Carta dos epidemiologistas à população brasileira

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Nós epidemiologistas, profissionais da saúde, estudantes de graduação e pós-graduação, reunidos no 11º Congresso Brasileiro de Epidemiologia da ABRASCO, vimos, através desta carta, denunciar as sérias condições socioeconômicas e de saúde que, agravadas pela pandemia de COVID-19 e pelas políticas de austeridade econômica, têm levado a um imenso sofrimento da nossa população.

A COVID-19 deixou um rastro de milhões de casos e de milhares de mortos no Brasil.  Nos últimos dois anos nosso país sofreu enormes transformações que promoveram mudanças marcantes na vida dos brasileiros. O Brasil registrou o segundo maior número de mortes por COVID-19 no mundo, atrás apenas dos EUA. A política de enfrentamento à epidemia por parte do governo federal foi catastrófica! Agora, nos confrontamos com um enorme declínio econômico, a volta da fome, aumento desastroso do desemprego, e um cenário de ataques à ciência e à educação.

É sabido que a ocorrência de pandemias/epidemias como a COVID-19, AIDS, MERS, SARS, ZIKA, CHIKUNGUNYA, entre outras, são consequências da maior degradação ambiental ocorrida em nosso planeta nas últimas décadas. O Brasil, ao invés de reduzir seus ataques às nossas matas, tem promovido uma das maiores devastações da floresta amazônica e do cerrado deste século. Facilitou a “passagem da boiada” permitindo que grileiros, garimpeiros, madeireiros ilegais e assassinos de indígenas praticassem seus crimes livremente. O garimpo afetou gravemente as populações indígenas, destruindo suas reservas e envenenando seus rios e seus peixes, e levou o coronavírus para estas comunidades que, como consequência, tiveram as maiores taxas de mortalidade do país.

Desde que a pandemia se instalou no país, o Ministério da Saúde do Brasil teve quatro diferentes ministros, nenhum dois quais foi capaz de liderar o processo de mitigação da COVID-19. Muitas mortes poderiam ter sido evitadas e muitas famílias foram destroçadas. Estudos brasileiros comprovam que, além do boicote às práticas de prevenção, o chefe da nação, ativamente, concorreu para a disseminação da pandemia no país: rejeitou a gravidade do vírus, não providenciou testes, não organizou a atenção básica na pandemia, criou crises diplomáticas que interferiram na aquisição das vacinas, incentivou o uso de medicamentos sem eficácia científica comprovada e tentou impedir a implementação de medidas não farmacêuticas pelos governadores e prefeitos, permitindo que o SARS-CoV-2 se disseminasse por todo o país. Os maiores afetados por esta ação deliberada foram os idosos, os negros, as populações indígenas, as comunidades quilombolas e todos aqueles que vivem em maior vulnerabilidade.

Apesar de toda a inépcia, depois de um retardo de seis meses, as vacinas chegaram ao país, mas não na quantidade suficiente. Com isto, a vacinação avançou graças à resposta do Programa Nacional de Imunizações (PNI) que, apesar de sua desestruturação central, mostrou sua presença e capilaridade nos estados e municípios. Entre atrasos, erros e suspeitas de corrupção investigadas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da COVID-19 no Senado Federal, cerca de 60% dos brasileiros já receberam as duas doses de imunizantes ou a dose única, ultrapassando os EUA. As coberturas alcançadas no Brasil contrastam com a forma premeditadamente errática com que o presidente Bolsonaro lidou com a pandemia. Relembram e reforçam a extensão da confiança que nós brasileiros temos no nosso robusto sistema de saúde público – o SUS, e no histórico de sucesso e de respostas rápidas a crises que muitas vezes conseguimos dar. Vencemos a pólio, o sarampo, o H1N1, nosso Programa Nacional de Controle da epidemia de HIV/Aids foi considerado um modelo mundial, nossos esforços na redução da mortalidade infantil e mortalidade materna e em inúmeras outras ações que, mesmo com reveses e dificuldades enormes, nos enchem de orgulho. Todos sabemos que a pandemia seria ainda muito mais devastadora se não tivéssemos o SUS.

