Por Douglas Barreto da Mata
Que o eleitorado fluminense tem forte sotaque conservador não é novidade. É um fenômeno histórico, com poucos períodos de mandatos de políticos progressistas, o mais importante deles, Leonel Brizola. Aliás, o conservadorismo não é um traço fluminense, mas nacional, apesar dos mandatos presidenciais do PT. Não seria exagero dizer que o exercício da Presidência da República alterou muito mais o PT do que este alterou o país. Mas resumir o conservadorismo fluminense ao bolsonarismo é um erro, ou um exagero que favorece a narrativa do interessado.
No atual momento, definir o peso e a resiliência desta manifestação política é crucial para determinarmos as possibilidades de sucesso deste ou daquele ator político, e neste caso aqui, deste texto, o que nos interessa é o que vai acontecer na eleição de governador, onde até aqui temos dois pretendentes, Rodrigo Bacellar e Eduardo Paes. Dentre os dois, o que está em situação mais delicada é Bacellar. E por quê? Ora, porque ele reivindicou uma pré-candidatura na aliança política que têm Flávio Bolsonaro e Jair Bolsonaro como figuras de proa, ao mesmo tempo que foi, publicamente, rejeitado por ambos (e também por outras figuras de relevo do movimento bolsonarista). Em resumo, Rodrigo Bacellar determinou sua trajetória como nome do bolsonarismo no Rio de Janeiro, e lhe foi negado este posto.
É possível a Rodrigo reconstruir sua (pré) candidatura, como afirmou o presidente nacional da federação União Brasil/PP, Antônio Rueda? Possível é, tudo é possível, mas é pouco provável. Como me ensinou um amigo especialista na observação da cena política, Rodrigo e Rueda não têm outra saída, senão manter ocupado o lugar dessa pré-candidatura, sob pena de verem desmoronar o já instável chão sob os pés de ambos.
Se sinalizar a desistência antes do tempo, Rodrigo Bacellar pode ficar sem a vaga no TCE, sem o apoio de seus colegas de Alerj na eleição indireta para governador (caso Castro renuncie), enfim, enfrentará um final melancólico. Por essa razão, Rodrigo Bacellar tem que manter as aparências que, neste caso, enganam pouco.
Não há mais espaço para Rodrigo Bacellar operar uma candidatura tipo “terceira via”, por várias razões. A primeira, e mais óbvia, é a sua trajetória relacionada ao bolsonarismo no Estado, ainda que os bolsonaristas não o reconheçam como tal. Também não há lugar para se mostrar um “moderado”, tanto pelo estilo pessoal do deputado, quanto pela sua base de apoio mais fiel, que tem na estridente trinca Alan-Amorim-Poubel sua face mais operacional.
As pesquisas mostram que há um viés do eleitor que aponta para um certo cansaço com o bolsonarismo, apesar deste nome ainda ter importância na decisão do eleitor. Ressaltamos que esse cansaço não é uma guinada para fora do espectro conservador, mas sim da sua forma mais extremista, justamente personificada na figura do ex-presidente, tudo isso incrementado pelas últimas trapalhadas do chamado “tarifaço de Trump”.
Esse movimento do eleitorado favorece primeiro o favorito Eduardo Paes, que se situa como um centro-direita que “come com talheres”, e não “arrota à mesa”. No entanto, Paes tem um grave problema, ou melhor, dois: a síndrome de Celso Russomano (o cavalo paraguaio de SP) e sua pouquíssima abrangência fora da Capital. Paes é um cara que personificou tanto a “carioquice zona sul”, esse “tipo” que é ao mesmo tempo um conservador e elitista, mas “gente boa” e que “vai na roda de samba”. Essa imagem não permite a ele se colocar para além da Ponte Rio-Niterói. Paes é irremediavelmente um carioca, nunca um fluminense.
Faltou inteligência a ele, por exemplo, para distribuir a recepção de alguns dos eventos globais que aconteceram no Rio, criando um vínculo dos organizadores dessas cúpulas com prefeitos do interior, como da região serrana ou região dos lagos, para que os pré-eventos, que são comuns nestas cúpulas, quando delegações de preparação debatem os temas anteriormente, pudessem se espalhar por cidades turísticas, como Cabo Frio, Petrópolis, Penedo, ou até mesmo polos regionais, como Macaé ou Campos dos Goytacazes.
Como dizem na gíria, “comeu mosca”, porque pensou dentro da caixinha do “carioquismo”, porém, só o seu eleitorado na capital não o elege. Voltando ao bolsonarismo, alguns apostam que 2026 será o início do fim, onde o declínio do poder de intervenção no eleitorado estadual fluminense se fará bem visível. Já outros contestam, dizendo que será sim o início do declínio, mas não ainda a ponto de comprometer a capacidade do ex-presidente em ser um forte eleitor para quem resolver apoiar.
Penso que o bolsonarismo está em franca fragmentação. O encaminhamento das questões eleitorais no RJ é uma prova inconteste disso. Seja pelo assédio jurídico, seja pelos erros de avaliação que levaram a erros estratégicos, o fato é que a comunidade política bolsonarista só tem um objetivo claro: eleger senadores, .e agora, mais um, tentar livrar o seu líder da cadeia.
Não seria pouco, é verdade, mas para quem teve a Presidência da República, uma bancada parlamentar federal significativa e ruidosa, diversos governadores, e que até bem pouco tempo, dominava as iniciativas nas redes sociais, é muito pouco. Há alguns anos seriam impensáveis os movimentos de Washington Reis, oscilando entre o bolsonarismo e um acordo com Paes, e mesmo assim, em desagravo a Reis, os Bolsonaro retiraram o apoio a Cláudio Castro e a Bacellar. Castro, como sabemos, correu para salvar a própria pele, e deixou Bacellar “falando sozinho”. Como seria impensável que Silas Malafaia dissesse, aos quatro ventos, que se os Bolsonaro insistissem em Rodrigo Bacellar, ele estaria fora dessa campanha (alguns dizem que na verdade, ali os Bolsonaro falaram através do pastor).
Em qualquer outro tempo, caso Washington Reis recuperasse sua elegibilidade, ninguém teria dúvidas de que ele se colocaria como opção junto ao bolsonarismo para a missão de enfrentar Eduardo Paes. Quem olhar a sua “linguagem corporal” atual, não terá certeza de que o Czar da Baixada esteja 100% com Bolsonaro. Na verdade, hoje, o Czar de Caxias é 100% ele mesmo, e olhem lá.
Enfim, a verdade é que temos uma enorme brecha no eleitorado conservador, que não quer um bolsonarismo estridente, mas ao contrário, quer algo que se achegue mais ao centro, mas não votará em Eduardo Paes. Se Washington Reis não puder, ou não quiser ser esse nome, o bolsonarismo, sob pena de encolher ainda mais, vai ter que buscar um nome que preencha essa lacuna para fazer frente a Eduardo Paes.






