo, ferro, alumínio e manganês, afirma o professor. Esses elementos ainda estão acima dos limites toleráveis, segundo relatório do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), divulgado no último dia 30.
O início do desafio ambiental, segundo a presidente do Ibama, Marilene Ramos, é conter o resíduo de rejeitos que ficou na área da barragem estourada, além de reduzir o volume que sobrecarrega o reservatório de Santarém. A estrutura, também da Samarco, foi afetada pela lama no dia do rompimento. “O objetivo é evitar novos carreamentos, principalmente porque estamos em pleno período de chuva”, afirma. Segundo ela, a empresa se comprometeu a construir diques drenantes, em 90 dias, para essa finalidade. Será preciso ainda remover e destinar adequadamente o rejeito que extravasou a calha dos cursos d’água em cerca de 70 quilômetros de áreas de preservação permanente, para regeneração da flora e melhoria da turbidez da água. Além disso, “é preciso manter o trabalho de proteção da ictiofauna e também das tartarugas marinhas e mamíferos aquáticos na área costeira”, lista Marilene.
O custo de R$ 20 bilhões para a recuperação da Bacia do Rio Doce foi estimado em ação civil pública ajuizada pela Advocacia-Geral da União (AGU), em conjunto com os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Segundo a presidente do Ibama, a restauração dos processos ecológicos, como crescimento de vegetação até a idade adulta e repovoamento da fauna, pode exigir 10 anos, “embora não seja possível prever quando o meio ambiente vai resgatar sua condição de normalidade.”
Mariana: ‘Debate não foi proporcional à escala do desastre’, diz relator da ONU
Marina Wentzel Da Basileia para a BBC Brasil
Image copyrightReuters Relator especial da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak criticou a falta de transparência sobre as causas do acidente
A atenção dada ao desastre ambiental de Mariana não foi proporcional à dimensão da tragédia.
A opinião é do relator especial da Organização das Nações Unidas para Direitos Humanos e Substâncias Tóxicas, Baskut Tuncak.
Em entrevista à BBC Brasil, ele criticou ainda a falta de transparência sobre as causas do acidente e disse estar preocupado com o futuro da região.
“A severidade do desastre e a ausência de informações sobre as causas do incidente demandam um escrutínio muito maior e um debate público mais forte”, disse Tuncak.
“Francamente, estamos vendo uma falta de responsabilidade das empresas e do governo que não correspondem ao tamanho do estrago e do risco para o meio ambiente”, afirmou Tuncak.
“O público tem o direito de saber por que isso aconteceu e os impactos em potencial desse desastre”, disse.
“Recebemos a informação de que há áreas contaminadas com níveis mil vezes superiores ao que seria considerado seguro de acordo com o governo brasileiro. Há diversas variáveis, mas basicamente isso indica um grande risco à população local, sua saúde e vida”, acrescentou.
Tuncak esclareceu que a ONU vem usando como fonte de referência sobre a contaminação resultados de testes de água divulgados por autoridades locais e citou números que coincidem com o levantamento do Serviço Autônomo de Água e Esgoto do município de Baixo Guandu, no Espírito Santo, SAAE.
O laudo divulgado pelo município foi assinado por um laboratório particular. O levantamento avaliou a água em três pontos diferentes do rio Doce e encontrou níveis alarmantes de contaminação na amostra obtida no centro de Governador Valadares, MG.
Longo prazo
Image copyright Associação dos Pescadores e Amigos do Rio Doce. elator defendeu criação de legislação e padrões internacionais de prevenção ambiental
Na última sexta-feira, a Vale, empresa que – em parceria com a anglo-australiana BHP Billiton – controla a Samarco, mineradora responsável pela barragem rompida, admitiu em entrevista coletiva à imprensa brasileira que foram encontrados resquícios de chumbo, arsênico, níquel e cromo em certos pontos do Rio Doce.
A empresa, entretanto, defendeu que o teste repetido das amostras não revelou persistência na contaminação.
“Essa onda ia passando (…) aí depois você fazia de novo a análise e isso (a contaminação) não permanecia”, defendeu Vânia Somavilla, diretora de Recursos Humanos, Saúde e Segurança.
Segundo declarações do departamento jurídico, a Vale teria apenas uma “responsabilidade subsidiária” com a Samarco.