Nossos desafios, contudo, ainda são enormes. Mais de 20 milhões de brasileiros com a primeira dose, ainda não tomaram a segunda dose e não estão, portanto, adequadamente protegidos. É urgente que os gestores de saúde promovam as condições para que o SUS faça a busca ativa destas pessoas, e vários municípios mostraram que isto é possível.

Realçamos, contudo, que mesmo depois de atingirmos o controle da pandemia, o SUS, cronicamente subfinanciado, continuará sobrecarregado, lidando com as demandas de saúde represadas e com as sequelas da COVID-19. Por isto, nossa luta pela revogação da Emenda Constitucional 95 que congelou os gastos públicos precisa ser incessante. Com todos os ataques, o SUS foi efetivo em garantir que a vacinação chegasse em todos os pontos do país. A pequenez do atual governo ficará na sombra da grandeza do nosso SUS.

Não podemos esquecer de que a pandemia nos atingiu em meio a uma crise política e econômica imposta sobre o nosso país com o golpe parlamentar de 2016 aprofundada pelas desigualdades já existentes. O Atlas das situações alimentares no Brasil deixa claro que no período entre 2004 e 2013 a fome e o risco de fome apresentaram uma tendência de queda, enquanto que entre 2017-2018 se observa um aumento dessas duas situações que se agravaram mais recentemente.

A alta vulnerabilidade em que se encontram diversos segmentos de trabalhadores ocupa centralidade no Brasil. As dificuldades quanto à garantia do emprego e da sobrevivência, marcam o atual momento histórico no país. A remoção de direitos e garantias sociais pela reforma trabalhista de 2017 ampliou as desigualdades e repercussões da atual crise sanitária. Como consequência, muitos trabalhadores não puderam atender às recomendações de distanciamento físico para contenção da COVID-19. Excluídos do mercado formal de trabalho passaram a depender de programas temporários e insuficientes de transferência de renda e muitos engrossaram a multidão daqueles vivendo em situações extremas de insegurança alimentar, sem saber se ou quando vão poder comer.

Hoje, se de um lado temos famílias desesperadas, buscando restos de alimentos no lixo ou comprando ossos para cozinhar; temos cerca de 15 milhões de desempregados no país; mais uns 50 milhões em trabalhos informais e outros novos empregos com salários menores, de outro lado, assistimos à concentração de renda ser incrementada durante a pandemia: 1% dos brasileiros mais ricos se tornaram donos de metade das riquezas do país. São tristes recordes que o Brasil insiste em ostentar, reforçando aquilo que há de pior da desigualdade social.

Não colher, esconder e manipular dados virou especialidade deste governo. Bolsonaro tentou substituir o sistema de medição de desmatamento da Floresta Amazônica para omitir os dados corretos. Enquanto seu ministro do Ambiente assinava compromissos na recente reunião da COP26, o país registrava desmatamento recorde e atrasou a divulgação de dados do monitoramento do desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). Na saúde, em meio à pandemia, em meados de 2020, o Ministério da Saúde ocultou o número total de infectados pelo SARS-CoV-2 e o acumulado de óbitos no país, tentando apagar o efeito desastroso de sua estratégia de deixar a transmissão do vírus circular livremente entre os brasileiros. Com o Censo Demográfico de 2021 persegue a mesma estratégia. O que foi dificultado pela pandemia em 2020, agora é adiado para 2022, sob alegação de falta de verba. A pesquisa, principal instrumento para a formulação de políticas públicas nas áreas da saúde, educação e situação das desigualdades, e que deveria ser realizada a cada 10 anos, não poderá revelar o panorama dramático resultante da crise econômica e social pós pandemia na população brasileira e o papel do governo.

Na educação o caos não foi menor. Os ataques do governo à ciência, às universidades e às agências de fomento à pesquisa são impiedosos. Os orçamentos da Capes e do CNPq caíram 73% desde 2015, e juntas, estas duas agências tiveram uma redução real de quase 10 bilhões de reais em seus orçamentos. O orçamento de 2021 é quase ¼ daquele de 2015. O Enem, exame que democratizou o acesso às universidades brasileiras, foi o mais excludente, com o menor número de inscrições, implicando em uma maior exclusão de estudantes de escola pública e de estudantes negros no ensino universitário.

