De 2008 a 2017, a presença da carne aumentou 12% no prato dos brasileiros de todas as faixas de renda. Por isso, o consumo deste alimento contribui com 86% da pegada de carbono da dieta, um indicador de emissão de carbono na atmosfera. Os dados são da análise de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) publicada hoje (31) no periódico científico “Environment, Development and Sustainability”.
O estudo foi realizado a partir da análise da Pesquisa de Orçamento Familiar, nos anos 2008 e 2017, que divulgou informações sobre consumo individual e também do preço dos alimentos. “Juntar informações sobre consumo e preço dos alimentos não é muito comum na literatura científica. Essa é uma inovação do artigo”, explica Aline Martins de Carvalho, docente da Faculdade de Saúde Pública da USP.
Nele são especificados as características do consumo de acordo com cada tipo de carne. Entre todos os grupos, o consumo de peixe reduziu 23%; de porco aumentou 78%; frango, 36%; e a carne bovina não apresentou mudanças expressivas no consumo no período analisado, apesar de ser a carne mais consumida pelo brasileiro.
A partir de um recorte de renda, os pesquisadores constataram que as famílias mais pobres, com menos de meio salário mínimo por pessoa, não aumentaram o consumo total de carne no período analisado. Este grupo reduziu o consumo de peixe, mas as refeições com frango e porco aumentaram. Dessa forma, seu impacto ambiental foi menor que os demais grupos. Entretanto, isso pode ter se dado pelo preço, acesso e aspectos sociais envolvidos no consumo de carne.
De acordo com Carvalho, o consumo da carne em altas quantidades impacta o meio-ambiente e a saúde das pessoas, aumentando o risco de quadros de câncer de intestino, hipertensão, diabetes e obesidade. Dessa forma, reduzir o seu consumo é uma saída importante, mas não é a única para melhorar a saúde das pessoas e do planeta. “Também é preciso verificar relações de preço, acesso, cultura, consumo e sustentabilidade nos diferentes grupos econômicos”, recomenda a pesquisadora.
Além disso, a nutricionista reforça a importância de discutir os impactos do consumo de carne com a população por meio das políticas públicas. “É necessária também uma abordagem inter e transdisciplinar para investigar as variações do consumo de carne no Brasil, com foco nos valores e na intencionalidade dos sujeitos”, conclui a autora do artigo.
Este texto foi originalmente produzido pela Agência Bori [Aqui!].
Partículas encontradas em produtos de supermercados e em fazendas holandesas, mas impactos na saúde humana ainda são desconhecidos
Os cientistas encontraram microplásticos em 75% das carnes e produtos lácteos testados e em todas as amostras de sangue em seu estudo piloto. Fotografia: David Kelly
Por Damian Carrington, editor de Meio Ambiente do “The Guardian”
A contaminação por microplásticos foi relatada pela primeira vez em carne bovina e suína, bem como no sangue de vacas e porcos em fazendas.
Cientistas da Vrije Universiteit Amsterdam (VUA), na Holanda, encontraram as partículas em três quartos da carne e produtos lácteos testados e em todas as amostras de sangue em seu estudo piloto.
Eles também foram encontrados em todas as amostras de ração animal testadas, indicando uma rota de contaminação potencialmente importante. Os produtos alimentícios foram embalados em plástico, que é outra rota possível.
Os pesquisadores da VUA relataram microplásticos no sangue humano pela primeira vezem março e usaram os mesmos métodos para testar os produtos de origem animal. A descoberta das partículas no sangue mostra que elas podem viajar pelo corpo e se alojar em órgãos.
“Quando você está medindo o sangue, você está descobrindo a dose absorvida de todas as diferentes vias de exposição: ar, água, comida, etc”, disse a Dra. Heather Leslie da VUA. “Então é muito interessante porque imediatamente diz o que está penetrando no rio da vida.”
O estudo piloto foi realizado para avaliar se os microplásticos estão presentes em animais de fazenda, carne e laticínios. “Isso deve funcionar como um impulso para explorar ainda mais o escopo completo da exposição e quaisquer riscos que possam estar associados a ela”, disse Leslie.
Os cientistas testaram 12 amostras de sangue de vaca e 12 de sangue de porco e encontraram microplásticos em todas elas, incluindo polietileno e poliestireno. As 25 amostras de leite incluíam leite de caixas de supermercado, tanques de leite em fazendas e ordenha manual. Dezoito das amostras, incluindo pelo menos uma de cada tipo, continham microplásticos.
Sete das oito amostras de carne bovina e cinco das oito amostras de carne suína estavam contaminadas. “Ainda não se sabe se há algum risco toxicológico potencial dessas descobertas”, disse o relatório. Animais de fazenda e carne ainda não foram testados em outros países, mas microplásticos foram relatados em leite comprado na Suíça em 2021e leite de fazenda na França.
Maria Westerbos, da Plastic Soup Foundation, que encomendou a pesquisa, disse: “Com os microplásticos presentes na alimentação do gado, não é surpreendente que uma clara maioria dos produtos de carne e laticínios testados contenham microplásticos. Precisamos urgentemente livrar o mundo do plástico na alimentação animal para proteger a saúde do gado e dos seres humanos”.
Este texto foi escrito inicialmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].
Com o boom das exportações, os donos dos frigoríficos brasileiros estão apoiando planos para restringir os períodos de descanso para aqueles que realizam trabalhos perigosos em baixas temperaturas
Trabalhadores em um frigorífico da Marfrig. As propostas apoiadas pela indústria da carne limitariam as pausas regulares, que os sindicatos dizem que são destinadas a proteger os trabalhadores. Fotografia: Ricardo Funari / Lineair / Greenpeace
Por Carlos Juliano Barros para o “The Guardian”
A saúde de centenas de milhares de trabalhadores de frigoríficos no Brasilestá em risco devido a um plano apoiado pela indústria para reduzir as pausas concedidas aos empregados, dizem grupos de direitos dos trabalhadores no país.
Em meio a uma pandemia que ceifou a vida de mais de 350.000 brasileiros, o governo do presidente Jair Bolsonaro, o parlamento e a indústria da carne têm pressionado por uma mudança para revisar as leis e regulamentos que protegem os trabalhadores nos frigoríficos.
As novas regras em discussão limitariam os intervalos regulares dados aos trabalhadores que enfrentam baixas temperaturas, o que os especialistas em trabalho dizem que ajuda a reduzir o potencial de lesões.
“É inconcebível que durante a pior crise de saúde da história, quando os frigoríficos foram qualificados como essenciais e continuaram a trabalhar normalmente para garantir o abastecimento de alimentos à sociedade, eles devessem ter quaisquer direitos relacionados à saúde e segurança no trabalho retirados”, disse Lincoln Cordeiro, que trabalha para o Ministério Público do Trabalho, órgão federal independente do governo.
Os intervalos de 20 minutos a cada hora e 40 minutos permitem a “recuperação térmica” das baixas temperaturas. As alterações propostas significariam que essas pausas só seriam concedidas a funcionários sujeitos a temperaturas abaixo de 4C ou movimentação de cargas entre locais com diferença de temperatura de 10C. Isso cobriria cerca de 5% dos trabalhadores da frigorífica, diz Cordeiro.
“Há estudos que mostram que o trabalho contínuo em ambiente frio deteriora os músculos e o funcionamento neural”, disse Cordeiro. “A exposição ao ar frio também causa alterações inflamatórias e piora do sistema respiratório.”
A revisão das regras trabalhistas nos frigoríficos ocorre em um momento em que se levantam questões na Europa sobre a sustentabilidade das exportações brasileiras de carne, no valor recorde de US$ 17 bilhões em 2020.
Sob Bolsonaro, o desmatamento ilegal em biomas sensíveis disparou. Uma vasta extensão da floresta amazônica sete vezes maior que a Grande Londres foi desmatada entre agosto de 2019 e julho do ano passado.
“O setor empresarial pressionou o governo, argumentando que as regras atuais estão causando prejuízos”, disse Célio Elias, líder da Federação Democrática dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Santa Catarina, um importante estado produtor de aves. “[Mas] se a proteção dos trabalhadores for prejudicada, veremos um grande número de pessoas feridas e mutiladas. Não temos dúvidas sobre isso. ”
Trabalhadores da indústria de processamento de carnes da Minerva SA em Barretos, Brasil. O governo e a indústria têm pressionado por uma redução na proteção aos trabalhadores. Fotografia: Bloomberg / Getty Images
Além das mudanças propostas para a legislação trabalhista do país, o governo de Bolsonaro anunciou planos de revisão das normas federais (conhecidas como NR36) que cobrem a distância mínima entre os trabalhadores e o uso de móveis adequados para evitar acidentes, bem como intervalos.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa as indústrias de aves e suínos do país, disse que as mudanças propostas no código de trabalho do Brasil iriam “colocá-los em linha com as regras internacionais” e dar aos trabalhadores um modelo mais flexível de pausas que não obrigá-los a abandonar as instalações.
Tanto a ABPA quanto a secretaria do trabalho do Ministério da Economia afirmaram que as mudanças na NR36 visam “simplificar, harmonizar e desburocratizar”. A ABPA acrescentou em comunicado que a revisão da NR36 foi necessária “devido aos avanços nas tecnologias de produção” e que “o trabalho é essencialmente pautado pela melhoria constante das condições de saúde e segurança de todos os trabalhadores”.
A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que inclui frigoríficos de bovinos, não comentou as propostas de mudanças na legislação trabalhista ou na NR36.
Carlos Juliano Barros é repórter investigativo da Repórter Brasil
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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [Aqui!].
Símbolo do Brasil reprimarizado, o complexo da carne suplicia animais e maquia seus produtos. Na criação, anabolizantes e beta-agonistas, para abate rápido. Após a morte, “maciez” e “frescor” por meio de choques, produtos químicos e gases
Por Paula Mónaco Felipe, no Bocado| Imagens: Miguel Tovar
Basta sentir como a faca desliza pelo pedaço de carne, e Jorge já consegue notar se está dura, desidratada ou se tem a consistência natural dos músculos de uma vaca. Jorge, açougueiro que pede para omitir seu sobrenome, poderia fazer essa avaliação com os olhos fechados porque há 40 anos exerce esse trabalho. Cresceu no negócio do pai, no estado de Jalisco, México, e agora tem seu próprio açougue.
A centenas de quilômetros, na Cidade do México, os estudantes de pós-graduação de carnes da Faculdade de Veterinária da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam) não usam facas nem olham para as vacas, observam dados estatísticos. Tabelas com valores que medem a força de corte, uma técnica quantitativa para determinar a suavidade de um pedaço de carne. Cruzam essa informação com dados como idade do animal e uso de beta-agonistas, ou seja, medicamentos “promotores do crescimento”.
No centro do país, no Estado de Michoacán, uma família de criadores de gado recebe uma oferta inesperada: pó saborizante para que a carne das suas vacas, seja o corte que for, tenha gosto de fraldinha ou inclusive de outro animal.
No sul, pacotes de conteúdo escuro viajam por via terrestre até a fronteira com a Guatemala. Também são transportados por avião, e às vezes quem leva a carga são veterinários, em aviõezinhos. Deste lado da fronteira, ele é chamado de sal milagroso, do outro lado, chocolate. “Todo o mundo sabe que o clenbuterol vem do México”, diz Chino, um rapaz que transporta vacas nessa zona de fronteira. Substância ilegal em ambos países, o quilo do clenbuterol é traficado a “cerca de 200 mil pesos (aproximadamente 57 mil reais)”. Usa-se um grama por tonelada de alimento. Se usar muito, as vacas morrem.
Essas cenas são algumas das situações que têm a vaca como protagonista, e o que sobra dela, antes de chegar aos açougues e supermercados do México [ou do Brasil].
Eu como carne, pelo menos até agora. Cresci entre vacas, tanto que o nascimento de um bezerro está entre as lembranças mais vívidas da minha infância na Argentina. Durante muitos anos, pensei que as vacas continuavam a ter a mesma vida que na minha infância nos pampas. Há pouco comecei a ouvir falar de currais de engorda, ou feedlot, e depois a ler sobre pecuária intensiva no México, onde vivo há muitos anos.
Comecei a me perguntar sobre como é a vida das vacas que depois chegam a milhões de mesas como a minha. Como é a vida e como é a morte também. O que existe nessa carne que nos vendem empacotada, congelada e em pedaços, em supermercados, mercados e açougues. A carne que chega a milhares de taquerias mexicanas [e restaurantes ou botecos brasileiros]. Esta reportagem é o resultado dessa busca.
I.
Eles são colocados com uma pistola que dispara um chip dentro da orelha das vacas. São implantes de hormônios, utilizados praticamente por todos os criadores de gado do México1, aqueles que possuem três ou quatro animais, e os empresários que criam milhares de vacas por mês.
Os implantes hormonais são vendidos em veterinárias, em teoria apenas com receita, mas na verdade qualquer pessoa pode comprá-los. Alguns dos produtos e marcas: Synavix S (benzoato de estradiol e progesterona, para novilhos); Synovex H (benzoato de estradiol e propionato de testosterona, para vitelas); e Synovex C (estrógeno e progesterona, para bezerros em crescimento). Custam entre 40 e 55 pesos mexicanos por implante por animal, cerca de dez reais. São de uso frequente porque muita gente acredita que são inofensivos, são uma experiência popular e barata para a engorda acelerada.
– Os hormônios implantados nas orelhas ficam na carne? – pergunto para um veterinário. Trata-se de alguém que sabe de composições químicas, com vinte anos de experiência, e que pede para não revelar sua identidade.
– Sim. E os hormônios colocados nos animais são vários – responde quem vamos chamar de Veterinário. E continua: – São estrógenos, progesterona. Normalmente são colocados na orelha quando entram em currais de engorda. Se forem colocados duas vezes, são chamados de reimplantes. Mas isso vai perdendo sua eficácia e nos últimos 30 dias, no final, o que lhe colocam é um beta-agonista, o inominável (clenbuterol), que é ilegal, e também o zilpaterol, que é legal.
“O inominável”, diz o Veterinário, sobre o clenbuterol2. O outro é chamado pelo nome, zilpaterol. Cloridrato de zilpaterol é o componente, Zilmax é a marca comercial mais bem sucedida. Um medicamento vendido em certo segredo3. Basta se aproximar de um grupo de criadores de gado nas redes sociais, onde algumas pessoas oferecem o produto, mas não dão preços nem detalhes de forma aberta, apenas por inbox.
Trata-se de um anabolizante que modifica o metabolismo. Autorizadoapenas no México, nos Estados Unidos e na África do Sul. Europa, Ásia e o restante dos países do mundo o proíbem por razões das quais ninguém quer falar aqui. Quem tem coragem de falar dele é uma pessoa que chamaremos de Pecuarista de Michoacán. Alguém com vários campos, empresário de alto nível, mas também que pede não revelar a identidade. Fica evidente: a pecuária no México é um território de véus, medos e silêncios.
