China barra 69 toneladas de soja brasileira por contaminação com agrotóxicos proibidos

China bans 69 tons of soybeans from Brazil, finds wheat contaminated with a  banned pesticide, and

O jornal Folha de São Paulo está noticiando que a China bloqueou a entrada de 69 mil toneladas de soja brasileira após encontrar trigo contaminado com agrotóxicos no porão do navio onde parte da carga estava sendo transportada.

Segundo reportagem da Folha, as exportações de duas fábricas da Cargill, bem como de outras controladas pela Louis Dreyfus, CHS Agronegocio e 3Tentos serão suspensas a partir de hoje em decorrência do incidente.

Segundo o relatório da agência sanitária chinesa teriam encontradas aproximadamente dez toneladas de trigo com agrotóxicos proibidos no mercado chinês dentro do navio que transportava a carga de soja.

A avaliação chinesa concluiu que o revestimento químico utilizado no grão é tóxico e destinado exclusivamente ao plantio, não ao consumo humano ou animal. Por isso, foi classificado como um risco sanitário inaceitável. Além disso, o trigo brasileiro não está habilitado para exportação à China, o que reforçou a violação das regras comerciais e sanitárias locais.

Em carta enviada à Embaixada do Brasil em Pequim, a qual a reportagem da Folha de São Paulo teve acesso, a GACC afirma que sua decisão tem “o objetivo de proteger a saúde dos consumidores chineses e garantir a segurança da soja importada” pelo país asiático.

A Folha informou ainda que a Administração Geral de Alfândegas da China comunicou às autoridades brasileiras que o ocorrido representa uma “violação grave” das normas chinesas de segurança alimentar.

Nessa situação uma curiosidade: o Brasil é o maior exportador de soja para a China, e o país asiático é o principal fornecedor de agrotóxicos para o mercado brasileiro, inclusive de muitas substâncias que são proibidas por lá em função de sua alta toxicidade ambiental e para a saúde humana.

Desta forma, aqueles que ficam passando o pano e autorizando a comercialização dessas substâncias altamente perigosas deveriam se perguntar o porquê da China ter agido tão firmemente em um caso que reflete bem a postura de governantes que zelam pelos interesses de seus cidadãos, enquanto por aqui tudo é permitido em nome do sucesso da balança comercial.

Estudo mostra relação entre exportações de carne bovina brasileira e desmatamento

O Trase mapeia as cadeias globais de suprimentos de commodities agrícolas, fornecendo insights sobre como os mercados consumidores estão vinculados ao desmatamento e outros impactos ambientais por meio de suas importações. Este guia explicativo sobre a carne bovina brasileira apresenta os resultados da nossa análise dos dados mais recentes de 2021, 2022 e 2023  

Desmatamento da carne bovina brasileira

Área desmatada dentro da Floresta Nacional do Jamaxin em Novo Progresso, Pará (Foto: Bernardo Camara/((o))eco)

Por Osvaldo Pereira e Paula Bernasconi para “Trase”

O Brasil é o segundo maior produtor e exportador mundial de carne bovina. Em 2023, produziu 12,9 milhões de toneladas (Mt) de carne bovina, representando cerca de 20% das exportações globais . O setor de carne bovina do Brasil é um dos principais contribuintes para a economia do país, sendo responsável por 8,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e cerca de 8,9 milhões de empregos em 2024. A criação de gado ocorre em todas as regiões do Brasil, mas a capacidade e a produção dos frigoríficos estão concentradas nas regiões Centro-Oeste e Norte do país.

A produção de gado bovino concentra-se nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil.
Mapa da produção de gado bovino (toneladas de peso de carcaça) no Brasil por município em 2023.

Desmatamento e produção de carne bovina

A análise da Trase mostra que o desmatamento e a conversão anual de vegetação nativa associados à expansão de pastagens aumentaram de 5,5 milhões de hectares (Mha) em 2020 para 7,5 Mha em 2023, um aumento de mais de 36% em quatro anos. A produção de carne bovina aumentou 15% no mesmo período, aproximadamente metade da taxa de aumento do desmatamento e da conversão. Juntos, esses números implicam uma maior intensidade de desmatamento (hectares de desmatamento por 1.000 toneladas de produção) em 2023 do que em 2020, especialmente na Amazônia. Por exemplo, em 2020, 893 ha de vegetação nativa foram convertidos para cada 1.000 toneladas de gado produzido. Esse número aumentou para 1.300 ha em 2023, um aumento de 50% na intensidade de desmatamento em menos de 10 anos.

O desmatamento por tonelada de produção de gado aumentou, especialmente na região amazônica brasileira.
Intensidade anual de desmatamento (hectares de desmatamento por mil toneladas de produção) no Brasil e seus principais biomas produtores de gado.

Uma grande proporção do desmatamento e da conversão de pastagens ocorreu na Amazônia. Entre 2018-20 e 2021-23, o desmatamento médio anual no bioma aumentou 54% (300.000 ha). O desmatamento no Pantanal também aumentou, embora partindo de uma base mais baixa, enquanto o Cerrado diminuiu ligeiramente. Desde 2017, o desmatamento brasileiro para a pecuária tem se deslocado acentuadamente para a Amazônia (62% da participação nacional em 2023 contra 40% em 2017). Pontos críticos recentes de desmatamento concentram-se ao longo das rodovias BR-163 e Transamazônica (sudoeste do Pará, norte do Mato Grosso, Rondônia).

A maior parte do desmatamento tende a se concentrar em um número relativamente pequeno de municípios. Apenas 61 municípios no Brasil foram responsáveis ​​por 50% do desmatamento para pastagem de gado em 2023. Juntos, esses municípios são responsáveis ​​por apenas 11% da produção de gado naquele ano. Apenas quatro municípios, Altamira (Pará), Porto Velho (Rondônia), São Félix do Xingu (Pará) e Lábrea (Amazonas), foram responsáveis ​​por 12% do desmatamento e conversão de pastagens no Brasil em 2023. Isso sugere que concentrar ações em pontos críticos poderia reduzir significativamente o desmatamento e a conversão, com impacto relativamente baixo na produção de gado.

Os dados da Trase utilizados nesta análise abrangem o período de 2020 a 2023. Dados de monitoramento por satélite de 2024 do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (PRODES) mostram que o desmatamento caiu 31% na Amazônia e 26% no Cerrado. A redução é atribuída às medidas de controle da perda florestal adotadas pelo governo federal desde 2023, em contraste com a política de enfraquecimento da proteção florestal do governo anterior. Esses resultados serão registrados em futuras atualizações dos dados da Trase.

Principais focos de aumento do desmatamento vinculados à produção de carne bovina no Brasil
Taxa de variação anual (%) do desmatamento e conversão para pastagem (2015–2023) nos municípios que responderam por 95% da produção de carne bovina em 2023. Quanto maior o valor, maior o aumento do desmatamento recente.

Mercados e comerciantes

Embora cerca de 70% da carne bovina brasileira seja consumida internamente, a participação das exportações cresceu na última década. A China é o principal mercado exportador da carne bovina brasileira, respondendo por 59% em 2023, seguida pelos Estados Unidos (8%) e pela União Europeia (5%). A China também é o mercado exportador com maior exposição ao desmatamento, aumentando de 124.000 ha em 2015 para 564.000 ha em 2023.

As importações de carne bovina brasileira pelos EUA têm aumentado de forma constante desde 2019 devido ao aumento da demanda. Os volumes aumentaram de 74.500 (2015) para 264.000 toneladas (2023), e a exposição associada ao desmatamento aumentou de 1.700 ha para 52.900 ha.