Através de nossa entidade, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), que agrega pesquisadores, profissionais e estudantes das diversas áreas da saúde coletiva, nos mobilizamos e juntamente com outras entidades de saúde e com o Conselho Nacional de Saúde elaboramos um Plano de Enfrentamento à COVID-19, que foi lançado publicamente em ato político no dia 3 de julho 2020 com a participação de muitas entidades, movimentos e parlamentares e no dia 28 de julho 2020 foi entregue ao Ministério da Saúde. Neste plano, analisamos a situação da pandemia e todas as suas consequências e apresentamos recomendações para autoridades políticas, sanitárias, gestores e sociedade em geral.

Neste congresso temas altamente relevantes sobre a saúde no Brasil foram amplamente apresentados e discutidos com participação de importantes nomes da comunidade científica brasileira e internacional. Debatemos exaustivamente a situação da pandemia de COVID-19 e é nosso dever e compromisso colocar nosso conhecimento e nossa experiência a favor da defesa da vida e da saúde dos brasileiros.

Temos a certeza que a saída da atual crise sanitária deverá ser de forma coletiva. É urgente fortalecer o SUS para que ele possa responder aos desafios atuais e futuros, assim como defender, de forma incondicional, todas as instituições brasileiras de ensino e pesquisa. Nosso compromisso é com a diminuição das desigualdades e com a garantia de acesso universal e público às ações de saúde e à educação. Assim sendo, apelamos para que toda a população entenda que a pandemia de COVID-19 não terminou, é necessário que todos tenham acesso a vacinação completa e que sigam as medidas de saúde pública que há quase dois anos repetimos em todos os espaços insistentemente: máscaras, distanciamento físico e evitar aglomerações. É nossa responsabilidade exigir que o governo federal cumpra seu dever de garantir saúde e educação para todos, direitos conquistados em nossa Constituição Federal.

Nos solidarizamos com todas as famílias que perderam seus entes queridos e conclamamos todas e todos para se somarem à luta em defesa da vida, da democracia e do SUS. Continuamos firmemente trabalhando e contribuindo para a superação desta que é a mais grave crise deste século. Viva o SUS!

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Este texto foi originalmente publicado no site da Associação Brasileira de Saúde Coletiva [Aqui!].

Medo de uma década perdida

A pandemia Corona está levando cada vez mais países como a Zâmbia à insolvência

Vista da parte aérea da mina de cobre de Mopani no norte da Zâmbia: a queda no preço das matérias-primas abriu um profundo buraco no tesouro.Vista da parte aérea da mina de cobre de Mopani no norte da Zâmbia: a queda no preço das matérias-primas abriu um profundo buraco no tesouro.Foto: imago IMAGES / photothek

Por Martin Ling para o Neues Deutschland

A Zâmbia foi o primeiro país a ser apanhado: insolvente devido às consequências corona. Na sexta-feira, 13 de novembro de 2020, o país da África Austral teve que declarar sua insolvência. Exatamente no dia em que as nações do G20 se reuniram para adotar uma estrutura para negociações de alívio da dívida. Klaus Schilder, um especialista em finanças de desenvolvimento em Misereor, apontou essa coincidência de eventos quando apresentou o Debt Report 2021, que a organização católica de alívio publica todos os anos junto com a aliança de alívio da dívida Erlassjahr.de.

Isso torna a Zâmbia o 21º país que não pode mais pagar sua dívida de juros e principal. O país não é exemplar. A parcela da dívida privada do país africano é muito maior e os indicadores da dívida também superam os da Argentina e do Equador, os dois países latino-americanos que faliram em 2020 e desde então concordaram em reescalonar com seus credores privados. Os indicadores são dívida pública, dívida externa e serviço da dívida em relação à produção econômica, receitas do governo e receitas de exportação. É um pouco crítico, por exemplo, quando o serviço da dívida representa entre 15 e 22,5% da receita de exportação, e é muito crítico com mais de 30%. A Zâmbia tem 31,3 por cento – em 2015 era apenas 6,6 por cento e, portanto, não é crítica.