“O Zilmax é o primo-irmão do clenbuterol, mas é comum em qualquer lugar”, diz pelo telefone o Pecuarista de Michoacán. Aceita a entrevista porque quer contar o que muitos preferem não dizer. Sua voz mostra uma mistura de raiva e tristeza, mas também a altivez de quem está decidido a manter suas convicções. Não usar zilpaterol nem recorrer a hormônios significa para ele mais tempo, esforço e dinheiro. “Eles, com 8 kg de alimento, fazem 1 kg de carne. Nós precisamos de 11 kg”, diz. “E engordar um animal com pecuária regenerativa leva de 30 a 34 meses desde o nascimento até o sacrifício. Com a pecuária intensiva, eles demoram entre 18 e 20 meses.”
Tempo é dinheiro: com o ingrediente mágico Z, isso significa entre 39 e 100 dólares [R$ 220 a R$ 560] a mais de lucro por cada vaca. Muito dinheiro.
Com o chip de hormônio na orelha, o animal tem fome o tempo todo. Come mais, come muito um alimento que talvez sem essa fome voraz a vaca nem sequer comeria. Em geral, os pecuaristas intensivos dão uma mistura de fezes de frango e de galinha misturados com serragem e os resíduos da criação intensiva desses animais, misturados com grãos, forragem e praticamente o que quer que seja4. Com o zilpaterol, além do mais, vai ganhar mais músculo. A pergunta é qual será o custo para o animal e qual será para o consumidor da sua carne. Por que está proibido quase no mundo inteiro exceto aqui?
Leio 10 artigos científicos em busca de respostas.
O fabricante doZilmaxgarante que não há perigo, que “os níveis de resíduos no tecido muscular são apenas de aproximadamente 10% dos valores no tecido hepático, e os resíduos no tecido adiposo essencialmente não são encontrados”. Os cientistas confirmam, parece que o zilpaterol é quase invisível. Devido à sua composição química, graças à sua “ausência” de “cloro no grupo cíclico”, o animal não o absorve em 12 horas, e nas outras 12 horas desaparecerá todo o seu rastro. Os criadores de gado fecham o círculo, deixam de utilizá-lo entre dois e três dias antes de matar a vaca. Assim, mesmo que tenha consumido essa substância por meses – grande parte da sua vida –, a carne do animal em teoria não terá vestígios da substância.
Apenas um artigo aborda a questão das contraindicações ou efeitos adversos:aumento da mortalidade do gado bovino após o uso de zilpaterol e ractopamina(Conasa): “O risco acumulado e a taxa de incidência de morte foi de 75% a 90% maior”. No Youtube, a empresa Lesca oferece kits para controlar se a carne atende aos níveis permitidos de zilpaterol. “Por que?”, se pergunta o Dr. Thomas Nick, apresentador do anúncio. “Porque existe o risco potencial de efeitos cardiovasculares, se for consumido.”
Só isso, poucas vozes. Parece que o zilpaterol, um negócio próspero, é um assunto que ninguém quer examinar em detalhes. Enquanto isso, essa versão do clenbuterol light – ou invisível– continua a drogar as vacas, vistas como máquinas, e talvez essa seja a visão sobre nós também. Não sabemos.
II.
Mais obscuro ainda é o território ilegal no qual trafega o “inominável”.
Ele é bem conhecido pelo Chino, o rapaz que transporta vacas na fronteira México-Guatemala. Diz que o clenbuterol é usado para engordar o gado. Que é traficado com as mesmas lógicas da cocaína e de outras substâncias, que é vendido a preços inacreditáveis.
Chino tem os braços fortes de quem trabalhou a vida inteira. É robusto, grande, forte. Um cara curtido, desses que dão a impressão de andar pela vida sem sentir intranquilidades. No entanto, aceita falar do assunto apenas por alguns poucos minutos. Outra vez o medo ronda.
Quando recebem alimento com clenbuterol, conta, “as vacas ficam loucas, nervosas, trancadas”. Seu jeito de rapaz durão se transforma em um gesto de pena. Viu violência, cresceu em regiões de pandillas (quadrilhas), e mesmo assim a questão das vacas com clenbuterol o afeta. O assunto o entristece de forma diferente. Faz com que se lembre dos golpes, dos choques elétricos, dos maus tratos associados a um animal que está fora de si.
No celular, guarda alguns vídeos feitos há poucos meses. São vacas drogadas com chocolate, como o clenbuterol é chamado na Guatemala, por conta da cor que a substância tem. Ele me mostra apenas dois deles: “Você não gosta de ver coisas feias”, comenta.
O clenbuterol provoca um efeito parecido ao da adrenalina. Em um intervalo de apenas 15 a 45 minutos, aumenta a frequência cardíaca, a pressão sanguínea, dilata os brônquios e acelera o metabolismo. Tanto altera que pode provocar morte instantânea ou manqueira em bovinos. Nos cavalos, atrasa o parto, em outros mamíferos, como cachorros, a substância passa ao feto, e em ratos causa fraturas de ossos, efeitos cardiovasculares, imunossupressão e problemas de aprendizagem e de memória. É perigoso para o animal e também para o ser humano que consome carne que contenha a substância: ela persiste, de forma residual, mesmo quando a carne é cozida. A prova reside na urina de muitos jogadores de futebol mexicanos.
Foi um grande escândalo em 2011: cinco integrantes da seleção mexicana deram positivo em um controle de doping durante os jogos da Copa Ouro, disputada nos Estados Unidos. Foram suspensos, houve entrevistas coletivas, desmentidos e exames da Agência Mundial Antidoping (Wada, na sigla em inglês). Depois foi comprovado que os drogados não eram eles, mas sim as vacas que haviam comido. O anabolizante que aparecia na urina tinha como origem a carne premium que era parte das suas dietas de alto rendimento.
O escândalo foi maior, porque no México o clenbuterol estava proibido havia nove anos.
Dois anos depois, um estudo oficial mostrou que o problema continuava: em 582 animais já abatidos, mas ainda sem serem cortados, “foram detectados resíduos de clenbuterolem 26.2%”.
Desde 2018, o clenbuterol está entre as32 substâncias proibidasde acordo com a Lei de Saúde Animal e seu uso está sujeito a multas econômicas e a até oito anos de prisão. Mesmo assim, o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, reconhece que a engorda artificial e o uso de substâncias na pecuária intensiva persistem. “Estamos mal nesse assunto”, disse em 11 de setembro de 2020.
As leis mexicanas têm brechas. Por exemplo, estabelecem um “Programa de Fornecedor Confiável” – ou seja, livre de clenbuterol – que não é obrigatório, mas sim voluntário. Então, os matadouros decidem se acatá-lo ou não, e se supõe que o Estado faça supervisões. Mas entre 2011 e 2017, em todo o país, houve apenas 185 inspeções, uma média de 26 visitas a abatedouros e fazendas por ano, ou uma inspeção a cada 15 dias, como revela uma investigação da jornalista Beatriz Pereyra.
Volto a conversar então com Jorge, o açougueiro. Nossa conversa é por telefone. Ele está em Jalisco, região de gado onde em anos recentes foram detectados muitos casos do uso ilegal de anabolizantes.
– É possível identificar se na carne há clenbuterol?
– Sim. A carne fica mais musculosa e desidratada, definitivamente. No momento em que você corta, ela fica pegajosa, como um chiclete.
– Seus fornecedores dão certificado de que não há clenbuterol nem substâncias tóxicas no produto?
– Não. Eles nos dão um documento com a procedência da carne. A maior parte dos abatedouros (legais) pertencem ao governo, então acho que se estou comprando em um lugar regulado pelo governo deveríamos entender que a carne tem certificação.
Jorge se irrita um pouco. A dúvida o ofende porque ele faz seu abastecimento pelas vias legais, mais caras e com menor margem de lucro. Mesmo assim, não possui certezas. O açougueiro sente o clenbuterol ao passar a faca porque já fez isso milhares de vezes, mas também porque se nota no corpo quase completo da vaca morta. Quem habita nesses mundos de matadouros diz que a carne de um animal engordado com anabolizantes fica vermelha, tensa, musculosa. Se vê a olho nu.
III.
María de la Salud Rubio é doutora em carnes. Fala rapidamente e com absoluta precisão, sem perder o fio dos seus comentários e sem deixar de observar nem por um instante – e sem perder nem uma palavra – o que dizem seus interlocutores. Cita estudos e muitos dados sem ser enfadonha. É evidente sua paixão pelo trabalho, que também transcorre sem pausa nem respiro. Agenda impossível: aulas, conferências e o avanço de suas investigações: inocuidade alimentar, carne in vitro e tropical meat, sua hipótese sobre vacas que viveram em pastagem e têm poucos dias de engorda.
A especialista em carnes nasceu em Córdoba, Andaluzia, e como marca de origem sua fala é forte e sem rodeios, sem diplomacia, frontal. “Estudei veterinária, mas não queria estar na clínica, não queria cuidar de cachorrinhos, não era a minha vida”, diz. Escolheu a especialidade menos comum, tecnologia de alimentos. “Mas não para que as pessoas comam carne, mas sim porque gosto de ciência”, esclarece. “Não vou convencer, ou deixar de convencer, alguém a comer carne. Cada um que faça o que quiser.”
María de la Salud Rubio fez seu doutorado no Texas, terra de vaqueiros nos Estados Unidos. Agora, com várias décadas de experiência, cerca de 100 teses sob sua direção, 200 conferências realizadas e nível II do Sistema Nacional de Pesquisadores, é parte do Centro de Ensino Prático, Pesquisa e Produção em Saúde Animal da Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), a mais importante do país. Sua vida reside em laboratórios, fórmulas, gráficos de proteínas e mundos codificados e incompreensíveis para outros mortais.
Estuda vacas, camarões, porcos, cordeiros e ovinos. Analisa seus músculos, morfologia, desenvolvimento em ambientes diversos e o impacto que têm. Sua interação com micro-organismos, mas especialmente com bactérias como a Salmonella. É capaz de analisar 1.165 filés para escrever um artigo sobre padrões de avaliação da cor em carnes de bovinos.
“O que você vê aí é a proteína. É como uma casquinha de sorvete. São tecidos conectivos, a estrutura do músculo”, explica, emocionada, frente a uma imagem em preto e branco que parece um desenho, mas que se trata da ampliação de uma imagem microscópica. Todo esse universo é visto pela doutora onde outros como nós vemos apenas linhas.
Duas vezes por semana ela dá aulas de Ciência da Carne na Faculdade de Veterinária da Unam. A convite seu, faço um trimestre como ouvinte, porque quero tentar entender o assunto. As aulas ocupam manhãs inteiras por zoom. Hoje a doutora apresenta fotografias de seis pedaços de carne e pede aos alunos que analisem a cor de cada um deles porque, com base na cor, é possível deduzir o grau de stress do animal. Se tinha um temperamento mais complicado, se era novilho ou terneira, se estava nervoso ou assustado.
Um pedaço de carne pode ser analisado também com técnicas que dão informações quantitativas: sua firmeza. Para medi-la é usado um aparelho que parece uma furadeira acoplada a uma mesa. A máquina perfura o pedaço de carne e a partir desse instante, com o cruzamento de dados de força e resistência, elabora um parâmetro de gordura intramuscular. Um parâmetro que pode nos dizer sobre se o animal viveu drogado ou não: aquele que consumiu zilpaterol tem 6,77% de gordura. O que não consumiu, 10,08%. “O zilpaterol dá musculatura, mas gera dureza”, menciona a doutora. “Então, depois isso se une ao uso de…” -ela faz silêncio, e seus alunos completam. “Amaciantes.”
Aparece assim outra cena de intervenção sobre as vacas criadas para ser carne: adulterá-las depois de mortas.
As pessoas gostam de carne macia. E para que isso aconteça há duas opções: esperar que o cadáver amadureça – mínimo 24 horas, ideal 14 dias, diz a especialista – ou acrescentar à carne substâncias (que não gostaríamos de ver em um bife). Três técnicas são utilizadas para o amaciamento da carne. A “mecânica”, com máquinas que atravessam a carne com facas que são como alfinetes grandes e que deixam a superfície do músculo raspada5. “Estimulação elétrica”, que são correntes aplicadas sobre o corpo completo da vaca recém-morta, para romper as fibras musculares6. E a “marinada química ou enzimática7”, que é acrescentar substâncias de diversas maneiras, mas especialmente através de injeções.
“É uma forma muito bonita de dizer ‘vamos cometer uma fraude’”, resume Rubio. Porque as injeções não só amolecem a carne, mas também aumentam seu volume e peso. Uma prática já conhecida em frangos que se estendeu às carnes vermelhas. “Um pedaço de carne com injeção, por exemplo, cresce aproximadamente 30%. E assim um contrafilé de 400 gramas pode chegar facilmente a 650 gramas”, explica, bastante insatisfeito, o Pecuarista de Michoacán.
Jorge, o açougueiro, recorda: “Uma vez uma pessoa me ofereceu carne e quando notei que me dava mais barata do que os outros perguntei se tinha injeção. E me disse: ‘Claro que sim! Se não, não poderia te dar a esse preço’. Era pelo menos 15% mais barata do que pode custar normalmente. E me disse que sua carne incluía 30% de água, mas também não dá para saber, talvez tenha 40%, ou até 50%. E nem sei se é água potável ou outra coisa”.
A injeção leva ao interior da carne os micróbios que podem estar em sua superfície exterior ou em superfícies com as quais entra em contato. Algo que no México pode ser desde um recipiente de plástico até a cidade inteira, porque é comum ver caminhonetes que transportam carnes ao ar livre sem isolamento nem cadeia de refrigeração.
Agora voltemos a olhar para o filé de carne na vitrine do supermercado: brilhante, vermelho, lisinho. Primeiro foi uma vaca com hormônios para que comesse sem parar (alimentada com lixo misturado). Depois uma vaca drogada para ganhar mais quilos em menos tempo e, além do mais, mais músculo do que gordura. Depois, já morta, foi amaciada com perfurações ou intervenções elétricas. E no final também inflada com algo que dizem ser sais, apesar de não sabermos bem o que é nem quanto lhe puseram.
IV.
Olho para os pedaços de carne por um tempo e admito meu fracasso: não sou capaz de distinguir se a cor indica alguma coisa, se a carne é dura por conta de anabolizantes ou se foi amaciada. Apenas talvez veja as listrinhas deixadas pelos amaciadores mecânicos. Sou capaz apenas de saber que o selo “TIF” [SIF, de Serviço de Inspeção Federal”, no Brasil] indica proveniência de um abatedouro fiscalizado. Entre os congelados do supermercado – que são muitos – não dá para notar nada.