“Sobre os efeitos a longo prazo, ainda precisamos mais informações a respeito, mas esses resultados mostram que há um risco severo de impacto a longo prazo, direta ou indiretamente na saúde e no bem-estar das pessoas vivendo lá”, reforçou o relator da ONU.
Por ora, a Organização não pretende enviar uma missão de observadores ao Brasil para investigar independentemente o desastre. A ONU, no entanto, deverá continuar monitorando a situação e poderá no futuro vir a intensificar a atenção ao assunto, se houver desdobramentos ainda mais dramáticos, revelou Tuncak.
O relator defendeu a criação de legislação e padrões internacionais de prevenção ambiental como estratégia para evitar que tragédias desse tipo se repitam. “As respostas têm de ser em prevenção: prevenir que esses acidentes ocorram no futuro e prevenir que, caso eles ocorram, não aconteçam mais danos”.
“A comunidade internacional pode ter um papel em definir padrões mais fortes, baseados em direitos humanos, para prevenir que males assim aconteçam e que os impactos sejam mitigados, quando e se acontecerem”, concluiu.
Após ler com mais atenção a entrevista que o professor Paulo Cesar Rosman do COPPETEC/UFRJ concedeu à BBC sobre o incidente da Mineradora Samarco (Vale+BHP Billiton) no município de Mariana (MG), este blog conduziu uma entrevista com o Prof. Carlos Eduardo Rezende, professor titular e chefe do Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf). Além disso, o Prof. Carlos Rezende é um expert na dinâmica de poluentes metálicos, nutrientes, composição elementar e isotópica da matéria orgânica, e biomarcadores na interface dos ecossistemas terrestres e aquáticos, e tem atuado com intensidade na área de Ecologia Aplicada desde que chegou à Uenf em 1993.
Além de prestar essa entrevista ao blog, o Prof. Carlos Rezende disponibilizou o seu telefone de contato na Uenf para que sejam feitos contatos diretos acerca dos pontos que ele levanta em sua entrevista. O número de contato do Prof. Carlos Rezende é 22-2748-6080.
Blog do Pedlowski (BP): Em sua entrevista à BBC, o Prof. Paulo César Rosman declarou que “embora especialistas tenham divulgado previsões de danos catastróficos, que incluiriam danos à reserva marinha de Abrolhos, no sul da Bahia, e um espalhamento da lama por até 10 mil m²”. “Além disso, o Prof. Rosman afirmou que os efeitos no mar serão “desprezíveis”, que o material se espalhará por no máximo 9 km e que em poucos dias a coloração barrenta deve se dissipar.” Como o senhor vê essas declarações do Prof. Rosman?
Carlos Eduardo Rezende (CER): Eu notei que o Professor Rosman informou que os efeitos serão desprezíveis, mas não fez qualquer tipo de avaliação quanto ao que é ou não desprezível. O que eu poderia responder sobre isto é que com a redução na penetração da luz teremos certamente uma drástica redução na produção primária, ou seja, fixação de carbono com consequência na cadeia alimentar costeira. Outra coisa, o que é considerado desprezível, a morte de espécies fluviais e marinhas? Não quero sequer entrar na questão socioeconômica em toda região. Bom, quanto ao modelo que ele usou, não vi qualquer informação, e hoje por imagem de satélite já se pode chegar a uma conclusão. Neste momento, precisamos de informações precisas e não foram apresentados números para contestar as afirmações de outros grupos. Este momento é muito delicado e a comunidade acadêmica deve se manifestar, a meu ver, com mais precisão nas suas avaliações técnicas.
BP:O Professor Rosman também declarou á BBC que “para ele, a sociedade e os governos mineiro e federal precisam cobrar de Vale e BHP Billington, donas da Samarco, o processo de reflorestamento e reconstrução ambiental, de custo “insignificante” para as empresas.”.
