Ainda não estamos nem aí

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Por Douglas Barreto da Mata

Como disse o estudioso em comunicação e semiótica Wilson Ferreira, em seu blog cinegnose, o filme que deu à atriz Fernanda Torres o Globo de Ouro, como protagonista do filme “Ainda estamos aqui”, é um produto sob medida da Globo e da Sony Pictures para controlar a narrativa sobre o golpe militar no Brasil. Não seria a primeira vez que um produto cultural de massas, ou um meio ou plataforma interfere nos rumos da História, utilizado como instrumento de persuasão ideológica. Aliás, toda a indústria de bens culturais é voltada para essa tarefa, apesar de uns poucos ingênuos e outros tantos cínicos dizerem que a arte é uma manifestação livre desses vínculos.

Esse pessoal vai chiar, reivindicando uma leitura estética do filme, exigindo que seja levado em conta seu valor como arte, desprovido de “intenções ou mensagens”. Eu respeito o direito a essa fala, embora desrespeite, por completo, o argumento. O fato é que o “timing” sugere essa lógica, como alertou Wilson Ferreira.

Ninguém duvida da importância de lembrar a selvageria da ditadura. O problema é isolar essa violência como algo resultante da “maldade” ou “sadismo” dos militares. Ferreira presta atenção a esse fato. Concordo com ele

Descolar essa violência de seu contexto histórico, ficando apenas na vida da família do deputado, e nos aspectos pessoais da luta de sua viúva pelo reconhecimento do seu assassinato, é uma forma de “afastar” qualquer relação de causalidade, isentando de culpa a Globo, os EUA e sua indústria cultural geopolítica, e enfim, o pai de Walter Salles, banqueiro dono do Unibanco, na época, senão um articulador do golpe de 64, certamente, beneficiado por ele.

É disso que se trata. No filme parece que o golpe de 1964 é um evento Ex Machina, ou de “combustão espontânea”. Criar uma forma romantizada de contar parte da história, seduzindo a audiência pelo drama da mãe coragem contida e afável, é confirmar essa tese anti histórica.

Sem dúvidas, esse processo de criação discursiva ajuda a perpetuar a invisibilidade de todo o resto da sociedade, em sua maioria, pretos e pobres favelados, que sofreram, e sofrem, até hoje, os efeitos da violência estatal.

Sim, senhor, a violência estatal de hoje está diretamente relacionada àquela violência de 64, e de antes, antes e antes. O sofrimento dos parentes de militantes, quase todos de classe média, tem que ser rememorado. O problema é esquecer os 20, 30, em alguns anos, 40, 50 mil mortos/ano por PAF (projétil de arma de fogo), contingente formado pelos mesmos de sempre (pretos e pobres)

A amnésia seletiva impede a correta reparação e retratação não só a este ou aquele fragmento da sociedade, mas a todo país, ao menos da parte que sempre esteve na base da pirâmide.

Um país que anistiou militares torturadores e assassinos, e segue matando e espancando, ou jogando de pontes, ou matando por asfixia em caçambas de viaturas, ou em abordagens em rodovias, como assistimos nas redes sociais, não tem o que comemorar. E deveria assistir o filme com menos ufanismo.

Afinal, ainda não estamos nem aí, certo?

ESR/UFF convida para seminário sobre o Golpe Militar de 1964

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O Seminário 1964: Golpe, Ditadura e História ocorrerá no Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense [ESR/UFF] em Campos dos Goytacazes, entre os dias 1 e 4 de abril de 2024.

O seminário contará com atividades à tarde e à noite e a Comissão Organizadora convida a todos para participar.  Quem não fez inscrição on-line [para recebimento da declaração de presença] poderá fazê-lo presencialmente. A atividade é aberta e gratuita.

Quem desejar baixar a programação completa do Seminário 1964: Golpe, Ditadura e História, basta clicar [Aqui!].

Comissão Organizadora

Prof. Dr. Christiano Britto Monteiro dos Santos (CHT/ GAMME).

Profª. Drª. Débora El Jaick Andrade (CHT/ LAHPOC).

Profª. Karyne Corrêa Pacheco (CHT/ LAHISPI).

Prof. Dr. Luiz Claudio Duarte (CHT/ LAHISPI).

Profª. Drª. Márcia Regina da Silva Ramos Carneiro (CHT/ LEDA).

Discente Maria Letíce de Siqueira Aguiar (CHT/ LEDA).

Laboratórios Organizadores

Grupo de Análise de Metodologias Midiáticas para Educação (GAMME).