A participação da UE nas exportações de carne bovina do Brasil caiu nos últimos anos para 3% em 2023. Sua exposição média ao desmatamento entre 2015 e 2023 foi de cerca de 28.000 ha por ano, com uma participação média global de 5%. Em termos absolutos, a exposição da UE ao desmatamento foi de 25.000 ha em 2015 e 27.000 ha em 2023.

As importações chinesas de carne bovina brasileira apresentam a maior exposição ao desmatamento
Participação global anual (%) da exposição ao desmatamento (2015-2023) dos cinco maiores importadores de carne bovina brasileira em 2023.

As três maiores tradings, JBS, Marfrig e Minerva, aumentaram suas exportações em cerca de 43% entre 2015 e 2023, enquanto sua exposição combinada ao desmatamento aumentou 44%. Juntas, elas representam 67% das exportações em 2023 e 54% da exposição ao desmatamento e conversão. De acordo com seus próprios relatórios, as exportações representam 24%, 39% e 57% da carne bovina fornecida pela JBS , Marfrig e Minerva , respectivamente. O volume restante foi consumido internamente. Os resultados mostram que essas três tradings de carne bovina têm considerável influência na redução do desmatamento associado às exportações de carne bovina.

A participação da JBS na exposição total ao desmatamento caiu de mais de 37% em 2015 para 29% em 2023. A participação da Minerva permaneceu praticamente estável no período, enquanto a da Marfrig aumentou de 10% para 12%. Embora sua participação coletiva na exposição tenha diminuído, a exposição absoluta atribuída a esses traders ainda aumentou, refletindo a expansão geral das exportações, especialmente para a China.

JBS é a empresa mais exposta ao desmatamento devido às suas exportações de carne bovina brasileira
Participação global anual (%) de exposição ao desmatamento (2015-2023) das três maiores empresas exportadoras de carne bovina brasileira em 2023.

Compromissos da empresa com desmatamento e conversão zero (ZDCs)

As ZDCs no setor bovino compreendem o Compromisso Público da Pecuária firmado pelos maiores frigoríficos que operam na Amazônia, também conhecido como acordo G4, e o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para carne bovina, que abrange outros frigoríficos na Amazônia. Segundo ambos os acordos, os frigoríficos não podem comprar gado de fazendas com desmatamento na Amazônia após 2009. No entanto, enquanto o acordo G4 compromete as empresas a prevenir qualquer desmatamento, o TAC exige apenas a prevenção do desmatamento ilegal. Há também um número crescente de compromissos corporativos individuais abrangendo o Cerrado e outros estados da Amazônia onde os TACs não estão disponíveis, como Maranhão e Tocantins.

A partir de 2015, a cobertura das ZDCs expandiu-se substancialmente. Em 2015, a maior parte da carne bovina (70%; 1,42 Mt) não foi produzida e exportada sob qualquer compromisso, enquanto o TAC cobriu 25% (0,51 Mt) e o G4, 4% (0,09 Mt) dos volumes de carne bovina. Em 2023, ocorreu o oposto: cerca de 70% da carne bovina foi coberta pelas ZDCs, com os compromissos das empresas aumentando para 40% (1,26 Mt) e o TAC para 29% (0,91 Mt).

Os compromissos de desmatamento zero aumentaram para cobrir a maior parte das exportações de carne bovina brasileira.
Volume de carne bovina exportada por empresas com ou sem compromissos de desmatamento zero e conversão, 2015–2022.

Emissões de gases de efeito estufa

As emissões brutas de gases de efeito estufa associadas às exportações de carne bovina brasileira aumentaram na última década de 168 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente em 2015 para 380 Mt CO₂-eq em 2023 – um aumento de cerca de 46%.

A maior parte das emissões provém do desmatamento e da conversão na Amazônia. Em 2023, a Amazônia foi responsável por 73% do desmatamento relacionado a pastagens no Brasil (138 Mt CO₂-eq), enquanto o Cerrado contribuiu com 22% (41 Mt CO₂-eq) e o Pantanal com 3,6% (6,7 Mt CO₂e). As emissões do Cerrado permaneceram praticamente estáveis ​​entre 2015 e 2023, enquanto as emissões do Pantanal praticamente dobraram a partir de uma pequena base em 2015 (2,8 Mt CO₂-eq).

As três maiores comerciantes de carne bovina, JBS, Marfrig e Minerva, têm a maior exposição a emissões. Juntas, elas respondem por 52% das emissões em 2023 (JBS 28%, Minerva 13%, Marfrig 11%). As tendências variam ao longo do tempo: as emissões da JBS são cerca de 10% menores entre 2015 e 2023, a Minerva caiu 13%, enquanto a Marfrig se mantém estável em 10% ao longo dos anos. Embora a participação combinada das três grandes permaneça substancial, essas mudanças sugerem que parte do crescimento das emissões desde 2015 foi contabilizado por outros exportadores. A maioria dos novos contribuintes está no estado do Pará, onde comerciantes como Mercurio Alimentos e Frigol, juntas, responderam por 12% das emissões atribuídas exportadas em 2023, em comparação com apenas 6% em 2015.

JBS, Minerva e Marfrig respondem pela maior parcela das emissões de gases de efeito estufa provenientes da comercialização de carne bovina brasileira.
Participação da empresa nas emissões brutas de gases de efeito estufa (2015-2023) das cinco maiores comercializadoras de carne bovina brasileira em 2023 (inclui apenas a comercializadora conhecida).

Os autores agradecem aos pesquisadores e cientistas de dados que contribuíram para esta análise: Harry Biddle, Florian Gollnow, Nicolás Martín, Carina Mueller e Jailson Soares.

Explore e baixe os dados da carne bovina brasileira em trase.earth

Para referenciar o conjunto de dados, utilize a citação: zu Ermgassen, EKHJ, Suavet, C., Biddle, H., Su, N., Prada Moro, Y., Ribeiro, V., Carvalho, T., & Lathuilliere, M. (2025). Cadeia de suprimentos de carne bovina do Brasil 2010–2017 e 2019–2023 (Versão 2.2) [Conjunto de dados]. Trase. https://doi.org/10.48650/AYAA-HH56

Uma explicação detalhada da metodologia da Trase está disponível em: Trase. (2025). Mapa da cadeia de suprimentos da carne bovina brasileira SEI-PCS v2.2: Fontes de dados e métodos. Trase. https://doi.org/10.48650/CP2S-SP59

Para consultar este artigo, utilize a citação: Pereira, O., & Bernasconi, P. (2025). Exportações brasileiras de carne bovina e desmatamento. Trase. https://doi.org/10.48650/6VK3-2S18


Fonte: Trase

EUA miram controle da China sobre portos globais em missão marítima abrangente

Contêineres de transporte chineses ficam nos trilhos da ferrovia no Porto de One Beach, Califórnia

Por Jonathan Saul para a “Reuters”

Autoridades do governo Trump acreditam que a frota de navios comerciais dos EUA não está equipada para fornecer suporte logístico aos militares em tempos de guerra e que a dependência de Washington de navios e portos estrangeiros é excessiva, disseram as pessoas.

As opções que a Casa Branca está considerando incluem apoiar empresas privadas americanas ou ocidentais na compra de participações chinesas em portos, disseram as três pessoas. Elas não mencionaram nenhuma empresa específica, exceto o acordo proposto pela BlackRock (BLK.N)., para comprar os ativos portuários da CK Hutchison de Hong Kong (0001.HK), em 23 países, incluindo o Canal do Panamá, como um bom exemplo.

