Desmatamento em Bacias Hidrográficas do Sudeste e Centro-Oeste em 30 Anos equivale a 15 cidades de São Paulo

  • Análise da TNC Brasil indica que de 1988 a 2017 a perda da vegetação nativa em bacias localizadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste chegou a 22,9 mil km² e pode acentuar as crises hídricas
  • Ações colaborativas e que priorizem as soluções baseadas na natureza são essenciais para mitigar os impactos dessa perda na disponibilidade hídrica

Análises realizadas pela The Nature Conservancy (TNC) Brasil indicam uma perda importante da cobertura vegetal nativa no entorno das bacias hidrográficas onde se localizam os reservatórios que fazem parte do Sistema Interligado Nacional (SIN) nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Esta perda, somada a efeitos de longo prazo na mudança e uso do solo, pode ter agravado as recentes crises hídricas que afetaram estas áreas. Outros fatores incluem fenômenos climáticos, aumento da demanda nos seus diferentes usos, crescimento populacional e gestão focada em obras de infraestrutura cinza.

Até 1988, o país havia perdido nessa área mais de 580 mil km² de vegetação natural e, de 1988 a 2017, outros 22,9 mil km² foram suprimidos. Para se ter uma ideia do tamanho da perda desses últimos 30 anos, basta comparar com as áreas do estado e da capital paulistas: as áreas devastadas correspondem a 10% do tamanho do estado de São Paulo e 15 vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Os dados analisados são da série histórica disponibilizada pela iniciativa Mapbiomas, que traz informações sobre o uso e a ocupação das terras no Brasil, incluindo a região examinada.

mapa de vegetação

Essa perda de cobertura florestal é um dos fatores que tem impactado a reserva das chamadas “águas invisíveis”, tema deste ano definido pelas Nações Unidas para o Dia Mundial da Água, celebrado em 22 de março. Isso porque, a modificação do uso e ocupação da terra pode interferir nas áreas de infiltração natural, o que, por sua vez, afeta a capacidade de recarga da água armazenada no solo e nos aquíferos, chamado de “reservatório invisível”. Este cenário nos torna cada vez mais dependentes dos regimes de chuva, extremamente susceptíveis às mudanças climáticas.

Mitigar e reverter os impactos das mudanças de uso e ocupação do solo e do uso insustentável da água estão entre os maiores desafios dos setores públicos e privados e da sociedade como um todo. Ampliar a segurança hídrica em quantidade e qualidade para todos passa necessariamente pela proteção ambiental, pela eficiência dos usos e da infraestrutura do sistema de abastecimento da água, e fomento ao desenvolvimento social e econômico.

De acordo com o gerente de Água da TNC Brasil, Samuel Barrêto, a segurança hídrica começa com a gestão adequada das bacias hidrográficas, de forma a mantê-las ou recuperá-las para que sejam saudáveis e resilientes às mudanças climáticas, tendo suas funções ecológicas mantidas. A conservação e recuperação das bacias hidrográficas e, consequentemente, a geração de serviços ambientais contribuirão para atender aos usos múltiplos e promover a equidade social e a qualidade de vida da população. Sendo a segurança hídrica um pilar estruturante de interesse nacional para o desenvolvimento econômico, deve ser tratada de forma estratégica.

“Ao analisarmos os desafios da disponibilidade hídrica e adaptação às mudanças climáticas, precisamos pensar além de soluções focadas em obras de infraestrutura cinza. A conservação de bacias hidrográficas é indispensável para garantir o suprimento de água no longo prazo, com qualidade e em quantidade para seus diferentes usos, como, por exemplo, atividades agropecuárias e industriais, navegação e transporte, geração de energia elétrica e, principalmente, o abastecimento humano”, explica.

Coalizão pelas Águas

Uma das contribuições da TNC Brasil para a agenda hídrica é a promoção da conservação e recuperação de florestas, de forma a contribuir com o equilíbrio entre oferta e demanda de água. Como cobenefício, as soluções baseadas na natureza podem fornecer um terço das soluções para o combate às mudanças climáticas.

É dentro dessa visão sistêmica que nasce a nova fase da Coalizão pelas Águas, uma iniciativa que, entre outras estratégias, usa os serviços da natureza na gestão hídrica, engajando o setor público e as empresas na conservação, recuperação e governança de bacias hidrográficas.

O objetivo é ampliar a escala e o impacto da recuperação das bacias em regiões do Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia. Os locais foram estrategicamente selecionados para esta nova fase do trabalho da Coalizão, por conta do papel da Amazônia na formação dos rios voadores (umidade que abastece grande parte da América do Sul), além da sua rica biodiversidade terrestre e aquática; da importância do Cerrado como região produtora de alimentos no Brasil e mundo; e do papel-chave da vegetação nativa da Mata Atlântica em prover água para a população de grandes áreas metropolitanas. E, sobretudo, o objetivo é fortalecer a participação de todos na boa governança da água.