“Tem que haver uma maneira de saber o que essas carnes têm.” Vou dormir com essa ideia. Acordo no meio da noite, de manhã tenho o mesmo pensamento. “Alguma forma de vê-la com microscópio, ou de analisá-la quimicamente”, digo a mim mesma. Entro em contato com 18 laboratórios por telefone e envio outros tantos e-mails. Alguns me respondem, outros guardam silêncio. A filial de uma grande empresa internacional que possui as preparações me responde de forma lacônica: “Não, não fazemos”, quando solicito a busca de resíduos de anabolizantes, clenbuterol, beta-agonistas e soluções salinas.
Por fim, apenas 2 dos 18 laboratórios credenciados na Cidade do México para ensaios em assuntos alimentícios, na categoria “casos especiais”, responderam que poderiam realizar o estudo.
A empresa privada Onesite Laboratories, onde a análise de cada mostra custa 2.441,80 pesos, só para busca de clenbuterol e sódio (R$ 750). A outra, a estatal Centro Nacional de Serviços de Constatação em Saúde Animal (Cenapa), que depende da Secretaria de Agricultura, faz a busca de tudo, mas a análise é mais cara: 3.863 pesos por mostra (R$ 1200). Assim, analisar dez pedacinhos de carne, para ter um mínimo panorama, pode custar entre 1.200 e 1.900 dólares. E realizar uma verdadeira mostra representativa de cerca de 100 análises custaria pelo menos ao redor de 20 mil dólares (R$ 112 mil).
Sem muita esperança, busco o Estado. Nos 463 abatedouros certificados TIF que ostenta em 2021. O Serviço Nacional Sanitário, de Inocuidade e Qualidade Alimentar (Senasica) faz inspeções, mas os resultados vêm dos próprios matadouros. Ou seja, quem faz as provas e concentra resultados é o próprio abatedouro porque os proprietários da informação são os matadouros, é o que me explica por telefone uma funcionária do Senasica. Na área específica de estabelecimentos TIF me atendem de forma amável e confirmam que talvez tenham informação, mas que ela não é pública, nem pode ser difundida. Se eu quiser saber exatamente o que há nesse bife, terei que pedir informação através de leis de transparência.
Identidades encobertas, secretismo, terror: falar da indústria da carne é quase tão obscuro como falar de narcotráfico.
Uma carne que vai ficando mais turva a cada dia que passa.
“Agora vieram me oferecer um saborizante8. Porque o soro que injetam pode ser amaciante e saborizante. O que me ofereceram foi sabor fraldinha, carne de vaca e frango”, diz o Pecuarista de Michoacán. Ou seja, carne adulterada para que tenha gosto de carne. Vaca com gosto de frango. Frango com gosto de vaca. Vaca com sabor (artificial) de vaca.
Ou será que o sabor é uma lembrança de um passado que já não existe?
A Real Academia Española (principal dicionário do idioma), em suas primeira e segunda acepções, define carne como “parte muscular do corpo humano ou animal” e “carne comestível de vaca, terneira, porco, carneiro etc., e de forma muito destacada aquela que é vendida para o abastecimento comum das pessoas”. Isso que nos vendem, isso que comemos, talvez já escape a esse conceito.
Hoje é a última aula do curso de Ciências da Carne. Estuda-se o uso de antioxidantes, formas de melhorar a conservação. Há uma lista extensa de substâncias naturais possíveis para uso, que vão da pimenta ao tomilho, entre outras. Mas também são utilizados gases, explica a doutora Rubio. Na indústria, no momento em que as carnes são embaladas, eles são disparados sobre elas, que imediatamente são empacotadas depois com um filme plástico por cima. Vários tipos de gases são utilizados, “mas esse, sim, é um problema”, diz a especialista. “O monóxido de carbono9. Torna-se perigoso porque reage com a mioglobina. Adere, de forma irreversível, ao ferro, em vez do oxigênio, e fica dessa cor mesmo que esteja podre.”
A imagem é atroz (assim como o escândalo sobre esse assunto no Brasil, que envolve a giganteJBS). Um disparo de gás fará com que a carne escura, em processo de putrefação, fique vermelha e brilhante. Não só por um momento, mas para sempre. Um pouco de gás que dará aos bifes brilho luminoso nas geladeiras dos supermercados. A maquiagem final.
1O Brasil adota atitude hipócrita diante dos hormônios anabolizantes para o gado. A legislação os proíbe, desde 1986. Pesam para isso a proibição do mercado europeu (cobiçado pelos produtores brasileiros) e o fato de tais produtos serem mais eficazes quando aplicados no gado em confinamento (condição minoritária no país). Ainda assim, a proibição legal é burlada abertamente. Hormônios vetados, como o VI-Gain (norte-americano) são vendidos sem disfarces em sites como o Mercado Livre. Lá, é possível obter dezenas de indicações de produtos e respectivos vendedores,quando se faz uma busca com os termos “hormônio proibido”.
2Proibido também no Brasil. Porém, segundo o siteda Comissão Pastoral da Terra em Rondônia, “Para conseguir o produto é fácil: Vende-se legalmente em qualquer casa de produtos veterinários, apesar que o único uso autorizado seja para tratar de problemas respiratórios dos cavalos. Interessados em obtê-lo ainda mais facilmente encontrarão dezenas de ofertas no Mercado Livre.
3Vendido sem qualquer restrição no Brasil.Apresentado, em vídeo publicado no canal da MSD Saúde Animal, no YouTube, como “um novo horizonte para a pecuária brasileira”
4 Devido inclusive às suspeitas de que pode provocar a chamada “doença da vaca louca”, o uso de fezes de aves na alimentação do gado é proibido no Brasil. Ainda assim, a legislação é burlada com frequência e facilidade, como mostram dezenas de matérias jornalísticas.
5Realizada no Brasil por meio de diferentes métodos para suspensão da carcaçados animais mortos, em câmaras frias.
6Fartamente utilizada no Brasil, como mostra texto do site BeefPoint, segundo o qual “a estimulação elétrica é mais apropriada para carcaças de animais jovens não alimentados com dietas de alta energia, ou que necessitam de inerente maciez”.
7Amplamente empregada no Brasil, sob os nomes de “tenderização” ou “maturação. Veja, por exemplo, este artigo.
8Também saborização é muito comum no Brasil, como mostra este texto jornalístico, patrocinado, aliás, por uma empresa especializada na venda de sabores.
9Também no Brasil, segundo o site BeefPoint, “o monóxido de carbono (CO) é amplamente utilizado na indústria de carnes, devido às ligações gasosas com o pigmento responsável pela cor da carne, a proteína mioglobina, produzindo um aspecto vermelho brilhante nos músculos embalados. Além disso, a mioglobina pode se ligar a diferentes substâncias, incluindo gases, para criar uma variedade grande de cores.
Este texto foi inicialmente publicado pelo site “Outras Palavras” [Aqui!].
A empresa brasileira JBS SA é a maior processadora de carnes do mundo por vendas. A empresa opera cinco unidades de negócios principais: JBS Brasil, Seara, JBS USA Beef, JBS USA Pork e Pilgrim’s Pride. Este artigo avalia a exposição ao desmatamento e os riscos físicos e de transição das operações da JBS no Brasil. A CRR localizou e monitorou 983 fornecedores diretos e 1.874 fornecedores indiretos da JBS em seis estados da Amazônia. Além disso, o CRR calcula a receita e o impacto do EBITDA do desmatamento, da demanda chinesa e do COVID-19 em três cenários prospectivos.
A JBS tem uma presença crescente no mercado chinês. A China foi responsável por 26,1% das exportações globais da JBS no 1T20 e 33,4% no 2T20. A empresa se beneficiou da crescente dependência chinesa das importações de carne depois que a febre suína africana reduziu o rebanho suíno do país.
Desde 2016, a JBS expressa a intenção de listar seus ativos internacionais nos Estados Unidos. A listagem nos Estados Unidos consistiria em uma cisão das operações internacionais da JBS em uma empresa separada com os mesmos acionistas. Simultaneamente aos planos de listagem dos Estados Unidos, o segundo maior acionista da JBS, BNDESPar, anunciou sua intenção de vender metade de suas ações.
As operações de carne bovina da JBS no Brasil têm uma exposição exagerada ao risco de desmatamento. A JBS opera 20 frigoríficos na Amazônia Legal. O monitoramento da conformidade do fornecedor pela empresa é limitado ao seu fornecimento direto. Seus riscos indiretos da cadeia de suprimentos permanecem inalterados.
Desde 2008, foram desmatados 20.296 ha na amostra da cadeia de suprimentos direta da JBS e 56.421 ha na cadeia de suprimentos indireta. A CRR estima de forma conservadora que a pegada total de desmatamento da JBS pode chegar a 200.000 ha em sua cadeia de suprimentos direta e 1,5 milhões de ha em sua cadeia de suprimentos indireta.
Tanto o desmatamento quanto o COVID-19 podem impactar as receitas da empresa, a estrutura de custos e o valor dos ativos. Os riscos de negócios incluem o fechamento de fábricas COVID-19; ação do acionista; restrições aos mercados de exportação e exclusões da cadeia de abastecimento; o crescente cansaço do consumidor chinês por carne importada; e disponibilidade de substituições baseadas em plantas.
Em um cenário de “alto impacto”, o EBITDA da JBS poderia ser impactado negativamente em 26% ou US $ 1,3 bilhão, levando ao aumento dos custos de financiamento. O custo de capital da JBS pode aumentar, já que quase um terço de seu financiamento é feito por meio de investidores e bancos europeus que estão adotando políticas ESG mais rígidas.
JBS depende cada vez mais das receitas dos EUA e dos mercados de exportação da China
Maior processadora de carnes do mundo com sede no Brasil, mas com atuação global
A JBS SA é uma empresa brasileira que atua principalmente no processamento de carnes. As atividades da JBS se concentram na produção de uma variedade de produtos bovinos, suínos e de aves. Seus produtos são distribuídos sob diversas marcas, como Friboi, Swift, Bertin, Pilgrim’s, entre outras. A empresa também opera negócios relacionados, como couro, biodiesel, higiene pessoal e limpeza, gestão de resíduos sólidos e embalagens metálicas. A JBS atua em 15 países diferentes.
A JBS é a maior processadora de carnes do mundo em vendas. Possui 400 unidades produtivas, instalações e escritórios, dos quais 230 são destinados à produção de produtos bovinos, suínos, ovinos e avícolas. A empresa está listada na bolsa de valores de São Paulo desde 2007 e recebeu apoio financeiro significativo do banco de desenvolvimento brasileiro BNDES. Com esse financiamento público, a JBS fez diversas aquisições nacionais e internacionais. A família fundadora Batista mantém uma participação de 39,8 por cento.
A empresa opera cinco unidades de negócios principais:
A JBS Brasilcompreende a produção brasileira de carne bovina e couro da empresa. A JBSadministra 37 frigoríficos em todo o Brasil e 24 instalações de produção de couro de todo o mundo. Além disso, possui 18 centros de distribuição e cinco confinamentos para gado de corte. A JBS Brasilgeroureceita de R $ 16,9 bilhões (US $ 3,1 bilhões) no 1S20, (14,0% da receita consolidada ajustada para eliminações entre empresas), um aumento de 21,1% em relação ao 1S19. A participação nas receitas do mercado de exportação aumentou de 40% no 1T20 para 51% no 2T20.
A Seara é a unidade produtora e exportadora de frangos e suínos da empresa . A unidade produz carnes para o mercado interno brasileiro e exporta para mais de 100 países. Eletem 30 unidades de processamento de aves, oito unidades de processamento de suínos, 20 instalações de alimentos preparados, e 18 centros de distribuição localizados em todo o Brasil. A Seara foi responsável por 1%da receita da JBS no 1S20, da qual 54,7%veio do mercado externo no 2T20.
JBS USA Beef, JBS USA Pork e Pilgrim’s Pride controlam as operações da empresa na América do Norte, Europa e Austrália. Entre outras instalações, essas três unidades de negócios operam 18 abatedouros de bovinos, cinco abatedouros de suínos e 36 unidades de avicultura. A JBS USA foi responsável por 1%da receita no 1S20.
A JBS tem uma presença cada vez maior no mercado chinês, maior destino das exportações da empresa. A China foi responsável por 26,1% das exportações globais da JBS no 1T20 e 33,4% no 2T20 . A empresa se beneficiou nos últimos anos da crescente dependência da China nas importações de carne, depois que a febre suína africanareduziuo rebanho suíno do país. Em janeiro de 2020, a JBS assinou um memorando de entendimento com o WH Group, um grande frigorífico com sede em Hong Kong, para fornecer até R $ 3 bilhões (reportados como US $ 717 milhões na época) em produtos bovinos, de aves e suínos para os chineses mercado anualmente. Esta parceria ocorreu após um acordo em novembro de 2018 com a Alibaba no valor de US $ 1,5 bilhão.
Listagem nos EUA, desinvestimento do BNDES não antes de 2021
O IPO foi adiado em 2017 devido a investigações visando proprietários
Desde 2016, a JBS tem manifestado repetidamente sua intenção de reestruturar seus negócios com uma listagem de seus ativos internacionais nos Estados Unidos. O principal fator por trás desses planos de reestruturação é odescasamentoentre a estrutura de capital da empresa e sua estrutura operacional. Uma listagem nos Estados Unidos desbloquearia o valor para o acionista de um modelo de negócios que depende principalmente de transações em dólares americanos, mas que reporta suas finanças em reais. Sinais de que a empresa estava progredindo com essa listagem ressurgiram em novembro de 2019.
A listagem nos Estados Unidos resultaria em uma cisão das operações internacionais da JBS em uma empresa separada com os mesmos acionistas. As operações no Brasil continuariam sob a JBS SA, a entidade atualmente listada na bolsa de valores de São Paulo. Considerando que a empresa estava pronta para seguir em frente em março de 2020, os impactos do surto de COVID-19 desviaram o foco da empresa da listagem. Em agosto de 2020, o CEO Gilberto Tomazoni indicou que a empresa retomou os planos de listagem, mas isso “não pode acontecer este ano. ”
Simultaneamente aos planos de listagem dos Estados Unidos, o segundo maior acionista da JBS, BNDESPar, anunciou em novembro de 2019 sua intenção de vender metade de suas ações da JBS. A BNDESPar, braço de investimento de capital do banco de desenvolvimento do Brasil BNDES, detém uma participação de 21,3 por cento na JBS. A JBS responde por 20% da carteira do BDNESPar. O BNDES contratou diversos bancos de investimento e planejou um roadshow para vender sua participação após a divulgação dos resultados da JBS do 4T19. A venda seria feita em uma única parcela e estava prevista para junho de 2020, mas a pandemia do COVID-19 interrompeu esse processo. Em julho de 2020, relatóriosdisse que a BNDESPar começaria com outros desinvestimentos primeiro, e que vendas mais complexas, como sua participação na JBS, ocorreriam em uma data posterior não revelada.
Como resultado dos repetidos atrasos em sua reestruturação corporativa, a JBS permanece em um estado contínuo de incerteza. Os planos para a listagem nos EUA foram repetidamente desviados devido a investigações criminais em 2017 e surtos de pandemia em suas instalações em 2020.
