Lula sabe que todo mundo já “meteu a mão” em nossos minerais estratégicos, inclusive com apoio do seu governo

Lula em lançamento de investimentos da Vale no Pará / Ricardo Stuckert

Por Maurício Ângelo* 

É comum que aquilo se fala em cima de um palanque tenha um tom exaltado acima do normal. O que não dá para ignorar é quando esse discurso se descola da realidade. O presidente Lula incorreu neste erro ao elencar, aos gritos, os recursos brasileiros que são alvo do interesse internacional, especialmente dos Estados Unidos e de Donald Trump no atual contexto geopolítico, dizendo que “ninguém põe a mão” nos nossos minérios estratégicos e que “esse país é do povo brasileiro”.

Esses arroubos de soberania podem inflamar a militância, mas não tem amparo na história passada e atual. Pelo contrário: Lula sabe bem que todo mundo já “meteu a mão” nos minerais nacionais, inclusive com apoio recorrente do seu governo – e de todos os governos anteriores – em atrair empresas estrangeiras, investidores, abrir novas áreas de exploração, expandir áreas em operação e criar políticas e programas de incentivo ao setor mineral, além do empréstimo direto, sobretudo via BNDES.

política de conceder suas riquezas minerais para outros países no mercado internacional é, aliás, a base da própria política mineral brasileira desde sempre.

A indústria nacional ganhou impulso com a criação das então estatais Vale e CSN durante o governo de Getúlio Vargas no período da Segunda Guerra Mundial justamente para fornecer minérios para o complexo industrial-militar da época em acordo com os Estados Unidos, com dinheiro americano.

Multinacionais canadenses, americanas, chinesas, inglesas, francesas, suíças, japonesas e de várias outras nacionalidades dominam o mercado brasileiro. Investidores e acionistas estrangeiros estão por trás de todas essas empresas. A produção mineral brasileira segue sendo majoritariamente para exportação, com baixíssimo processamento interno. Somos mais exportadores de commodities hoje do que éramos há 20 anos atrás, no primeiro governo Lula.

Os recursos minerais, constitucionalmente, são da União. Portanto, do povo brasileiro. O Executivo concede para as mineradoras o direito de explorar determinado mineral. Na prática, o que existe é uma sociedade entre governo federal e capital privado global. O governo atua diuturnamente para facilitar a vida das mineradoras, criar e ampliar empréstimos, subsídios, benefícios, programas e simplificar o licenciamento ambiental, com apoio do Congresso dominado pelo lobby minerador, como o caso do PL da Devastação ilustra perfeitamente.

Mas também nas mudanças infralegais praticadas pela Agência Nacional de Mineração e Ministério de Minas e Energia nos últimos anos, seguindo orientações da OCDE ou por conta própria, o que não precisa passar pelo Congresso. E os governos estaduais, todos eles cooptados pelo dinheiro da mineração e a dependência forjada e alimentada do modelo mineral, seguem na mesma página.

Repito, não é exclusividade de Lula III, mas de todos os presidentes que passaram pelo cargo e todos os governadores em todos os estados, não importa o espectro político.

Fonte: Anuário Mineral Brasileiro

Brasil-EUA firmaram acordo para explorar minerais nos últimos anos

É compreensível que as ameaças de Donald Trump, um neofascista convicto, que tem usado o poder geopolítico americano para se apropriar (ou tentar) de reservas minerais na Ucrânia, Groenlândia e em outros países, assim como tentar anistiar Jair Bolsonaro e ameaçar o mercado brasileiro e de vários países com tarifas absurdas, inflame os ânimos.

Importa pouco também que Elon Musk, outrora braço direito, tenha rompido com Trump. Escrevi aqui em abril de 2024 como Musk quer mesmo é garantir o suprimento de minerais estratégicos para os seus negócios, o mesmo interesse que inclui todos os magnatas das big techs que financiaram a eleição de Trump e continuam próximos do presidente americano.

No dia a dia da política, porém, a relação BR-EUA é bem mais amistosa.

 

Não faz muito tempo, no fim de 2024, Brasil e Estados Unidos, ainda sob Biden em fim de governo e Trump já eleito, assinaram um acordo durante o G20 para exploração de minerais críticos que, detalhamos aqui, foi cercado de sigilo e com pontos nebulosos como a ausência de salvaguardas ambientais, as contrapartidas sociais e medidas que ajudem na reindustrialização do país.

Foi uma tratativa direta entre Planalto e Casa Branca, afirmou o próprio MME ao Observatório da Mineração. Desde 2020, na realidade, durante o governo Bolsonaro, foi criado um GT entre Brasil e Estados Unidos para discutir justamente a exploração de minerais críticos. Nestes 5 anos, porém, o tal GT pouco avançou.

Sob Donald Trump, alertamos, tais acordos seguiriam repletos de incerteza. Os movimentos recentes ilustram esses desdobramentos.

Embora haja ruídos significativos nas chantagens feitas por Trump ao Brasil, é bem provável que o pragmatismo, a pressão e a interlocução da indústria minero-siderúrgica imperem para que um meio termo seja alcançado.

É curioso como a mídia não especializada está tratando as reuniões do IBRAM, que representa 90% da produção privada mineral no Brasil e tem entre as suas associadas as mesmas multinacionais que dominam o mercado global, com representantes dos Estados Unidos. O IBRAM está fazendo o que sempre faz. Negociando os seus interesses com quem precisa. E de modo geral bem alinhado com o MME, ANM e os parlamentares que apoia no Congresso.

Foto: Ricardo Stuckert

Grandes bancos e fundos de investimento americanos, como JP Morgan, BlackRock, Vanguard e outros, são acionistas e investidores de empresas como a própria Vale, maior mineradora brasileira e entre as maiores do mundo. A BlackRock, maior fundo do planeta, detém 5,9% da Vale, que, de capital brasileiro, ainda tem a Previ (8,6%), além de outros investidores e das “golden shares” que o governo brasileiro tem direito. Lula foi o primeiro presidente, em muito tempo, a visitar as instalações da Vale no Pará no anúncio de grandes investimentos para os próximos anos.

Em 2021, após décadas, o BNDES zerou a sua participação na Vale, tornando o capital estrangeiro maioria na empresa. Mas o mesmo BNDES emprestou mais de R$ 25,5 bilhões para mineradoras, boa parte multinacionais, entre 2002 e 2022, como revelamos exclusivamente aqui.

O mesmo BNDES que lançou um fundo para minerais críticos em parceria com a Vale e segue emprestando valores significativos para mineradoras estrangeiras, como a Sigma Lithium, sediada no Canadá, que recebeu quase R$ 500 milhões após alterações nas regras do Fundo Clima. A Sigma também foi lançada na bolsa americana Nasdaq com participação direta do MME e de membros do governo Lula.

Dinheiro norte-americano segue inundando o setor mineral brasileiro, como a Mosaic Fertilizantes, empresa dos Estados Unidos, entre as maiores do planeta, que detém grandes minas de fertilizantes (fosfato) no Brasil, inclusive com problemas crônicos em barragens e conflitos com agricultores em Goiás e MG. Fertilizantes que, da lista de minerais considerados estratégicos pelo Brasil – quase tudo, diga-se – são uma das únicas substâncias que o Brasil realmente depende de importação.

A exploração de terras raras no Brasil, ainda incipiente e que ocupa os holofotes da vez, ameaça por exemplo assentamentos rurais no Nordeste e em Goiás, a agricultura familiar e o maior pau-brasil já descoberto, no sul da Bahia, como mostramos no início do mês, o que parece não levantar uma rusga de preocupação em quase ninguém.

Além dos EUA, o governo Lula anda fazendo uma série de acordos envolvendo minerais críticos com a China e ditaduras árabes, por exemplo. Todos bastante nebulosos, sem transparência clara, regras na mesa, comunicados detalhados, mas que colocam a tal soberania nacional no colo e nas mãos de outras potências mundiais. Essa foi a tônica desde o início do atual governo.

No PDAC, realizado anualmente no Canadá, maior evento da mineração mundial, o governo Lula, em comitiva junto de empresários do setor, participa de um legítimo roadshow” em apresentações para captar investimentos estrangeiros no Brasil, igualzinho fazia o governo Bolsonaro.

Lula sabe bem, reforço, que todo mundo já meteu a mão nos minerais brasileiros e seguirão abocanhando a riqueza nacional, com baixíssimo retorno para a sociedade. E que essa é uma política de Estado que atravessa décadas, com gigantesco empenho de políticos das mais variadas origens, que jamais foi questionada ou interrompida.

Pelo contrário: é a própria base da política mineral brasileira, estender o tapete vermelho para o dinheiro americano e para quem mais quiser.

*Maurício Angelo é fundador e Diretor Executivo do Observatório da Mineração. Doutorando em Ciência Ambiental na Universidade de São Paulo (PROCAM-USP). Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (CDS-UnB). Professor e palestrante. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional. Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2022 e 2021. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019).


Fonte: Observatório da Mineração

Grandes bancos e fundos internacionais lucraram bilhões com o comércio de carne produzida a partir da invasão de terras indígenas na Amazônia

Potências financeiras como Barclays, Vanguard e BlackRock ganharam milhões com o financiamento do frigorífico brasileiro JBS, cujas operações estão causando a destruição da terra indígena Apyterewa

Parakana_boyUm menino Parakanã fica sobre uma carcaça carbonizada de cobra, no estado do Pará, Brasil. Cícero Pedrosa Neto/Global Witness
Por Global Witness

O banco britânico Barclays lucrou US$ 1,7 bilhão com o financiamento da gigante brasileira de carnes JBS nos últimos cinco anos, já que as operações da empresa contribuíram para a invasão e destruição de um território indígena no Brasil, segundo uma investigação liderada pela organização climática Global Witness. 

O Barclays emergiu como o maior credor das operações globais da JBS, com a maior receita gerada por empréstimos e taxas de subscrição entre mais de 30 outros financiadores identificados pelo grupo de pesquisa independente Profundo.   

O papel da JBS no desmatamento ilegal  

A criação comercial de gado por povos não indígenas é ilegal em territórios indígenas designados pela lei federal brasileira. 

No entanto, entre 2018 e 2023, quase 8.000 vacas criadas no território indígena Apyterewa entraram na cadeia de suprimentos da JBS, de acordo com uma análise do Centro de Análise de Crimes Climáticos (CCCA) . 

A JBS não respondeu ao nosso pedido de comentário. 

O território Apyterewa, lar do povo Parakanã, no estado do Pará, no norte do Brasil, sofreu mais desmatamento do que qualquer outro território indígena nos últimos anos na Amazônia brasileira. 

Apesar das proteções legais, os criadores de gado invadem persistentemente essas terras, explorando o apetite global por carne bovina e desrespeitando os direitos das comunidades indígenas.  

Em outubro de 2023, o governo brasileiro expulsou esses invasores de terras, mas um sobrevoo recente da Global Witness revelou incêndios ativos, indicando que tanto o desmatamento quanto as invasões ainda estão em andamento. 

À medida que a floresta amazônica enfrenta a pior temporada de incêndios em duas décadas em meio a uma seca severa, a destruição de Apyterewa está se intensificando. Isso ocorre porque os incêndios na Amazônia são amplamente desencadeados pela atividade humana, especialmente por aqueles que desmatam florestas para grilagem de terras. 

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) confirmaram mais de 300 alertas de incêndio desde o início deste ano, ressaltando a ameaça persistente. 