CER: Custo insignificante em que termos? E os serviços ambientais que foram totalmente alterados ou comprometidos com o TsuLama que foi liberado pelo rompimento da barragem da Samarco? Eu diria que o reflorestamento e a reconstrução ambiental se forem feitos como se deve, precisaríamos de um acompanhamento ao longo de alguns anos para avaliar quando os serviços ambientais serão recuperados (ex.: A recarga das águas subterrâneas foi ou não comprometida?). Eu penso que não se pode tratar a questão ambiental varrendo coisas para debaixo do tapete e a população precisa de readquirir confiança na empresa e nos órgãos ambientais. Este momento deve ser usado como exemplo de pior hipótese, visto que o problema poderá ser repetido se mantivermos a precariedade na fiscalização, pois existem 765 barragens no estado de Minas Gerais, e poucos fiscais realizando este serviço.
BP:O Prof. Rosman declarou ainda que “no caso da ciência as coisas são mais factuais, quantitativas, mais numéricas. No caso do indígena, ele constata e sofre com a “morte” do rio. A diferença é que o rio está morto neste momento, é verdade, mas ressuscitará muito rapidamente, e eles vão poder comprovar isso.” O que o senhor tem a dizer sobre essa previsão de ressurreição que o Prof. Rosman fez?
CER: A minha resposta a esta afirmação é muito simples. Para quem afirma que ciência é quantitativa e mais numérica, precisamos de números, e estes não foram apresentados, mas foram realizadas afirmativas que deveriam vir respaldadas com maiores detalhes. Ao afirmar que em 5 meses tudo estará normalizado, seria fundamental saber o que realmente tínhamos neste sistema antes da passagem dos rejeitos e sabemos que as informações, neste exato momento, são insuficientes.
BP: O Professor Rosman também afirmou que “há muitos exemplos de acidentes muito mais graves e mais sérios do que este da barragem de Mariana. Veja a erupção vulcânica do monte Santa Helena, nos Estados Unidos (em 1980). Foi tudo devastado e destruído, numa área imensamente maior. Você vai lá hoje e vê que os animais voltaram e a mata voltou.” Como o senhor responde a estas afirmações?
CER: Aqui, mais uma vez, há uma tentativa de naturalização do problema ao usar um evento extremo e natural e compará-lo com um que poderia ter sido minimizado com medidas que deveriam estar sendo cumpridas. Para um profissional da área, o Prof. Rosman me parece estar negligenciando um ponto importante na engenharia de reservatórios e de segurança. Além disso, o evento de Itajaí precisa ser detalhado, pois muitas pessoas não conhecem. Os números precisam ser apresentados, e não basta, a meu ver, afirmar que foi maior, sem estabelecer claramente as diferenças entre os eventos.
BP:Na sua entrevista, o Prof. Rosman afirmou também que as fortes chuvas entre novembro e abril “lavarão” o rio Doce, num processo natural. Como o senhor vê essa previsão?
CER: O fato concreto é que parece ter sido esquecido que estamos sobre o efeito do El Niño, e que este fenômeno gera um déficit pluviométrico na região Sudeste, onde os dois estados atingidos pelo derrame da Mineradora Samarco estão inseridos, e que há 3 anos estamos passando por secas prolongadas.
BP: O Prof. Rosman também afirmou que “para se ter uma ideia, a água transparente do mar, costeira, tem tipicamente 5 mg/l de sedimentos em suspensão. A água dentro de uma baía tem tipicamente entre 50 mg/l a 100 mg/l de sedimentos em suspensão. A água de um rio com cor barrenta tem em torno de 500 mg/l de sedimentos de suspensão, são todos dados naturais.”. Nesse caso, há alguma coisa que o senhor gostaria de apontar?
CER:A região estuarina ou marinha do rio Doce não está diretamente associada a uma baía, muito pelo contrário é aberta e ligada diretamente ao oceano, assim 50 a 100 mg/L não é um valor baixo, inclusive estando dentro da faixa encontrada para rios (ex.: rio Paraíba do Sul). Inclusive, para considerarmos legalmente algumas questões, devemos observar a Resolução CONAMA 357/2005 e confirmar se as águas estão em conformidade com os padrões estabelecidos para a Classe I, pois a região é usada para recreação e, portanto, contato primário.
BP: Um aspecto final que eu gostaria de perguntar ao senhor se refere às responsabilidades pelo incidente em Mariana. No tocante à isto, o Prof. Rosman disso o seguinte “Olha, irresponsabilidade é quando você tem consciência do fato e não faz nada. Tudo é óbvio depois que você já sabe o que aconteceu.”. Como é que o senhor vê a questão das responsabilidades sobre o incidente que ocorreu em Bento Rodrigues com o rompimento da barragem Fundão da Mineradora Samarco?