JBS tem uma exposição exagerada ao desmatamento em sua cadeia de fornecimento de carne bovina brasileira
As operações de gado da JBS no Brasil há muito tempo estão associadas ao desmatamento na Amazônia. Após intensas campanhas da sociedade civil, a JBS foi um dos maiores produtores de carne bovina do Brasil afirmar Acordos multilaterais de Pecuária com organizações da sociedade civil em 2009 para aumentar a sustentabilidade do setor. A empresa também assinou Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) juridicamente vinculativos com o Ministério Público Federal. A JBS tem uma meta de desmatamento zero e se compromete publicamentea abster-se de obter matérias-primas de fazendas que sejam:
envolvido com o desmatamento no bioma Amazônia após 2009;
enfrentando embargos ambientais;
vinculado a qualquer tipo de trabalho forçado;
localizadas em terras indígenas ou em áreas de preservação ambiental.
A JBS também está envolvida em várias iniciativas com várias partes interessadas, incluindo a Coalizão Brasileira sobre Clima, Florestas e Agricultura, a Tropical Forest Alliance (TFA) e o Protocolo da Cadeia de Suprimentos.
A JBS rastreia a conformidade do fornecedor por meio de um sistema de monitoramento socioambiental que usa imagens de satélite e georreferenciamento de dados para analisar 50.000 fornecedores de gado na Amazônia diariamente. Por meio desse sistema, a empresa monitora uma área de 45 milhões de hectares (ha). A empresa irá bloquear fornecedores que não estejam em conformidade com as políticas da JBS em compras futuras. A JBS indicou ao CRR que mais de 9.000 fazendas foram bloqueadas até o momento. Os auditores independentes encontraram uma taxa de conformidade de 99,9% com essas políticas.
O sistema de monitoramento da JBS é limitado aos seus fornecedores diretos de gado , e a empresa ainda não possui sistemas para monitorar sistematicamente seus fornecedores indiretos . A empresa declarou publicamente que “a rastreabilidade de toda a cadeia de fornecimento de carne bovina é um desafio de toda a indústria e uma tarefa complexa”. A empresa informou ao CRR que está em discussões ativas com o Ministério da Agricultura do Brasil para explorar a possibilidade de criar os chamados “GTAs Verdes” – registros de transporte de animais que incluiriam informações sobre embargos ambientais e de trabalho escravo. Essas discussões estão em andamento desde pelo menos 2013, e os relatórios de auditoria independente de 2019 descreveram esses esforços como “ ainda não bem-sucedidos. ” Além disso, a JBS está testando tecnologias de blockchain e índices teóricos de produtividade como medidas para lidar com a exposição indireta da cadeia de suprimentos. O índice teórico de produtividade visa abordar o risco de “lavagem de gado”, avaliando o tamanho de uma propriedade e a quantidade de gado que ela fornece.
Apesar de suas medidas, a JBS continua ligada ao desmatamento ilegal em sua cadeia de abastecimento, e uma proporção não especificada da pegada de desmatamento da cadeia de abastecimento da JBS pode estar violando o Código Florestal do Brasil . Vários meios de comunicação descobriram que a JBS comprou gado de fazendas desmatadas ilegalmente em Rondônia e no Pará . De acordo com um relatório de março de 2020 do Guardian , a JBS indiretamente era proveniente de uma fazenda em Rondônia cujo proprietário estava implicado no assassinato de nove pessoas em Mato Grosso. A JBS nega que exista vínculo entre a empresa e o proprietário da fazenda. Conforme informado em julho de 2020, em Mato Grosso, a JBS transportouvacas de fazendas embargadas para fazendas “limpas” que atendam aos protocolos de abastecimento da JBS. Em 2017, a JBS foi multada em R $ 24 milhões (US $ 4,3 milhões) por comprar gado de áreas desmatadas ilegalmente no Pará. A JBS indicou à CRR que apelou da multa.
A JBS opera um total de 37 frigoríficos de gado no Brasil, dos quais 20 estão localizados na Amazônia Legal. Um estudo anterior que avaliou os riscos de desmatamento dos frigoríficos com base em zonas de compra projetadas concluiu que a JBS tinha a maior exposição de todos os frigoríficos ativos na Amazônia. Com base em suas localizações, oito frigoríficos da JBS tinham riscos de desmatamento projetados de 600.000 ha cada.
Figura 1 : Localização dos Frigoríficos JBS Bovinos no Brasil
75.000 ha de desmatamento detectados na amostra da cadeia de suprimentos direta e indireta da JBS
Com base nos dados de transporte de animais e cadastro rural, o CRR localizou 983 fornecedores diretos e 1.874 fornecedores indiretos (ver Figura 2) para a JBS nos estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará e Tocantins (ver Anexo para Metodologia CRR). Essas fazendas enviaram um ou mais lotes de gado diretamente para um matadouro da JBS ou para outra fazenda que posteriormente vendeu gado para a JBS. Com base nos 90.000 fornecedores informados pela JBS, o conjunto de dados do CRR constitui aproximadamente 1,1 por cento da cadeia de fornecimento direto da JBS em todo o Brasil. A amostra representa cerca de 10 por cento da cadeia de abastecimento direto nos seis estados mencionados acima.
Figura 2: Amostra de 983 fornecedores JBS diretos e 1.874 fornecedores JBS indiretos
Fonte: Chain Reaction Research, com base em dados do Ministério da Agricultura, JBS e Autorizações de Transporte de Animais (GTA).
O conjunto de dados fornece uma amostra granular da origem do gado abatido nas instalações da JBS e permite uma avaliação direcionada dos riscos de desmatamento nas cadeias de suprimento direta e indireta. A Figura 4 ilustra as localizações confirmadas dos fornecedores diretos e indiretos das instalações da JBS nos municípios de Colider (MT), Alta Floresta (MT), Tucumã (PA) e Juína (MT). Essas propriedades estão dentro da zona de compra potencial do mesmo matadouro identificado em estudos anteriores .
Figura 3: Localização da amostra dos fornecedores diretos e indiretos dos frigoríficos da JBS em Colider (MT), Alta Floresta (MT), Tucumã (PA) e Juína (MT)
Figura 4: Desmatamento em amostra de fornecedores diretos e indiretos dos frigoríficos da JBS em Colider (MT), Alta Floresta (MT), Tucumã (PA) e Juína (MT)
Fonte: Pesquisa de reação em cadeia
Desde 2008, foram detectados desmatamentos confirmados de 20.296 ha nas 983 propriedades identificadas na cadeia de abastecimento direta da JBS . Essa mudança no uso da terra representa 0,85% da área acumulada das fazendas identificadas, com um desmatamento médio de 20,65 ha por fazenda. Aproximadamente 70 por cento (14.655 ha) dos desmatamentos detectados ocorreram no bioma Cerrado, em alguns casos sem as licenças ambientais exigidas. Os sistemas de monitoramento da cadeia de suprimento direto da JBS são menos desenvolvidos no bioma Cerrado do que na Amazônia, pois os dados de satélite do desmatamento do Cerrado não são integrados aos sistemas internos da JBS.
Os números absolutos e relativos de desmatamento confirmam que a exposição da JBS é maior em sua cadeia de suprimentos indireta do que em sua cadeia de suprimentos direta. A CRR identificou 50.852 ha de desmatamento nas 1.874 fazendas identificadas na cadeia de fornecimento indireto da JBS após a data de corte de 2008 do Código Florestal do Brasil. Isso representa 1,44% da área acumulada dessas propriedades, com uma média de 27,13 ha por fazenda. Apesar dos esforços da empresa para resolver o problema, o desmatamento na cadeia de fornecimento indireto ainda está fora do escopo de sua política de desmatamento zero. Assim, a exposição ao risco de desmatamento associado permanece totalmente não mitigada. A falta de mitigação permite a chamada “ lavagem de gado,” Por meio do qual o gado é transferido de fazendas não conformes para fazendas conformes para que os agricultores mantenham o acesso ao mercado para os matadouros.
Figura 5: Exemplo de fazenda em Novo São Joaquim, Mato Grosso com desmatamento de 371 ha (à esquerda) que fornecia gado a um fornecedor direto da JBS em Tesouro, Mato Grosso com desmatamento mínimo (à direita)
A exposição adicional ao desmatamento pode estar presente em fazendas adjacentes aos fornecedores diretos identificados. A titulação de terras e as autodeclarações fraudulentas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) podem resultar nafragmentação das fazendas em entidades administrativas separadas pertencentes às mesmas empresas ou indivíduos. Em vários exemplos conhecidos, o desmatamento ocorreu em uma parte da fazenda enquanto o gado era fornecido por outra parte que foi registrada separadamente. Na realidade, essas peças pertencem a uma única fazenda com um único proprietário. Essa exposição não é capturada nos números apresentados neste relatório, mas pode constituir um risco adicional de desmatamento não mitigado. A JBS indicou ao CRR que a responsabilidade pela apuração dos dados do CAR é dos órgãos oficiais competentes.
Figura 6: Exemplo de desmatamento em fazenda em Nova Canaã do Norte, Mato Grosso adjacente a fornecedor direto da JBS. Ambas as propriedades estão registradas sob o mesmo proprietário
Pegada de desmatamento estimada de 1,7 milhão de ha até o momento, com 64 milhões de ha de floresta em risco
A CRR estima de forma conservadora que a pegada total de desmatamento da JBS desde 2008 pode chegar a 200.000 ha em sua cadeia de suprimentos direta e 1,5 milhão de ha em sua cadeia de suprimentos indireta. Esses números são extrapolações do desmatamento médio por fazenda para o número total de fazendas para as quais existem registros da cadeia de abastecimento (ver Figura 7) e incluem apenas os estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, e Tocantins. Entre outros, os dados excluem dados dos estados amazônicos de Rondônia (quatro frigoríficos da JBS) e Acre (um frigorífico da JBS).
2,1 milhões de ha de vegetação nativa permanecem nas 1.874 propriedades identificadas na cadeia de fornecimento indireto da JBS. Extrapolando esse número, o CRR projeta impressionantes 64 milhões de hectares de florestas remanescentes na cadeia de fornecimento indireto da JBS. Isso é quase o equivalente à ilha do Sri Lanka ou ao estado americano da Virgínia Ocidental. A mencionada ausência de medidas mitigadoras pode colocar em risco essas florestas nos próximos anos.
Figura 7: Estimativas de exposição da JBS ao risco de desmatamento nas cadeias produtivas diretas e indiretas em GO, MG, MS, MT, PA e TO
* As propriedades foram identificadas nos registros do GTA 2019. As propriedades foram localizadas por meio de comparação com os dados do cadastro rural (SIGEF e SNCI) ** Desmatamento calculado com base em dados anuais do PRODES confirmados desde 2008 *** Vegetação remanescente calculada com base nos dados do INPE e FREL. **** Calculado com base nas médias dos imóveis localizados multiplicados pelo número total de imóveis identificados. Vegetação remanescente calculada apenas para a cadeia de abastecimento indireta devido à falta de medidas de mitigação. Fonte: Pesquisa de reação em cadeia
COVID-19, desmatamento representam ameaças fundamentais ao modelo de negócios da JBS SA
A análise de cenário mostra como os riscos físicos e de transição podem afetar as receitas e o valor dos ativos
Além da longa exposição ao desmatamento, a JBS foi fortemente afetada pelo surto de COVID-19 deste ano, tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil. Nos EUA, surtos em suas fábricas no Colorado , Utah , Michigan , Wisconsin , Texas , Nebraska , Minnesota e Pensilvâniaafetaram milhares de trabalhadores. Em resposta, a JBS comprometeu US $ 120 milhões para fundos destinados a combater a pandemia e implementou uma série de medidas preventivas de segurança.
Em 24 de abril de 2020, um surto de COVID-19 em uma avícola da JBS no estado brasileiro do Rio Grande do Sul marcou o primeiro surto em grande escala em uma frigorífica brasileira. Este caso marcou o início deum surto mais amplo em frigoríficos nos estados do sul do Brasil, onde a maioria das instalações de produção de aves e suínos do país. No final de junho, 32 fábricas operadas por várias empresas no estado do Rio Grande do Sul apresentavam trabalhadores infectados com COVID-19. De acordo com promotores do trabalho estaduais, os trabalhadores da carne representam mais de 25% dos 19.710 casos confirmados de infecção no estado. Pelo menos cinco carniceiros gaúchos e 12 familiares ou amigos morreram em decorrência da doença. Testes positivos também foram relatados para trabalhadores das instalações da JBS em Goiás e oito fábricas da JBS em Mato Grosso .
Tanto a crescente preocupação com o desmatamento na Amazônia quanto as respostas globais ao COVID-19 podem ter impactos de longo prazo nos negócios da JBS e apresentar uma gama de riscos comerciais diferentes. Apesar do forte desempenho financeiro da JBS nos últimos trimestres , esses riscos podem impactar negativamente o modelo de negócios da empresa. Esta seção analisa vários cenários para cada um dos riscos identificados, em linha com as metodologias desenvolvidas no contexto da Força-Tarefa para Divulgações Relacionadas ao Clima (TCFD).
1. Risco Físico: Fechamento de planta por causa de surtos de COVID-19
Após a detecção dos surtos de COVID-19, a JBS fechou temporariamente várias de suas fábricas de carnes nos Estados Unidos e no Brasil, voluntariamente ou por ordem judicial. Conforme relatado em artigos da mídia, fechamentos incluídos;
A maioria desses fechamentos foi temporária e a produção reiniciada em questão de semanas. Em alguns casos, os fechamentos resultaram em interrupçõessignificativas na cadeia de abastecimento , com animais de fazenda mortos nas fazendas fornecedoras, mas não processados em produtos de carne. Na outra ponta da cadeia, os fechamentos deixaram as prateleiras de carnes vaziasnas lojas. No Rio Grande do Sul, um porta-voz da associação dos produtores de carne indicou que as paralisações ainda não afetaram os números da produção. No entanto, na época deste relatório, o Brasil tinha o segundo país com mais casos de COVID-19 em todo o mundo e continuava com taxas diárias elevadas de novas infecções. Os frigoríficos continuam a ser os hotspots da COVID-19 e é provável que mais encerramentos se sigam, apesar das medidas de prevenção e controlo tomadas. Além de fechamentos de fábricas, greves, protestos de trabalhadores e falta de pessoal como resultado de surtos de COVID-19, também podem afetar a produtividade.
A JBS não divulgou os impactos cumulativos dos fechamentos em seus números de produção. Com base nas capacidades médias diárias de processamento relatadas no Brasil e nos Estados Unidos, os impactos da paralisação das nove fábricas acima mencionadas são estimados em 10.439 cabeças de gado (13,9% da capacidade instalada), 691.000 frangos (16,1% da capacidade instalada) e 18.520 suínos (4,9% da capacidade instalada) por dia. Os fechamentos afetaram cerca de 4% de todas as instalações de processamento de carnes da JBS.