As fontes pediram para não serem identificadas porque não estão autorizadas a discutir o assunto publicamente.

A Casa Branca e o Tesouro dos EUA não responderam aos pedidos de comentários.

Além do Panamá, autoridades e legisladores dos EUA estão preocupados com as posses de infraestrutura marítima chinesa em lugares como Grécia e Espanha, Caribe e portos da Costa Oeste dos EUA, de acordo com as fontes.

A China conduz uma cooperação normal com outros países dentro da estrutura do direito internacional, disse um porta-voz da missão diplomática da China em Washington.

“A China sempre se opôs firmemente a sanções unilaterais ilegais e injustificáveis ​​e à chamada jurisdição de braço longo, além de medidas que infringem e prejudicam os direitos e interesses legítimos de outros países por meio de coerção econômica, hegemonismo e intimidação”, disse o porta-voz.

Autoridades em Pequim não responderam a um pedido de comentário.

“O governo dos EUA vê os investimentos chineses em portos globais como uma grande ameaça à sua segurança nacional”, disse Stuart Poole-Robb, fundador da KCS Group, empresa de consultoria de risco e inteligência.

“A preocupação é que a China possa usar seu controle sobre esses ativos para espionagem, vantagem militar ou para interromper cadeias de suprimentos durante crises geopolíticas”, disse ele, citando conversas com colegas de segurança dos EUA.

Porto grego em foco

Os EUA pretendem analisar os interesses chineses no porto grego de Pireu, disseram as três fontes. Situado em Atenas, no Mediterrâneo oriental, o Pireu é um centro fundamental na rota comercial que liga a Europa, a África e a Ásia.

A COSCO, um dos maiores grupos portuários e de transporte marítimo da China, detém uma participação de 67% na empresa Piraeus Port Authority.


Fonte: Reuters

Observatório dos Agrotóxicos: tsunami de venenos avança no governo Lula com a liberação de 43 registros adicionais

O leitor deste blog poderá até achar que é notícia velha, mas não é.  Vinte e quatro horas depois de liberar 42 registros de agrotóxicos do tipo Produto Técnico (a forma concentrada dos produtos), eis que o Diário Oficial da União desta 3a. feira (09/09) trouxe a liberação de mais 43 agrotóxicos, agora na modalidade formulada que é aquela pronta para uso.

O Ato nº 43, de 5 de setembro de 2025 traz um museu de velhas novidades, já que a maioria dos registros liberados serão usados nas culturas de soja e cana de açúcar, que já concentram o uso de agrotóxicos na agricultura brasileira. 

Além disso, outro padrão mantida é a hegemonia das fabricantes chinesas que respondem pela maior da produção dos produtos que tiveram seus registros liberados.  Com isso, temos um aprofundamento da processo de trocas desiguais, já que o preço das commodities agrícolas, a soja por exemplo, tende a ser menor do que a dos agrotóxicos. Como a China é o principal comprador da soja brasileira, e o principal fornecedor de venenos agrícolas usados nessa cultura no Brasil, temos aí um padrão de perdas contínuas para a economia brasileira.

Quanto ao presidente Lula, a manutenção dessa enxurrada de agrotóxicos representa uma quebra do compromisso de que seu governo começaria um giro em prol de um modelo agroecológico e de eliminação da dependência de agrotóxicos para a produção agrícola.

Observatório dos Agrotóxicos: governo Lula libera mais 42 agrotóxicos e mantém marcha do envenenamento

Nesta segunda-feira (08/9), o governo Lula liberou o registro de mais 42 agrotóxicos por meio do Ato No. 41 de 05 de setembro de 2025, mantendo firme a marcha do veneno como ferramenta de primeira hora para a manutenção de um modelo de agricultora fortemente dependente de venenos agrícolas. Todos esses produtos na condição de produto técnico que são a forma concentrada que depois é transformada em produtos formulados que são os que são aplicados nos campos agrícolas.

Como já tem sido acompanhado desde janeiro de 2019, este ato mantém as características de liberar registros de produtos pertencentes a empresas chinesas, confirmando a China como principal fornecedora de agrotóxicos para o Brasil. Essa não é um característica que ocorre ao acaso, na medida em que a China é hoje a principal compradora dos principais produtos da agricultura de exportação brasileira. Além disso, fica patente o padrão de troca desigual entre os produtos brasileiros e chineses, já que os preços das commodities brasileiras estão sujeitas a momentos de queda, enquanto os preços dos agrotóxicos possuem perfil de alta constante.

Por outro lado, está confirmada a opção por agrotóxicos genéricos, muitos proibidos nos países cujas empresas possuem as patentes dos produtos originais. Com isso, aumenta a exposição ambiental e humana a produtos conhecidos por serem causadores de danos sobre a cadeia biótica, alcançando os seres humanos. Um destaque negativo é a aprovação de registros do herbicida Diquat, desenvolvido originalmente pela sino-chinesa Syngenta, que tem sido associado a problemas neurológicos por ser neurotóxico.

Mais essa rodada de aprovações de registros apenas confirmam que o governo Lula não tem feito o esforço necessário para diminuir o uso de agrotóxicos pela agricultura brasileira, o que representa um abandono das promessas eleitorais em prol de um modelo de agricultura menos dependente de venenos.

O mundo já está acabando: uma resposta a Elias Jabbour

Mina de carvão perto do distrito de Hailar, China. Imagem: Wikimedia Commons 

Por Eduardo Sá Barreto para “Blog da Boitempo”

Seria mais prudente não escrever um texto como este. Por um lado, caso o texto não tenha tração alguma, terei gastado um tempo precioso reprisando coisas que já disse de maneira mais sistemática em outros lugares. Por outro lado, caso tenha tração, posso ser tragado numa polêmica com um dos intelectuais comunistas mais prestigiados do país na atualidade. A verdade é que, contra meu melhor juízo, senti-me obrigado a responder algumas observações críticas que Elias Jabbour muito cordialmente apresentou a mim, em conversa pessoal, e depois repetiu em sua participação na mesa “Anticolonialismo e marxismo, durante a primeira Festa de Aniversário do Marx no Rio de Janeiro, promovida pela Boitempo em 28 de junho de 2025.

Apesar de Jabbour, em alguma medida, reproduzir objeções que não mereceriam ser revisitadas pela enésima vez, a relevância que ele tem, a importância do evento e a pertinência de parte de suas observações cobram uma manifestação. Dando o benefício da dúvida que o camarada merece, podemos admitir que um tempo de fala que dura entre 5 e 10 minutos não é suficiente para desdobrar de modo satisfatório qualquer tipo de raciocínio compatível com o nível de complexidade dos assuntos sendo ali discutidos. Creio que, havendo mais tempo, Jabbour poderia ter desenvolvido mais adequadamente seus comentários, que acabaram soando irresponsavelmente taxativos e superficiais. De qualquer forma, é o que temos para começar.

Antes de mais nada, é importante reconhecer que uma das críticas feitas por Jabbour deve simplesmente ser acolhida. Realmente, é perturbador (inaceitável mesmo) que numa discussão sobre a questão climática e sobre transição energética a China não seja sequer mencionada. Como o próprio Jabbour evidencia em seu trabalho, a China é um fenômeno de relevância central em boa parte das questões decisivas de nosso tempo. Não é perdoável desconhecer os fundamentos e os traços mais marcantes dessa experiência em curso (embora, convenhamos, em uma fala de 5 a 10 minutos, pouco mais se poderia fazer do que mencioná-la).  