Primeira fase

Entre 2015 e 2021, numa parceria com mais de dez empresas globalmente reconhecidas do setor privado e mais de 90 parceiros do setor público e da sociedade civil, a Coalizão realizou diversas ações com o objetivo de contribuir com a segurança hídrica em regiões metropolitanas do país onde vivem cerca de 42 milhões de pessoas.

Os resultados foram a restauração e conservação de 124 mil hectares e a alavancagem de mais de R$ 240 milhões de reais; beneficiando cerca de 4 mil famílias, incluindo investimento de mais de R$ 20 milhões de reais em pagamento por serviços ambientais.

Esses resultados promissores levaram ao desenvolvimento de uma nova etapa, incorporando novas geografias e abordagens, como a relação entre segurança hídrica e segurança alimentar com a resiliência das bacias hidrográficas, de forma a ampliar a escala e o impacto necessários.

TNC

A The Nature Conservancy (TNC) é uma organização global de conservação ambiental dedicada à proteção das terras e águas das quais toda a vida depende. Guiada pela ciência, a TNC cria soluções locais inovadoras para os principais desafios do mundo, de forma que a natureza e as pessoas possam prosperar juntas. Trabalhando em 76 países, a organização utiliza uma abordagem colaborativa, que envolve comunidades locais, governos, setor privado e a sociedade civil. No Brasil, onde atua há mais de 30 anos, o trabalho da TNC concentra-se em solucionar os complexos desafios de conservação da Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica a partir de uma abordagem sistêmica, com foco na implementação e geração de impacto, para mitigar as mudanças climáticas e a perda da biodiversidade.

Norsk Hydro e a poluição em Barcarena: desculpas não aceitas

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Pedidos de desculpas não resolvem impactos, dizem atingidos pelo vazamento da Hydro

Reivindicações por atendimento a necessidades urgentes foram feitas durante audiência pública

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Cerca de mil pessoas lotaram o auditório do evento (foto: ascom MPF/PA)

O pedido de desculpas da refinaria de alumina Hydro Alunorte pelo descarte de água não tratada em rio de Barcarena, no Pará, não é o bastante para resolver os impactos socioambientais provocados. É preciso a adoção de medidas concretas para reduzir os efeitos desses impactos na saúde da população e nos meios de subsistência e geração de renda, como a agricultura e a pesca. Essa é a conclusão de vários dos moradores de Barcarena ouvidos nessa quinta-feira (22)  pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) em audiência pública no município.

“Pedidos de desculpas matam sede? Pedidos de desculpas matam fome? Queremos dignidade, queremos um sistema de abastecimento de água, e não alguns potes d’água entregues uma vez e pronto”, reivindicou o agricultor familiar Eduardo do Espírito Santo, da comunidade quilombola de Burajuba.

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Moradores relatam que, depois do vazamento de lama com resíduos tóxicos ocorrido em fevereiro deste ano em uma das bacias de rejeitos da refinaria, a água dos poços das comunidades está com gosto amargo, coloração esbranquiçada e viscosidade.

São comuns os relatos de ocorrência de diarreia, náuseas, vômitos, dores de cabeça e estômago, dores nas articulações, cólicas, coceiras por todo o corpo, irritação e lacrimejamento excessivo nos olhos, aparecimento de feridas e manchas na pele.

Também há denúncias de redução drástica da produtividade de roças e no extrativismo, e prejuízos a quem vive da pesca.

Transparência

Outra demanda da população é por mais participação e transparência nos processos de licenciamento das empresas do distrito industrial de Barcarena e na fiscalização do cumprimento das obrigações estabelecidas nesses processos.

“No polo petroquímico de Camaçari, na Bahia, há muito mais indústrias que em Barcarena e, no entanto, lá não há acidentes nem poluição como há em Barcarena porque em Barcarena não há um sistema de fiscalização constante por conselhos comunitários”, disse o representante da organização Fórum de Diálogo Intersetorial de Barcarena, Petronilo Alves.

Também foi sugerida a revisão de todos os licenciamentos ambientais do distrito industrial, com a participação de pesquisadores, universidades e das comunidades de Barcarena.

Moradores de Barcarena sugeriram, ainda, que a empresa seja obrigada a pagar indenização de dois salários mínimos mensais às famílias atingidas, e que o governo norueguês, acionista da Hydro Alunorte, seja cobrado a se pronunciar publicamente sobre o vazamento e sobre o tratamento que será dado às comunidades atingidas.

