Quem anda pelo centro histórico de Campos dos Goytacazes nos dias de hoje consegue notar que há ali um misto de paralisia e desconstrução da paisagem arquitetônica. Para mim o centro histórico tem sido uma espécie de sala ao ar livre desde que cheguei para atuar como professor na Uenf em 1998. Ali levo turmas de graduação e pós-graduação que usam aquela área para assimilar e criar conhecimento, em uma espécie de sala de aula concretada.
Pois bem, por causa disso e também em função do olhar de geógrafo que guia minhas idas ao centro histórico, passei a notar há uns 15 anos o aumento do número de lotes esvaziados de seus prédios histróricos que passaram a ser usados como estacionamentos privados. Como isso me pareceu um objeto de pesquisa interessante, convenci um dos meus orientandos a iniciar um meticuloso processo de mapeamento dos lotes esvaziados para serem transformados em estacionamentos.
O resultado desse estudo longitudinal que abrangeu coletas de dados nos anos de 2017, 2018 e 2022 acaba de ser publicado pela revista Geografia em Atos que é publicada pelo Departamento de Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia, UNESP de Presidente Prudente (SP), sob o título de “A destruição do patrimônio arquitetônico no centro histórico de Campos dos Goytacazes (RJ) enquanto estratégia de reconfiguração do espaço urbano“.
Apenas à guisa de ilustração, os dados coletados mostram que em 2017 existiam 50 lotes esvaziados sendo usados como estacionamentos, tendo esse número passado para 80 em 2018 e alcançado 93 em 2022 (ver imagens abaixo).
O estudo identificou a existência de um ciclo envolvendo a destruição do patrimônio arquitetônico para fins de reconfiguração espacial no centro histórico de Campos de Goytacazes que se inicia com o abandono do imóvel, quando ocorre a deterioração do edíficio, a qual possibilita a sua demolição legal ou clandestina, e a imediata implantação de um estacionamento no terreno esvaziado.
Uma das conclusões do estudo é que em Campos dos Goytacazes, a criação de aparentes vazios urbanos pelos proprietários de imóveis demolidos no centro histórico da cidade aponta para o uso de uma estratégia particularmente destrutiva no bojo de um processo de espera e expectativa desses proprietários em torno da valorização do preço de suas localizações. Entretanto, é salientando que ainda que um estacionamento possa parecer um “vazio” ou espaço desocupado, trata-se, na verdade, de uma localização em estado de espera que —diferente de um terreno parado —recompensa os proprietários com a extração de sua renda, enquanto se valoriza progressivamente.
Uma conclusão adicional é que tais práticas visam, em última instância, garantir que os proprietários em questão tenham uma posição mais favorável no mercado de localizações em um futuro breve. Trata-se, portanto, como mencionado anteriormente, de uma estratégia de especulação imobiliária adotada a partir de uma racionalidade por parte dos proprietários, que consideram que a destruição do patrimônio é menos custosa e mais lucrativa do que sua preservação. Com isso, o que poderia estar em gestação é a formação de um vazio urbano cujas consequências serão amplamente negativas para quaisquer esforços de dinamização econômica na cidade de Campos dos Goytacazes e que, paradoxalmente, poderão atingir até os proprietários envolvidos no processo de destruição do patrimônio arquitetônico existente no centro histórico.
Em tempo: pelas minhas caminhadas recentes pelo centro histórico, pude inferir que o processo de esvaziamento de lotes de seus edíficios de valor arquitetônico não parou em 2022. O mais provável é que a velocidade dessa “destruição nada criativa” tenha até aumentado. A minha esperança é que este estudo motive outros pesquisadores a continuarem a pesquisa o patrimônio arquitetônico do centro histórico de Campos dos Goytacazes, e quem sabe, salvá-lo da destruição completa.