Figura 8: Cálculos para os impactos do tempo de inatividade diário estimado devido ao fechamento da planta COVID-19
* Calculado com base na capacidade agregada diária informada, dividida pelo número de usinas por país (JBS Formulário de Referência, p.164-166).
O fechamento temporário de fábricas pode impactar tanto as receitas da JBS quanto seus ativos biológicos e intangíveis. Cada dia de fechamento de fábrica tem um impacto linear negativo nas vendas e no lucro bruto. Fechamentos intermitentes repetidos podem ter os maiores impactos sobre os ativos biológicos da JBS (2019: R $ 5 bilhões / US $ 1,25 bilhão), enquanto os testes anuais de redução ao valor recuperável podem afetar o ágio das subsidiárias (2019: R $ 24,5 bilhões / US $ 6,1 bilhões) no saldo da JBS Folha. A Figura 8 mostra os impactos projetados sobre as receitas e ativos em três cenários prospectivos: um cenário de impacto leve sem novos fechamentos de fábricas; um cenário de médio impacto com fechamentos de plantas intermitentes durante 2H20; e um cenário de alto impacto com o fechamento total da fábrica pelos próximos 12 meses.
Figura 9: Impactos financeiros estimados de fechamentos de fábricas relacionadas a COVID-19 em três cenários prospectivos
* As premissas incluem fechamentos de planta médios de 2 semanas para cada uma das nove plantas relatadas e nenhum fechamento adicional no futuro. ** As premissas incluem fechamentos de planta médios de 2 semanas para cada uma das nove plantas relatadas e futuros fechamentos intermitentes durante 2H20. Os cálculos são baseados em fechamentos de uma semana a cada mês por um período de seis meses. *** As premissas incluem fechamentos de planta médios de 2 semanas para cada uma das nove plantas relatadas e futuros fechamentos permanentes por um período de 12 meses. **** Cálculos com base nos impactos assumidos de eventos de 15% nas receitas e nos valores dos ativos. ***** Os cálculos do EBITDA não incluem baixas de ativos. Fonte: Pesquisa de reação em cadeia
2. Risco de reputação: aumento das preocupações dos investidores e ação dos acionistas
As instituições financeiras internacionais estão cada vez mais cautelosas com os investimentos brasileiros, em particular no setor de frigoríficos. Em junho de 2020, um grupo de 30 investidores institucionais da Europa e Ásia apelou ao governo brasileiro para conter a destruição ambiental. Em uma carta pública, esses investidores sinalizaram sua intenção de se desfazer de ativos brasileiros – tanto corporativos quanto soberanos – e destacaram sua preocupação com a indústria de frigoríficos do Brasil e seu papel no desmatamento. Os investidores signatários representaramUS $ 3,7 trilhões de ativos sob gestão. Pelo menos um investidor, Nordea Asset Management, seguiu adiante e anunciou que excluiu a JBS de todos os ativos que vende. Em agosto de 2020, foi relatado que o HSBC “soou alarmes” sobre seu investimento na JBS devido à inação do desmatamento. Essas ações seguem uma série de ações e engajamento dos acionistas com a JBS nos últimos anos:
Em março de 2020, 95 acionistas atuais e anteriores iniciaram arbitragem judicial, buscando R $ 1,4 bilhão (US $ 280 milhões) em compensação por danos causados por práticas ilegais da JBS. As alegações dos acionistas são baseadas em declarações falsas e enganosas feitas pela JBS e seus diretores executivos desde seu IPO em 2007.
O Conselho de Ética dos Fundos de Pensão do Governo Nacional Suecorelatou seu envolvimento com a JBS em seu relatório anual de 2019: “ A Amazônia está mais uma vez em foco com o aumento de incêndios florestais ilegais durante o outono de 2019. O Conselho de Ética fortaleceu seu foco na produção de soja e pecuária com o objetivo de garantir que empresas como JBS, Bunge e Archer Daniel Midlands comprem seus produtos de partes legalmente desmatadas da Amazônia ”.
Em julho de 2018, o Norges Bank colocou oficialmente a JBS em sua lista de exclusão , seguindo uma recomendação do seu Conselho de Ética . Na época, a Norges possuía US $ 143 milhões em ações da JBS e citou “corrupção bruta” como critério de exclusão. A JBS mantém essa lista em março de 2020.
Em abril de 2018, a gestora de recursos holandesa APG votou contraa reeleição de três diretores da JBS. A APG está entre os dez maiores acionistas da JBS.
À medida que os investidores se cansam do clima político e econômico do Brasil e das preocupações com o aumento do desmatamento, a JBS SA pode ver uma saída de investidores atuais e reduzir significativamente o interesse de investidores em potencial. A redução do apetite do investidor também pode complicar significativamente o processo de venda de ações do BNDES. A maior parte da ação dos investidores provém atualmente de instituições financeiras europeias, que constituíram a maioria dos signatários da carta de junho de 2020 e assumiram a liderança em processos de envolvimento anteriores. Atualmente, 32% do financiamento total da JBS vem de investidores europeus.
Desinvestimentos, exclusões, recusa em conceder empréstimos e outras ações de instituições financeiras afetariam a estrutura de custos da JBS e, portanto, seu lucro líquido. Em particular, o custo da dívida pode aumentar se os bancos se recusarem a conceder empréstimos e a empresa for forçada a buscar novos financiadores em circunstâncias difíceis. A Figura 9 projeta os impactos financeiros das ações das instituições financeiras em três cenários: um cenário de baixo impacto com desinvestimento dos signatários da carta de junho de 2020; um cenário de médio impacto com desinvestimento dos signatários e de suas matrizes; e um cenário de alto impacto em que metade de todas as instituições financeiras europeias se retiram.
Figura 10: Impactos financeiros estimados da ação dos financiadores relacionados ao desmatamento em três cenários prospectivos
* As premissas incluem o desinvestimento dos 30 signatários da carta pública de junho de 2020 ao governo brasileiro. ** As premissas incluem o desinvestimento dos 30 signatários da carta pública de junho de 2020 ao governo brasileiro e suas empresas controladoras. *** As premissas incluem desinvestimento e recusa em conceder empréstimos de metade de todos os atuais investidores europeus. **** Calculado com base em um aumento de 25 pontos base nas despesas de juros no cenário de impacto médio e um aumento de 50 pontos base no cenário de alto impacto. ***** Calculado como porcentagem em relação ao EBITDA 2019. Fonte: Chain Reaction Research
3. Risco de mercado: Restrições aos mercados de exportação e exclusões da cadeia de abastecimento
A COVID-19 pode resultar em restrições aos mercados de exportação de produtos cárneos da JBS produzidos em fábricas com surtos de vírus. Em junho de 2020, a China anunciou que aumentou suas inspeções de produtos de carne importados depois que uma segunda onda de infecções por COVID-19 começou devido a um surto em um mercado atacadista em Pequim. A alfândega chinesa não aceita mais licenças de importação de 15 frigoríficos . As quatro fábricas suspensas no Brasil incluem uma avícola da JBS. Este movimento ocorreu após uma suspensão anterior das importações de carne bovina da Austrália, possivelmente em retribuição às críticas da Austrália sobre a forma como a China lidou com o surto de COVID-19. As quatro frigoríficas australianas sujeitas a esta suspensão incluem duas fábricas de propriedade da JBS. A abordagem chinesa mais restritiva aos produtos de carne importados pode afetar particularmente as exportações brasileiras da JBS SA para a China, que tem sido um mercado de notável crescimento para a empresa nos últimos anos.
As preocupações com incêndios florestais e desmatamento também podem resultar em novas exclusões das cadeias de fornecimento corporativas por não conformidade com as políticas de compra responsável. Após os incêndios florestais de 2019 na Amazônia, as marcas globais de moda H&M e VF Corporationsuspenderam todo o uso de couro originário do Brasil devido ao papel da indústria de gado nos incêndios. Em maio de 2020, um grupo de mais de 40 supermercados britânicos alertou o governo brasileiro que pode boicotar os produtos brasileiros se a legislação que permite um desmatamento mais rápido na Amazônia for aprovada. Em agosto de 2020, uma campanha do Greenpeace no Reino Unido exigiu ao varejista Tesco que corte todos os laços com a JBS. Com maiores taxas de desmatamento nos primeiros meses de 2020 e indicações de outra intensa temporada de incêndios, mais boicotes, exclusões e suspensões podem ocorrer.
Outras restrições às exportações para a China e a perda de clientes corporativos impactariam as receitas e as margens EBITDA da JBS. A China tem se tornado um mercado de vendas cada vez mais importante e a JBS investe em parcerias para vendas diretas ao consumidor. Clientes corporativos com compromissos de desmatamento zero provavelmente estão presentes em seus canais de vendas de couro e carne bovina. A Figura 10 mostra os impactos financeiros sob três cenários prospectivos: um cenário de impacto leve, sem outras restrições à exportação ou exclusões da cadeia de abastecimento; um cenário de médio impacto com um número limitado de futuras restrições à exportação e exclusões da cadeia de abastecimento; e um cenário de alto impacto em que o acesso aos mercados chinês e europeu é significativamente restringido.
Figura 11: Impactos financeiros estimados do desmatamento e restrições de exportação relacionadas ao COVID-19 e exclusões da cadeia de abastecimento em três cenários prospectivos
* As suposições não incluem outras restrições à exportação ou exclusões da cadeia de suprimentos além das já relatadas. ** As premissas incluem sete fábricas adicionais com futuras restrições de exportação para a China e futuras exclusões da cadeia de suprimentos representando o equivalente a 25% das vendas da UE. *** As premissas incluem acesso futuro totalmente restrito aos mercados chinês e europeu **** Cálculos baseados no número total de frigoríficos (230), vendas reportadas na China (US $ 2.803 milhões) e vendas reportadas na Europa (US $ 780 milhões). ***** Cálculos baseados nos impactos da receita e margens EBITDA da JBS Brasil (5,4%) e Seara (11,1%). As premissas subjacentes incluem uma participação de 75% das instalações brasileiras nos números totais de exportação da JBS. Fonte: Pesquisa de reação em cadeia
4. Risco de reputação e tecnologia: cansaço crescente do consumidor chinês por produtos de carne importados e ameaças de substituição por proteínas vegetais
Além das restrições da alfândega chinesa, as tendências nas preferências do consumidor chinês também podem impactar negativamente o potencial de exportação de carnes da JBS. Tanto o surto de peste suína africana quanto o surto de COVID-19 levantaram questões entre os consumidores chineses sobre a segurança e a sustentabilidade das proteínas animais. As empresas de pesquisa de mercado projetam que o interesse por proteínas vegetais e carne cultivada em laboratório crescerá entre os consumidores na China nos próximos dez anos. Como as proteínas vegetais não são novidade para os consumidores chineses, a aceitação do mercado de produtos de carne alternativos é provável se os consumidores forem educados sobre os benefícios nutricionais, de saúde e segurança.
O Fórum Econômico Mundialtambém observa que a demanda por proteína vegetal está aumentando na Ásia como resultado das suspeitas dos consumidores sobre possíveis ligações entre a carne animal e o COVID-19. Essa mudança na demanda é mais notável em Hong Kong e na China continental. O surto do vírus acelerou uma tendência contínua que já chamou a atenção dos rivais da JBS baseados em vegetais, Beyond Meat e Impossible Foods. Ambas as empresas internacionais e locais estão produzindo carnes alternativas usadas em bolinhos, macarrão, arroz e produtos de fast-food.
As proteínas de origem vegetal estão se tornando rapidamente um produto substituto viável e econômico das proteínas animais em meio a um rápido declínio nos custos de produção. Em maio de 2020, o CEO da Beyond Meat indicou que a empresa está pronta para competir diretamente com a carne bovina de verdade em termos de preço nos supermercados. O aumento nos preços da carne bovina causado pela COVID-19 desencadeou interrupções na cadeia de suprimentos diminuiu a diferença nos preços relativos. As margens brutas do Beyond Burger fornecem espaço para a empresa reduzir os preços de varejo a fim de capturar participação de mercado de produtos de carne reais. Em março de 2020, a Impossible Foods fez um movimento semelhante ao cortar os preços de seus produtos veganos em15% . Tanto a Beyond Meat quanto a Impossible Foodsentraramno mercado chinês.
As alternativas de carne vegetal podem reduzir a participação da JBS no mercado de carne chinês e suas receitas. Com as recentes parcerias da JBS com o WH Group e o Alibaba, as vendas diretas aos consumidores chineses se tornaram uma fonte de receita importante e crescente que pode estar em risco com esse desenvolvimento. A Figura 11 ilustra os impactos financeiros da perda de participação no mercado para proteínas baseadas em plantas em três cenários prospectivos: um cenário de impacto leve em que a JBS perde 5 por cento de sua participação no mercado chinês para alternativas baseadas em plantas; um cenário de impacto médio em que perde 25% de sua participação no mercado chinês; e um cenário de alto impacto com uma perda de participação de mercado de 50%. A empresa pode ser capaz de mitigar esses riscos por meio de maiores investimentos em alternativas baseadas em plantas que a empresa já introduziu em vários mercados.
Figura 12: Impactos financeiros estimados da perda de participação no mercado chinês para proteínas baseadas em plantas em três cenários prospectivos
* As premissas incluem perda de participação de mercado para os concorrentes e não levam em consideração novas linhas de produtos de base vegetal que a JBS pode introduzir. ** Com base na receita líquida na China de US $ 3.737 milhões em 2019. *** Com base na margem EBITDA de 9,6% em 2019. **** Com base no ágio da JBS multiplicado pela participação chinesa nas vendas de 2019 e multiplicado pela resp. 5%, 25% e 50%. Fonte: Pesquisa de reação em cadeia
Resumo dos quatro impactos financeiros e os três cenários
A soma dos quatro impactos, após a dedução da contagem dupla, pode impactar as receitas em 22 por cento e o EBITDA em 26 por cento no cenário de “alto impacto”. A dupla contagem refere-se à redução da receita chinesa que é calculada duas vezes no impacto do risco de mercado e no impacto da tecnologia.
Figura 13: Resumo de quatro impactos financeiros em três cenários
Fonte: Chain Reaction Research
EBITDA 2T20 acima do esperado devido ao desequilíbrio entre demanda e oferta
Os resultados do 2T20 surpreenderam os analistas principalmente por causa das margens relativamente altas nas operações de carne bovina nos Estados Unidos e no Brasil, mas o trimestre foi claramente um outlier.Na unidade da JBS Brasil (principalmente carne bovina), os animais “processados” caíram 15%, mas as exportações para a China aumentaram 53% em dólares. A margem EBITDA aumentou de 4,7 por cento no 2T19 para 12,4 por cento no 2T20. A JBS USA Beef (incluindo Austrália e Canadá) teve uma queda de 18% no volume devido ao fechamento de capacidade relacionado ao COVID-19. Porém, em meio a preços mais altos, à medida que a demanda continuava forte, a margem EBITDA cresceu de 8,9% no 2T19 para 20,4% no 2T20. Para o conjunto da empresa, a margem EBITDA do 2T20 foi de 15,5 por cento versus 6,9 por cento no 1T20 e 10,0 por cento no 2T19. A Figura 13 mostra que o 2T20 é um outlier, pois a margem EBITDA se desenvolve em uma faixa de 6,5-9,6 por cento em uma base anual entre 2015 e 2019.