O custo ambiental e humano

mama parakana

Mama Parakanã, cacique da aldeia indígena Apyterewa e líder no combate às invasões em Apyterewa, no estado do Pará, Brasil. Cícero Pedrosa Neto/Global Witness

Eles destruíram tudo. Tudo o que nos resta é grama. Nossos animais morreram queimados- Mama Parakanã, cacique da Aldeia Indígena Apyterewa

Em Apyterewa, a destruição ambiental anda de mãos dadas com a violência. Um chefe Parakanã descreveu como sua aldeia foi queimada em um ataque de grileiros, enquanto outro membro da comunidade relatou ter sido baleado por um invasor. 

“A carne da terra indígena Apyterewa é carne do nosso território”, disse Mama Parakanã, cacique da Aldeia Indígena Apyterewa. “Eles destruíram tudo. Tudo o que nos resta é capim. Nossos animais morreram queimados.”

Falha de supervisão das instituições financeiras

Nossa investigação expõe falhas significativas tanto na indústria da carne bovina quanto no setor financeiro internacional. O primeiro luta com o monitoramento das cadeias de suprimentos, enquanto o último frequentemente negligencia medidas para mitigar os impactos ambientais e sociais de seus investimentos.

“Essas descobertas revelam como um acordo aparentemente rotineiro feito em Nova York ou Londres pode estar ligado à invasão evitável, mas devastadora, de terras indígenas”, disse Alexandria Reid, líder de estratégia de campanha da Global Witness. 

“Não há mundo em que consigamos deter a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas sem que os governos tomem medidas para deter o desmatamento, o que é melhor alcançado ao capacitar os povos indígenas para fazer valer sua soberania e direitos à terra”, acrescentou.

Não existe um mundo em que consigamos travar a perda de biodiversidade e as alterações climáticas sem que os governos tomem medidas para travar a desflorestação- Alexandria Reid, Líder de Estratégia de Campanha da Global Witness

O Barclays negou ter fornecido financiamento às operações da JBS no Brasil desde 2021, acrescentando que suas políticas foram “atualizadas em abril de 2023 para incluir restrições à produção de carne bovina e ao processamento primário em países de alto risco de desmatamento na América do Sul”.

O banco, no entanto, não comentou sobre o financiamento das operações globais da empresa, por “razões de confidencialidade”. 

Para mais detalhes sobre as respostas da empresa a essas alegações, consulte o PDF da investigação .  

Apesar da adoção de regras de financiamento mais rígidas para empresas de desmatamento no ano passado, os laços do Barclays com a JBS persistem, já que uma brecha na política do banco permite que ele continue financiando as subsidiárias da empresa, inclusive nos EUA.

Incêndio na Amazônia - Apyterewa.jpgFumaça de queimadas na Terra Indígena Apyterewa, Pará, Brasil, julho de 2024. Cícero Pedrosa Neto / Global Witness

A procura global por carne bovina e a crise dos direitos à terra 

A demanda global por carne bovina tem impulsionado o desmatamento tropical generalizado , particularmente no Brasil. A maior parte do desmatamento florestal para pastagem de gado é ilegal, pois os fazendeiros invadem terras protegidas que incluem parques nacionais e territórios indígenas. 

Um estudo de 2023 na revista Nature relatou que o desmatamento em territórios indígenas da Amazônia aumentou em 129% desde 2013.

A terra indígena Apyterewa está no centro de uma crise. 

Sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, entre 2019 e 2022, tanto as taxas de desmatamento quanto as ameaças à segurança da comunidade e aos meios de subsistência tradicionais aumentaram.

GW 1

Segundo estimativas do governo brasileiro , cerca de 2.500 indígenas estão distribuídos em 51 aldeias no território – principalmente das comunidades Parakanã, Mebengôkre Kayapó e Xikrim.

Enquanto isso, grupos indígenas afirmam que, quando a invasão atingiu o pico, havia aproximadamente 10.000 pessoas não indígenas ocupando a terra.

O povo Parakanã diz que os forasteiros estão poluindo suas fontes de água, esgotando os recursos florestais e ameaçando seu modo de vida tradicional.

Chefe e líder indígena lutando contra invasões de terras no Brasil.jpgTatuaro Parakanã, cacique da aldeia Caeté e liderança que combate as invasões em Apyterewa, diz que tem enfrentado ameaças de morte por parte de grileiros. Cícero Pedrosa Neto / Global Witness

Onde caçávamos, onde coletávamos nozes… os grileiros derrubaram tudo- Tatuaro Parakanã, cacique da aldeia Caeté

Tatuaro Parakanã, cacique da aldeia Caeté, relatou a devastação causada pelas desmatamentos: 

“Onde caçávamos, onde coletávamos nozes… os grileiros derrubaram tudo”, disse ele, citando ameaças de morte persistentes .

Ano passado, ele teve que se mudar com várias famílias por segurança, apenas para encontrar sua casa reduzida a cinzas mais tarde. “Tudo o que queremos é voltar para casa”, ele acrescentou.

Embora a presença de invasores criadores de gado tenha sido aparente há muito tempo, os compradores finais – e às vezes indiretos – de suas vacas permaneceram ocultos nessa complexa cadeia de suprimentos, até agora.

O ponto cego da cadeia de suprimentos indireta

Esta nova análise do CCCA revela que entre 2018 e 2023, 7.795 vacas abatidas pelo frigorífico brasileiro JBS vieram de cadeias de suprimentos que incluem fazendas localizadas em Apyterewa. 

Destes, o CCCA calcula que 561 foram adquiridos pela JBS diretamente de fazendas ilegais dentro do território Apyterewa – enquanto a maioria, 7.234 vacas, faziam parte da cadeia de fornecimento indireta da JBS. 

A CCCA identificou essas transações da cadeia de suprimentos usando um algoritmo que incorpora uma análise multinível de informações extraídas de registros de transferência de gado que documentam o comércio entre empresas relevantes de propriedade ou que realizam transações com a JBS.

Esse gado provavelmente foi “lavado” para a cadeia de suprimentos do frigorífico, com os fazendeiros transferindo o gado de fazendas dentro do território indígena para fazendas aparentemente “limpas”, sem nenhuma perda florestal recente ou conexão com a grilagem de terras original.

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Cadeias de suprimentos indiretas representam um ponto cego significativo no combate ao desmatamento. Um estudo recente da organização sem fins lucrativos Mighty Earth mostrou que, entre 2017 e 2022, fornecedores indiretos supostamente foram responsáveis ​​pela maior parte do desmatamento ligado a grandes frigoríficos. 

A nova análise do CCCA revelou que dois outros pesos pesados ​​da indústria da carne – Marfrig e Minerva – também obtiveram gado das terras de Apyterewa.

De acordo com a investigação, a Marfrig recebeu 94 vacas diretamente de fazendas ilegais e estava ligada a outras 2.691 vacas por meio de sua cadeia de fornecimento indireta, enquanto a Minerva estava associada a 277 vacas criadas em Apyterewa.

Ambos negaram ter comprado vacas de propriedades localizadas dentro de terras indígenas.

aldeia na Terra Indígena Apyterewa.jpgAldeia Parakanã na Terra Indígena Apyterewa, Pará, Brasil. Cícero Pedrosa Neto/Global Witness

A Marfrig acrescentou que monitora todos os seus fornecedores diretos e 87% dos indiretos na Amazônia. 

A Minerva disse que não tinha relações diretas com nenhuma das fazendas que se sobrepõem ao território indígena Apterewa, que fica a 88,6 km do raio de comercialização de 300 km do matadouro de Araguaina da Minerva. 

No entanto, Minerva também observou que os dados fornecidos pela Global Witness não foram suficientes para conduzir uma “avaliação mais detalhada das vendas indiretas fornecidas”. 

Para mais detalhes sobre as respostas da empresa a essas alegações, consulte o  PDF da investigação 

Durante o período de cinco anos da análise, a CCCA descobriu que, além dos Três Grandes frigoríficos, outros 37 frigoríficos tinham conexões com a terra de Apyterewa. 

No total, 14.217 vacas criadas em fazendas ilegais no território de Apyterewa parecem ter chegado a esses matadouros. 

Todos os grandes frigoríficos mencionados – JBS, Marfrig e Minerva – assinaram um acordo juridicamente vinculativo com o Ministério Público Federal em 2009 para parar de comprar gado de fazendas envolvidas em desmatamento ilegal ou localizadas em áreas protegidas ou territórios indígenas.

Essas empresas se beneficiam da compra de carne de origem ilegal, o que a torna mais barata- Leonardo Godoy, Diretor Interino do Programa Brasil do CCCA

Em 2022, a JBS se comprometeu a monitorar a origem de todo o gado de seus fornecedores da Amazônia e do Cerrado até 2025. Para o resto do mundo, a empresa disse que suas cadeias de suprimentos não serão totalmente monitoradas até 2030.

Os resultados apontam para um problema sistêmico de dois níveis que prejudica aqueles que estão na linha de frente do combate ao desmatamento na Amazônia, ressalta Leonardo Godoy, Diretor Interino do Programa Brasil do CCCA:   

“Essas empresas [JBS, Marfrig e Minerva] se beneficiam comprando carne de origem ilegal, o que a torna mais barata.” 

Além disso, há gigantes financeiros que simplesmente não conseguem “impor medidas regulatórias eficazes para garantir que não invistam em empresas que ameaçam o ambiente e os direitos humanos, [e que] lucram extensivamente com os empréstimos feitos a essas empresas”.

Lucros sobre o planeta

O comércio global de carne bovina é um negócio lucrativo. De acordo com a coalizão de ONGs Forests & Finance, os bancos financiaram empresas de agronegócio e florestais que impulsionaram o desmatamento tropical com mais de US$ 260 bilhões entre 2018 e 2023. 

A JBS, a maior compradora de vacas Apyterewa, tinha vários financiadores ocidentais. 

A Global Witness e o grupo de pesquisa Profundo analisaram os laços de investimento e crédito entre a JBS e seus financiadores durante as invasões de terras de Apyterewa. 

A análise Profundo dos dados obtidos da Refinitiv Eikon e da Bloomberg revelou que instituições financeiras, incluindo Barclays, Royal Bank of Canada, Rabobank e Santander, geraram coletivamente bilhões de dólares em receitas de empréstimos e serviços de subscrição para as operações globais da JBS naqueles anos.

GW 3

Embora seu financiamento direto das operações brasileiras da JBS pareça ter sido mais limitado no período analisado, o Barclays tem sido há muito tempo o maior financiador internacional da empresa em todas as operações da JBS, continuando a dar suporte mesmo quando outros bancos se distanciaram do controverso frigorífico. 

Nossas descobertas se somam a mais de uma década de alegações contra a JBS, cujas ligações com a destruição ambiental e abusos de direitos humanos por meio de suas cadeias de suprimentos foram bem documentadas. 

A empresa removeu recentemente sua referência à “tolerância zero à invasão de áreas protegidas, como terras indígenas ou áreas de conservação ambiental” em seu último pedido de listagem de suas ações na Bolsa de Valores de Nova York.

GW 4

A análise do Profundo também examinou investimentos diretos e participações acionárias, indicando que instituições financeiras sediadas nos EUA embolsaram um total de US$ 660 milhões em investimentos da JBS globalmente. 

As gigantes de gestão de ativos Vanguard, BlackRock, Fidelity Investments e Capital Group detinham a maior parte, com Vanguard e BlackRock lucrando US$ 46 milhões cada com as operações brasileiras da JBS.

Nenhuma dessas instituições financeiras sediadas nos EUA comentou as alegações.  