A economia da Zâmbia é fortemente dependente da exportação de cobre, um metal cujo preço no mercado mundial oscilou enormemente nos últimos cinco anos. “Com o início da pandemia, o preço caiu a um ponto baixo, o que restringiu ainda mais a solvência da falência”, diz o relatório da dívida. A ligação entre a pandemia, os preços das matérias-primas e a crise da dívida levou a um calote na Zâmbia. O reescalonamento da dívida como o obtido na Argentina e no Equador parece estrategicamente complicado na Zâmbia, pois existem credores muito diferentes, como o Fundo Monetário Internacional, bancos privados e instituições financeiras chinesas. “O medo de que outros grupos de credores pudessem se beneficiar de um acordo motivou os atores a se comportarem de forma não cooperativa”, afirmou. diz no relatório. Ainda não surgiram temores de que o calote da Zâmbia possa desencadear uma reação em cadeia na África, um »tsunami da dívida«. “O que vemos é que a pandemia corona enfraquece ainda mais países que já eram economicamente instáveis, como Angola, Equador ou Suriname”, avisa Klaus Schilder.

A recessão global desencadeada pela pandemia corona levou a uma crise econômica dramática em muitos países, disse Kristina Rehbein, conselheira política da Erlassjahr.de. »Em comparação com o Relatório da Dívida de 2020, mais oito países foram adicionados. A situação piorou dramaticamente ”, disse Rehbein.

Pequenos estados insulares como Fiji e Trinidad e Tobago são novos. Com o Chile, a Tailândia e as Filipinas, no entanto, também há três mercados emergentes maiores entre eles. “Muitos países pobres têm pouco espaço de manobra para combater as consequências da pandemia. A situação da dívida também limita a capacidade de ação. ”

Em 2020, como credor, a Alemanha diferiu dívidas de cerca de 135 milhões de euros no âmbito da moratória da dívida iniciada pelo G20, a Debt Service Suspension Initiative (DSSI). “Isso geralmente é bem-vindo”, diz Kristina Rehbein. Os países do G20 reagiram rapidamente e deram um primeiro passo juntamente com a moratória em abril de 2020. No entanto, essas medidas não são suficientes, pois apenas postergariam as obrigações de pagamento no futuro. “O que é urgentemente necessário é um alívio real da dívida. Esta é a única maneira de evitar que a pandemia se transforme em uma década perdida de desenvolvimento para o Sul Global ”, disse Rehbein.

Da perspectiva de Misereor e da Erlassjahr.de, a nova escalada da crise da dívida mostra claramente que são necessárias soluções de longo prazo. Durante a presidência italiana do G20 em 2021, a Alemanha, juntamente com outros governos credores, deveria finalmente fazer campanha para o estabelecimento de um procedimento de insolvência justo e transparente para os estados altamente endividados, como tem sido exigido há anos. Não só a Zâmbia acolheria isso. Certamente também o Chade, que está no topo da lista dos estados ameaçados de falência.

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Este artigo foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo Neues Deutschland [Aqui!].

Os sinos dobram para Jair Bolsonaro

bolso michelleO contraste dos Bolsonaro: Michelle com máscara, Jair sem máscara. (crédito: Marcos Corrêa/PR)

A situação do presidente Jair Bolsonaro começa a se deteriorar rapidamente, a ponto de vários representantes estelares da mídia corporativa nacional (incluindo a direção dos jornais Estadão e Folha de São Paulo) estarem falando abertamente no seu impeachment.

Mesmo concordando com o fato de que o presidente Bolsonaro já mostrou não possuir a mínima capacidade de gerir o governo federal em um momento que combina profunda crise econômica e crise sanitária gravíssima,  tenho certeza de que a súbita mudança em seu destino político não se deve a isso. O mais provável é que Bolsonaro, tal como Dilma Rousseff, esteja tendo sua continuidade no cargo ameaçada por não entregar o que as oligarquias que controlam a economia brasileira querem na velocidade em que elas desejam, que são as grandes estatais como o Banco do Brasil e a Petrobras.