Suponho, pelo teor de sua fala, que ele esperava ouvir algo a respeito dos aspectos virtuosos dessa experiência, no que tange à questão climática e energética. De fato, há coisas que impressionam. Entre 2008 e 2023, a participação da energia solar na matriz energética chinesa saltou de menos de 0,01% para 3,20%.1 Em termos absolutos, essa expansão representa um crescimento alucinante de 352.791%. Outro resultado expressivo é a ampliação da participação da energia eólica de 0,14% em 2008 para 4,85% em 2023, representando um crescimento da oferta primária por essa fonte de 6.152,38%. Ainda olhando para as fontes de baixa intensidade de emissões (em comparação com os combustíveis fósseis), nesse período de 15 anos a China ampliou a oferta primária de energia nuclear em 487,5%, e de energia a partir de hidroelétricas em 78%.  

É seguro afirmar que nenhum país do mundo vem se movendo tão rapidamente quanto a China nesse domínio. Isso certamente é fruto de uma capacidade indiscutivelmente singular que o Estado chinês tem de conceber e levar a cabo políticas públicas orientadas pelo horizonte de uma sociedade ecológica. Também é seguro afirmar que nenhum desses resultados seria viável na ausência dos investimentos massivos que o governo vem fazendo para este fim. Talvez por isso Jabbour tenha sido levado a afirmar que o país vem “enfrentando e vencendo essa batalha pela reversão da crise climática”. Aqui começam nossos desacordos e acabam as boas notícias. 

Em primeiro lugar, a “reversão da crise climática” sequer é algo que está em jogo. Há pelo menos três décadas, o esforço global tem se voltado para a meta de limitar o aquecimento do planeta a 2ºC acima do período-base (equivocadamente chamado de pré-industrial). Na última década, a meta de limitar o aquecimento a 1,5ºC foi muito ventilada, mas mesmo nos Acordos de Paris a meta de fato continua sendo um aquecimento máximo de 2ºC. Todo o debate existente, bem como a elaboração e implementação de políticas climáticas, estão modulados por essa meta. E nela não há nada que remeta à possibilidade de reversão em um prazo previsível. Na verdade, não há nada que remeta nem mesmo à estabilidade das condições climáticas. Um planeta 2ºC mais quente é um planeta consideravelmente mais convulsivo. Segundo relatório mais recente do IPCC, “para qualquer nível de aquecimento futuro, […] os impactos de longo prazo previstos são múltiplas vezes maiores daquilo que é atualmente observado”2. Se todo o esforço em marcha fosse aderente ao que a ciência vem dizendo ser necessário para limitar o aquecimento a 2ºC (ou a 1,5ºC) — e se, além disso, esse esforço fosse plenamente exitoso —, teríamos interrompido o aquecimento, mas não a multiplicação dos impactos. 

Mas o que, exatamente, a ciência vem dizendo ser necessário fazer?

Suspeito, pela afirmação taxativa do camarada a respeito da “reversão” vitoriosa, que Jabbour estaria tentado a responder que o necessário é ampliar rapidamente a participação de fontes renováveis na matriz energética nacional. De imediato, é preciso ter clareza que “vencer a batalha climática” não é algo que está ao alcance de uma única nação (por mais relevante que ela seja). Mesmo se admitíssemos que o necessário é simplesmente a reconfiguração da matriz energética, a escala em que isso deveria ocorrer para ter relevância é global (ainda que a busca por isso seja nacionalmente determinada). Se apenas um país vencer a batalha, todos perdem a guerra. No entanto, é um equívoco se restringir à matriz energética, que apenas nos informa as participações relativas de cada fonte, não os níveis absolutos em que elas são usadas. Isso nos leva ao segundo ponto. 

O que a ciência vem dizendo ser necessário para limitar o aquecimento dentro dos limites acordados é o zeramento líquido das emissões oriundas de atividades humanas, o que exige, pelos prazos preconizados, uma descarbonização fulminante. Mesmo se deixarmos momentaneamente de lado o ritmo em que isso deveria acontecer, uma coisa é certa: no plano energético, a direção da mudança é a contração da escala em que consumimos combustíveis fósseis. Ao sairmos do domínio das grandezas relativas para o domínio das grandezas absolutas, a incomparável transição energética chinesa revela determinações que o otimismo de Jabbour não tem como contemplar.

É verdade que entre 2008 e 2023 a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética chinesa caiu de 92,02% para 81,56%. Contudo, também é verdade que, no mesmo período, a oferta primária de energia a partir do carvão cresceu 36%, do petróleo cresceu 106% e do gás natural cresceu 394%. Combinadas as três fontes, a expansão foi de 61,5%. Numa leitura muito generosa, podemos chamar isso de transição energética, mas não de descarbonização.  

É comum aludir a todos os efeitos virtuosos que são viabilizados por essas trajetórias. Fazendo uma rápida colagem de trechos da fala de Jabbour, poderíamos mencionar que nesse caminho a China retirou “800 milhões de pessoas da linha da pobreza”, “entregou independência nacional”, “investiu mais que o dobro do resto do mundo” em energias limpas. Nenhum desses resultados é desprezível ou indesejável. Mas aqui temos uma amostra do preço de obtê-los.

Apenas para reforçar, o preço é: continuar acelerando rumo ao colapso das condições materiais, ecológicas de suporte à vida no planeta e, obviamente, às sociedades humanas. Não há exercício de poder político que possa perseguir emancipação num planeta em vias de se tornar inabitável. Não há exercício de poder político que possa suspender a operação de leis de funcionamento da natureza. Então me desculpe, Elias, mas o raciocínio “minha corrente exerce poder político em vários países, então o mundo não vai acabar, pessoal” é uma falácia grosseira que se explica apenas pela circunstância de um deslize numa fala improvisada. Custo a crer que num contexto mais formal você estaria disposto a afastar com um politicismo tão pobre os riscos de um colapso iminente. 

A pertinência da afirmação de que “é impossível haver uma reconexão do ser humano com a natureza fora da elevação da técnica” é discutível. Porém, mesmo que a admitamos, seria incorreto tratar o “desenvolvimento das forças produtivas” como uma espécie de elevação neutra da nossa capacidade de intervir, que poderia ser mobilizada para o “bem” ou para o “mal”, dependendo de quem exerça o poder político. No mundo em que vivemos, as forças produtivas não são apenas colocadas a serviço da acumulação de capital; elas são paridas pela lógica do capital e só se viabilizam economicamente se proporcionarem, além de maior produtividade, expansão da produção, do giro da produção, do consumo; enfim, das condições mais básicas da acumulação. Ainda que, numa hipótese ousada, supuséssemos que o Partido Comunista Chinês exerce poder político de tal forma que consegue impulsionar o desenvolvimento das forças produtivas nacionais imunes à racionalidade do capital, pergunta-se: dada a inserção chinesa no mercado mundial, os resultados proporcionados por essas forças produtivas não estarão condenados a satisfazer os mesmos critérios de viabilidade? 

Voltando à linha anterior de raciocínio, chegamos ao terceiro ponto. No trecho anterior, contrapus os resultados chineses e a reivindicação de vitória na batalha climática ao que a ciência vem preconizando como medidas/resultados necessários para evitar o pior. Na realidade, até esse exercício demonstra-se excessivamente otimista, porque supõe que as metas tradicionalmente perseguidas de limitação do aquecimento são exequíveis. No capitalismo, nunca foram. Todavia, mesmo abstraindo do metabolismo ingovernável do capital, se um dia já foram, já não são mais. O limiar de aquecimento de 1,5ºC já vem sendo rompido sistematicamente desde meados de 2023 (em medidas diárias, mensais, anuais e de 12 meses) e não há indicações consistentes que retornaremos para níveis abaixo desse patamar.3 Além disso, já é possível projetar um aquecimento superior a 2ºC para o início dos anos 30.4 Se acrescentarmos a esse entendimento os impactos previsíveis que viriam com tal aquecimento, a conclusão de que o “mundo já está acabando” se apresenta muito mais lúcida e cientificamente embasada do que a garantia motivacional de que o “mundo não vai acabar”.  

