Desapropriações no Porto do Açu: 13 anos de negação de direitos e violências contra os agricultores do V Distrito

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Capa da Folha de Manhã de 26/4/2011 mostrando a resistência dos agricultores do V Distrito contra a expropriação de suas terras pelo governo do Rio de Janeiro

Este final de ano será particularmente sombrio para centenas de famílias de agricultores no V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo ex (des) governador Sérgio Cabral para a instalação de um natimorto distrito industrial na retroárea do Porto do Açu.   Ao tomar mais de 7.500 hectares de terras de seus legítimos proprietários e entregá-los sem qualquer base legal para usufruto do Grupo EBX (que posteriormente repassou essas terras para a Prumo Logística Global), Sérgio Cabral realizou uma reforma agrária às avessas e criou um imenso latifúndio improdutivo que 13 anos depois permanece completamente abandonado, e sem perspectiva de que a finalidade manifesta (a criação de um distrito industrial seja realizado).

O problema é que ao contrário do tratamento dado a latifundiários no momento da desapropriação de seus latifúndios, o estado do Rio de Janeiro nunca cumpriu o que está previsto tanto na Constituição Federal quanto na Estadual no tocante ao processo de ressarcimento financeiro aos agricultores que tiveram suas terras tomadas. O que deveria ter sido um processo razoavelmente rápido ainda se arrasta lentamente nos tribunais, com uma sucessão de conflitos sobre quem pode avaliar as terras desapropriadas.

Mapa dos processos de desapropriação no Açu |

Mapa das desapropriações no V Distrito produzido pela LLX Açu Operações Portuárias

A disputa em termos da peritagem tem sido complicada pelo fato da Prumo Logística Global ter se apresentado como parte interessada das desapropriações, sem que haja muita clareza sobre o que dá a sustentação jurídica para isto. Entretanto, ainda que só tenha chegado depois da instalação do processo de desapropriação, a Prumo vem sendo aceita como parte interessada, o que acabou atrasando ainda mais o início do pagamento das indenizações.

Se o problema não fosse grande o suficiente, os agricultores ainda têm assistido a uma constante troca de juízes responsáveis pelos processos, com repercussões sobre o processo de peritagem e valoração das terras.   Com isso, processos que já tinham sido praticamente concluídos tiveram que basicamente voltar à estaca zero com a realização de novas peritagens, as quais, invariavelmente, reduzem os valores que peritos anteriores haviam atribuído às propriedades tomadas pelo governo estadual. 

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Um jurista que acompanha o caso me alertou que uma lei municipal de 2017, a Lei No. 500, determinou que o valor referência do metro quadrado no V Distrito de São João da Barra deve ser de R$ 800,00. Com isto, o valor das indenizações deverá ser milionária para muitas das famílias afetadas pela tomada de suas terras.  Um problema que isto acarreta é que, na possibilidade de novas peritagens levarem esse valor como referência, não seria de se estranhar se aumentarem as pressões para que as famílias aceitem negociar suas terras com os famosos “contratos de gaveta”, mas por valores muito abaixo do que foi estabelecido pela Lei No. 500.

Toda essa situação reflete bem o tratamento díspare que tem sido dado às partes interessadas na disputa agrária que foi aberta em 2010 e que se arrasta, sem previsão de conclusão, até hoje.  Quem quiser saber um pouco mais sobre esse imbróglio das desapropriações na retroárea do Porto do Açu, sugiro a leitura da dissertação defendida pelo meu ex-orientando Felipe Medeiros de Alvarenga no Programa de Políticas Sociais da Uenf sob o título de “Os deserdados do desenvolvimento: o caso da implantação do Complexo Portuário e Industrial do Açu e seus impactos socio-territoriais“.

A desapropriação das terras do falecido José Irineu Toledo assombra o Porto do Açu

Petição da CODIN ao TJ/RJ revela preocupação com a inviabilização do projeto do Porto do Açu

Já tive a oportunidade de abordar a rumorosa desapropriação do Sítio Camará do Sr. José Irineu Toledo no dia 01/08/2013 (Aqui!Aqui! e Aqui!) justamente no dia de sua morte. Há que se lembrar que o Sr. José Irineu passou toda sua vida, de quase 83 anos, trabalhando duro na localidade de Água Preta. Naquele dia, oficiais de justiça compareceram ao Sítio Camará para desapropriar as terras de um réu supostamente ignorado, sem que se respeitasse nem a dor da família ou, tampouco, os direitos básicos que a lei faculta aos cidadãos brasileiros.

Pois bem, a saga da família Toledo por seus direitos continua rolando firme no Tribunal de Justiça onde corre uma ação para anular a imissão provisória de posse que foi concedida pela justiça de São João da Barra. Em função desse processo, os advogados da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro (CODIN) apresentou uma petição para tentar dar a versão que justifica a expropriação de uma propriedade produtiva de quase 25 hectares.  Lendo a petição, encontrei dois detalhes que considero para lá reveladores sobre o imbróglio em que a família Toledo foi envolvida pelo (des) governo de Sérgio Cabral.

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Alguém consegue como razoável, como alega a CODIN, que seja necessário desapropriar uma propriedade inteira para a instalação de uma torre de sustentação? Nesse caso, por que simplesmente a LL(X) (hoje PRUMO) não pagou simplesmente o direito de servidão para a família Toledo? Afinal, em outras propriedades ao longo do caminho isso foi feito, sem que fosse preciso cometer o tipo de arbitrariedade que foi cometido contra a família Toledo, que não teve sequer o direito de velar o seu patriarca em paz.

Mas é no parágrafo da mesma petição que os advogados da CODIN incorrem no que pode ser um exagero de retórica ou, simplesmente, uma confissão de desespero. Vejamos abaixo o que dizem os patronos da CODIN:

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Como assim? A anulação de uma única desapropriação poderá inviabilizar todo o projeto (do Porto do Açu)? Como os doutos representantes da CODIN não elaboraram nada em cima desta declaração, até o mais ingênuo dos observadores da situação do Porto do Açu poderá se perguntar se há mais do que caroço nesse angu. Para este observador do processo, a coisa está mesmo para o desespero. Afinal, foram tantos os absurdos cometidos contra centenas de agricultores humildes que podemos estar defrontados com um imenso castelo de areia que pode ruir de vez.

Ai é que eu digo. Se tivessem tratado as famílias do V Distrito com menos arrogância e mais respeito, talvez não estivessem tendo que apelar para argumentos tão, digamos, desesperados.  Mas no frigir dos ovos, o que importante mesmo é quando que os direitos da família do Sr. José Irineu serão plenamente respeitados. O resto, diria o falecido Francisco Milani, são chorumelas.