Há ainda que se notar que a rápida deterioração da capacidade de Jair Bolsonaro de se manter no poder não está sendo precedida pelo mesmo nível de ataques e desgaste político a que Dilma Rousseff foi submetida. A chamada oposição de esquerda até poucos dias atrás estava mais preocupada em barganhar cargos na mesa da Câmara de Deputados e do Senado Federal do que colocar a sua militância na rua, coisa que só começou a acontecer no dia de ontem. Em outras palavras, se Bolsonaro está começando a balançar no cargo, isto se deve a um acordo por cima entre as oligarquia econômicas brasileiras, e não por mérito da esquerda.

A manobra para tirar Jair Bolsonaro poupa claramente o vice-presidente general Hamilton Mourão, que já se sabe é adepto da mesmíssima agenda econômica, apenas sem os histrionismos que acometem o ex-capitão. Da mesma forma, apesar de toda a sua ação desastrosa, se poupa o dublê de banqueiro e ministro da Fazenda, Paulo Guedes.  O que se trama, mais uma vez, é a mera substituição de um chefe de estado por um vice mais confiável para executar as tarefas que estão postas para aprofundar a transformação do Brasil em uma espécie de neocolônia, de preferência dos chineses que consomem boa parte das nossas commodities agrícolas e nos vendem quase todos os agrotóxicos que poluem nossos campos e comida.

Diante desse cenário, o que se deve fazer? À primeira vista não cair na armadilha que está posta de tirar apenas Jair Bolsonaro do cargo, e ampliar a ação para a derrubada de seu governo como um todo, incluindo o seu vice-presidente. Afinal, se Bolsonaro está sendo culpabilizado pelas dimensões épicas que a pandemia da COVID-19 no Brasil, o que dizer de seu vice-presidente que até agora seguiu estritamente a mesma cartilha negacionista?

Uma coisa é certa: as próximas semanas serão decisivas para o destino político do governo Bolsonaro, e provavelmente veremos um esforço monumental para reverter a raiz da sua crise que é a falta de uma resposta efetiva contra a pandemia. Assim, que ninguém se surpreenda se o próprio Jair Bolsonaro vire garoto propaganda de uma campanha nacional de vacinação, e que a cabeça do general Eduardo Pazuello seja servida por ele em uma bandeja de prata.

Nouriel Roubini, o “Doutor Desgraça”, previu em fevereiro que a pandemia da COVID-19 custaria a reeleição de Trump

roubiniO economista Nouriel Roubini, que previu a crise financeira global em 2008, prognosticou em fevereiro que Donald Trump perderia a reeleição por causa da pandemia da COVID-19

Ainda não saiu o resultado definitivo das eleições presidenciais realizada na última 3a. feira nos EUA, mas uma previsão feita em fevereiro deste ano pelo economista e professor da New University, Nouriel Roubini, (o mesmo que previsão a eclosão de uma crise global em 2008 e que, por isso, ficou conhecido como Dr. Doom (ou Dr. Desgraça em português) pode se confirmar para surpresa de muitos.

É que ao prever a disseminação global da pandemia causada pelo coronavírus, Roubini afirmou que a crise econômica que seria desencadeada pela pandemia da COVID-19 iria abater as chances de reeleição do presidente Donald Trump

Baseado em seus prognósticos sobre a crise global que decorreria da disseminação da pandemia, Roubini observou que apesar da fraqueza do Partido Democrata, Donald Trump iria se tornar uma espécie de “lame duck”, e que seria derrotado nas eleições presidenciais.

Na mesma época, Roubini apontou títulos públicos como a saída mais segura para investidores que quisessem evitar os riscos que seriam trazidos para os mercados financeiros globais por causa da crise causada pela pandemia da COVID-19, sugerindo que se comprassem títulos públicos da Alemanha.  Eu fico imaginando quantos investidores levaram a sério os prognósticos de Roubini e partiram para a aquisição deste tipo de papel.