GW 5

Separadamente, a Global Witness informou que a BlackRock e a Vanguard estão entre as seis empresas que detêm mais de US$ 11 milhões em títulos ativos emitidos pela JBS e suas subsidiárias por meio de fundos rotulados como “ambientais, sociais e de governança” (ESG).

Embora esses fundos excluam explicitamente empresas de combustíveis fósseis de seu portfólio, eles não excluem totalmente empresas ligadas ao desmatamento em seu processo de triagem.

A Global Witness contatou todas as instituições financeiras mencionadas neste relatório. Extratos relevantes das respostas recebidas estão disponíveis no  PDF da investigação .

Mama Parakanã disse à Global Witness: “Quero mandar uma mensagem aos bancos porque sofremos grandes perdas. Foi muito investimento. Às vezes, eles nem sabiam que era terra indígena. Então, estou dizendo a eles como eles são os culpados. A carne que saiu daqui, toda a nossa terra aqui, e a carne, tudo ilegal.”

Invasores ainda presentes

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Koxawewoxa Parakanã, vice-presidente da Associação Indígena Tato’a e líder parakanã que luta contra as invasões em Apyterewa, posa para um retrato. Cícero Pedrosa Neto / Global Witness

Os brancos estão vendendo carne para o mundo inteiro, mas é a nossa terra que eles estão destruindo- Koxawewoxa Parakanã, vice-presidente da Associação Indígena Tato’a e liderança Parakanã

Apesar da alegação do governo brasileiro de concluir as remoções em outubro do ano passado, invasores não indígenas permanecem no território Apyterewa, disseram membros da comunidade à Global Witness.

“Os brancos estão vendendo carne para o mundo inteiro, mas é a nossa terra que eles estão destruindo. Queremos que eles devolvam o dinheiro que ganharam”, disse Koxawewoxa Parakanã, vice-presidente da Associação Indígena Tato’a e líder Parakanã.

Riscos contínuos na cadeia de abastecimento

GW 6

A presença contínua de invasores levanta questões sobre como a carne bovina de Apyterewa ainda pode entrar nas cadeias de suprimentos dos principais frigoríficos hoje, apesar de suas alegações de práticas sustentáveis.

Esse risco destaca a necessidade de financiadores, como Barclays, Blackrock e outros, garantirem que seus investimentos não contribuam para o desmatamento ou invasões de terras, aponta Reid, da Global Witness.  

Nesse contexto, ela acrescentou, os governos também precisam se mobilizar e garantir que os bancos sejam obrigados a realizar verificações antes de financiar empresas que operam em setores que sabemos estarem regularmente ligados a abusos de direitos humanos, grilagem de terras e desmatamento.

“O setor financeiro não tem desculpa para fechar os olhos ao seu papel no financiamento de empresas que impulsionam o desmatamento.”


Fonte: Global Witness

Funai impede acesso de indígenas a R$ 1,5 milhão para projetos de conservação

Após meses de espera, 200 trâmites burocráticos e nenhuma resposta, Instituto lamenta cancelamento compulsório, único nos seus 32 anos de existência

Projetos de sete organizações indígenas e indigenistas aprovados para receber apoio do Fundo Amazônia/BNDES foram cancelados por falta de anuência da Fundação Nacional do Índio (Funai). As organizações aguardam há dez meses o documento que é exigência do financiador e computam, neste tempo, 211 trâmites burocráticos entre diversas áreas da Funai, com incontáveis idas e vindas na Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS). Os projetos, no valor total de R$ 1,5 milhão, foram selecionados pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), gerido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
 

Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN

É a primeira vez que o Fundo PPP-ECOS cancela projetos em razão da não obtenção de um documento expedido por órgão público. Em atividade no Brasil desde 1994, o PPP-ECOS já lançou 34 editais e contratou mais de 600 projetos em seus 28 anos de existência, com recursos de diferentes financiadores. Com o cancelamento inédito, oito povos de 9 terras indígenas, que representam mais de 800 famílias, deixarão de ser beneficiados diretamente. Estão prejudicados os povos Xavante (TI Pimentel Barbosa e TI Marãiwatsédé); Kuikuro (TI Parque Indígena do Xingu); Zoró (TI Zoró); Krikati (TI Krikati); Ka´apor (TI Alto Turiaçu); Gavião (TI Gavião); Apinajé (TI Apinajé) e Krahô (TI Kraolândia).
 

 Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN

Estados líderes em violações
 Com foco em produção sustentável e conservação da Amazônia e do Cerrado, os projetos seriam executados nos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, três unidades da federação das mais prejudicadas pelo desmatamento e incêndios nos últimos anos. Os territórios indígenas são os responsáveis por manter, em uma região de avanço desenfreado da monocultura, a vegetação nativa conservada. A lista de violências territoriais que os povos destes estados enfrentam é extensa. 

De acordo com dados do SAD Cerrado, a maior concentração de áreas desmatadas do bioma, no primeiro semestre de 2022, reside no Maranhão, que acumula 26,4% de todo o desmatamento detectado no Cerrado em 2022. Já Mato Grosso, segundo dados do Mapbiomas, entre 1985 e 2020, foi o estado que mais sofreu com incêndios. O estado também é um dos líderes em mortes de crianças indígenas de 0 a 5. De acordo com o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), foram computadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) 109 mortes. O Mato Grosso ainda está em segundo lugar no ranking de quantidade de registros de conflitos territoriais. A realidade ambiental destas unidades federativas evidencia a necessidade de projetos que promovam a conservação e fortaleçam as estratégias de gestão territorial e ambiental dos povos indígenas.

Conteúdo dos projetos: conservação ambiental

Com recursos do Fundo Amazônia/BNDES, o Fundo PPP-ECOS já apoiou 88 projetos desde 2013. Em 2019, foi renovado o contrato com o Fundo Amazônia para apoiar, até 2023, a execução de 60 novos projetos de organizações da agricultura familiar, indígenas e indigenistas nos estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Neste grupo, constam os sete projetos impedidos pela falta de acesso ao documento da Funai. O pedido de anuência foi protocolado em 9 de dezembro de 2021 pelo ISPN. Para o ISPN, surpreendeu o fato da Funai procrastinar tanto a emissão de um documento, a ponto de serem cancelados projetos que beneficiam os povos indígenas.

As organizações indígenas e indigenistas apresentaram projetos de conservação e produção sustentável diretamente relacionados à segurança alimentar, envolvendo diversas cadeias produtivas, como da castanha do Brasil, das sementes para restauração, com objetivos de criar alternativas de geração de renda, melhorar a alimentação das famílias, realizar manejo de fogo, conservar os recursos naturais, estruturar e melhorar a gestão de agroindústrias comunitárias, além de oferecer insumos para a cadeia da restauração florestal na região. Todos os projetos tinham lastro na Constituição Federal e dialogavam diretamente com os preceitos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).

Para o ISPN, a exigência da anuência da Funai fere a autonomia e reconhecimento à autodeterminação dos povos garantidos na Constituição Federal de 1988. “Entendemos que a articulação com a política indigenista executada pela Funai sempre será de grande importância para a execução dos projetos indígenas, mas o documento de anuência se mostrou equivocado, principalmente por desconsiderar que a Constituição de 1988 superou a tutela do Estado brasileiro aos Povos Indígenas”, afirma Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia do ISPN.

“Com um governo explicitamente anti-indigena, como o que temos agora, este tipo de recurso, que deveria ser de fácil acesso, acabou refém de uma operação deliberada da burocracia estatal que objetiva ao final, não concedê-lo. Em virtude dessa regra, os povos indígenas são o único segmento prejudicado, deixando-os à margem do processo”, completa.

Sobre o Fundo PPP-ECOS

O Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais é a principal estratégia adotada pelo ISPN, baseada no apoio aos povos, comunidades tradicionais, agricultores familiares e suas organizações. Por meio dele, o ISPN capta e destina recursos a projetos de organizações comunitárias que atuam pela conservação ambiental por meio do uso sustentável dos recursos naturais, gerando benefícios econômicos e sociais. Hoje, a carteira de financiadores do PPP-ECOS conta com o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD), Fundo Amazônia/BNDES, União Europeia e Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (BMU).

Sobre o ISPN

O ISPN é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos ou econômicos com sede em Brasília, que há 32 anos atua pelo desenvolvimento com equidade social e equilíbrio ambiental, apoiando povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares no desenvolvimento de atividades sustentáveis e de estratégias de adaptação às mudanças do clima.

Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN

Cafetinas, clientes do BNDES e procurado pela Interpol: quem são os empregadores na nova ‘lista suja’ do trabalho escravo

Cadastro do Ministério do Trabalho incluiu 95 novos empregadores que submeteram 685 trabalhadores à escravidão contemporânea – pecuária e produção de carvão vegetal são os setores com maior número de resgatados

Trabalhadores rurais do Maranhão são escravizados no Pará, constata  pesquisa – AUN – Agência Universitária de Notícias

Por Daniel Camargos, Hélen Freitas e Poliana Dallabrida *

Trancafiados em um porão sem janelas nem entradas de ar, eles dormiam amontoados e trabalhavam diuturnamente na produção de cigarros falsificados. O elevador de acesso ficava escondido dentro de um contêiner, onde a vigilância era constante. Parecia um filme de terror, mas era a vida real de 17 trabalhadores paraguaios e um brasileiro em Triunfo (RS), a 80 km de Porto Alegre, descoberta durante operação em outubro de 2021. 

O dono do negócio era Moacir José Machado, procurado por contrabando, corrupção de menor, organização criminosa e, desde então, trabalho escravo e tráfico de pessoas. Além de estar na lista de foragidos da Interpol, Machado passou a integrar também a “lista suja” do trabalho escravo, atualizada nesta quarta-feira (5) pelo Ministério do Trabalho com os nomes de 95 novos empregadores responsabilizados por submeter 685 trabalhadores às formas contemporâneas de escravidão. 

Entraram na “lista suja” também pecuaristas fornecedores dos maiores frigoríficos do país (como JBS, Minerva, Marfrig e Masterboi), madeireiros, cafeicultores, aliciadoras de trabalhadoras do sexo, empresários da construção, entre outros – alguns deles financiados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que usa recursos públicos para oferecer empréstimos a juros mais baixos que os de mercado.

Com a atualização, o cadastro totaliza 183 empregadores autuados por auditores fiscais do trabalho nos últimos anos e incluídos após exercerem o direito de defesa em duas instâncias na esfera administrativa. Confira a relação completa neste link.

Os 18 resgatados durante a Operação Tavares – realizada por auditores fiscais do trabalho, policiais federais e fiscais da Receita – foram aliciados no Paraguai com a promessa de receberem R$ 200 por dia para atuarem em um depósito cerealista no interior gaúcho. Porém, ao chegarem ao aeroporto de Porto Alegre, eles foram levados a um posto de combustíveis e seguiram, vendados e com os celulares confiscados, até o subsolo onde viviam confinados para fabricar cigarros. 

Até o resgate, foram 20 dias sem ver a luz do sol e em condições desumanas. Eles compartilhavam um único dormitório com cinco treliches, uma beliche e uma cama, e o serviço era de 24 horas por dia, com os trabalhadores divididos em dois turnos.

Eles almoçavam com as máquinas funcionando, segundo relataram aos fiscais. Os mantimentos eram deixados próximos à entrada do elevador por uma pessoa desconhecida. Como havia apenas pequenos exaustores para a renovação do ar, o risco de intoxicação com cola, lubrificante das máquinas e pó de fumo era elevado, além do “altíssimo” risco de incêndio, em razão de fiações expostas. 