CER:Creio que nesta resposta em particular, não houve uma resposta concreta, pois existem informações conflitantes sobre as condições deste e de outros reservatórios segundo informações publicadas em diferentes órgãos de imprensa nacional e internacional. Dai quando ocorrer algum outro rompimento de barragem de rejeitos, haverá ou não responsáveis? Parece-me que sim.
Pelo 4º ano seguido, Brasil lidera ranking de violência no campo
Renata Mendonça – @renata_mendoncaDa BBC Brasil em São Paulo
Maioria das mortes de ativistas ambientais e agrários no Brasil ocorreu por conflitos de terra
O Brasil lidera, pelo quarto ano consecutivo, a lista de países que mais tiveram ativistas ambientais e agrários assassinados compilada pela ONG internacional Global Witness e divulgada nessa segunda-feira.
Das 29 mortes de líderes e militantes de causas ambientais ou agrárias registradas no país no ano passado, 26 delas estavam ligadas a conflitos de terra.
Quatro das vítimas eram indígenas.
O Brasil está à frente de países como Colômbia (25 mortes em 2014), Filipinas (15 mortes) e Honduras (12 mortes). Desde 2002, só houve um ano, 2011, em que o país não liderou esta lista. Ao todo, 477 “ativistas ambientais ou agrários” foram assassinados no país desde 2002, segundo a ONG.
A ONG adverte que esses números podem estar subestimados.
“Essa é uma crise oculta que está escapando da opinião pública, primeiro porque não é monitorada de forma adequada pelos governos, e também porque muitos ativistas vivem em comunidades pobres e remotas, com acesso limitado aos meios de comunicação e à mídia”, diz o relatório.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora a violência no campo há 30 anos, diz que, em 2014, foram mortos 36 ativistas de causas da terra e do meio ambiente no país. Segundo a CPT, o Estado mais violento foi o Pará, onde ocorreram nove mortes, seguido por Maranhão e Rondônia (cinco mortes cada).
Povos indígenas lutam até hoje por demarcações de terra e frequentemente fazem protestos em Brasília
Para a Comissão Pastoral da Terra, os movimentos que lutam pela terra e os povos indígenas que também lutam por direito ao seu território não têm a quem recorrer.
“Você tem que se apegar a Deus. Nessas condições em que o Estado não funciona, não tem segurança nenhuma, se for pensar bem, você desiste, porque o risco é permanente”, diz Siqueira.
“As pessoas não confiam na Justiça. É uma terra de ninguém. Quando a lei ameaça funcionar, acontece isso, vão ameaçar a vítima, que é testemunha.”
A Global Witness cita, como exemplo da violência no campo em 2014, o caso de Raimundo Rodrigues da Silva, líder de uma comunidade rural no Maranhão.
Ele levou um tiro e foi para o hospital e, enquanto estava internado, dois homens tentaram sem sucesso entrar no seu quarto para matá-lo. Pouco tempo depois, ele veio a falecer em decorrência dos ferimentos causados pela bala.
ONG aponta impunidade como o grande problema do Brasil para combater a violência contra ativistas ambientais e agrários
Impunidade
Para a Global Witness, um fator que “complica” a violência no campo no Brasil “é a falta de documentos oficiais da terra para comunidades indígenas ou de camponeses”. “Muitos dos suspeitos de (serem) mandantes desses crimes de 2014 são poderosos latifundiários”, disse à BBC Brasil Billy Kyte, um dos principais autores do estudo.
A impunidade é o fator mais citado no documento para justificar o alto número de assassinatos ligados a questões ambientais e agrárias no mundo.
No Brasil, segundo Billy Kyte, a impunidade também “é o maior problema”. “O Brasil precisa monitorar esses assassinatos e levar os responsáveis à Justiça. Existe uma falta de vontade política (no país) para fazer justiça pelos mortos nesses conflitos.”
A Global Witness diz em seu relatório que muitos mandantes de assassinatos de ativistas “escapam” de investigações, “mas as informações disponíveis sugerem que grandes latifundiários, empresários, políticos e agentes do crime organizado frequentemente estão por trás desse tipo de violência”.