Já quanto ao presidente Donald Trump, fico curioso para saber o que ele achou em fevereiro das previsões de Nouriel Roubini e o que está achando agora quando parece que sua canoa presidencial irá afundar. De toda forma, caso a derrota de Trump se confirme, haverá que se reconhecer a capacidade Roubini de fazer prognósticos acertados em questões altamente relevantes.

Um detalhe curioso é que no Brasil ainda não vi nenhum partido político colando as mais de 160 mil mortes ocorridas no Brasil por causa da COVID-19 no governo Bolsonaro e nos candidatos apoiados pelo presidente da república.

Jair Bolsonaro, um mestre predigistador, em (en) cena no 7 de Setembro da COVID-19

Neste dia 7 de Setembro, com o Brasil tendo ultrapassado 126 mil mortos por COVID-19, o presidente Jair Bolsonaro pôs novamente o seu show na Esplanada dos Ministérios, com direito a caminhada sem máscara com crianças.  Mas ele e sua equipe também abusaram dos ângulos fechados para mostrar o encontro, onde também não portava máscara, com um punhado pequeno de apoiadores sob a desculpa de celebrar o dia da Independência.

Mas as imagens abaixo mostram que esse encontro não passou de mais um truque de ilusão, pois o que no ângulo parecia massivo, do alto se revelou uma reunião de poucos, ainda que apaixonados apoiadores.

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O problema para o presidente Jair Bolsonaro é que com o preço de 5 Kg de arroz ultrapassando R$ 40,00 na maior parte do Brasil, ele precisará mais do que truques de mágica para continuar governando sob risco de sair de cena de forma inglória.

E não nos esqueçamos que no ritmo que anda o Brasil ainda conviverá com a COVID-19 até que haja a aplicação em massa de uma vacina que ainda está por vir. Até lá continuaremos contando os mortos e ouvindo a negação cada vez mais insustentável de que a COVID-19 não passa de uma “gripezinha”.

Enquanto Paulo Guedes sonha em vender tudo, empresas privatizadas sinalizam para colapso iminente no transporte público do Rio de Janeiro

Depois de passar anos cobrando tarifas escorchantes e prestando serviços de qualidade duvidoso, SuperVia e Metro Rio ameaçam parar em agosto se não receberem apoio financeiro estatal

A cada dia que passa cresce a percepção de que o ministro da Fazenda Paulo Guedes ainda não entendeu que o sonho dourado que ele acalanta de privatizar estatais estratégicas, não obstante os anúncios bombásticos de que o governo Bolsonaro irá promover uma liquidação na bacia das almas no segundo semestre de 2020.

Mas os sinais de alerta não estão vindo apenas para as privatizações que se pretende fazer, mas as que já foram feitas em governos passados. Exemplo disso está ocorrendo nos serviços privatizados de transporte no estado do Rio de Janeiro, onde, por um lado, a Supervia está indicando que deverá interromper serviço de trens no Rio de Janeiro a partir de agosto e, por outro, o Metro Rio, que promete fazer a mesma coisa.

O problema poderá ser maior ainda se se confirmarem as  informações da Fetranspor de que as empresas de ônibus poderão seguir o mesmo caminho sob a alegação de que estão acumulando prejuízos milionários em função da diminuição do número de passageiros causada pelas medidas de isolamento impostas para controlar a pandemia da COVID-19.

Em comum, além da suposta crise financeira, o que as empresas de transporte que foram privatizadas estão demandando é o aporte de centenas de milhões de reais por parte dos governos estadual e federal, sob a alegação (a correta por sinal) de que o transporte público é um serviço essencial. A única coisa que estas empresas  estão esquecendo de informar é de quanto foi os lucros fabulosos que obtiveram antes da erupção da COVID-19.

Por essa situação em pleno andamento, e no caso do Rio de Janeiro inexistirem recursos em caixa para socorrer as empresas privatizadas, não será de se estranhar se nas próximas semanas o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, tiver que fazer malabarismos extremos para dizer que vai mesmo vender estatais lucrativas para, pasmemos todos, socorrer empresas privatizadas a preço de banana no passado, e que agora ameaçam ir a pique.