Após a operação, os trabalhadores não quiseram esperar a indenização trabalhista nem o abrigo para migrantes e retornaram ao Paraguai, abrindo mão dos valores das rescisões contratuais a que tinham direito. A Repórter Brasil não conseguiu contato com Machado até a publicação desta reportagem.

A indústria do fumo foi um dos setores com mais resgatados na nova “lista suja”, com 76 trabalhadores ao todo, ficando atrás apenas da pecuária (85) e da produção de carvão vegetal (81). Na sequência aparecem extração de madeira (59), cultivo de cana-de-açúcar (44) e indústria de roupas (44).

Trabalhadoras do sexo

Pela primeira vez, a “lista suja” do trabalho escravo inclui empregadores que submeteram profissionais do sexo à escravidão contemporânea. O caso aconteceu em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, afetando 16 vítimas, todas elas travestis ou mulheres transexuais. 

Vindas em sua maioria do Norte e Nordeste, as jovens eram atraídas por posts em redes sociais sob a promessa de trabalho digno, transformações cirúrgicas no corpo, hospedagem e alimentação. Contudo, nada era como imaginavam: a dívida delas começava no momento em que pegavam o ônibus em direção a São Paulo, e aumentava a cada suspiro. 

A investigação teve início em 2017 a partir da denúncia de duas vítimas que conseguiram fugir dos locais onde eram exploradas. Ela eram obrigadas a trabalhar todos os dias entre 19h e 3h, submetidas a um cenário de servidão por dívidas, em razão de ser cobrado um valor dobrado pela passagem, alimentação da viagem e deslocamento até os alojamentos administrados pelos aliciadores. Isso sem contar despesas que continuavam aparecendo durante a estadia em Ribeirão Preto, como a compra de entorpecentes e perucas.

Além disso, as trabalhadoras pagavam entre R$ 50 e R$ 60 por dia para viver nas pensões, independentemente de irem ou não trabalhar, tendo que arcar com a limpeza do local e alimentação. Caso não conseguissem pagar, dormiam na rua.

Os aliciadores faziam a administração do trabalho e cobravam comissões, determinando o preço e onde o programa aconteceria, tirando uma porcentagem que poderia chegar à metade do valor. As dívidas das mulheres transexuais e travestis aumentavam também por conta de “financiamentos” com os cafetões para procedimentos estéticos. 

Dos 11 aliciadores investigados pelo caso, apenas 2 cafetinas foram incluídas no cadastro até o momento: Agda Dias da Silva e Nicole Castro (que na “lista suja” aparece como Antônio Alenisio da Silva). Caso as trabalhadoras desrespeitassem as regras, eram julgadas em “tribunal do crime”, sendo submetidas a punições físicas, morais e econômicas. De acordo com a investigação, há registros de suicídios, desaparecimentos e homicídios. 

“Era uma máquina de moer gente”, define André Menezes, procurador do Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo. Ele afirma que há três núcleos de acusados, respondendo pelos crimes de tráfico de pessoas, redução à condição análoga à de escravo, exploração sexual e organização criminosa. O número de vítimas pode chegar a 38.

Menezes lamenta a demora no processo criminal, o que vem abrindo espaço para a impunidade. “Aquilo que terminaria com os réus já presos, virou um processo comum, que se arrastou e é difícil de tocar”, diz. O procurador conta ainda que, em razão da lentidão do Poder Judiciário, algumas testemunhas não foram encontradas e algumas vítimas pediram para retirar seus nomes ou deram depoimentos diferentes à Justiça, o que pode enfraquecer a decisão. O processo caminha para sua primeira sentença nos próximos meses.

O advogado de Nicole Castro nega as acusações. “Segundo informações de testemunhas e até mesmo por parte das investigações policiais, as supostas vítimas compareciam para trabalhar de forma livre e espontânea, sendo garantido livre acesso à pousada e sem qualquer retenção de objetos, valores ou documentos”, afirmou Alexandre Gonçalves de Souza, em nota (confira na íntegra). A Repórter Brasil entrou em contato com a advogada de Silva, mas ela não se manifestou.

Pecuaristas com grana do BNDES

Além do maior número de trabalhadores resgatados, a pecuária também lidera o ranking por empregadores na nova “lista suja”, com 15 empresários, alguns deles fornecedores da JBS, Marfrig e Minerva, os três maiores frigoríficos do país. Entre eles está Carlos Roberto Tavares de Oliveira, responsabilizado por submeter à escravidão contemporânea 11 trabalhadores, entre eles um adolescente de 17 anos.

O resgate ocorreu na Fazenda Bom Jesus, em Piranhas (GO), em outubro de 2021, quando os integrantes da força-tarefa de fiscalização se depararam com um caminhão transportando pessoas na carroceria, em pé e sob chuva. Descobriram então que parte do grupo vivia em um barracão de lona, armado sob chão batido e à beira de um córrego. Quatro trabalhadores já moravam ali e outros sete eram recém-chegados da Bahia.

O pecuarista Carlos Roberto Tavares mantinha parte dos empregados em um barracão de lona, armado sob chão batido, em sua fazenda em Piranhas (GO) (Foto: Ministério do Trabalho e Previdência)

Não havia banheiros nem local para fazer as refeições com acesso à água potável. Os trabalhadores tinham sido contratados para roçar o pasto e aplicar agrotóxicos, mas não receberam qualquer equipamento de proteção. Alguns dos resgatados relataram também que tiveram que comprar as próprias ferramentas de trabalho.

A propriedade de Oliveira – que tem outras oito fazendas, segundo o Incra – forneceu gado para a JBS em 2018 e para o frigorífico Minerva entre 2019 e 2020, antes, portanto, do resgate dos trabalhadores. Mas outra propriedade de Oliveira em Pinhara, a Fazenda Duas Irmãs, seguiu fornecendo animais para unidades da JBS e Minerva até janeiro e março de 2021, respectivamente. Parte do gado criado ali teve origem na Fazenda Bom Jesus, onde viviam os 11 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão.

Além do relacionamento com as grandes empresas de proteína animal, Oliveira é cliente do BNDES, com cinco contratos de empréstimo vigentes junto ao banco público, totalizando R$ 9,7 milhões. O mais recente é de 2020, no valor de R$ 2,5 milhões. O pecuarista tem também uma dívida tributária de mais de R$ 3,7 milhões

O BNDES possui diretrizes que vedam o financiamento de empregadores condenados por trabalho escravo. O banco foi procurado na manhã desta quinta-feira (6), mas não respondeu até o momento.

A reportagem procurou Oliveira por meio de seus advogados, mas não teve retorno. O espaço permanece aberto. Já a Minerva afirmou que bloqueou o pecuarista após a atualização da lista. A JBS informou que bloqueia imediatamente os fornecedores da “lista suja”, que a medida já foi tomada em relação a Oliveira e que as compras mencionadas na reportagem ocorreram antes da inclusão do pecuarista no cadastro. Leia os posicionamentos na íntegra.

Na nova “lista suja” há um pecuarista reincidente. O produtor Rafael Saldanha Junior entrou pela primeira vez no cadastro em 2016, após o resgate de 12 trabalhadores na Fazenda Guaporé, em São Félix do Xingu (PA). Dois anos depois, em setembro de 2018, fiscais do trabalho resgataram três trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão em outras duas propriedades na mesma cidade: Boa Sorte e Anzol de Ouro.

Os três resgatados trabalhavam em outras fazendas da família Saldanha no Pará antes de chegarem a São Félix do Xingu. Uma delas era a Fazenda Primavera, localizada em Curionópolis (PA). Centenas de animais saíram dessa propriedade para o abate em unidades da Marfrig e da JBS em Tucumã (PA) entre 2018 e 2019, meses após o mais recente flagrante de trabalho escravo nas propriedades da família.

Além das violações trabalhistas, Rafael Saldanha Junior acumula também infrações ambientais. Entre 2001 e 2017, foi multado sete vezes pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) – a mais recente no valor de R$ 6,3 milhões pelo desmatamento de 631 hectares na Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu. A unidade de conservação foi a mais pressionada pelo desmatamento no primeiro trimestre deste ano, segundo análise do Imazon. 

Procurado, o advogado de Saldanha, em nota, negou as acusações e destacou que seu cliente não foi o responsável pela contratação dos trabalhadores, reiterando que não há “nenhum elemento a sequer presumir a prática do crime de trabalho escravo por parte de Rafael” (leia a íntegra).

Já a Marfrig disse que, quando negociou com Saldanha, o produtor não constava na lista e que desde março de 2020 não compra animais de produtores do Pará. A JBS afirmou que o pecuarista estava bloqueado em seu sistema desde o ano passado.

No caso do pecuarista Olenio Cavalli, incluído na “lista suja” pelo flagrante de trabalho escravo na Fazenda Vitória Régia, em Uruará (PA), em setembro de 2019, o fornecimento de gado para JBS, Marfrig e Masterboi se dá de forma indireta. Os animais foram criados na propriedade palco do trabalho escravo, mas encaminhados para outra antes de chegar ao abate nos frigoríficos.

Local onde trabalhadores dormiam na fazenda de Olenio Cavalli, segundo relatam auditores-fiscais do trabalho (Foto: Ministério do Trabalho e Previdência)

Durante a operação de fiscalização, os fiscais resgataram dez trabalhadores, sendo duas mulheres, que atuavam como cozinheiras – uma delas sequer recebeu pelo serviço, segundo os auditores-fiscais. Cinco trabalhadores dormiam em barracos de lona e palha no meio da mata, e não havia equipamentos de proteção nem registro em carteira.

Em agosto de 2019, um mês antes do flagrante de trabalho escravo, a Fazenda Vitória Régia havia encaminhado 270 animais para engorda na Fazenda Bananeira, Apucarana e São Pedro, em Marabá (PA). Essa mesma propriedade tem um longo histórico de fornecimento de gado para abate nos principais frigoríficos do país. Depois de setembro de 2019, foram enviados centenas de animais para unidades da JBS em Marabá e Altamira (PA), para a Marfrig em Tucumã (PA), além do frigorífico Masterboi, em São Geraldo do Araguaia (PA).

Cavalli disse à Repórter Brasil que discorda da inclusão de seu nome na “lista suja”, que se tratou de “armação” da força-tarefa de fiscalização, pois algumas das pessoas que estavam no local seriam parentes de seus funcionários e estavam fazendo uma visita a eles, e não trabalhando na propriedade. Ele diz que não estava na fazenda no momento do flagrante e que à época estava em tratamento de saúde e que o encarregado pela propriedade então era o gerente da fazenda. “A mulher dele estava de touca na cozinha e os fiscais forçaram ela a dizer que era funcionária, mas ela não era”, afirma. “Paguei tudo em 2019, as multas rescisórias, o hotel, mas agora recebi novo auto de infração sobre os mesmos fatos. É uma fábrica de multas”, diz. Veja o posicionamento completo.

A Masterboi preferiu não se pronunciar. A Marfrig informou que o pecuarista não fornece animais diretamente à empresa. Já a JBS disse que todas as compras ocorreram antes da inclusão de Cavalli na “lista suja” e reafirmou que o bloqueio dos fornecedores “é imediato assim que o CPF do produtor aparece na lista”.

A pecuária é o setor econômico com o maior número de vítimas de trabalho escravo no Brasil. De 1995 a 2021, foram 17,2 mil trabalhadores resgatados, ou 30% dos 57,6 mil, segundo dados do Ministério do Trabalho, sistematizados pela Repórter Brasil e Comissão Pastoral da Terra.