Ministro Patrus Ananias foi a Eldorado de Carajás e falou com parentes das vítimas do massacre
Para Rubens Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra, a falta de punição “incentiva” a violência no campo. Ele lembra o massacre de Eldorado de Carajás – quando 19 sem-terra foram mortos a tiro por policiais em uma marcha de protesto contra a demora para a desocupação de terras em Eldorado dos Carajás, no Pará.
O massacre completou 19 anos na última sexta-feira e, até hoje, ninguém foi punido.
“O caso de Eldorado é um caso clamoroso. É um país de faz de conta, as autoridades lamentam, vão lá, mas nada acontece”, diz o coordenador da CPT.
“O Estado favorece esse processo de reciclagem da violência, porque essa população fragilizada não tem a quem recorrer. A Justiça demora, falha ou, quando acontece, livra o mandante. É um ciclo vicioso no campo, que nunca parou e está sempre crescendo.”
Ativistas da causa da reforma agrária ou do meio-ambiente são ‘estigmatizados como ‘inimigos do desenvolvimento’
O ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, chegou a ir à Eldorado dos Carajás na sexta-feira e reiterou seu compromisso com a “reforma agrária e a paz no campo”.
“Viemos aqui hoje prestar uma homenagem aos 19 mártires que aqui tombaram, vítimas da violência, da brutalidade na luta pela reforma agrária. Viemos também para reafirmar nosso compromisso com a vida”, disse ele.
“Estamos empenhados, no Governo Federal, em promover a paz no campo. E a paz se constrói com justiça. Estamos aqui porque temos um compromisso, o compromisso do governo da presidenta Dilma com a reforma agrária. Vamos assentar todas as famílias acampadas no Brasil e transformar nossos assentamentos em espaços de vida”, discursou.
Polícia usa violência em protesto e fere ao menos 10 jornalistas no Rio
Jefferson Puff e Luís Kawaguti, da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Polícia usa violência para reprimir protesto no Rio de Janeiro
Ao menos dez jornalistas ficaram feridos por estilhaços de bombas de gás lacrimogênio e golpes de cassetete durante uma manifestação no Rio de Janeiro marcada para coincidir com a final da Copa do Mundo. O protesto, que reuniu cerca de 300 pessoas neste domingo na Zona Norte da cidade, foi duramente reprimido pela Polícia Militar.
Criticada por entidades, a operação da PM contou ainda com tropas de choque e cavalaria.
A estratégia dos policiais, conhecida no exterior como “kettling”, foi a de cercar totalmente os manifestantes e impedir que saíssem da Praça Saens Peña, na Tijuca, a menos de dois quilômetros do estádio do Maracanã, para onde queriam marchar.
Desde o início dos jogos da Copa do Mundo, autoridades estaduais têm autorizado o uso de violência para evitar que manifestantes se aproximassem de estádios ou instalações da Fifa.
A Polícia Militar afirmou à BBC Brasil que encaminhará à Corregedoria denúncias de abusos de policiais.
“Foi necessário usar bombas de gás também para dispersar, inclusive alguns manifestantes que arrombaram as portas do Metrô”, afirmou a instituição em nota.
Questionado sobre o objetivo da operação, o coronel Cristiano Luiz Gaspar, comandante do Regimento de Polícia Montada, disse ainda no local da manifestação que a operação “servia para garantir a segurança das próprias pessoas”.
Para André Mendes, advogado ativista que acompanhava o protesto ao lado de enviados da OAB do Estado do Rio de Janeiro, no entanto, a interpretação do que ocorreu na praça é outra.
“Traçaram um perímetro urbano e fizeram cárcere privado. Quando alguém tenta sair, eles (policiais militares) forçam a situação e há confronto. E se a pessoa insiste, levam para a delegacia e detêm alegando desacato ou desobediência. É totalmente inconstitucional, estão violando muitos direitos de uma vez só”, diz.
Jornalistas e violência
Reportagem da BBC Brasil testemunhou cenas de violência da polícia contra ativistas e jornalistas
A BBC Brasil e o restante da imprensa nacional e internacional presentes à manifestação testemunharam cenas de violência contra ativistas e jornalistas.