No fundo o que está mesmo afundando é a lógica neoliberal de entregar setores estratégicos para empresas privatizadas sob a alegação de que isto irá melhorar a qualidade dos serviços prestados. É que ao primeiro sinal de que suas margens de lucro irão diminuir, essas empresas correm para demandar ainda mais dinheiro público. Assim, diria meu falecido pai, é mole.

A encruzilhada de Bolsonaro

Sustentação de popularidade em segmentos mais pobres da população benefício emergencial de R$ 600 cria situação quase implausível para o presidente que foi eleito com o apoio das elites

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Segundo artigo do colunista Josias de Souza, que não é propriamente um bolchevique, estando mais para uma das mais conservadoras vozes na mídia corporativa brasileira, a mais recente pesquisa do Datafolha indica que Jair Bolsonaro mostra que sua popularidade não despencou porque a passou a ser escorada  no segmento do eleitorado que passou a receber o chamado “coronavoucher”  de R$ 600,00.

Além disso, Josias de Souza aponta que, dos 33% que apoiam Bolsonaro,  apenas 22% são bolsonaristas empedernidos, enquanto que os  11% são compostos por eleitores pobres que não votaram nele, mas foram seduzidos pelo “coronavoucher“.

Assim, sem apoio dos mais pobres, Jair Bolsonaro já estaria em apuros maiores do que já se encontra, porque sua taxa de reprovação saltou de 38% no mês passado para 43% agora.

Essa dependência dos mais pobres coloca Jair Bolsonaro e as políticas ultraneoliberais em uma encruzilhada, na medida em que se não prolongar para além de três meses o pagamento do auxílio emergencial criado pelo Congresso Nacional, o seu índice de popularidade beirará um limite bastante crítico, do qual não poderá se levantar facilmente. E isto já se sabe, poderia ser a senha para um rápido processo de impeachment.

Por outro lado, se estender o “coronavoucher” ou ainda um auxílio pós-pandemia, o que estará em jogo será a permanência de Paulo Guedes e sua equipe de economistas ultraneoliberais. O nó do laço fica ainda mais apertado porque inevitavelmente há o risco dos níveis de desemprego atingirem níveis estratosféricos ainda em 2020.

Então esqueçam dos embates de fachada porque a encruzilhada do presidente Jair Bolsonaro é quase um beco sem saída, estando já muito próxima de uma sinuca de bico. Talvez por isso, as declarações mais ácidas do que costume nos últimos dias.

 

Campos dos Goytacazes sofre com as agruras de um ocaso precoce de seu prefeito neoliberal

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A gestão do prefeito de Campos dos Goytacazes, Rafael Diniz (Cidadania), chega a um ocaso precoce em meio a uma enorme crise política, econômica e institucional

As últimas cenas da conjuntura política de Campos dos Goytacazes dão conta de um ocaso precoce da administração neoliberal do jovem prefeito Rafael Diniz.  Os ingredientes desse ocaso são muitos, incluindo a debandada de boa parte de sua base de apoio na Câmara Municipal, o pagamento forçado judicialmente de 50% do 13o. salário dos servidores municipais, e a cereja no bolo que foi a demissão de um punhado de cargos comissionados indicados por vereadores que decidiram impor duras derrotas no cair do pano de 2019.

A reação de Rafael Diniz e de seus principais porta-vozes (a começar pelo agora deputado federal Marcão Gomes) tem sido da mais pura forma de ressentimento político, inclusive com ameaças de judicialização da decisão do legislativo municipal sobre o orçamento municipal que incluiu o teto de 10% nas chamadas “reordenações de despesas” com as quais os prefeitos transformam o orçamento municipal em uma mera peça de ornamentação.