A ‘lista suja’

Prevista em portaria interministerial, a “lista suja” inclui nomes de responsabilizados em fiscalização do trabalho escravo, após os empregadores se defenderem administrativamente em primeira e segunda instâncias.

Os empregadores – pessoas físicas e jurídicas – permanecem listados, a princípio, por dois anos. Eles podem optar, contudo, por firmar um acordo com o governo e serem suspensos do cadastro. Para tanto, precisam se comprometer a cumprir uma série de exigências trabalhistas e sociais.

Apesar de a portaria que prevê a lista não obrigar a um bloqueio comercial ou financeiro, ela tem sido usada por empresas brasileiras e estrangeiras para seu gerenciamento de risco. Isso tornou o instrumento um exemplo global no combate ao trabalho escravo, reconhecido pelas Nações Unidas.

Em setembro de 2020, o Supremo Tribunal Federal reafirmou a constitucionalidade da “lista suja”, por nove votos a zero, ao analisar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 509, ajuizada pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

A ação sustentava que o cadastro punia ilegalmente os empregadores flagrados por essa prática ao divulgar os nomes, o que só poderia ser feito por lei. A corte afastou essa hipótese, afirmando que o instrumento garante transparência à sociedade. E que a portaria interministerial que mantém a lista não representa sanção – que, se tomada, é por decisão da sociedade civil e do setor empresarial.

O relator destacou que um nome só vai para a relação  após um processo administrativo com direito à ampla defesa.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de se desligar do patrão); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida); ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea no Brasil: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de se desligar do patrão); servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas); condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida); ou jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

* colaboraram Isabel Harari e Diego Junqueira


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Este texto foi originalmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!].

Urgente: assine petição em defesa do patrimônio público da UFRJ

PRAIA VERMELHA

Resultado de um contrato da UFRJ com o BNDES, que através de sua área de desinvestimento e do departamento de desestatização subcontratou o Banco Fator, o Projeto VIVA UFRJ prevê a privatização e a entrega ao  financeiro-imobiliário de 50 mil m² do campus da Praia Vermelha, para dar lugar a 14 edifícios comerciais e residenciais de até 20 andares. Segundo site da UFRJ, “as atividades econômicas serão definidas pela vocação imobiliária dos terrenos, de acordo com os interesses do futuro cessionário privado” e “provavelmente essas vocações estão associadas à ocupação para residências, comércio ou serviço. Há possibilidade de haver centros de compras ou de convenções, supermercados ou hotéis, além de necessariamente ter o equipamento cultural multiuso”.

Apresentado no final de 2019 ao Conselho Municipal de Política Urbana pelo BNDES e representantes da Reitoria da UFRJ, o projeto prevê a demolição da Casa da Ciência, do Instituto de Psiquiatria, do Instituto de Neurologia Deolindo Couto, bem como a destruição de todo o Parque Arbóreo do campus. Ademais, comprometeria a continuidade de atividades educativas e esportivas desenvolvidas pela Escola de Educação Física e Desporto e outras unidades, abdicando da implantação de equipamentos esportivos e culturais previstos pelo Plano de Desenvolvimento e Uso da Praia Vermelha, que integra o Plano Diretor UFRJ 2020, aprovado pelo Conselho Universitário em 2009. A destruição da diversa e rica cobertura arbórea do campus, que conta com árvores centenárias, causará impacto no microclima da região e prejudicará os pássaros, alguns que têm ali seu habitat e outros, migratórios, que têm ali um local de pouso.

O projeto VIVA UFRJ viola o Estatuto da Cidade, a Lei Orgânica do Município e o Plano Diretor, que exigem a participação social no planejamento urbano. Sem ouvir e sequer informar à comunidade universitária e à sociedade civil, a Prefeitura de Marcelo Crivella e a Reitoria da UFRJ negociaram um projeto de lei especial só para este lote, prevendo alteração dos parâmetros urbanísticos e do gabarito da área apenas para viabilizar uma operação imobiliária-especulativa, com prédios de até 20 andares, com graves impactos sobre área do Rio Patrimônio da Humanidade e consequências drásticas para a qualidade de vida do bairro de Botafogo e bairros vizinhos: adensamento populacional, congestionamento do trânsito que já tem constantes engarrafamentos, degradação ambiental e da qualidade de vida.

A pretexto de resolver a grave asfixia financeira da universidade, decorrente de políticas contra a educação, ciência, cultura e arte do Governo Bolsonaro-Guedes, a Reitoria trai longa história de lutas da UFRJ por uma universidade pública, autônoma, gratuita e de qualidade, financiada por recursos públicos. A Reitoria da UFRJ rompe a frente de universidades públicas que repudiam o Future-se, proposto pelo Ministro da Educação de Bolsonaro, Abraham Weintraub, que pretende depositar nas mãos de fundos financeiros e de capitais privados o destino das universidades públicas. A Reitoria da UFRJ abdica da autonomia universitária, entregando ao mercado as decisões sobre o que deve ser implantado no campus da Praia Vermelha. A solução para a crise financeira imposta pelo Governo Federal à UFRJ e ao conjunto das universidades públicas federais de todo o país somente será superada com o aporte de recursos públicos, e não com paliativas “soluções de mercado”.

Um empreendimento comercial cravado no campus de uma universidade pública causará imenso prejuízo simbólico e acadêmico, seja com a circulação de pessoas alheias ao espaço, seja com o desrespeito aberto ao sentido e compromisso da instituição com o ensino, produção de conhecimentos e atendimento da população em ações de extensão. Mesmo porque o terreno de 116.000 m² foi doado à UFRJ, por meio do Decreto-lei n° 233, de 28/02/1967, para “os serviços hospitalares e ampliação das instalações da Universidade, tornando-se nula a doação se aos mesmos for dado destino diverso do previsto, independentemente de qualquer indenização pelas benfeitorias neles construídas”.

Violando a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 18/11/2011), a Reitoria até agora tem mantido em sigilo informações que são de interesse público, inviabilizando a ampla e democrática discussão sobre o destino de um bem comum – o campus da Praia Vermelha, patrimônio da UFRJ, do povo brasileiro, da cidade do Rio de Janeiro e de seus moradores.

Por todos esses motivos e considerando o permanente estado de emergência que impede uma efetiva participação da comunidade universitária e da sociedade civil no processo de discussão e decisão.

EXIGIMOS:
– A IMEDIATA DIVULGAÇÃO PÚBLICA DOS RELATÓRIOS E ESTUDOS PRODUZIDOS PELO BANCO FATOR E PELO BNDES

– A IMEDIATA SUSPENSÃO DO PROJETO VIVA UFRJ

O MOVIMENTO SALVA UFRJ e todo(a)s o(a)s que subscrevem este manifesto chamam a comunidade universitária e a sociedade civil a unirem-se na luta em defesa da UFRJ, da universidade pública e da cidade do Rio de Janeiro.

NÃO À PRIVATIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO DA UNIVERSIDADE PÚBLICA!

VERBAS PÚBLICAS PARA A UNIVERSIDADE PÚBLICA, PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA, TECNOLOGIA, CULTURA E ARTES!

NÃO À ENTREGA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO À ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA!

VAMOS SALVAR A UFRJ!
VAMOS SALVAR OS BAIRROS DE BOTAFOGO e URCA

Rio de Janeiro, 29 de outubro de 2021

(Para subscrever este abaixo-assinado, basta clicar [Aqui! ].

Financiamento para desmatar: organizações pedem veto a empréstimo milionário do BID para Marfrig

Em carta enviada ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mais de 200 entidades questionam políticas ambientais e de direitos humanos da empresa

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Por Isabel Harari para a Repórter Brasil

Cerca de 200 organizações da sociedade civil exigem que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não aprove um empréstimo para a Marfrig, segunda maior empresa produtora de carne do mundo. O aporte financeiro tem como objetivo declarado apoiar investimentos em sustentabilidade feitos pela multinacional brasileira.

A Marfrig, segundo as entidades signatárias, acumula uma série de violações aos direitos humanos e ao meio ambiente em sua cadeia produtiva, o que seria “incompatível com o recebimento de investimento de uma instituição comprometida com a responsabilidade social e ambiental e com a obrigação de respeitar os direitos humanos na destinação de recursos públicos”, diz a carta enviada hoje (19) para os diretores do banco.

Em junho, a própria Marfrig admitiu que não possui controle sobre a origem de 40% do gado que compra (Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT)

O frigorífico brasileiro espera conseguir um empréstimo de US$ 43 milhões com o BID – o equivalente a R$ 237 milhões, segundo cifras atuais. O valor seria usado na implementação do “Plano Verde +”, programa anunciado pela Marfrig em julho do ano passado, e que prevê melhorias no monitoramento da origem dos animais abatidos pela empresa. 

Mais de 800 mil quilômetros quadrados da floresta amazônica já foram desmatados para a implantação de lavouras e pastagens, sendo a criação de gado responsável por 70% do desmatamento em países da América Latina e Caribe, segundo o BID. Na carta, as organizações alertam que  o empréstimo à Marfrig viola o compromisso do próprio banco com os objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU e com acordos internacionais sobre o clima.

“O banco falhou em sua análise ao aceitar a proposta da Marfrig. Esse é um exemplo de como os bancos podem facilitar a continuação de violações de direitos humanos e desmatamento por parte de empresas”,  afirma Merel van der Mark, da Sinergia Animal, uma das organizações signatárias da carta.

A Marfrig registrou uma receita líquida de R$ 67,5 bilhões em 2020, mesmo ano em que anunciou o investimento de R$ 500 milhões em sustentabilidade no “Plano Verde +”. Recentemente a empresa comprou quase um terço das ações da BRF, uma das maiores produtoras de frangos do mundo. Além disso, gastou US$ 969 milhões para adquirir 81% das ações da National Beef Packing Co, uma das maiores indústrias processadoras de carnes dos Estados Unidos. “Isso deveria ser considerado como evidência de que a Marfrig pode facilmente financiar seus projetos de sustentabilidade sem depender de fundos de investimento públicos”, diz a carta

“Poderíamos usar esse recurso para alimentar a população, e não para financiar a pecuária intensiva. Não é apenas sobre desmatamento, é sobre fome, é sobre entender as necessidades da população. Essa mobilização mostra que a sociedade civil não acredita que essa é a forma correta de gastar dinheiro público”, afirma Kari Hamerschlag, da Friends of the Earth’s.

O BID espera anunciar sua decisão sobre o empréstimo em dezembro deste ano.

Promessa nova, dívida antiga

Em 2009 a Marfrig se comprometeu a implementar mecanismos para monitorar a origem do gado abatido, evitando assim a compra de animais associados ao desmatamento ilegal, ao trabalho escravo e à invasão de Terras Indígenas.  A meta era que, até o final de 2011, houvesse mecanismos para controlar não só os fornecedores diretos – ou seja, as propriedades rurais que encaminham animais para o abate – mas também os chamados “fornecedores indiretos”, como são conhecidos os pecuaristas que vendem bezerros e gado jovem para as fazendas que negociam os animais diretamente com os frigoríficos. O plano, no entanto, nunca saiu do papel.

Uma década depois, a empresa renovou a promessa e esticou o prazo por mais dez anos: a previsão é ter o monitoramento dos animais abatidos, desde o nascimento até o abate, até 2025 na Amazônia e até 2030 no Cerrado.