Representantes de entidades sindicais dos empregados da Hydro Alunorte reivindicaram a adoção de medidas para evitar demissões na empresa, e pediram para participar de reuniões. O procurador da República Felipe de Moura Palha destacou que o Ministério Público está aberto para reunir-se com todos os interessados.

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Respostas

A promotora de Justiça Eliane Moreira destacou que uma solução rápida para todas as questões emergenciais apresentadas pela população só depende da Hydro Alunorte, tendo em vista que as demandas apresentadas pelos moradores são as mesmas já apontadas pelos membros do Ministério Público, e que podem compor um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

No início de março a Hydro Alunorte indicou que pode aceitar a realização de acordo emergencial que trate da avaliação e efetividade do plano de emergências da empresa, da avaliação da segurança das barragens e de todo o processo produtivo da refinaria – incluindo o tratamento de efluentes -, e de medidas de garantia de fornecimento de água potável, informações e tratamento de saúde às famílias atingidas.

A manifestação dos dirigentes internacionais da empresa foi feita em reuniões com membros do MPF, MPPA e Ministério Público do Trabalho iniciadas após o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado terem adotado, em fevereiro, medidas judiciais e extrajudiciais logo após o acidente.

Com base em investigações que confirmaram o vazamento, inclusive por meio de perícia do Instituto Evandro Chagas (IEC), a Hydro Alunorte foi recomendada pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública do Estado a tomar medidas urgentes e apresentar uma série de informações relativas à minimização dos impactos e à prevenção contra novos vazamentos.  

Na Justiça Estadual o MPPA conseguiu que a Hydro Alunorte fosse obrigada a reduzir pela metade sua produção, decisão confirmada em segunda instância. A Justiça do Estado também proibiu o uso da bacia de rejeitos nº 2 da Hydro até que empresa obtenha licença de operação e demonstre a capacidade operacional e de segurança de sua estrutura, reavaliados todos os requisitos técnicos construtivos adequados a um padrão de chuva e também de operação.

No MPF e MPPA atuam no caso os procuradores da República Ricardo Negrini, Felipe de Moura Palha e Ubiratan Cazetta e os promotores de Justiça Eliane Moreira, Laércio Abreu e Daniel Barros. A audiência pública contou com a participação da promotora de Justiça Myrna Gouveia.

Diálogo público 

Além de ouvir a população, a audiência pública realizada pelo MPPA e MPF nesta quinta-feira teve como objetivo prestar contas aos moradores sobre a atuação do Ministério Público em relação ao vazamento e ouvir quais seriam suas principais demandas emergenciais.

Iniciando a apresentação dos trabalhos realizados pelo Ministério Público, o promotor de Justiça Laércio Abreu destacou que não há nenhum acordo feito entre o Ministério Público e a Hydro, porque antes de fechar qualquer negociação o Ministério Público quer ouvir a sociedade por meio de eventos como a audiência pública realizada nesta quinta-feira.

“Graças ao apoio da sociedade de Barcarena é que o Ministério Público foi alertado sobre o vazamento logo após o fato ter ocorrido”, lembrou o procurador da República Ricardo Negrini, que também agradeceu o apoio do Ministério Público do Trabalho e da Defensoria Pública do Estado nas investigações e conversações com a Hydro.

O procurador da República Felipe de Moura Palha ressaltou que é preciso que a sociedade seja consultada, para que o Ministério Público considere tais fatos  nos próximos passos a serem tomados na conversação com a empresa. “Vamos visitar cada uma das comunidades para saber quais foram os impactos a cada uma das famílias, para podermos chegar a uma solução que leve em consideração as necessidades reais de cada um de vocês”, anunciou.

Atuação detalhada

 O promotor de Justiça Laércio Abreu detalhou o passo a passo das investigações – dois inquéritos no MPPA e um inquérito no MPF apuram os fatos – e providências tomadas no caso, destacando a descoberta, durante as investigações, de mais um canal irregular de descarte de rejeitos. 

A descoberta foi narrada pela promotora de Justiça Eliane Moreira, que registrou que esse canal é consideravelmente maior que a tubulação ilegal identificada nas primeiras vistorias.

“Estamos quase todos os dias vistoriando a empresa em busca de verificar a ocorrência de novos problemas como esses, e para conferir se estão sendo tomadas todas as medidas emergenciais que apontamos”, informou.

A promotora de Justiça informou que denúncias sobre eventuais novos vazamentos e outras informações que possam auxiliar a atuação do Ministério Público devem ser encaminhadas por e-mail para ftbarcarena@gmail.com .

FONTE: http://www.mpf.mp.br/pa/sala-de-imprensa/noticias-pa/pedidos-de-desculpas-nao-resolvem-impactos-dizem-atingidos-pelo-vazamento-da-hydro