Como isso não imporia limites a aspirações diversas de desenvolvimento? É claro que o Brasil não é uma Dinamarca. É claro que há nações em circunstâncias ainda piores que as do Brasil. Evidentemente, é absolutamente defensável a ambição de ascensão material de nações pobres e periféricas. Não seria exagero dizer que tal ascensão é justa e necessária. Daí a consternação de Jabbour com o que ele denomina de “militância contra o desenvolvimento”. Ela de fato existe, ainda que tenha muito menos enraizamento e circulação do que ele dá a entender. Ademais, na medida em que ela existe, Jabbour parece supor que ela é motivada por algum tipo de divergência no plano moral, por concepções éticas que eventualmente colocam a natureza (em abstrato) acima das satisfações de necessidades humanas.  

Em meu juízo, não é esse o caso. Na medida em que há realmente posicionamentos contrários ao assim chamado desenvolvimento econômico, eles são motivados por um entendimento de que não há base material para a universalização desse tipo de processo. Já é um clichê admitirmos que a afluência material de um estadunidense médio não é generalizável. Tornou-se clichê justamente porque é um consenso fácil. Por outro lado, talvez surpreenda que, pela mesma métrica em que se enuncia a afirmação anterior, seria necessário afirmar também que a afluência material de um brasileiro médio tampouco é generalizável. Ao invés de simplesmente apelar para o senso comum, porém, também seria adequado dizer: é perfeitamente possível reconhecer que a elevação da afluência material das periferias do mundo é necessáriajusta e, ao mesmo tempo, biogeofisicamente inviável.

Assim como é o caso da interação entre meio ambiente e a dinâmica das forças produtivas,5 tenho um número já grande de textos publicados que exploram teoricamente a tensão entre desenvolvimento e meio ambiente.6 Em geral, Marx é a principal referência, mas aqui posso inclusive utilizar o trabalho do próprio Jabbour para expor meu ponto principal.  

Em seu best-seller com Alberto Gabriele, China: o socialismo do século XXI, é dito, logo no início: “O núcleo central do nosso argumento é que as limitações ao mercado no metamodo de produção não podem ser superadas na atual fase histórica, mas apenas paulatinamente, e no longo prazo”.7 Há motivos para concordar e há motivos para discordar, mas isso não vem ao caso agora. Importante é ter em vista que os autores projetam a transformação substantiva num horizonte de longa duração. Surpreendentemente, na página seguinte, asseveram: “a menos que encontremos um caminho para além do modo de produção atualmente dominante, que ainda é capitalista em nível global, o Antropoceno pode ser o período do fim da humanidade e de muitas outras espécies”.8 Se juntarmos as duas afirmações com os horizontes de tempo veiculados tanto pela ciência quanto pela diplomacia climática nas grandes convenções globais, seremos surpreendidos com o corolário de que “o mundo vai acabar”. Nem precisamos recorrer a material externo, contudo. Os próprios autores nos informam, repetindo a ideia, mas acrescentando a urgência, que “a menos que a humanidade supere urgentemente o saque capitalista dos recursos limitados do planeta, o período do Antropoceno pode marcar o fim da humanidade e de muitas outras espécies”.9 Apesar dessa ironia do destino, isso tampouco vem ao caso agora. Queremos conectar esse entendimento nuclear central com outro entendimento apresentado que é relevante para o tema do desenvolvimento. 

Jabbour é um ardoroso proponente e defensor do desenvolvimento que, insiste ele, transcorre ao longo de um tempo consideravelmente distendido. Suponho que, mesmo concedendo para variantes burguesas do significado de desenvolvimento, o que ele tem no centro de sua defesa é uma concepção de desenvolvimento socialista. Uma caracterização exaustiva do que seria essa concepção não cabe num texto como esse, mas em alguns momentos da obra, Jabbour e Gabriele proporcionam aproximações sintéticas de seu significado. Na página 109, por exemplo, dizem que a “estratégia socialista, tanto quanto a capitalista, deve procurar aumentar progressivamente o tamanho relativo do setor improdutivo [grosso modo: público]. […] Em ambos os modos de produção, a única maneira de permitir o funcionamento das atividades improdutivas é atribuir-lhes financiamento (direta ou indiretamente) através de parte do excedente gerado no setor produtivo [grosso modo: privado, orientado para o lucro]. Portanto, a viabilidade do macrossetor improdutivo depende da transferência de fundos do produtivo e, portanto, está restrita à capacidade de geração de excedentes deste último”.10

Ora, mesmo que não entendamos excedente como mais-valor11, como mais-trabalho objetivado, a conclusão incontornável é que a estratégia de desenvolvimento socialista vislumbrada por Jabbour é estruturalmente dependente daquilo que ele denomina de macrossetor produtivo, que continuaria operando ainda por muito tempo pela lógica da acumulação desmedida12 de excedente. No núcleo dinâmico da estratégia de desenvolvimento preconizada pelos autores, portanto, continua prevalecendo o mesmo tipo de vetor dinâmico que lança a humanidade à destruição suicidária. Em outras palavras, mais simples, numa leitura generosa da noção jabbouriana de desenvolvimento, o desenvolvimento especificamente socialista não escapa do mesmo tipo de inviabilidade ecológica do desenvolvimento capitalista. Admitindo o que dizem Jabbour e seu coautor, haveria mais motivos para argumentar pela inviabilidade do desenvolvimento, não menos.  

O quadro é sem dúvidas desalentador, desesperador. Futuros que consideramos necessários, desejáveis e justos estão sendo concretamente destruídos em ritmo acelerado. Reconhecer isso não implica nenhum tipo de fatalismo niilista, como sugere Jabbour. Ao contrário, o que se depreende do mapeamento intransigentemente sóbrio da situação é a urgência de um processo de ruptura revolucionária, é a erosão completa de qualquer condição de sustentação de perspectivas gradualistas. A implicação é muito impactante mesmo, mas não é exagerada: só a revolução serve e talvez nem ela sirva. Só é possível enxergar niilismo nisso se nos desfizermos de nossas pretensões revolucionárias ou se desconhecermos quase por completo o processo de colapso climático em curso.  

Notas

  1. Todos os dados sobre energia apresentados a seguir estão disponíveis em https://ourworldindata.org/energy-mix ↩︎
  2. IPCC. AR6 synthesis report: climate change 2023. Genebra: IPCC, 2023, p. 15; ênfase adicionada.  ↩︎
  3. HANSEN, J.; KHARECHA, P. 2025 Global Temperature, 2025. Disponível aqui.  ↩︎
  4. HANSEN, J.; KHARECHA, P.; LOEB, N.; SATO, M.; SIMONS, L.; TSELIOUDIS, G.; von SCHUCKMANN, K. How we know that global warming is accelerating and that the goal of the Paris Agreement is dead, 2023. Disponível aqui.  ↩︎
  5. Cf. p.ex. Sá Barreto, O capital na estufa, Rio de Janeiro: Consequência, 2018.  ↩︎
  6. Cf. p.ex. Sá Barreto, Ecologia marxista para pessoas sem tempo, São Paulo: Usina, 2022.  ↩︎
  7. Jabbour; Gabriele, China: o socialismo do século XXI, São Paulo: Boitempo, 2021, p. 31.  ↩︎
  8. Ibidem, p. https://blogdaboitempo.com.br/2025/08/04/o-mundo-ja-esta-acabando/32; grifo meu.  ↩︎
  9. Ibidem, p. 65; grifo meu.  ↩︎
  10. Ibidem, p. 109; grifo meu.  ↩︎
  11. Entendimento que os autores curiosamente rejeitam de maneira insistente. ↩︎
  12. i.e., que não apresenta um limite imanente e que tampouco deveria ser contida, dada a função estratégica que os autores atribuem a ela. ↩︎

***
Eduardo Sá Barreto é professor associado da Faculdade de Economia (UFF) e membro do NIEP-Marx. É autor do capítulo “Terra de ninguém: entre o urgente e o prefigurado”, publicado em Tempo fechado: capitalismo e colapso ecológico (Boitempo, 2025).