A própria empresa admitiu, em junho deste ano, que existe um “ponto cego” de quase 40% do rebanho processado – ou seja, faltam garantias que o boi que chega no frigorífico pastou em áreas livres de desmatamento ou trabalho escravo. No Cerrado a taxa é ainda mais alarmante: 53% do rebanho não tem identificação de origem do gênero. 

“A Marfrig não se responsabiliza pelo descumprimento de sua promessa. Se o projeto for aprovado é como se o BID passasse um recado que tudo bem desmatar por mais dez anos. E nada garante que em 2030 a empresa vai ter cumprido a meta. Isso é totalmente inaceitável”, comenta Merel van der Mark.

Empréstimo e ‘greenwashing’

No ano passado a Repórter Brasil revelou que um frigorífico da Marfrig abateu animais de fazendeiros com propriedades localizadas ilegalmente dentro da Terra Indígena Apyterewa, a segunda mais desmatada na Amazônia em 2020. Em 2019, outra investigação mostrou que a empresa comprou gado de fazendeiros na APA Triunfo do Xingu, epicentro das queimadas na Amazônia. Mesmo após as denúncias, a empresa continuou comprando de fornecedores diretamente ligados a grandes violações de direitos humanos e trabalhistas na região.

Já uma investigação feito pela Global Witness apontou que entre 2017 e 2019, a Marfrig comprou gado de 89 fazendas responsáveis ​​por mais de 3,3 mil hectares de desmatamento ilegal. Esses são alguns exemplos levantados na carta que colocam em xeque a viabilidade do empréstimo. 

As organizações temem que o eventual empréstimo do BID abra brechas para novos investimentos à revelia do passivo socioambiental da Marfrig. “É um empréstimo ‘greenwashing’, que permite que a Marfrig capte mais recursos como se fosse uma empresa sustentável. Sabemos que suas práticas são tudo menos sustentáveis e o BID não deveria fazer parte disso”, aponta Hamerschlag.

A mobilização para que o BID não aprove o empréstimo a Marfrig faz parte da campanha Divest Factory Farm (Desenvistam da Pecuária Industrial, em tradução livre).

Contatada pela Repórter Brasil, a Marfrig não se posicionou sobre a carta até o fechamento da matéria. Após a publicação, a empresa encaminhou uma nota refutando as denúncias de problemas socioambientais em sua cadeia produtiva e que disse que é preciso “esclarecer os supostos casos de falha de compliance descritos no documento enviado ao BID”.

A Marfrig reiterou que está 100% em conformidade com os requisitos auditados de seus fornecedores diretos e que recentemente adotou uma nova ferramenta para identificação de fornecedores indiretos. “A maior parte dos casos apontados foram respondidos pela companhia e exaustivamente investigados pelas autoridades competentes, sem que a Marfrig jamais tenha sido condenada”, afirma a nota, que pode ser lida na íntegra aqui.

*Matéria atualizada às 17h15 do dia 20 de outubro de 2021 para acrescentar o posicionamento da Marfrig.

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Este texto foi inicialmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!].

Tchau, carvão: BNDES finalmente deixa o sujo mineral para trás

Grande dia para o meio ambiente! Novo diretor de crédito produtivo e socioambiental, Bruno Aranha, inicia processo de estruturação para que o banco descarbonize suas carteiras

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FOTO: Landau | Em manifestação 350.org Brasil e pescadores artesanais da AHOMAR denunciaram os altos investimentos do BNDES em combustíveis fósseis

O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), um dos maiores financiadores de projetos na área de infraestrutura no país, definiu que não dará mais crédito para termelétricas a carvão, e o setor foi incluído formalmente na lista de exclusão do banco.

Em entrevista à revista Reset, o recém iniciado diretor de crédito produtivo e socioambiental, Bruno Aranha afirmou: 

“Não financiaremos mais térmicas a carvão, independentemente da tecnologia empregada ou de qualquer outra coisa” 

Como consequência da exclusão das térmicas, projetos de mineração de carvão voltados a abastecê-las também deixam de ser elegíveis para crédito do banco a partir de agora.

Colocar o carvão na lista foi um primeiro passo. 

“Estamos revisando nossa lista de exclusão, das atividades que não apoiamos financeiramente. O carvão foi a principal novidade até agora, mas estamos estudando outras possibilidades”, diz Aranha, que, além da nova diretoria, coordena um projeto para adequar a governança do banco à agenda ESG. “A ideia é que o BNDES esteja preparado e evoluindo sempre para ser um player relevante no desenvolvimento sustentável.”

Para Ilan Zugman, diretor da 350.org América Latina, essa decisão foi uma grande vitória para  a política climática no Brasil. 

“Isso é uma vitória incrível para o Brasil. No ano passado, denunciamos em frente à sede do BNDES o investimento absurdo de mais de 92 bilhões de reais em combustíveis fósseis. Ou seja, dinheiro que foi investido para acelerar as mudanças climáticas e prejudicar comunidades locais.”, celebrou Zugman.

É urgente que o BNDES e outros bancos implementem metas mais agressivas para descarbonizar suas carteiras, parando de “queimar” o dinheiro do cidadão em setores que só pioram a emergência climática e concentram lucros nas mãos de poucas grandes empresas. Ou fechamos a torneira para os poluidores ou vamos sofrer ainda mais com as consequências do aquecimento global.“, finalizou o ativista.

Por ora, o segmento de óleo e gás segue apto a receber recursos, mas Aranha diz que a política não se esgota em excluir os setores mais controversos. E direciona em seu discurso uma intenção em forçar o mercado de energia a repensar sua pegada e aumentar o portfólio de energias renováveis.   

Vale destacar que o Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, junto de Conectas Direitos Humanos, Instituto Sou da Paz e Proteção Animal Mundial, já desenvolvem há muitos anos um importante trabalho de avaliar e pressionar os bancos por melhores políticas socioambientais – Guia dos Bancos Responsáveis, com o objetivo de oferecer aos consumidores um panorama sobre o que as instituições financeiras fazem com seu dinheiro, que tipo de empresas financiam e se consideram aspectos como, por exemplo, desmatamento, respeito aos direitos humanos e relações trabalhistas. 

Os resultados dos bancos brasileiros são baixos, mas na pesquisa, o BNDES é considerado o “menos pior”, ficando na frente de Santander, Banco do Brasil, Bradesco, BTG Pactual, BV, Caixa, Itaú, Safra, entre outros. Com certeza esse posicionamento claro sobre investimento em carvão fará o banco se destacar, e esperamos que esteja puxando uma tendência no mercado.   

Nós da 350.org comemoramos, mas continuaremos alertas e cobrando por mais! Precisamos desinvestir em combustíveis fósseis, JÁ! 

Relembre a manifestação em frente ao BNDES:

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Este texto foi originalmente produzido e publicado pela 350.org [Aqui!].

‘Bolsa-agrotóxico’ inclui isenções de impostos que somam R$ 10 bilhões ao ano

Gigantes do setor de agrotóxicos também recebem milhões em verbas públicas para incentivo à pesquisa e por meio do BNDES; STF julga na semana que vem se benefícios fiscais ao setor são constitucionais ou não

bolsa agrotóxicos

Por Mariana Della Barba e Diego Junqueira, da Repórter Brasil, e Pedro Grigori, da Agência Pública. Arte: Bruno Fonseca/Agência Pública

Imagine começar o ano sem ter de pagar IPTU, IPVA ou qualquer outro imposto. Imagine chegar ao supermercado e ter um desconto de 40% no shampoo e 30% no molho de tomate. Imagine conseguir um empréstimo no banco a juros bem abaixo do mercado.

É mais ou menos assim que as empresas que produzem e vendem agrotóxicos operam no Brasil, embaladas por um pacote de benefícios que, somente com isenções e reduções de impostos, soma quase R$ 10 bilhões por ano, segundo estudo inédito da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), feito por pesquisadores da Fiocruz e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

O valor que o governo federal e os Estados deixam de arrecadar com a isenção fiscal aos pesticidas é equivalente a quase quatro vezes o orçamento total previsto para o Ministério do Meio Ambiente neste ano (R$ 2,7 bilhões) e mais que o dobro do que o SUS gastou em 2017 para tratar pacientes com câncer (R$ 4,7 bilhões).

As isenções bilionárias aos agrotóxicos vão na contra-mão da promessa do ministro da Economia, Paulo Guedes, de passar um pente-fino nas renúncias fiscais para reduzir o déficit nas contas do governo (Foto: ShutterStock)

“Nosso estudo deixou claro que é o momento de a sociedade refletir sobre os subsídios aos agrotóxicos. Primeiro porque estamos em uma crise fiscal, em que os subsídios de vários setores estão sendo repensados. Mas principalmente pelo tamanho do valor que deixa de ser arrecadado”, afirma o coautor do estudo Wagner Soares, economista e professor de mestrado do programa de Práticas em Desenvolvimento Sustentável da UFRRJ. 

Essa “bolsa-agrotóxico” inclui ainda investimentos públicos milionários em gigantes transnacionais do setor. Levantamento feito pela Repórter Brasil e a Agência Pública mostra que, nos últimos 14 anos, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) emprestou R$ 358,3 milhões a empresas do setor (com juros subsidiados pelo governo) e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), agência do governo que financia inovação em empresas, transferiu R$ 390 milhões a grandes produtores de pesticidas para pesquisa e inovação.  

Os investimentos e a manutenção das isenções vão na contramão das promessas do ministro da Economia, Paulo Guedes, de passar um pente-fino nas renúncias fiscais como forma de reduzir o déficit nas contas do governo. Durante a campanha presidencial de 2018, Guedes levantou a possibilidade de reduzir as isenções em até 20%. Entre as propostas está voltar a cobrar impostos dos alimentos da cesta básica. Questionado se pretende rever tais renúncias, o Ministério da Economia não se pronunciou. 

Questionamento no STF

As isenções e outras benesses ao setor de agrotóxicos são questionadas por quem acompanha de perto o orçamento público. “É como se você morasse em um prédio e o seu vizinho não pagasse o condomínio. E sujasse a piscina e o salão de festas, gerando mais gastos para todos. Esses benefícios dão para as grandes empresas do agronegócio o bônus, enquanto o prejuízo fica para a sociedade”, explica o defensor público do Estado de São Paulo, Marcelo Novaes, que há anos investiga o tema. 

As renúncias fiscais são amparadas por leis implementadas há décadas que veem os pesticidas como fundamentais para o desenvolvimento do país e que, por isso, precisam de estímulos – como ocorre com a cesta básica.

Mas esse cenário de benefícios para as empresas de pesticidas pode mudar a partir de 19 de fevereiro, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) deve julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5553) que questiona a lógica de considerar os agrotóxicos como itens fundamentais para o desenvolvimento do país. A ação compara os agrotóxicos a categorias como a de cigarros, considerados perigosos à saúde e que geram custos que acabam sendo divididos para toda a população – e que por isso recebem taxação extra, em vez de descontos nos impostos.

A comparação com o cigarro – em que até 80% do valor é formado por impostos – é precisa, segundo o professor Andrei Cechin, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). “O cigarro prejudica quem fuma, e o fumante usará o SUS para arcar com o tratamento dessas doenças. Esse gasto é socializado, já que toda a população paga pelo SUS. Então se justifica ter um imposto alto sobre o cigarro”, explica o professor. 