Como ressentimento e medidas retaliatórias raramente resultam em reviravoltas positivas, o prefeito Rafael Diniz e sua trupe de menudos neoliberais devem estar coçando a cabeça para reverter uma conjuntura política que lhes é completamente adversa. Mas como passados praticamente três anos de governo está claro que a única receita que possuem é a aprofundar a forma especialmente perniciosa de neoliberalismo paroquial com a qual destruíram as políticas sociais herdadas de governos anteriores, não vejo muita esperança para quem se elegeu vendendo as formas mais esperançosas de gestão.

O problema para quem vive em Campos dos Goytacazes é que Rafael Diniz ainda tem um longo ano de governo pela frente. E ao longo desses próximos meses é possível que Diniz e seus menudos ensaiem o que no futebol americano é chamado de “Hail Mary” (no futebol americano a expressão é usada para caracterizar um passo muito longo feito em condições de desespero, com chances muito pequenas de sucesso).  Ao fazer isso, é possível que assistamos situações muito inusitadas que apenas servirão para garantir um final inglório a uma administração que conseguiu executar um dos maiores estelionatos eleitorais da história política do principal município do Norte Fluminense.

O mais trágico é que  além de negar todas as esperanças que gerou em uma campanha eleitoral glamourosa, Rafael Diniz está deixando um município em condição de terra arrasada e sem perspectivas imediatas de recuperação econômica.  Essa sim é uma herança maldita que o futuro chefe do executivo municipal terá que lidar.

Mas que esse governo desastroso sirva, pelo menos, para que se saiba que a adoção de políticas ultraneoliberais que removem os pobres do orçamento só servem para alimentar crises sociais e atraso econômico em nome de um equilíbrio fiscal que servem apenas para enriquecer os que já estão ricos em primeiro lugar. Simples assim.

China e Brasil estão em crise, mas oferecem respostas completamente opostas na área do desenvolvimento científico

Um dos mantras preferidos atualmente entre governantes e opositores no Brasil é o corte de investimentos (que eles acham que são gastos) em áreas estratégicas para “equilibrar as contas públicas”. Dois locais que já sentiram o ferrão neoliberal foram a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que tiveram seus orçamentos fortemente drenados. Na Capes, como informa o jornalista Maurício Tuffani no seu blog “Direto da Ciência” (Aqui!), houve um corte de 9% no total de bolsas de pós-graduação oferecidos pela agência. J

Essa tendência de cortar em áreas estratégicas como a ciência sequer é explicada pelos que seguram a tesoura em Brasília, provavelmente porque não há qualquer explicação justifique a opção por atrasar ainda mais o desenvolvimento científico nacional..

Mas um paralelo curioso em relação ao percentual de 9,0% vem da China (como mostra a ilustração abaixo tirada do sítio da revista Science (Aqui!)). É que para responder à desaquecimento da economia chinesa, o governo chinês decidiu aumentar o orçamento do ministério da Ciência em exatos 9,1% para o ano de 2016.

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Além disso, o governo se comprometeu a diminuir as amarras burocráticas que têm dificultado o uso dos recursos governamentais pelos cientistas chineses.  E este é outra diferença marcante  em relação às políticas aplicadas no Brasil, onde os pesquisadores são obrigados a explicar cada centavo gasto e perder horas em relatórios científicos que sabidamente são apenas rotinas burocráticas que pouca gente lê e nenhuma utilidade têm para o avanço do conhecimento.

Mas a matéria da Science ainda traz as áreas em que a ciência chinesa deverá receber mais aportes nos próximos cinco anos, e sua leitura revela a amplitude estratégica com que o governo chinês trata o desenvolvimento científico e tecnológico do país.

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Uma coisa que me chamou a atenção quando visitei a China em 2010 foi a preocupação dos líderes de governo com a questão da poluição ambiental.  E não é que nessa mesma matéria da Science que o governo chinês está reorganizando o Ministério do Ambiente para tratar dos problemas relacionados à poluição (do ar, solos e água) ambiental.

Enquanto isso, aqui no Brasil ficamos assistindo o desmanche das nossas universidades em prol do financiamento de cervejarias e montadoras de automóveis.  E, sim, tolerando incidentes como o da Mineradora Samarco (Vale+ BHP Billiton) que após cinco meses ainda continua jogando seus rejeitos no Rio Doce.