Fonte: Chain Reaction Research, Bloomberg, 6 de julho de 2020
O financiamento de US $ 10 bilhões pode estar em conflito com as políticas florestais
A JBS depende fortemente do financiamento da dívida e a dívida líquida / EBITDA se deterioraria significativamente em um cenário de alto impacto. Como os bancos e detentores de títulos têm o maior impacto no custo de capital de uma empresa, o alto nível de endividamento da JBS pode se tornar uma questão ESG importante para os financiadores que contratam a empresa. Cada vez mais, os principais bancos estão emitindo empréstimos vinculados a metas ESG. No final do 2T20, A dívida da JBS consistia em 66,5% de títulos e 33,5% de empréstimos bancários. Quase 94% da dívida é denominada em dólares americanos e 6,1% em reais. No final do 2T20, a dívida líquida era de US $ 10,0 bilhões, o que é superior à estimativa do consenso da Bloomberg de US $ 9,1 bilhões para o final de 2020. Embora a dívida líquida / EBITDA tenha melhorado recentemente, o cenário de alto impacto seria pro forma de US $ 1,3 bilhão dos US $ 4.962 milhões (2019) e levar a uma dívida líquida / EBITDA de 3,2X.
Fonte: Chain Reaction Research, Bloomberg, 6 de julho de 2020; F = previsão baseada em consenso.
Dos 20 maiores financiadores, metade deles – com US $ 10 bilhões em exposição ao JBS – tem políticas de desmatamento ou políticas que estão gradualmente se adaptando ao desmatamento zero. A Figura 15 resume os 20 maiores financiadores (excluindo as participações familiares) da JBS e suas afiliadas, incluindo JBS USA e Pilgrim’s Pride. No total, esses financiadores forneceram US $ 24,4 bilhões em serviços financeiros à JBS e suas afiliadas: US $ 13,5 bilhões em empréstimos, US $ 1,3 bilhão em títulos e US $ 3,3 bilhões em participações. E por meio de serviços de subscrição, a JBS recebeu US $ 6,3 bilhões.
Em 2019, o JPMorgan Chase (exposição de US $ 1,6 bilhão), empresa do grupo JPMorgan Asset Management, divulgou seu primeiro relatório climático baseado nas recomendações do TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures). As políticas do JPMorgan Chase cobremtodas as atividades do grupo . O grupo também é signatário ou membro de muitas outras iniciativas, incluindo o Fórum de Bens de Consumo (CGF), que luta pelo desmatamento zero. O Rabobank (exposição de US $ 1,5 bilhão) é um membro ativo da Mesa Redonda da Soja Responsável (RTRS), com assento no conselho executivo. O Rabobank também é membro do CGF. Crédito Suiço (exposição de US $ 1,2 bilhão) vê a proteção da biodiversidade como parte integrante de seus compromissos de sustentabilidade. Suas políticas estão alinhadas com o RSPO e o Forest Stewardship Council (FSC), mas o banco não menciona explicitamente metas de desmatamento zero. O Santanderparticipa da RTRS e, por meio da Banking Environment Initiative (BEI), do Soft Commodity Compact. Barclaysé signatária da Declaração de Nova York sobre Florestas (NYDF) das Nações Unidas, que visa reduzir a perda de floresta natural pela metade até 2020 e encerrá-la até 2030, e adotou o Compacto de Commodities Soft da Banking Environment Initiative. A iniciativa, de acordo com o Barclays, compromete o banco com o desmatamento zero na área florestal, papel e celulose e óleo de palma. O Deutsche Bank também assinou o NYDF.
Alguns outros financiadores estão tomando medidas para desenvolver uma política de desmatamento.O Bank of America e o Bancorp afirmam que não farão contatos comerciais com empresas ativas na extração ilegal de madeira ou fogo descontrolado. Há, no entanto, um grande grupo dos 20 maiores financiadores que não possuem políticas florestais. O BNDES e outros bancos brasileiros não têm compromissos concretos de desmatamento zero. O Royal Bank of Canada não tem políticas de desmatamento, semelhantes aoBMO Financial Group(exposição de US $ 1,4 bilhão). Farm Credit Services (exposição de US $ 1,3 bilhão) não tem política ambiental relevante, enquanto BlackRock e Fidelity não têm políticas florestais.
Fonte: Chain Reaction Research, Thomson-Eikon, Bloomberg; dados de 3 de junho de 2020
Anexo 1: Notas metodológicas para análise de desmatamento
O perfil dessa empresa inclui uma análise do desmatamento das cadeias de suprimentos diretas e indiretas da JBS. Este anexo descreve as notas metodológicas da abordagem utilizada. Ele descreve o seguinte:
As principais fontes de dados utilizadas
Uma descrição do processamento de dados e desenvolvimento de banco de dados
Uma descrição da análise de dados e verificações de qualidade
As limitações da metodologia
1. Fontes de dados
As principais fontes de dados incluem:
Autorizações de transporte de animais (GTAs). Essas licenças são documentos sanitários obrigatórios exigidos no transporte de gado entre duas propriedades. A CRR utilizou os registros do GTA 2019 dos estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Tocantins para identificar os nomes das fazendas que abastecem direta e indiretamente a JBS.
Cadastros rurais e registros de propriedades. O CRR usou os cadastros e registros imobiliários do SIGEF (Sistema de Gestão Fundiária) e SNCI obtidos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrícola (INCRA).
Dados anuais de desmatamento confirmados. O CRR usou os dados anuais oficiais do Programa de Cálculo do Desmatamento na Amazônia (PRODES) do governo brasileiro como base para os cálculos do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
Dados de vegetação remanescentes. O CRR usou mapas da agência espacial brasileira INPE (para a Amazônia) e os dados do FREL do Ministério do Meio Ambiente (para o Cerrado) para avaliar a vegetação nativa remanescente.
2. Processamento de dados e construção de banco de dados
Três etapas a seguir foram realizadas para construir o banco de dados para este relatório:
Limpe e prepare as informações do GTA. Usando o R Studio, um script foi escrito para limpar o texto em nosso conjunto de dados GTA e nos registros de terras SIGEF e SNCI para garantir o maior sucesso possível de correspondência de string. Exemplos dessa limpeza incluem a conversão de caracteres do português para o inglês (ã para a), padronizando o espaçamento entre palavras e padronizando o nome das empresas (ex: JBS exportaçãoto JBS).
Identificar fornecedores diretos e indiretos da JBS.Um script foi escrito para pesquisar o conjunto de dados GTA e extrair todas as entradas que tinham um matadouro JBS como destino final. A filtragem foi aplicada para “abate” (abate) e “bovinos” (gado), para limitar os dados à cadeia produtiva da carne bovina da JBS e para garantir que o frigorífico fosse o destino final. Para identificar fornecedores indiretos, a CRR repetiu esse processo com os fornecedores diretos da JBS como destino cadastrado do transporte de gado. Para evitar falsos positivos, incluímos apenas registros em que o nome do proprietário, o nome da fazenda e o município correspondiam. Aplicamos os filtros de engorda (engorda) ou reprodução (reprodução) como finalidade de transporte. Por meio dessa metodologia, foram identificadas 9.730 fazendas de abastecimento direto e 56.421 fazendas de abastecimento indireto à JBS. Cada um desses fornecedores forneceu um ou mais lotes de gado.
Localize fornecedores geograficamente . Usando o R studio, a correspondência de strings foi realizada para combinar o conjunto de dados “fornecedor identificado pela JBS” com o cadastro e registros de propriedade do SIGEF e SNCI para os seis estados no escopo desta análise. Para evitar falsos positivos, os registros só foram incluídos se uma correspondência foi encontrada entre os conjuntos de dados em; a) o nome do proprietário; b) o nome da fazenda; ec) o município da fazenda. Se duas ou menos dessas métricas corresponderem, os fornecedores serão excluídos de análises posteriores. Por meio deste método, foram localizadas um total de 983 fazendas de abastecimento direto e 1.874 fazendas de abastecimento indireto. Dois shapefiles com dados georreferenciados foram criados no QGIS (“JBS localizadas em fazendas de fornecimento direto” e “JBS localizadas em fazendas de fornecimento indireto”).
3. Análise de dados e verificações de qualidade
Os shapefiles “JBS localizada em fazendas fornecedoras diretas” e “JBS localizada em fazendas fornecedoras indiretas” foram posteriormente utilizados como mapa base para a análise do desmatamento e vegetação remanescente, através das seguintes etapas:
Sobreposição de dados de desmatamento do PRODES. O CRR utilizou alertas confirmados de desmatamento do PRODES do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para os anos de 2008-2019. A CRR escolheu 2008 como ano limite por estar em linha com o Código Florestal Brasileiro. Os dados de desmatamento foram cruzados com os dois shapefiles para calcular o desmatamento em cada propriedade localizada, resultando em um total de 20.296 ha para as 983 fazendas de abastecimento direto e 50.852 ha para as 1.874 fazendas de abastecimento indireto.
Sobrepor os dados de vegetação remanescentes. O CRR usou dados históricos de desmatamento do INPE para a Amazônia desde 1988, e o mapa de base de vegetação nativa FREL de 2000 para o Cerrado. A CRR calculou a área total de terras para as fazendas de abastecimento indireto e diminuiu todas as mudanças na vegetação nativa desde o início desses cronogramas. No entanto, a CRR não realizou esse cálculo para a cadeia de suprimentos direta, partindo do pressuposto de que os próprios sistemas de monitoramento da JBS mitigariam o risco de futura supressão de vegetação nativa nessas propriedades. Os cálculos resultaram em uma projeção de 2,1 milhões de ha de floresta e outros tipos de vegetação nativa remanescentes nas fazendas de abastecimento indireto localizadas.
Projeções da pegada do desmatamento na cadeia de suprimentos direta e indireta. A fim de extrapolar os achados de nossa amostra, o CRR calculou médias para o desmatamento por propriedade. Para as fazendas de abastecimento direto localizadas, a CRR calculou uma média de 20,65 ha por propriedade (20.296 ha de desmatamento dividido por 983 propriedades localizadas). A CRR multiplicou essa média pelo total de 9.730 fazendas de abastecimento direto identificadas para chegar à projeção estimada de 200.000 ha de desmatamento na cadeia de abastecimento direto da JBS desde 2008. Esse cálculo foi repetido para as fazendas de abastecimento indireto, resultando em um desmatamento médio maior por fazenda de 27,14 ha por propriedade. A estimativa extrapolada para as 56.421 fazendas de abastecimento indireto identificadas resultou em um número de 1,5 milhão de ha desmatados desde 2008.
Verificações de qualidade. O CRR conduziu uma série de verificações de qualidade durante várias fases da análise de dados. Esses incluem:
Confirmação de que os frigoríficos listados como destino nos registros do GTA ainda são de propriedade da JBS por meio da comparação do registro com a lista de ativos constante dodocumento de referência societário da JBS .
Retirar os registros duplicados de imóveis localizados que possuem registros SIGEF e SNCI para evitar dupla contagem.
Cruzando alertas de desmatamento com limites de propriedades para excluir áreas desmatadas que ultrapassam os limites das fazendas.
Realizar, em cada etapa da análise, verificações de qualidade das amostras para garantir o funcionamento adequado dos scripts aplicados.
Cálculo do desmatamento médio por fazenda para ambas as propriedades com e sem desmatamento para balancear as estimativas projetadas para a exposição total ao risco de desmatamento da JBS e levar em conta a realidade de que nem todas as fazendas fornecedoras apresentam desmatamento.
Usando a equação de Cochrane para escolher um tamanho de amostra para uma grande população (Equação 1), para garantir a representatividade de nossa amostra. Com essa fórmula, pode-se determinar que o uso de dados de 384 fazendas seria suficiente para uma amostra representativa. Usamos 983 fazendas, o que é aproximadamente 10 por cento das 9.730 fazendas de fornecimento direto identificadas nos GTAs.
Equação 1: Equação de Cochrane:
n0
é o tamanho da amostra necessário, Z é o valor z (encontrado em uma tabela z), p é a estimativa de quantas fazendas têm desmatamento (0,5 assume variabilidade máxima; que metade das fazendas contém desmatamento e a outra não), e é o nível desejado de precisão (neste caso 95%) eq é 1-p.
n0 = Z2pqe2
n0 = (1,96) 2 (0,5) (0,5) 0,052
n0 = 384,16 fazendas
Limitações metodológicas
Os dados e métodos analíticos do CRR apresentam uma série de limitações que merecem cautela na interpretação dos resultados apresentados. Eles incluem:
Estimativas e projeções conservadoras. Fizemos uma série de escolhas que resultaram em estimativas mais cautelosas e subnotificação potencial dos totais. Esses incluem:
Não atribuindo desmatamento adjacente, mas fora dos limites da fazenda. Em vários casos, os alertas de desmatamento transgridem os limites das fazendas. A CRR excluiu todo o desmatamento que ocorreu fora dos limites das fazendas de nossos cálculos, apesar da probabilidade de que sejam parte de um único evento de desmatamento. Consulte a Figura 1a abaixo para obter um exemplo.
Projeções baseadas em registros GTA 2019. O CRR projeta a pegada total do desmatamento no número de propriedades incluídas em nossos registros de GTA de 2019. Com isso, exclui fornecedores da JBS que não forneciam para a empresa em 2019, mas sim em outros anos. Também exclui quaisquer fornecedores com registros GTA defeituosos, fraudulentos ou ausentes.
Os dados não abrangem os estados amazônicos de Rondônia e Acre. O conjunto de dados GTA não incluiu dados para esses dois estados da Amazônia. São estados com desmatamento significativo nos últimos anos e onde a JBS está presente. As cadeias de suprimento direta e indireta de seus dois frigoríficos em Rondônia e um frigorífico no Acre não estão incluídas em nossos cálculos.
A análise não cobre a cadeia de suprimentos de terceiro nível e além. A análise é baseada em fornecedores identificados no primeiro e segundo níveis da cadeia de suprimentos da JBS. Exclui quaisquer fazendas que possam ser posteriormente removidas do matadouro. O gado normalmente muda de propriedade em propriedade várias vezes durante sua vida e quaisquer riscos de desmatamento nessas camadas também são totalmente não mitigados.
Sem distinção entre desmatamento legal e ilegal. Esta análise não faz distinção entre desmatamento legal e ilegal e não faz nenhuma reclamação de práticas ilegais por parte da JBS ou de qualquer um de seus fornecedores, exceto se referindo a relatórios de terceiros. Em particular no bioma Cerrado, a maior parte do desmatamento está dentro do escopo do Código Florestal Brasileiro.