Fonte: Blog da Boitempo

Editora da UFRJ lança versão em português do “The Tropical Silk Road. The Future of China in South America”

Lançando originalmente em inglês pela Stanford University Press em 2022 , o livro “The Tropical Silk Road. The Future of China in South America” agora tem seu lançamento em português via a Editora da UFRJ com o título “A rota da seda tropical: o futuro da China na América do Sul”

Esta obra é uma coletânea de ensaios que analisa a crescente influência da China na América do Sul, especialmente no contexto dos megaprojetos de mineração, infraestrutura, energia e agronegócio nos biomas tropicais da região, como a Amazônia, o Cerrado e os Andes. A obra destaca a interseção entre dois processos transformadores globais: a rápida expansão da esfera de influência chinesa no Sul Global e a degradação ambiental dos principais biomas sul-americanos.

Além disso, “A rota da seda tropical: o futuro da China na América do Sul” oferece um panorama crítico e detalhado da nova ordem mundial pós-hegemônica centrada nos EUA, evidenciando os riscos e oportunidades que a expansão chinesa traz para a América do Sul.

Finalmente, este livro é uma referência essencial para compreender as transformações geopolíticas, ambientais e sociais em curso na região, combinando rigor acadêmico com relatos de campo e perspectivas de atores locais e globais.

Tem desejar aquirir uma cópia deste livro, basta clicar [Aqui!].

Contaminação clandestina de arroz transgênico está aumentando no mundo

Por Sustainable Pulse

Embora o arroz geneticamente modificado não esteja atualmente disponível comercialmente, a contaminação por  Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) em arroz não transgênico é bastante comum — respondendo por um terço de todos os eventos desse tipo em todo o mundo. Atualmente, vários países estão experimentando arroz com edição genômica, já que a desregulamentação permite que esses produtos indetectáveis ​​entrem no mercado sem transparência, rastreabilidade ou rotulagem.

O arroz é uma das principais culturas básicas do mundo. Segundo a  Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) , ele fornece até 80% da ingestão calórica diária para quase metade da população global. A maior parte da produção e do consumo de arroz ocorre em economias em desenvolvimento, particularmente na  China e na Índia , que juntas dominam o mercado global de arroz.

Atualmente, os OGMs não estão presentes na produção comercial de arroz, visto que nenhum arroz OGM é cultivado para o mercado comercial em nenhum lugar do mundo. No entanto, essa ausência não impediu a indústria da biotecnologia de se aventurar no arroz. Variedades OGM foram desenvolvidas, embora atualmente não comercializadas, para uma variedade de características do arroz OGM, incluindo as seguintes:
* Resistência a insetos e doenças
* Tolerância a herbicidas
* Resistência a estressores ambientais
* Fortificação de nutrientes
* Propriedades nutracêuticas.

Embora o arroz transgênico não tenha penetrado significativamente no mercado comercial, a presença de arroz transgênico experimental ou não autorizado em produtos não transgênicos é assustadoramente comum — o arroz é responsável por até um terço  de todos os eventos registrados de contaminação por OGM.

Apesar da ausência nos mercados comerciais, vários países estão avançando com o desenvolvimento e os testes de arroz transgênico. Aqui está um panorama global dos projetos emergentes de arroz transgênico.

Índia lidera produção de arroz geneticamente modificado em meio a reações negativas

A Índia ganhou as manchetes recentemente ao se tornar o primeiro país a aprovar duas  variedades de arroz geneticamente editadas  desenvolvidas com a tecnologia CRISPR. O Conselho Indiano de Pesquisa Agrícola (ICAR) foi fundamental no desenvolvimento das duas variedades: o arroz Pusa DST, projetado para alto desempenho em solos salinos e alcalinos, e o arroz DRR 100 (Kamala), projetado para resiliência climática, redução das emissões de gases de efeito estufa, menor consumo de água e maior produtividade.

O histórico contencioso da Índia com OGMs deu origem a um forte movimento anti-OGM. Um ativista e grupo de direitos dos agricultores, a  Coalizão por uma Índia Livre de OGMs , emitiu um  comunicado à imprensa  pedindo a retirada imediata das duas variedades de arroz geneticamente editadas. As objeções do grupo incluem o seguinte:
* A edição genética ainda pode envolver material genético estranho durante o desenvolvimento e claramente produz OGM.
* A desregulamentação de OGM feitos com novas técnicas genômicas ignora salvaguardas contra efeitos não desejados.
* As duas variedades de arroz têm o potencial de prejudicar a saúde humana e o bem-estar ambiental.
* A soberania das sementes e os meios de subsistência dos agricultores estão em risco com as mudanças de políticas impulsionadas pela indústria.

As preocupações do grupo foram parcialmente ecoadas por Venugopal Badaravada, representante dos agricultores no órgão dirigente do ICAR, que criticou as novas culturas de arroz transgênico por priorizarem “ciência para as manchetes” em detrimento de “soluções para a agricultura”. Ele foi posteriormente expulso do cargo.

Enquanto isso, organizações internacionais como a GMWatch  argumentam que a propaganda em torno de melhorias de produtividade ignora o potencial das variedades endógenas de arroz existentes, que já atendem a altos padrões de produtividade.

O papel emergente da China na pesquisa de arroz transgênico

Como maior produtor e consumidor de arroz do mundo, a posição da China em relação aos OGM tem profundas implicações globais, pois outros países podem se recusar a cultivar culturas OGM se não conseguirem acessar o mercado chinês.

A China parece ter dado sinal verde para o arroz transgênico. Em  2023 , pesquisadores relataram a segunda colheita de um arroz transgênico experimental de porte alto. O aumento da altura da cultura pode permitir que as plantas produzam mais grãos, e os desenvolvedores afirmam que ela também é resistente a pragas e inundações.

O Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China concedeu um certificado de segurança para uma  variedade diferente de arroz geneticamente editado  em dezembro de 2024 — parte de uma iniciativa mais ampla de OGM para aumentar a produtividade e a segurança alimentar, embora as características específicas e os planos de cultivo não sejam claros.

Além disso, a Universidade Agrícola de Nanquim, na China, firmou parceria com a Universidade do Missouri para desenvolver  arroz geneticamente modificado  com resistência à requeima bacteriana. O OGM foi anunciado na  edição de fevereiro  do The Crop Journal.

Atualmente, esses esforços permanecem na fase de pesquisa ou teste, com cultivo comercial improvável por vários anos.

Japão explora OGM farmacêuticos

Pesquisadores da  Organização Nacional de Pesquisa Agrícola e Alimentar do Japão  estão desenvolvendo uma variedade de arroz geneticamente modificado para aliviar a rinite alérgica. O arroz transgênico foi projetado para produzir alérgenos associados ao pólen do cedro japonês, e um pó feito a partir da cultura pode reduzir a resposta imunológica. A cultura está  em desenvolvimento desde 2000 e os ensaios clínicos estão em andamento.