Mauro Pimentel, fotógrafo do site de notícias Terra, teve a lente da câmera quebrada e levou um soco no rosto. “Eu estava de máscara de gás, que foi quebrada com o soco. Foi isso que me salvou, senão teria ficado muito mais ferido”, disse.
“Na confusão das bombas de gás eu caí e a tropa de choque começou a passar por cima de mim. Aí veio um policial e se abaixou; eu achei que ele ia me ajudar mas ele abriu a minha máscara de gás e jogou spray de pimenta no meu olho”, disse Ana Carolina Fernandes, freelancer de agências de notícias.
Outros nove jornalistas foram alvos da polícia, que num dado momento focou em profissionais com câmeras.
Entre eles o documentarista canadense Jason O’Hara, que teria sido hospitalizado após ser agredido por policiais. “Show de horror nas ruas do Rio. Amigo e cineasta Jason O’Hara brutalizado pela polícia, levou chutes na cabeça”, disse em sua conta no Twitter o geógrafo americano Christopher Gaffney, professor-visitante da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Confrontos
Os confrontos entre policiais e manifestantes começaram quando os participantes do protesto tentaram passar à força pelas barreiras policiais que cercavam a praça.
A BBC Brasil ouviu os policiais gritando “360, 360!” e logo depois disso foi possível ouvir explosões de bombas de efeito moral. E de fato, nas horas que se seguiram, os 360 graus em torno do local ficaram totalmente isolados, e nem mesmo moradores ou jornalistas puderam entrar ou sair dali.
Manifestação reuniu cerca de 500 pessoas na Tijuca, zona norte do Rio.
O protesto seguiu a estratégia que vinha sendo adotada por autoridades estaduais desde o início dos jogos do mundial – de impedir com violência o acesso de manifestantes a estádios e instalações da Fifa
Para afastar os policiais das barreiras, as forças de segurança então lançaram bombas de gás lacrimogênio e fumaça, grandes quantidades de gás pimenta e alguns disparos de balas de borracha.
Estavam presentes centenas de policiais de choque e forças especiais da PM. Nas proximidades da praça, policiais da Força Nacional formavam uma segunda linha de contenção para impedir a passagem de manifestantes.
Como os confrontos não cessaram, os policiais passaram a usar cassetetes em larga escala e determinaram até uma carga de cavalaria contra os manifestantes. Diversos participantes foram detidos.
No final do protesto, a polícia, que vinha permitindo aos manifestantes deixar o local apenas individualmente (nunca em grandes grupos), decidiu isolar a praça completamente, impedindo a entrada ou saída até de profissionais de imprensa e socorristas.
Fotógrafa Ana Carolina Fernandes ficou ferida durante ação da PM para reprimir protesto no Rio
Os ânimos começaram a se acalmar apenas no início da noite, depois que boa parte dos manifestantes resolveu sair da praça, desistindo do protesto.
Porém os manifestantes voltaram a se concentrar dessa vez em Copacabana, onde fizeram novo ato em frente ao hotel onde se hospedam autoridades da Fifa. A polícia foi ao local e mais pessoas foram detidas.
Segundo um balanço da PM, seis pessoas foram detidas durante todo o protesto. A corporação disse que o objetivo da operação era “garantir a segurança de quem quer ir e vir pela cidade, inclusive à final da Copa do Mundo”.
“Também tem como meta garantir o direito à manifestação, sem contudo permitir excesso como vandalismo, violência e desacato”.
Prisões
Um dia antes do protesto, a polícia civil deteve 37 pessoas – em uma ação considerada por ativistas como uma tentativa de dificultar a realização do ato do domingo.
Segundo a Polícia Civil, dos 37 detidos inicialmente, 16 foram liberados após prestar depoimento.
Jefferson Puff e Ricardo Senra, da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Polícia do Rio exibe material apreendido em prisões realizadas às vésperas da final da Copa do Mundo
A polícia do Rio de Janeiro prendeu neste sábado ao menos 37 pessoas por supostas conexões com manifestações marcadas para coincidir com a final da Copa do Mundo, entre Argentina e Alemanha, neste domingo no Maracanã. Consultadas pela BBC Brasil, a OAB e a Anistia Internacional avaliaram as prisões como “inconstitucionais e intimidatórias”. O grupo também deve ser acusado de “formação de quadrilha armada”.