A mesma lógica é válida para os pesticidas, segundo Cechin, porque o custo para o tratamento de casos de contaminação também recai sobre o SUS, o que justificaria a cobrança de uma taxação extra ao setor: “Mas em vez disso nós isentamos e ainda incentivamos o cultivo com agrotóxico.” O ministro da economia já defendeu taxação extra para cigarro e bebidas alcoólicas, no que chamou de “imposto sobre o pecado”. No entanto, nenhuma palavra foi dita sobre agrotóxicos.

Em 2017, a Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer sobre a ADI no qual a então procuradora-geral Raquel Dodge defende ser inconstitucional dar benefícios e isenções tributárias aos agrotóxicos, já que o “ordenamento constitucional internacional demonstra preocupação com a utilização dos agroquímicos, impondo severas restrições à produção, registro, comercialização e manejo, com vistas à proteção do meio ambiente, da saúde e, sobretudo, dos trabalhadores”.

Para além do enquadramento ou não na legislação, o economista Cechin também alerta para o fato de que, assim como acontece com o cigarro, mais dinheiro é gasto para tratar intoxicações por agrotóxico do que com a compra do produto em si. Um estudo publicado na revista Saúde Pública revela que para cada US$ 1 gasto com a compra de agrotóxicos no Paraná, são gastos U$$ 1,28 no SUS com tratamento de intoxicações agudas — aquelas que ocorrem imediatamente após a aplicação. O cálculo deixou de fora os gastos em doenças crônicas, aquelas que aparecem com o passar do tempo devido à exposição constante aos pesticidas, como o câncer

10 bilhões de reais por ano

Mesmo diante dos impactos dos agrotóxicos na saúde da população e no meio ambiente, as empresas deixaram de pagar quase R$ 10 bilhões em impostos federais e estaduais em 2017 – e quem mais deixou de arrecadar foram os estados, de acordo com o estudo “Uma política de incentivo fiscal a agrotóxicos no Brasil é injustificável e insustentável”, da Abrasco. 

A renúncia fiscal apenas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) no Rio Grande do Sul daria para cobrir mais da metade do déficit orçamentário do estado em 2017. Já no Mato Grosso, esse valor representa 66% de todo o orçamento da saúde estadual.

As isenções de ICMS nos Estados, que começaram em 1997, são responsáveis pela maior fatia de desoneração de impostos, com 63% total; seguido pelo IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), com 16,5%; pelo PIS/Pasep e Cofins, com 15,6%; e, por último, o imposto de importação (II), com 4,8%, conforme o estudo da Abrasco, assinado também pelo pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Fiocruz) Marcelo Firpo e pelo cientista ambiental Lucas Neves da Cunha. 

Segundos os autores, a tese de que reduzir o valor dos agrotóxicos é necessário para manter o preço dos alimentos não se sustenta. “Seria mais razoável subsidiar não o uso de agrotóxico, mas diretamente o consumo do alimento”, conclui o estudo, que levou em conta as despesas com agrotóxicos reportadas pelos produtores rurais no Censo Agropecuário 2017.

Empréstimos camaradas

Ainda que os investimentos diretos de verbas do governo ao setor sejam bastante inferiores às isenções de impostos, chama a atenção o fato de as gigantes produtoras de agrotóxicos serem as mais beneficiadas. Entre 2005 e 2019, o governo federal aplicou R$ 749 milhões por meio do BNDES e da Finep em 18 fabricantes de agrotóxicos, incluindo Monsanto, Syngenta, Ourofino e Dow Agrosciences (hoje Corteva). 

Dos recursos investidos em pesquisa em todo o setor farmoquímico desde 2005, a fabricante de agrotóxicos Ourofino foi a terceira mais beneficiada, atrás apenas de Hypera Pharma e Aché, que produzem medicamentos para saúde humana. Fabricante de mais de 30 produtos agrotóxicos, incluindo o glifosato e fipronil, a empresa recebeu R$ 334,6 milhões em recursos públicos nas divisões de agrotóxicos e pesquisas agrícolas. Procurada, a Ourofino não se manifestou até o fechamento desta reportagem.

A renúncia fiscal apenas do ICMS no Rio Grande do Sul daria para cobrir mais da metade do déficit orçamentário do estado em 2017 (Foto: Pixabay)

Já a Finep reconhece o financiamento direto em agrotóxicos, mas diz também selecionar projetos que buscam substituir agrotóxicos por produtos biológicos e apoiar “projetos inovadores com a premissa de aumento de sua eficiência”. Confira a resposta completa da Finep. O BNDES não comentou.

Alimentos mais caros?

Entidades que representam o setor de agrotóxicos argumentam que suspender a isenção fiscal para agrotóxicos levaria a uma alta no preço dos alimentos com impacto sobre a inflação. 

“O fim do benefício impactará os preços dos insumos e, consequentemente, pesará sobre o valor da cesta básica. Essa desoneração, portanto, é muito mais benéfica para a sociedade do que para as indústrias”, diz Christian Lohbauer, presidente da CropLife Brasil, associação que representa empresas produtoras de agrotóxicos como Basf, Bayer, Corteva, FMC e Syngenta.

Para a Aprosoja (Associação Brasileira dos Produtores de Soja), o fim dos benefícios fiscais aumentará os custos da produção. “Parte da produção brasileira de grãos, frutas, fibras e hortaliças ficaria inviabilizada, pois ao computar o aumento tributário nos custos de defensivos agrícolas, com o custo da logística de transporte, os riscos climáticos e outros tributos e contribuições do setor, inviabilizaria boa parte das áreas do interior do país”, afirmou em nota.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento informou que vai aguardar a decisão do STF para se manifestar. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) não quis comentar. Já o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) declarou que “a tributação provocaria aumento nos custos dos alimentos e reduziria a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional”. Confira o posicionamento na íntegra do sindicato, da Croplife e da Aprosoja

Para o economista Cechi, da UnB, é difícil afirmar que o impacto da redução de benefícios aos agrotóxicos chegaria à mesa dos brasileiros, já que grande parte do seu uso vai para commodities, como a soja, e não para alimentos. 

“O agrotóxico é utilizado principalmente em culturas que não são alimentos, ou seja, commodities cujos preços são estabelecidos pelo mercado internacional. Não são os produtores que escolhem o preço. Com isso, sem isenção, produtores terão que gastar mais em agrotóxicos, o que vai significar uma margem de lucro menor. O impacto [da redução de benefícios] seria para as empresas do agronegócio.” 

Em 2015, as plantações de soja foram o destino de 52% da venda de todos os agrotóxicos do Brasil. Milho e cana-de-açúcar aparecem em segundo lugar, com 10% cada, seguidos do algodão, com 7%. Só essas quatro commodities agrícolas representaram 79% do agrotóxico usado no país, segundo dados do Sindiveg. 

A “bolsa-agrotóxico” fica mais controversa se levado em conta que o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo em valores totais, e que o setor cresceu 190% entre 2000 e 2010, acima dos 93% do cenário mundial. Além  disso, o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovou um número recorde desses produtos em 2019, beneficiando principalmente as multinacionais

Tudo diante de um pano de fundo em que há uma concentração de mercado que, na visão do defensor público Marcelo Novaes, prejudica os cofres públicos, já que sem concorrência, as empresas podem manipular preços e ampliar seus lucros. “Somos dominados por cinco grandes multinacionais – Syngenta, Bayer-Monsanto, Basf, Corteva (ex-Dow) e DuPont – que mandam em tudo por serem donas de 80% do setor”, afirma o defensor, que denunciou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) o que considera um oligopólio. 

Esta matéria também foi publicada no UOL.


Esta reportagem faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de agrotóxicos. Clique para ler a cobertura completa no site do projeto.

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Esta reportagem foi inicialmente publicado pela Repórter Brasil [Aqui!].

Manifestantes pedem ao BNDES o fim do financiamento a petróleo, gás e carvão

Ação da 350.org e da Ahomar, no Rio de Janeiro, convoca o banco a destinar recursos para setores que apoiem comunidades vulneráveis e ajudem o país a lidar com a crise climática

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Rio de Janeiro, 12 de novembro – Na manhã desta quinta-feira, ativistas da 350.org e pescadores da Associação dos Homens e Mulheres do Mar da Baía de Guanabara (Ahomar) realizaram uma manifestação em frente à sede do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Centro do Rio de Janeiro, para convocar a instituição a deixar de financiar projetos dos setores de petróleo, gás e carvão, responsáveis pela crise climática que já prejudica milhões de pessoas em todo o mundo.

Cálculo elaborado pela 350.org, a partir de dados do próprio BNDES, indica que o banco financiou mais de R$ 90 bilhões, entre 2009 e 2019, em projetos do setor de combustíveis fósseis. Os manifestantes pedem que o banco público direcione os recursos dos contribuintes para iniciativas que melhorem a qualidade de vida das comunidades mais vulneráveis e contribuam para que o Brasil adapte-se às mudanças no clima, em áreas como energias renováveis, transporte público eficiente nas grandes cidades e habitação popular para moradores de zonas de risco.

“O país enfrenta uma grave crise econômica, provocada pela pandemia, e uma severa crise ambiental, agravada pelas mudanças climáticas, como mostram os incêndios recentes no Pantanal. É urgente que o BNDES e outros bancos de desenvolvimento parem de queimar o dinheiro do cidadão em setores que só pioram a emergência climática e concentram lucros nas mãos de poucas grandes empresas”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina.

Ativistas ambientais também realizaram protestos pelo fim do financiamento às energias sujas em Paris, Manila (Filipinas) e Abuja (Nigéria), como parte de uma semana de mobilizações para exigir que os bancos de desenvolvimento contribuam com a recuperação justa da economia global frente à pandemia de Covid-19.

As ações ocorreram simultaneamente à cúpula Finance in Common, primeiro encontro internacional de representantes de cerca de 450 bancos de desenvolvimento, com a finalidade de discutir medidas coordenadas de estímulo à economia e enfrentamento às mudanças climáticas.

Contato para a imprensa

Peri Dias

Comunicação da 350.org na América Latina  peri.dias@350.org / +591 7899-2202

Estudo revela como BNDES e Black Rock financiam a violência contra indígenas no Brasil

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Fernanda Wenzel e Pedro Papini

Entre janeiro de 2017 e junho de 2020, nove empresas associadas à invasão ou pressão sobre terras indígenas na Amazônia receberam 63,2 bilhões de dólares em investimentos. Aplicado nas companhias com a perspectiva de rentabilidade, o dinheiro acaba incentivando violações de direitos dos povos nativos da floresta, como disputa por terras, contaminação de rios, desmatamento e até violência física.

A conclusão é da terceira edição do relatório “Cumplicidade na Destruição“, produzido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em parceria com a ONG norte-americana Amazon Watch e lançado nesta terça-feira, 27 de outubro (quem quiser pode baixar o pdf do relatório [Aqui!]).

Os dados do estudo foram obtidos pelo observatório jornalístico De Olho Nos Ruralistas e pela instituição holandesa de pesquisa Profundo. As organizações mapearam recursos provenientes de 35 instituições financeiras em nove países diferentes, mas apenas duas são responsáveis por 26% do valor total dos investimentos: o banco estatal brasileiro BNDES, com US$ 8,5 bilhões aplicados em empresas que pressionam povos indígenas, e a BlackRock, que é maior gestora de ativos do mundo e destinou, no período, US$ 8,2 bilhões para as companhias associadas à violações de direitos na floresta.