Itália explora edição genética em uma cultura livre de OGM

O patrimônio cultural e a identidade agrícola da Itália têm sido, há muito tempo, determinantes na oposição pública aos OGM em culturas alimentares. De acordo com a  Coordenação Europeia Via Campesina , 15 das 18 regiões da Itália são orgulhosamente livres de OGM. No entanto, a  desregulamentação da UE  para culturas produzidas com novas técnicas genômicas (NGTs) parece ter criado uma oportunidade para o cultivo de culturas geneticamente modificadas em solo italiano.

Em  maio de 2024 , a Itália iniciou um teste de campo com um arroz arbóreo geneticamente editado, o RIS8imo, desenvolvido para resistência ao patógeno fúngico chamado brusone do arroz. O RIS8imo é a primeira cultura desenvolvida por meio da biotecnologia a ser plantada na Itália em mais de 20 anos. No entanto, nenhum dado foi coletado do experimento porque as plantações foram  destruídas  por vândalos poucos meses após o plantio. Os cientistas conseguiram salvar sementes dos talos cortados e planejam continuar a pesquisa.

O impacto global da contaminação por OGMs

Apesar da escassez de arroz geneticamente modificado cultivado comercialmente, incidentes de contaminação ocorrem com frequência alarmante. O  Registro de Contaminação de OGMs , um banco de dados global que rastreia incidentes de contaminação por OGMs em culturas não transgênicas, alimentos ou parentes silvestres, relata que o arroz representa cerca de um terço de todos os casos registrados de contaminação por OGMs — mais do que qualquer outra cultura. Desde  2006 , arroz transgênico não autorizado tem sido detectado repetidamente na cadeia de suprimentos global. Não está claro se a contaminação decorre de testes de campo ou de possível cultivo ilegal de OGMs.

A contaminação por OGM tem sérias implicações, especialmente para pequenas propriedades rurais em economias em desenvolvimento que dependem da produção de arroz para sua subsistência. A contaminação do arroz não transgênico já cortou o acesso a mercados de exportação cruciais.

A aposta de ouro do arroz transgênico: grandes esperanças, baixo impacto

A história do arroz transgênico apresenta uma contradição gritante: sem cultivo comercial, mas com contaminação generalizada e controvérsia. O arroz dourado é um dos exemplos mais ilustrativos.

O Arroz Dourado foi desenvolvido como uma cultura geneticamente modificada para combater a Deficiência de Vitamina A (DVA) — uma condição grave e, às vezes, fatal, que afeta  milhões  das pessoas mais pobres do mundo. Embora haja amplo consenso sobre a necessidade de prevenir a DVA, o Arroz Dourado gerou profunda discordância sobre sua eficácia e segurança.

Os defensores frequentemente retratam o Arroz Dourado como um bem inequívoco — uma inovação humanitária projetada para salvar vidas. Os céticos, no entanto, argumentam que se trata de uma solução bem-intencionada, mas falha, que falha em condições reais. De fato, a Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA (FDA)  concluiu  que “o Arroz Dourado não atende aos requisitos nutricionais para fazer uma alegação de saúde”, citando a baixa concentração de betacaroteno (um precursor da vitamina A).

O arroz dourado foi aprovado para cultivo nas Filipinas entre 2021 e 2024, mas essa aprovação acabou sendo revogada devido a preocupações com a segurança.

Até que governos e partes interessadas da indústria priorizem a transparência, o rigor científico e os direitos dos agricultores, os riscos do arroz geneticamente modificado podem continuar a superar seus benefícios teóricos. A comunidade global deve exigir inovação responsável que proteja a soberania alimentar, a biodiversidade e a saúde pública.


Fonte: Sustainable Pulse

Na geopolítica de crise sistêmica, as aparências enganam…e matam

Por Douglas Barreto da Mata 

Desde os primórdios, quando os ajuntamentos de pessoas começaram a disputar territórios e recursos entre si, tão importante quanto o esforço militar de cada parte, era o controle da narrativa. Se a História é a tradução da versão dos vencedores, definir quem, e como se conta essa história é crucial. Desde os papiros até os meios digitais muita confusão e distração foram produzidas, confundindo não só o senso comum, mas também acadêmicos e pessoas dotadas de acesso às informações mais, digamos, qualificadas.

A esquerda brasileira, por exemplo, está tão perdida quanto cego em tiroteio. A mídia brasileira é um caso à parte, com raríssimas e honrosas exceções. Ela não está perdida, ela está na coleira. Jornalistas brasileiros, na maioria, não pensam por si, só reproduzem o conteúdo que vem da matriz, os EUA. É um trabalho constante de sustentação de um pensamento hegemônico global, sem qualquer compromisso com verdade factual, ou intenção de pensar “fora da caixa”.

Assim, em um estranho universo, mídia e esquerda se juntam, cada qual por uma razão distinta, a primeira por burrice, a segunda por má fé, e apresentam visões muito ruins sobre o tabuleiro geopolítico, e claro, sobre os conflitos que envolvem Israel.

Sim, eu sei. Ideologicamente há argumentos para odiar Israel, desde a ideia esdrúxula de sua existência, a partir de 1948, sua posição agressiva a partir de então, e culminando com os episódios recentes, o holocausto palestino e a guerra com o Irã. Eu já disse isso aqui antes.

Uma coisa é uma posição política e afetiva a favor dos mais fracos. Outra é desconhecer a História. Apesar de serem os únicos que confrontam o império estadunidense, e terem sido alvo de agressões por muito tempo, passando pelas Cruzadas e outros embates, as sociedades islâmicas são teocráticas, ultra conservadoras e com hierarquia de classes rígidas. Não são um paraíso socialista.

Lá nos idos do início do capitalismo, e nos períodos anteriores de acumulação primitiva, o Islã reunia condições tecnológicas e científicas muito mais avançadas, e dominavam rotas de comércio cruciais (uma cena ilustrativa é o Saladin oferecendo gelo no deserto para os prisioneiros cruzados, no filme Cruzadas). Foram massacrados em um momento que a História e seus desígnios decidiu quem ia dar o salto Paes uma sociedade de produção capitalista, ou não. Se não fosse por esse motivo, o mundo ocidental não existiria como conhecemos, e talvez Hollywood fosse Meca. Por isso foram massacrados, embora a justificativa tenha sido a fé.

Então é, no mínimo, contraditório, a esquerda desconhecer que combater o autoritarismo israelense não faz sentido, se a escolha for autoritarismo islâmico, que são regimes que praticam o modo de produção capitalista, mais atrasados pelas razões já expostas aí em cima.

Por outro lado, a mídia nacional (sucursal da Casa Branca), bate tambor por Israel, e vende o conto do mocinho contra o bandido, reduzindo a questão a uma luta entre o mundo (ocidental) “esclarecido” e os “bárbaros” do Islã, requentando ódios medievais misturados com ressaca da guerra fria. Não, não se luta por democracia ou por valores universais no oriente médio, a disputa ali é por grana. Aliás, no mundo todo. No entanto, não é só isso.

O que está em colisão são três grandes modelos autoritários, que se colocam em blocos: O complexo sino-indo-russo e associados, aqui juntos o Irã e facções do mundo árabe, e do outro, EUA, Europa, e associados, incluindo Israel e partes do mundo árabe. A América Latina parece hesitar, mas não vai resistir muito, e deve aderir, a um ou outro bloco, no todo ou dividida. Essa parte Sul do mapa talvez seja o local de alternativas genuínas, todas abortadas, é claro, pelo esforço EUA-Europa.