Obs: O desmatamento é indicado em vermelho e uma fazenda de abastecimento direto da JBS em amarelo. Os eventos de desmatamento na parte inferior da fazenda são todos parte de um evento, embora apenas parte dele contará como desmatamento desta fazenda
Este relatório foi originalmente escrito em inglês e publicado pela Chain Reaction Research [Aqui! ].
Dados do governo indicam forte aumento da pecuária bovina comercial ilegal em áreas protegidas da Amazônia brasileira
• Pecuária comercial ilegal impulsiona apropriações de terras, violência e ameaças contra povos indígenas e moradores tradicionais de reservas extrativistas
• JBS é instada a implementar sistema de monitoramento efetivo até o final de 2020
Criação de gado em propriedade rural dentro da Reserva Rio Ouro Preto em Rondônia – Julho 2019
Gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas da floresta amazônica brasileira entrou na cadeia de fornecimento da maior produtora de carne bovina do mundo, a JBS, disse a Anistia Internacional hoje em relatório de 72 páginas, Da Floresta à Fazenda .
Ao não monitorar efetivamente a entrada de gado bovino em sua cadeia indireta de fornecimento, a JBS falha na adoção de um processo adequado de devida diligência como estabelecido nos Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos . De acordo com os Princípios Orientadores da ONU, a JBS contribui para abusos de direitos humanos dos povos indígenas e comunidades tradicionais residentes em reservas extrativistas ao participar nos incentivos econômicos para o gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas, afirma a Anistia Internacional.
“Desde pelo menos 2009 a JBS tem conhecimento dos riscos de gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas entrar em sua cadeia de fornecimento”, disse Richard Pearshouse, diretor de Crises e Meio Ambiente da Anistia Internacional.
“A JBS deixou de implementar um sistema de monitoramento efetivo em sua cadeia de fornecimento, inclusive de seus fornecedores indiretos. Ela precisa reparar os danos causados e imediatamente implementar sistemas para evitar que isso volte a ocorrer”.
Ainda que a Anistia Internacional não tenha encontrado evidências de envolvimento direto da JBS em abusos de direitos humanos nos três locais investigados, pôde constatar que gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas ingressou na cadeia de fornecimento da empresa. A organização exorta a JBS a adotar medidas até o final de 2020 para reparar essa situação.
Maior exportadora mundial de carne bovina
O Brasil tem cerca de 214 milhões de bovinos, mais que qualquer outro país. Sua indústria de carne bovina movimenta R﹩ 618 bilhões (US﹩ 124 bilhões), sendo responsável por 8% do PIB nacional .
Cerca de três quartos da carne bovina brasileira é consumida no país, mas o quarto remanescente entra na cadeia de fornecimento global em quantidades suficientes para fazer do país o maior exportador mundial de carne bovina. Os principais destinos da carne brasileira incluem China, Hong Kong, Egito, Chile, União Europeia, Emirados Árabes Unidos e Rússia.
A região amazônica vem assistindo a maior expansão da indústria brasileira da pecuária bovina. Desde 1988 o número de bovinos na região quase quadruplicou, chegando a 86 milhões em 2018 – 40% do total nacional. Parte dessa expansão vem destruindo grandes áreas de floresta protegida situada em terras indígenas e reservas extrativistas.
Ao todo, 63% da área desmatada entre 1988 e 2014 virou pastagem para gado bovino – uma superfície cinco vezes a de Portugal. A Anistia Internacional documentou esse processo com detalhes em um briefing em novembro de 2019.
De acordo com dados governamentais, as terras indígenas na Amazônia perderam 497km² de floresta entre agosto de 2018 e julho de 2019 – um aumento de 91% em relação ao período anterior.
Abusos de direitos humanos em três áreas protegidas
A Anistia Internacional visitou três locais em sua investigação: a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e as reservas extrativistas Rio Jacy-Paraná e Rio Ouro Preto, todas no estado de Rondônia.
A organização não encontrou qualquer evidência que indicasse envolvimento direto da JBS em abusos de direitos humanos nos três locais investigados.
Contudo, em todas as três áreas, recentes apropriações ilegais de terras levaram a uma perda de terras tradicionais, protegidas pela legislação brasileira. Os direitos dos povos indígenas às suas terras são protegidos sob o direito internacional dos direitos humanos. A pecuária bovina comercial é proibida por lei nos três locais.
Ameaças, intimidações e violência frequentemente acompanham essas apropriações ilegais de terras, que ocorrem em um contexto mais amplo de violência no campo. Segundo uma estimativa, em 2019 houve sete assassinatos, sete tentativas de assassinato e 27 ameaças de morte contra indígenas na região amazônica brasileira.
Em dezembro de 2019, alguns indígenas Ueu-Eu-Wau-Wau, enquanto patrulhavam seu território, encontraram uma área de cerca de 200 hectares desmatada e queimada recentemente. Araruna, um Uru-Eu-Wau-Wau de cerca de 20 anos, disse à Anistia Internacional:
“Nos últimos meses estamos preocupados com as invasões que vêm aumentando cada vez mais e chegando mais perto das aldeias. Vimos uma grande derrubada, imensa, recente. Vimos um helicóptero semeando capim para que eles possam colocar gado futuramente”.
Em janeiro de 2019, outro grupo de Uru-Eu-Wau-Wau se deparou com cerca de 40 invasores armados, provavelmente grileiros, na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a apenas dois quilômetros de uma aldeia indígena. Outros descreveram anteriormente que ouviram tiros durante a noite ou que receberam ameaças de morte às suas crianças.
Em outros lugares, comunidades inteiras foram expulsas da terra e temem a morte, caso voltem. A maioria dos moradores da Reserva Extrativista do Rio Jacy-Paraná foi expulsa nas duas últimas décadas para dar lugar a fazendas de gado bovino. Segundo uma antiga moradora, restam apenas três pessoas entre as cerca de 60 famílias que antes habitavam a reserva.
“Virou tudo fazenda”, contou Sara, antiga moradora da reserva que foi expulsa de sua terra em 2017, à Anistia Internacional.
Imagens de satélite analisadas pela Anistia Internacional corroboram os depoimentos dos antigos moradores: gado bovino e bebedouros de água agora são visíveis em terras que antes estavam cobertas por florestas.
Os dados não mentem
A lei brasileira exige que agências estaduais coletem dados detalhados sobre a pecuária bovina. Esses dados incluem informações sobre a localização das fazendas de gado bovino, inclusive das que se situam em áreas protegidas; o número, faixa etária e sexo dos bovinos do rebanho, e as movimentações de animais entre fazendas. Apesar desses dados serem de interesse público, eles não estão atualmente disponíveis ao público.
A Anistia Internacional registrou junto à IDARON, a agência de defesa sanitária animal de Rondônia, sete pedidos de informação com base na Lei de Acesso à Informação.
Os dados fornecidos pela IDARON indicam uma expansão forte da pecuária bovina comercial em áreas protegidas em que a atividade é ilegal. Entre novembro de 2018 e abril de 2020, o número de bovinos subiu 22%, de 125.560 para 153.566 animais.
Dados da IDARON também mostram que ao longo de 2019 foram transferidos 89.406 bovinos de fazendas situadas em áreas protegidas em que a pecuária bovina comercial é ilegal. A grande maioria desses animais é enviada para outras fazendas antes de ir para o abate. Isso significa que mesmo o gado bovino de fazendas em situação legal pode ter sido criado anteriormente de modo ilegal em áreas protegidas.
A Anistia Internacional considera que agências estaduais de defesa sanitária animal como a IDARON efetivamente facilitam a pecuária bovina comercial ilegal. Elas facilitam ao registrar fazendas comerciais de gado bovino e emitir documentos para movimentações de gado bovino apesar das fazendas estarem situadas em uma reserva extrativista ou terra indígena.
“Os dados que acessamos e analisamos – fornecidos pelos próprios órgãos governamentais – fazem soar o alarme”, disse Richard Pearshouse “Essa informação não deve ficar escondida do olhar público”.
“Como acabar com a criação ilegal de gado bovino na Amazônia brasileira? Um bom ponto de partida seria parar oficialmente de registrar fazendas comerciais em áreas protegidas e parar de emitir guias de trânsito para o gado bovino oriundo dessas fazendas”.
A cadeia de fornecimento contaminada da JBS
O gado bovino brasileiro frequentemente é transferido entre diferentes fazendas. As fazendas que vendem gado aos frigoríficos são chamadas de fornecedores diretos, e outras fazendas em que o gado pastou antes disso são conhecidas como fornecedores indiretos. Pesquisadores estimam que até 91%-95% das fazendas compram gado de fornecedores indiretos.
A Anistia Internacional, em colaboração com a ONG Repórter Brasil, analisou documentos oficiais de controle de saúde animal que revelam que a JBS comprou gado bovino diretamente de uma fazenda situada na Reserva Extrativista do Rio Ouro Preto em duas ocasiões em 2019.
Além disso, em 2019 a JBS comprou gado bovino várias vezes de dois fazendeiros que operam tanto fazendas ilegais em áreas protegidas, quanto fazendas legais fora dessas áreas. Um dos fazendeiros cria gado ilegalmente na Reserva Extrativista do Rio Jacy-Paraná e o outro na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
Em ambos os casos, os fazendeiros registraram movimentações de gado bovino de uma fazenda no interior de uma das áreas protegidas para uma fazenda fora da área protegida e, em seguida, registraram movimentações separadas de gado bovino da fazenda legal para a JBS.
Em duas ocasiões, a segunda movimentação foi registrada apenas minutos após a primeira. As duas movimentações envolveram um número idêntico de animais, da mesma faixa etária e do mesmo sexo. Os animais tinham mais de 36 meses de idade, uma faixa etária comum do gado bovino que é levado para o abate. De acordo com especialistas entrevistados pela Anistia Internacional, isso pode ser indício da prática de lavagem de gado.
A lavagem de gado – transferir gado entre fazendas intermediárias para dar uma aparência de legalidade aos animais – burla os sistemas de monitoramento existentes.
A Anistia Internacional buscou informações específicas da JBS para saber se em 2019 a empresa processou animais vindos de fazendas situadas nas três áreas protegidas. A empresa respondeu: “Não compramos gado bovino de qualquer fazenda envolvida na pecuária ilegal em áreas protegidas” e disse ainda que a empresa adota uma “abordagem inequívoca de desmatamento zero em toda sua cadeia de fornecimento”.
Ela também afirmou: “A JBS monitora de perto seus fornecedores para verificar o cumprimento de todos os aspectos de nossa Política de Compra Responsável e não identificou previamente quaisquer problemas relacionados a abusos de direitos humanos de comunidades indígenas ou outros grupos protegidos”.
A JBS não respondeu a uma pergunta sobre o monitoramento de seus fornecedores indiretos, destacando em lugar disso que “a rastreabilidade de toda a cadeia de fornecimento é um desafio de toda a indústria e uma tarefa complexa”.
A JBS tem conhecimento dos riscos de que gado bovino ilegal entre em sua cadeia de fornecimento – em 2009 a empresa assinou dois acordos contra o desmatamento com o Ministério Público Federal e, em separado, com o Greenpeace –, mas tomou medidas insuficientes para resolver o problema. Auditorias externas observaram que a JBS não monitora seus fornecedores indiretos.
A Anistia Internacional exorta a JBS a adotar prontamente um sistema de monitoramento efetivo, inclusive de seus fornecedores indiretos, e a garantir que gado bovino criado ilegalmente em áreas protegidas durante alguma etapa de sua vida não entre na cadeia de fornecimento da empresa. No mais tardar, esse sistema deve ser implementado até o final de 2020.
Um procurador federal no Pará concluiu em 2019 que: “Hoje nenhuma empresa que compra da Amazônia pode afirmar que não tem gado de desmatamento em sua atividade produtiva (…) Nenhuma empresa frigorífica e nenhum supermercado também”.
“Com o desmatamento na Amazônia no nível mais alto em uma década, cabe agora à JBS e outros frigoríficos no Brasil adotar processos de diligência devida para garantir que seus fornecedores diretos e indiretos não estejam contribuindo para abusos de direitos humanos contra povos indígenas e moradores tradicionais da Amazônia”, disse Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM/MS), é responsável por uma curiosa dinâmica na dieta alimentar dos brasileiros. Por um lado, sob seu comando, os brasileiros viram um recorde histórico de aprovações de novos agrotóxicos com um total de 567 produtossendo liberados em menos de 11 meses. Por outro, vivemos agora uma profunda carestia nos preços da carne bovina que tem tudo para se estender para outros produtos de origem animal, já que os consumidores estão sendo empurrados para o consumo de ovos, frangos e porcos.
O fato inescapável é que Tereza Cristina sintetiza bem o que é o latifúndio agro-exportador brasileiro, pois além de ser engenheira agrônoma formada pela Universidade Federal de Viçosa, ela cresceu na política defendendo posições ultra-conservadoras, entre as quais se destacam a defesa de terras a estrangeiros, a flexibilização das regras de liberação de agrotóxicos, e o endurecimento ao tratamento dado aos povos indígenas que tiveram suas terras tomadas pelo avanço do latifúndio.
Depois de se tornar ministra, Tereza Cristina já ofereceu exemplos bastante didáticos de que o presidente Jair Bolsonaro não poderia escolhido pessoa melhor para levar adiante a sua pauta de destruição ambiental e de submissão contínua às demandas infinitas dos setores mais atrasados da agricultura nacional.
Mas é agora com a crise de carestia nos preços da carne que a ministra da Agricultura está deixando bastante explícita sua posição de completo desprezo pelas necessidades da maioria da população brasileira de poder consumir proteína animal a preços minimamente acessíveis. Assim, quando perguntada sobre a situação causada pela elevação dos preços da carne bovina, Tereza Cristina não apenas negou a possibilidade dos preços baixarem, afirmando que a carne bovina estava “muito barata“, mas também de forma jocosa indicou a possibilidade do consumo de frango quem não puder comprar carne bovina.
Com a carne bovina a preços nada módicos, o brasileiro vai ter que dizer adeus ao churrasco. Enquanto isso, os chineses estão saboreando a carne bovina brasileira sem sofrimento
A verdade é que estamos sendo onerados porque o governo Bolsonaro se nega a proteger os consumidores brasileiros, focando sua ação na venda para exportação. Por isso, é que a carne bovina estão tão cara neste momento, pois para garantir o fluxo de moedas fortes, o mercado interno está sendo totalmente desprotegido.
Acabei de receber o Censo Agropecuário de 2017 que foi publicado pelo IBGE e pude constatar que o estado do Pará, que lidera o desmatamento na Amazônia (ver figura abaixo) possuía naquele ano algo em torno de 17 milhões de cabeças de gado bovino, dotando aquela unidade do quinto maior rebanho do Brasil.