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A JBS, maior produtora de carne do mundo e o frigorífico que apresentamaior risco de desmatamento da Amazônia em decorrência de suas operações, recebeu US$ 8,4 bilhões em investimentos, o equivalente a 15 vezes o orçamento do Ministério do Meio Ambiente previsto para 2020. É a terceira empresa favorita do mercado financeiro entre as investigadas,  atrás apenas da Vale e da Anglo American, ambas do setor de mineração.

Segundo o relatório da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a pecuária ocupa 80% da área desmatada da Amazônia. A floresta dá lugar ao pasto, que alimenta um rebanho em franca ascensão. O número de animais na região passou de 47 milhões em 2000 para cerca de 85 milhões atualmente. Das 215 milhões de cabeça de gado contabilizadas hoje em todo o Brasil, quase 40% pastam na Amazônia – muitos deles dentro de terras indígenas, o que é ilegal, mas abastece a indústria.

Segundo os dados obtidos pelas entidades, dos US$ 8,4 bilhões investidos na JBS, quase metade – US$ 3,7 bilhões – vieram do BNDES. Oficialmente, obanco informa que suas ações valiam, em junho deste ano, R$ 12,3 bilhões, ou cerca de US$ 2,2 bilhões. O banco público é o segundo maior acionista do frigorífico, com 21,32% de participação, atrás apenas da família Batista.

“É uma contradição do BNDES. Ao mesmo tempo em que é o gestor do Fundo Amazônia, e deveria aplicar recursos para garantir a proteção ambiental, ele mesmo financia a destruição”, analisa Sônia Guajajara, da Coordenação Executiva da APIB.

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Prédio sede do BNDES no centro da cidade do Rio de Janeiro. Foto: Marcio Isensee e Sá

O terceiro maior acionista da JBS é a BlackRock, com participação minoritária (menor que 5%), mas cujos investimentos totais alcançam US$ 517,30 milhões. São 238 milhões em ações e 279 milhões em títulos de dívida, segundo o levantamento. Os dados são relativos à junho deste ano. Mas em agosto, a BlackRock informou ao ((o))ecoque mantinha US$ 332 milhões em ações da JBS, o que indica que a gestora de ativos parece estar aumentando sua fatia de participação na JBS, apesar de se apresentar como a porta-voz do investimento ambientalmente responsável no mundo.

Ao ((o))eco, a gigante financeira argumentou que não tem poder de decisão sobre essas participações, uma vez que o frigorífico integra índices do mercado financeiro que determinam a composição das carteiras de ativos ao redor do mundo. É o chamado investimento passivo,uma excelente forma de as corporações financeiras lavarem as mãossobre suas decisões de investimento.

“A BlackRock não possui uma política sobre como lidar com os investimentos que possam impactar o direito de povos indígenas. Tampouco tem se comprometido a pressionar as empresas nas quais ela investe para atuar pelo fim do desmatamento nas florestas tropicais como a Amazônia”, descreve o relatório da Apib e Amazon Watch.

 Além da JBS, a BlackRock informou ao ((o))eco que investia US$ 39 milhões na Marfrig e US$ 24 milhões na Minerva, respectivamente a 5ª e a 10ª no ranking do Imazon de risco de desmatamento e também alvos de investigações independentes que mostram como seus fornecedores indiretos criam animais ilegalmente em áreas de floresta.

O levantamento da APIB em parceria com a Amazon Watch levou em consideração, além da compra de ações, operações de crédito, como empréstimos e a compra de títulos de dívidas. Somando todos os tipos de aporte financeiro, os bancos Santander, da Espanha, e Fidelity Investments, dos Estados Unidos, superam os investimentos da BlackRock na JBS.

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“Tem muito subsídio para o setor da agropecuária, então todo mundo hoje quer desmatar para plantar capim e criar gado. E se o Acordo Mercosul-União Europeia sair, vai facilitar muito mais a exportação de carne e aumentar ainda mais a pressão por espaço para criar gado”, afirma Guajajara. Assinado em junho do ano passado após duas décadas de negociação, o acordopode vir por água abaixodevido à desastrosa gestão ambiental do governo brasileiro. 

JBS abate gado criado legalmente em áreas indígenas

Segundo o relatório da Apib e da Amazon Watch, “a JBS tem estado no centro de diversas violações de direitos socioambientais e de direitos humanos na Amazônia nos últimos anos”.

Em julho, um relatório da Anistia Internacional revelou que a companhia comprou gado bovino criado ilegalmente na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia. No mês seguinte, a Agência Pública mostroucomo um pecuarista do Mato Grosso, que acumula mais de R$ 20 milhões em multas ambientais e cria gado ilegalmente dentro da Terra Indígena Kayabi, se tornou fornecedor da empresa. A situação não é nova. Em dezembro de 2018, ((o))eco havia identificado quatro fornecedores da JBS dentro da Terra Indígena Karipuna, em Rondônia.O rastreamento foi feito através da plataforma“Confiança Desde a Origem”,da própria JBS, que deveria mostrar a origem do gado abatido pelos frigoríficos da empresa em todo o Brasil.

Mas desde o ano passado, a multinacional reduziu drasticamente a transparência do sistema. Diante das novas denúncias, a pressão de investidores internacionais subiu de tom e o banco europeu Nordea chegou a retirar um investimento de R$ 240 milhões na empresa.

Como resposta, a JBS anunciou, em setembro, o compromisso de monitorar toda a sua cadeia de fornecedores até 2025. Mas Rosana Miranda, assessora de campanhas para o Brasil da Amazon Watch, lembra que a empresa tinha feito a mesma promessa em 2009. “Mais de dez anos depois, sem ter cumprido esse compromisso, a JBS se dá mais cinco anos de prazo quando estamos vivendo uma situação dramática nos biomas brasileiros. A JBS coloca muita ênfase na ideia de que o rastreamento da cadeia total de fornecedores não é feito porque é tecnicamente muito difícil. Mas todos os anos organizações da sociedade civil e agências de jornalistas independentes, com orçamentos muito menores, conseguem comprovar a existência de desmatamento dentro da cadeia de fornecedores da JBS. Então como a maior empresa de alimentos do mundo não consegue fazer isso?”, questiona.

De fato, ((o))eco mostrou que as ferramentas para monitoramento do rebanho brasileiro – do nascimento ao abate – já existem, embora ainda não conversem entre si.

Agro, mineração e energia são setores críticos

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Para identificar as empresas com maiores conflitos juntos aos povos indígenas no Brasil, a equipe do De Olho Nos Ruralistas analisou centenas de processos judiciais e fez uma série de entrevistas com associações e lideranças indígenas. Foram encontrados 797 casos judicializados envolvendo questões como contestação sobre demarcação, desapropriação e indenização por danos ambientais ou morais. Onze empresas estavam frequentemente associadas a estes conflitos, mas a Profundo só conseguiu levantar informações financeiras de nove delas.

Quatro destas empresas pertencem ao setor de mineração. A principal delas é a Vale, companhia que mais recebeu aportes de instituições financeiras segundo a análise da Profundo. O maior foco de conflitos da mineradora com povos indígenas se dá no Complexo de Carajás, o maior projeto de extração de minério de ferro do mundo, localizado no Pará. Laudos técnicos já comprovaram que a atuação da Vale na região levou à contaminação do Rio Cateté, principal fonte de água dos indígenas Xikrin. A empresa não paralisou as atividades mesmo durante a pandemia de coronavírus, o que foi apontado pelos indígenas como um dos fatores que levou este povo a ser um dos mais afetados pela doença no Pará

No mesmo setor, aparecem ainda as empresas Anglo American, com sede no Reino Unido, a canadense Belo Sun e a brasileira Potássio do Brasil.

Na área de energia, o relatório destaca as companhias Energisa Mato Grosso, Bom Futuro Energia, Equatorial Energia Maranhão e Eletronorte. A Equatorial Energia Maranhão (antiga Companhia Energética do Maranhão, a Cemar), esteve envolvida em um dos casos mais trágicos de violência contra indígenas no Brasil. Foi em 2017, quando indígenas Akroá-Gamellativeram as mãos decepadas. Segundo o relatório, as tensões locais que levaram a esse crime foram acirradas pelo projeto da empresa de instalação da linha de transmissão Miranda do Norte-Três Marias, com impactos no território Akroá-Gamella – uma etnia que busca há quatro décadas a demarcação de suas terras no Maranhão.

Segundo o levantamento da Profundo, a empresa recebeu US$ 346,6 milhões do banco espanhol Santander e tem entre seus principais acionistas a BlackRock, o Canada Pension Plan Investment Board (conhecida como CPP, é a empresa que adminsitra os fundos de pensão do Canadá), o fundo de pensão do governo da Noruega, a instituição financeira norte-americana Vanguard e a gestora de ativos britânica Schroders.

A Reserva Extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia, tem 50% de sua área ocupada ilegalmente por fazendas para produção pecuária. Foto: Marcio Isensee e Sá

No setor do agronegócio, além da JBS aparecem a Cargill e a Cosan S.A. A Cargill é uma das maiores traders de commodities do planeta, com receita líquida de R$ 50 bilhões no Brasil em 2019. No Pará, a atuação da Cargill na região do Tapajós – incluindo a construção de um complexo de portos para escoamento de grãos – é apontada como um fator decisivo para a expansão da soja e a consequente pressão sobre as Terras Indígenas. Um exemplo é o do Território Indígena Munduruku do Planalto Santareno, cercado por propriedades de soja, milho, sorgo e fazendas de pecuária. Segundo o relatório, os indígenas são alvo constante de ameaças por fazendeiros e grileiros da região e sofrem com os impactos dos agrotóxicos em suas lavouras e com a contaminação e assoreamento de rios e igarapés.

Segundo Rosana Miranda, da Amazon Watch, cada um destes setores atinge de forma diferente os povos indígenas. No caso da mineração, a pressão se dá principalmente pelos requerimentos de pesquisa dentro dos territórios tradicionais e, em casos extremos, até mesmo atividades de prospecção ilegais dentro destes territórios. O estudo destaca que os processos de exploração minerária em Terras Indígenas da Amazônia cresceram 91% desde o início do governo Bolsonaro. Um movimento estimulado por iniciativas como a PL 191/2020, que libera a mineração e o garimpo em Terras Indígenas. O projeto, apresentado pelo governo federal, pode ser votado a qualquer momento na Câmara.

“Outro eixo de pressão desses setores é o incentivo direto e indireto a atores locais como grileiros ou garimpeiros ilegais. Há também a omissão pela falta de controle sobre sua cadeia de fornecedores, que é o caso da JBS. Destaca-se ainda o desrespeito sistemático à legislação que protege as terras e direitos indígenas, principalmente o direito à consulta prévia livre e informada no caso de empreendimentos que impactem estes territórios”, conclui Miranda.

Para Miranda, os grandes investidores internacionais ganham ainda mais relevância diante do desmonte da política ambiental brasileira. “Esses investidores e grandes corporações financeiras têm o poder de incentivar ou moderar certos posicionamentos do governo brasileiro. Essas empresas têm uma responsabilidade, muitas delas assumiram compromissos públicos de políticas socioambientais e de mudanças climáticas, e os dados que trazemos mostram que estas políticas não estão sendo cumpridas”.

*Crédito da foto de destaque: Indígena Munduruku durante evento de mobilização contra a construção das hidrelétricas no Rio Tapajós em 2015. Marcio Isensee e Sá /Agência Pública.

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Esta reportagem foi inicialmente publicada pelo ((o))eco  que é feito pela Associação O Eco, uma ONG brasileira que se preza por não ter fins lucrativos nem vinculação com partidos políticos, empresas ou qualquer tipo de grupo de interesse [Aqui!].