O sucesso chinês e, de certa forma, os relativos sucessos russo e indiano estabeleceram um padrão a ser perseguido pelas potências ocidentais decadentes, que se ressentem do fardo “democrático”, ou seja, da impossibilidade de fazer o capitalismo sem amarras ambientais, eleitorais e de regulamentação, melhor dizendo, impondo rígidas regras para retirar “obstáculos sociais” do caminho, com planejamento verticalizado ao máximo. Se antes chineses eram conhecidos pelas cópias, hoje é o “mundo livre” que deseja o padrão chinês de gestão política do capitalismo.

Diferente da Segunda Guerra, nos dias atuais não há oposição de um suposto bloco “democrático” contra um eixo totalitário. A contenda é para saber quem será o mais autocrático. Esqueça a “vocação humanista europeia”. Essa farsa acabou na tentativa de insuflar a Ucrânia contra a Rússia (outra historinha da mídia nacional).

Mesmo desse jeito, pensando de forma pragmática, o fato é que torcer pelo Irã exige o desprendimento, em outras palavras, vontade de andar a pé e deixar uma pauta de produtos (derivados de petróleo, ou quase tudo) fora de nossa vida ocidental. É Israel que, como preposto militar dos EUA e da Europa, mantém o preço do petróleo em um patamar que nos permite viver. Dura verdade, mas é a verdade.

O Irã é um regime que existe como oposição aos EUA, mas não significa que isso nos favoreça. Talvez aqui e ali, mas não se pode confundir o regime iraniano com aquele que foi derrubado pelos EUA, em 1953, quando o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh prometeu estatizar o petróleo. Naquela época o Irã era um país secular (religião separada do Estado), que foi transformado em uma brutal ditadura pela CIA.

Na década de 1970, os aiatolás mobilizaram a resistência e o ódio, fermentando esse movimento com fanatismo religioso, e o resto todo mundo sabe. O Irã é uma analogia da nossa extrema-direita por aqui, que mistura religião, repressão de costumes, e hierarquias políticas.

Engraçado é também assistir os ultra direitistas atacando o Irã e a Palestina, quando nesses locais estão instalados regimes que esses contingentes políticos nacionais desejam instalar no Brasil Religiosos, autocráticos e ultra capitalistas.

A geopolítica, às vezes, exige deslocamentos e alinhamentos temporários, demanda sopesarmos qual é mal menor, e o que é ou não possível para alcançar um objetivo estratégico. Acima de tudo, requer bom senso. Eu leio muita gente boa por aí babando russos e chineses, imaginando um mundo cor de rosa pós EUA.

Não creio que a solução para a esquerda e para o Brasil seja mudar de dono. Ao mesmo tempo, a aversão que a extrema-direita brasileira tem pelo Islã e China, ou o amor incondicional ao EUA não se justificam.

Porto do Açu: mais propaganda (espuma) do que realidade (chopp)

Hoje recebi o link de mais uma “matéria jornalística” que é, na verdade, um press release corporativo na qual o Porto do Açu tenta se apresentar como (não riam) um empreendimento que “cresce com foco no baixo carbono”.  A partir dessa fantasia, o press release apresenta o Porto do Açu como uma espécie de última cocada do pacotinho.

Quem, como eu, conhece minimamente a trajetória do empreendimento, desde os tempos de Eike Batista, sabe que o que está posto no press release não resiste a uma análise mínima de realidade. Basta verificar o andamento das indenizações devidas a mais de 400 famílias de agricultores que tiveram suas terras tomadas para a construção de um distrito industrial que nunca sairá do papel, ou ainda os processos de salinização e erosão costeira que foram anunciados nos Estudos de Impacto Ambiental que possibilitaram a emissão das licenças ambientais do Porto do Açu, ocorreram de fato, e continuam sem nenhum esforço de mitigação ou até de monitoramento. 

O Porto do Açu tampouco cumpriu a prometida dinamização da economia regional por meio da criação de empregos para a população de São João da Barra. Na verdade, o Porto do Açu se tornou um exterminador de empregos, seja na agricultura familiar ou na pesca artesanal. Na última, sob o disfarce da proteção ambiental, o Porto do Açu fechou o acesso a pescadores artesanais que tiravam o seu sustento há gerações da Lagoa de Iquipari. Este processo disparado pelo fechamento dos acessos à Iquipari já está criando uma dinâmica que coloca pressão em outros corpos aquáticos que agora enfrentam o risco da sobrepesca e conflitos sociais entre pescadores. 

Mas há um elemento adicional que a propaganda do Porto do Açu não aborda que é o fato de que está perdendo a competição com outros empreendimentos para escoar grãos e minérios. O fato é que até agora, o Porto do Açu continua como um enclave praticamente isolado do mundo por vias terrestres, já que o acesso rodoviário é difícil e o ferroviário inexistente.

E na questão do acesso que a porca torce o rabo para o Porto do Açu. Os controladores do porto e seus aliados no mundo empresarial vivem acenando com a possibilidade que o isolamento ferroviário seja resolvido pela construção da chamada EF-118 e do estabelecimento de conexões do Espirito Santo com o sul da Nahia, ou da criação de conexões com a região do MATOPIBA.   O problema é que existem outros empreendimentos brigando pelas mesmas conexões e em posição de vantagem. 

Um exemplo de que saiu na frente do Porto do Açu está no sul da Bahia, mais precisamente em Ilhéus, onde está planejada a construção/ampliação do Porto Sul.  A questão é que o governo Lula já está em tratativas para a construção da ferrovia Oeste-Leste (Fiol), que partirá de Ilhéus, e que, dentre as prioridades federais, desbancou a intenção do Porto do Açu de ter ligação direta com o porto de Chancay no Peru. Para piorar, o plano é incluir a  Fiol na chamada ferrovia Biocêanica, o que aumentaria ainda mais a vantagem competitiva do Porto Sul.

Mas existem outros competidores à vista, incluindo o Porto Central em Presidente Kennedy, no extremo sul do Espírito Santo.  No mesmo modelo do Porto do Açu, o Porto Central já parece ter a “benção” da mineradora Vale para conseguir sua ligação ferroviária com as unidades localizadas em Vitória, passando ainda pelo Porto de Ubu em Achieta. Como a estrutura portuária capixaba está em adensamento e com um nível de conectividade que visa reforçar o potencial competitivo do Espírito Santo na movimentação de cargas, inclusive de containêrs, a vantagem competitiva é claramente do Porto Central.


Planta da mineradora Samarco em Anchieta que deverá ser conectada pela EF-118 às unidades da Vale em Vitória.

Ainda não pode esquecer que para competir de forma efetiva, o Porto do Açu teria que ter uma forte alavancagem financeira, fato que é prejudicado pelo seu alto nível de endividamento. Como grandes bancos, incluindo os estatais, detestam risco, há que se perguntar por que eles continuariam a despejar dinheiro em um empreendimento com alto grau de endividamento, quando existem outros que estão em melhor posição financeira. Sem ser CEO de nenhum grande banco, eu diria que as chances do Porto do Açu estão mais no antigo desejo de Eike Batista de ter o empreendimento adquirido pela China. Mas dado o pragmatismo chinês que faz com que eles não entrem em bola dividida, mesmo a via chinesa parece difícil.

Assim, em que pese a propaganda (espuma), o chopp (realidade) do Porto do Açu ainda é pouco e ainda pode ficar choco.