Essa farta disponibilidade de gado bovino deveria deixar o Pará de fora da crise de abastecimento de carne que hoje coloca em risco o churrasco de final de ano, certo? Errado! É que circula nas redes sociais a imagem abaixo que foi tomada do interior de um estabelecimento da Rede Líder, uma das maiores redes de supermercados do Pará, indicando as razões pela falta de carne bovina das gôndolas do estabelecimento.
A Líder é bem explícita ao associar a “exportação do boi em pé” e da “carne in natura” ao desabastecimento de carne em seus estabelecimentos. O interessante é que apesar da exportação de gado em pé não ser uma coisa recente, o avanço dessa modalidade está tendo impacto suficiente no abastecimento interno. Segundo o site AGRO EM DIA, em 2018, o Brasil exportou cerca de 700 mil cabeças de gado em pé, sendo que cerca de 65% desse total saíram do PA.
Embarque de animais vivos em direção ao exterior
Como já realizei um extenso trabalho de campo no centro oeste para estudar a cadeia da carne, sei que em determinadas circunstâncias os pecuaristas adotam medidas extremas para garantir retorno rápido para seus investimentos, incluindo o abate excessivo de fêmeas. Essa prática é completamente irracional no médio e longo prazos, mas isso não impede que ela ocorra, sempre que se mira na renda no curto prazo.
Em outras palavras, se já não se pode esperar muita racionalidade de um setor que possui amplas demonstrações de apego excessivo ao curto prazo, o que dizer de qualquer tipo de compromisso ou prioridade com o abastecimento do mercado interno em condições que a maioria da população comer carne.
Investigação da Repórter Brasil revela que Pão de Açúcar, Carrefour e Cencosud compraram produtos de frigoríficos que adquirem gado de pecuaristas responsabilizados pelo crime. Pão de Açúcar afirma que cortou fornecedor, Cencosud contesta negociação e Carrefour aguarda esclarecimentos de abatedouro
Grupo Pão de Açúcar suspendeu compra de carne de dois frigoríficos (Foto: Zé Gabriel/Greenpeace)
Por André Campos para a Repórter Brasil
Três grandes redes de supermercado compraram produtos de frigoríficos que possuem, entre seus fornecedores, pecuaristas flagrados usando mão de obra análoga à escravidão. Tratam-se dos grupos Carrefour, Pão de Açúcar (GPA) e Cencosud, que, juntos, possuem mais de 2.000 lojas espalhadas pelo país.
Investigação da Repórter Brasil identificou três frigoríficos que vendem carne para as redes de supermercado, mas que compraram o gado de fazendas incluídas na “lista suja” do trabalho escravo – cadastro do governo federal que identifica pessoas e empresas flagradas praticando esse crime.
Carrefour, GPA e Cencosud estão entre os quatro maiores grupos varejistas do país. As três redes se comprometeram no passado a não comprar produtos de empregadores que estão na “lista suja”. Carrefour e Pão de Açúcar assinaram o Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo, de 2005, enquanto a Cencosud assinou carta de compromissono ano passado.
Das três empresas, apenas o Pão de Açúcar suspendeu seus fornecedores, segundo informou a diretoria de Sustentabilidade do GPA à Repórter Brasil.
O Carrefour afirmou que aguarda posicionamento de seu fornecedor, enquanto o Cencosud negou ter comprado carne de frigoríficos que negociam com fazendeiros incluídos na “lista suja” do trabalho escravo.
Três frigoríficos foram flagrados comprando carne de pecuaristas autuados por trabalho escravo (Foto: Divulgação/Bruno Cecim/Agência Pará)
Frigotil e Frigoestrela
Os frigoríficos que deixaram de vender para as lojas do Grupo Pão de Açúcar são Frigotil e Frigoestrela.
Localizado em Timon (MA), o Frigotil comprou gado de dois pecuaristas na “lista suja” entre 2018 e 2019. A empresa respondeu à Repórter Brasil que “inibe a compra de gado nessas condições” e que analisa a contratação de uma empresa de consultoria para viabilizar um maior controle socioambiental dos fornecedores.
O Frigoestrela também adquiriu gado de um fazendeiro da “lista suja” em diferentes ocasiões entre 2018 e 2019. A empresa disse realizar acompanhamentos constantes junto aos pecuaristas e afirmou que, no caso específico, ainda não havia nenhuma condenação judicial contra o fornecedor. O Frigoestrela possui unidades de abate em Rondonópolis (MT) e Estrela D’Oeste (SP).
Embora tenha sido suspenso pelo Pão de Açúcar, o Frigoestrela continua fornecendo para o Carrefour. Procurado, o grupo francês disse que notificou o frigorífico e pediu posicionamento urgente sobre os fatos alegados. “O grupo ressalta que todos os seus contratos comerciais possuem cláusulas específicas que obrigam o fornecedor a se comprometer rigorosamente com todas as normas da legislação trabalhista vigente, garantindo a não utilização de mão de obra em condição análoga à de escravidão”, disse o Carrefour por meio de nota.
O frigorífico Boi Brasil, que possui três plantas de abate no Tocantins, também comprou gado de um pecuarista da “lista suja” em 2018. A Repórter Brasil identificou carnes da empresa sendo vendidas na rede de supermercados Bretas, em Goiânia (GO), também em 2018. O Boi Brasil não respondeu aos questionamentos encaminhados pela reportagem.
O Bretas é uma das empresas do grupo chileno Cencosud. A empresa negou manter relações comerciais com o Boi Brasil e alegou que o frigorífico encontra-se bloqueado em seu sistema de gestão de compras desde 2015.
O relacionamento comercial entre o grupo Cencosud e o Boi Brasil foi apontado emrelatório da iniciativa Chain Action Research, publicado em outubro de 2018 em parceria com a Repórter Brasil. A pesquisa identificou carnes bovinas do frigorífico sendo vendidas pelo Bretas em agosto do ano passado – ou seja, três anos após a data em que o Cencosud alega ter bloqueado o fornecedor.
Frigotil comprou gado de dois pecuaristas incluídos na “lista suja” do trabalho escravo entre 2018 e 2019 (Divulgação/Frigotil)
Pecuaristas na ‘lista suja’
Carlinhos Florêncio, deputado estadual pelo PCdoB no Maranhão, foi um dos pecuaristas identificados na investigação como fornecedor de carnes ao frigorífico que vende para as lojas do Pão de Açúcar.
Ele foi autuado por submeter nove trabalhadores à escravidão na Fazenda Tremendal, em Parnarama (MA). O deputado foi incluído na “lista suja” em abril de 2018 e permaneceu no cadastro até novembro daquele ano, quando obteve uma liminar judicial para que seu nome saísse do documento. Antes disso, entre maio e setembro, ele forneceu gado à unidade de abate do Frigotil em Timon.
A Repórter Brasil tentou contato com o gabinete do deputado por telefone e e-mail, mas não obteve retorno. Ementrevista ao UOLem 2018, seu advogado alegou que a inclusão de Florêncio na “lista suja” era injusta pois, apesar de ser o proprietário da fazenda, seus irmãos eram os responsáveis pela administração. O mesmo argumento foi acatado pelo Judiciário na decisão que retirou o seu nome da “lista suja”.
Também fornecedor do Frigotil, José Rodrigues dos Santos vendeu gado ao frigorífico em diversas ocasiões entre 2018 e 2019. O pecuarista foi incluído na “lista suja” em outubro de 2017, e permanece no cadastro ainda hoje. Sua inclusão deveu-se ao resgate de 22 funcionários na Fazenda Lago Azul, em Brejo de Areia (MA).
Esse não foi o primeiro flagrante de trabalho escravo envolvendo Santos. Em 2007, ele foi responsabilizado pela exploração de 48 trabalhadores na Fazenda Ilha/Veneza, em Capinzal do Norte (MA). Dois anos depois, uma nova fiscalização na mesma propriedade levou a novo resgate, desta vez de 29 trabalhadores. Na ocasião, os fiscais apuraram que Santos havia arrendado o terreno para o seu irmão. A Repórter Brasil conversou com o advogado do pecuarista e encaminhou perguntas por e-mail, sem resposta.
Em Mato Grosso, outro empregador incluído na “lista suja”, Hélio Cavalcanti Garcia, foi identificado fornecendo gado ao Frigoestrela em 2018 e 2019. Ele foi incluído no cadastro do governo federal em outubro de 2017. Também tentou, na Justiça, a retirada de seu nome, sem sucesso. Permanece na lista ainda hoje.
Garcia foi prefeito de Rondonópolis na década de 1960 e, além de pecuarista, também é tabelião. A fiscalização trabalhista identificou cinco trabalhadores em situação análoga à escravidão na sua Fazenda Rio Dourado, em Poxoréu (MT). Ao portal G1, ele declarou que foi vítima de um flagrante armado por um funcionário que lhe devia R$ 17 mil. Disse ainda que os trabalhadores não eram seus funcionários – um deles era empreiteiro e os outros quatro, subempreiteiros.
A Repórter Brasil tentou contato com Garcia em seu cartório e por meio de seu advogado, mas não obteve retorno.
Fornecedor do frigorífico Boi Brasil, Eronice de Souza Borges foi incluído na “lista suja” em outubro de 2018. Um mês depois, vendeu gado ao abatedouro do Boi Brasil em Alvorada (TO). O fazendeiro foi responsabilizado por submeter um trabalhador à condição análoga à escravidão na Fazenda Umuarama, em Aliança do Tocantins (TO).
A fiscalização foi motivada por uma denúncia recebida pela Polícia Federal relatando que os trabalhadores estariam trabalhando sob coação. Segundo a denúncia, o proprietário os ameaçava “dizendo que daria um tiro na cara caso o trabalhador saísse da fazenda”. Durante a inspeção, os fiscais do extinto Ministério do Trabalho não confirmaram as ameaças de morte. No entanto, identificaram um trabalhador em condições degradantes – vivendo em alojamento precário, sem acesso à água potável e a equipamentos de proteção obrigatórios.
Procurado por telefone, Borges disse que não iria se manifestar.
Esta reportagem foi realizada com o apoio da DGB Bildungswerk, no marco do projeto PN: 2017 2606 6/DGB 0014, sendo seu conteúdo de responsabilidade exclusiva da Repórter Brasil
Queimadas na Amazônia continuam dominando o noticiário na Alemanha. Mídia atribui desastre à política ambiental de Bolsonaro e sua ligação com o agronegócio. Mas consumidores alemães também são responsáveis, diz revista.
“Imagens de florestas tropicais queimadas e troncos de árvore carbonizados correm o mundo”
Süddeutsche Zeitung – Dias de fogo (26/08)
Em face dos devastadores incêndios na Amazônia, cresce a pressão para que o Brasil mude sua política ambiental. Também o ministro alemão do Exterior, Heiko Maas, propõe agora que o Brasil seja pressionado a adotar uma maior proteção climática por meio do acordo comercial com o Mercosul. “O fato de o acordo com o Mercosul ter sido finalmente resolvido nos dá oportunidades e meio de pressão para influenciar o que lá acontece”, disse o político social-democrata nesta segunda-feira. Ele acrescentou que existem certos valores e padrões “sem os quais nós não embarcamos”. O presidente francês, Emmanuel Macron, também fez comentários similares.
(…)
As Forças Armadas brasileiras começaram a jogar água nas áreas de incêndio com aviões de transporte Hércules. Ao mesmo tempo, a polícia está investigando os organizadores do chamado Dia do Fogo. A mídia local relatou que fazendeiros teriam combinado de queimar grandes áreas ao mesmo tempo, para dar espaço para pastos e plantações de soja. O ministro da Justiça, Sergio Moro, tuitou: “Incêndios criminosos na Amazônia serão severamente punidos.”
Esse é um novo tom, já que o presidente Jair Bolsonaro vem incentivando os agricultores a produzir fatos. O Ministério do Meio Ambiente teria tido conhecimento do planejado “Dia do Fogo”, mas não fez nada, segundo tuitou o jornalista investigativo Glenn Greenwald, que mora no Brasil. A diretora da Fundação Heinrich Böll no Rio de Janeiro, Annette von Schönfeld, também não vê mudanças políticas. “O governo Bolsonaro realmente não tem nenhum pensamento de política ambiental”, disse.
Spiegel Online – O negócio bilionário com os recursos naturais do Brasil (23/08)
Jair Bolsonaro ainda tem grandes planos para a Amazônia. Ele queria fazer da imensa área em torno do mais poderoso rio do mundo a “alma econômica” do Brasil, como anunciou o presidente recentemente durante uma visita à cidade de Manaus. “Nossa Amazônia, a região mais rica do planeta Terra”, disse Bolsonaro, acrescentando que ela pode se tornar o ponto de partida para uma nova recuperação econômica por todo o país. Em harmonia com a proteção ambiental, é claro.
O aumento dramático no desmatamento desde que Bolsonaro assumiu em janeiro ainda era uma questão regional na Amazônia naquela época. Mas agora as imagens de florestas tropicais queimadas, troncos de árvore carbonizados, grandes clareiras estéreis e o céu cinza escuro sobre São Paulo correm o mundo. E as estatísticas do instituto de pesquisa estatal Inpe parecem dar razão a todos os críticos, que sempre alertaram que a Amazônia seria impiedosamente explorada sob a égide de Bolsonaro.
(…)
Bolsonaro havia anunciado que reduziria as multas por delitos ambientais, reduziria os controles e liberaria as reservas indígenas para a mineração. Para ele, a conservação da natureza deve estar subordinada aos interesses da economia. E existem algumas empresas, corporações e indústrias que ganham muito dinheiro com a exploração da Amazônia. Em primeiro lugar está a poderosa indústria agrícola.
Focus Online – Nossa fome por carne e soja alimenta os incêndios florestais no Brasil (24/08)
As florestas tropicais do Brasil se tornaram um brinquedo das corporações do agronegócio. Onde hoje há incêndios, tem gado pastando amanhã. Os consumidores na Alemanha também são responsáveis pela ameaça à Região Amazônica. O maior apetite, no entanto, é dos chineses.
As imagens da floresta tropical em chamas no Brasil estão causando preocupação em todo o mundo. Embora os incêndios aconteçam a milhares de quilômetros da Alemanha, o desastre do outro lado do Atlântico também tem a ver com o comportamento do consumidor na Europa. Acima de tudo, o desejo por bifes suculentos e costeletas quentes alimenta o desmatamento e a queimada de grandes áreas na Amazônia.
“É claro que nossas ações na Alemanha têm muito a ver com a perda da floresta tropical”, diz o professor da economia mundial de alimentos da Universidade de Göttingen, Matin Qaim. “Por exemplo, estamos importando grandes quantidades de soja como ração para nossos bovinos e suínos, e o aumento do cultivo da soja está contribuindo para o corte de florestas tropicais no Brasil.”
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Este compêndio de notícias da imprensa alemã sobre a catástrofe ambiental na AmaZônia foi originalmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].