Mais nove pessoas poderão ser presas nas próximas horas pela operação batizada de Firewall 2, que mobiliza 25 delegados, 80 policiais e até uma aeronave.
Para o presidente de Comissão de Direitos Humanos da OAB do Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Chalreo, as prisões são inconstitucionais. “As prisões têm caráter intimidatório, sem fundamento legal, e têm nítido viés político, de tom fascista bastante presente. O objetivo é claramente afastar as pessoas dos atos públicos”.
Ao lado de representantes da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) e de coletivos de advogados, Chalreo disse à BBC Brasil que os presos terão pedidos de habeas corpus protocolados ainda hoje, e que “ninguém ficará sem assistência judiciária”.
Ao todo, o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal da Capital, emitiu 26 mandados de prisão temporária, que permitem até cinco dias de detenção, dos quais 17 já foram cumpridos. Mais duas pessoas foram presas em flagrante e dois menores foram apreendidos através de mandados de busca e apreensão.
Outras 16 pessoas foram presas sem mandado, apenas para “averiguação”, porque estavam nas casas dos suspeitos detidos, informa a assessoria de imprensa da Polícia Civil.
Porte de arma vencido e maconha
Segundo a polícia, um dos presos em flagrante seria o pai de um dos jovens sobre os quais pesa um mandado de prisão. Ao entrar na residência para deter o suspeito, os policiais teriam encontrado uma arma, supostamente um revólver calibre 38.
De acordo com as informações iniciais, o documento de porte de arma vencido do pai do suspeito levaram os policiais a prendê-lo em flagrante, e o revólver em questão teria sido a base da acusação de formação de quadrilha armada, que teria como chefe a ativista Elisa Quadros Pinto Sanzi, de 28 anos. Conhecida como Sininho, a jovem, que reside no Rio de Janeiro, foi presa em Porto Alegre.
O grupo será acusado por formação de quadrilha armada, conforme tipifica o artigo 288 do Código Penal Brasileiro. Segundo a polícia, embora nem todos tenham sido encontrados com armas em casa, os suspeitos teriam praticados atos monitorados durante a investigação que permitiram a delegado, promotor e juiz concluírem que participaram de atos de violência, mesmo que não diretamente.
A outra prisão em flagrante teria sido a de um jovem que foi encontrado com maconha na casa de um suspeitos e foi então acusado de “porte de drogas”.
Chalreo, da OAB, diz que é preciso atenção nos termos utilizados nas acusações. “Dizer armas e drogas, quando na verdade se trata da pistola do pai e de maconha, é criar uma falsa ilusão de perigo”, avalia.
Também foram encontradas joelheiras, máscaras de gás, jornais e bandeiras de movimentos sociais, que na visão da polícia são indícios do envolvimento dos jovens com os protestos.
“Apreendemos jornais, bandeiras, e outros materiais ditos inofensivos porque ajudam a fortalecer a vinculação entre as pessoas que foram presas. Alguém que tem um mero jornal em casa pode ter participado de outra ação violenta e isso será deixado mais claro em cinco dias”, disse o chefe da Polícia Civil do Rio, Fernando Veloso.
Ele diz que a ação da manhã deste sábado é fruto de uma investigação iniciada em setembro. “Hoje nós começamos a desmantelar uma quadrilha organizada. A investigação começou em setembro”, explica.
“Essas pessoas querem fazer guerra, querem provocar o caos e a polícia não pode permitir isso”, complementou.
Anistia Internacional
A organização de direitos humanos Anistia Internacional chamou a atenção para o fato de prisões semelhantes já ocorridas sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo antes de manifestações.
Para a ONG, a ação é “preocupante, por parecer repetir um padrão de intimidação que já havia sido identificado pela organização antes do início do Mundial”.
A Anistia disse ainda que “a liberdade de expressão e manifestação pacífica são um direito humano e devem ser respeitados e garantidos pelas autoridades em todas as situações, inclusive durante a Copa do Mundo. Ninguém deve ser detido ou preso apenas por participar de uma manifestação e exercer tal direito”.
Colaboração Júlia Dias Carneiro, da BBC News, no Rio de Janeiro