Laboratório de Estudos das Direitas e dos Autoritarismos (LEDA).

Laboratório de História do Poder e das Ideologias (LAHISPI).

Laboratório de História Política e Cultura (LAHPOC).

Apoios

Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional – ESR/UFF

Departamento de História de Campos – CHT/UFF

Endereço: Rua José do Patrocínio, 71, Centro, Campos dos Goytacazes.

Memorial Cambahyba: os fornos da morte viram marco contra a ditadura, 60 anos depois

Com caravana do Estado, ato na “Usina da Morte”, em Campos dos Goytacazes (RJ), vai mostrar à sociedade horrores da ditadura

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Por Roberto Junquilho para o “Século Diário”

Um ato de alcance nacional, nesta quarta-feira (6), nos fornos da extinta usina de cana-de-açúcar Cambahyba, a “Usina da Morte”, em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, será o início da longa caminhada até Juiz de Fora, Minas Gerais, para relembrar os 60 anos do golpe de 1964, “para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça”. Os fornos, onde o delegado Cláudio Guerra, da Polícia Civil do Espírito Santo, cremava corpos das vítimas, nos anos 70, será o ponto inicial de várias manifestações até a data dos 60 anos do regime, em 1º de abril de 2024.

A área da extinta usina será destinada para a reforma agrária, formalizada como assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O local abriga sete fazendas em 3,5 mil hectares e é objeto de disputa há vários anos. Em 2012, foi considerada improdutiva pela Justiça. Em 2021, desapropriada e destinada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e, em junho do mesmo ano, ocupada por cerca de 300 famílias do MST, no local conhecido como um dos centro de violência da ditadura militar no Rio.  

O parque industrial, hoje desativado e situado em área do MST, no ato será transformado em símbolo contra os crimes da ditadura, em evento com fortes ligações com o Espírito Santo, por meio do livro Memórias de uma guerra suja. No texto, a revelação dos horrores cometidos pelo delegado, usado pela ditadura nos anos 70, como ele conta em depoimento aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto, que resultou em investigações em torno dos crimes registrados naquele período.

No Espírito Santo, de onde sairá uma caravana de militantes políticos para a área da usina, haverá uma série de atos sobre a ditadura, entre documentários, com depoimentos de ex-presos políticos e de vítimas de tortura, lançamento de livros e exposição de fotos, concentrados no Centro Cultural Triplex Vermelho, no Centro de Vitória. Palestras em escolas, sindicatos, partidos políticos e outros espaços também fazem parte da programação.

A criação do “Memorial Cambahyba, ditadura nunca mais, memória, verdade e justiça” mobiliza o Triplex Vermelho, o Fórum Memória e Verdade, do Espírito Santo, e a centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Associação de Pós Graduandos da UFF Mariele Franco e Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG), entre várias outras entidades e partidos políticos.

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O objetivo é levar à sociedade os horrores da ditadura militar no Brasil, único país da América do Sul em que os ditadores não foram julgados e punidos. A maioria dos criminosos permanece na impunidade e, muitos deles, são homenageados com nomes em logradouros públicos e em discursos de agentes públicos da extrema direita, invariavelmente ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), admirador do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais conhecidos chefes de centros de tortura do período.

A ação no “Memorial Cambahyba” tem o apoio do Ministério dos Direitos Humanos; familiares de presos, mortos e desaparecidos políticos; centrais sindicais – CUT, CTB, MST -; partidos – PCB, PCdoB, PT, PSB, Psol -; e outros movimentos.

Os organizadores do ato afirmam que “a ocupação da Usina Cambahyba e das terras têm um sentido de preservação do espaço de memória daqueles que foram silenciados e desaparecidos no período da ditadura militar”, com a permissão da então Companhia Usina Cambahyba para utilização dos fornos para sumir com 12 corpos de presos políticos e opositores do regime. 

Foram cremados nos fornos os corpos de presos políticos, estando já identificados os de Ana Rosa Kucinski Silva (ALN), Armando Teixeira Frutuoso (PCdoB), David Capistrano (PCB), Eduardo Collier Filho (APML), Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira (APML), João Batista Rita Pereira (VPR), João Massena Melo (PCB), Joaquim Pires Cerveira (FLN), José Roman (PCB), Luiz Inácio Maranhão Filho (PCB), Thomáz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN) e Wilson Silva (ALN).

Comissão Nacional da Verdade

No livro Memórias de uma Guerra Suja, Claudio Guerra relata: “Minha participação na guerra contra a esquerda pode ser dividida em duas fases: a primeira foi de execução dos inimigos do regime militar. Eu era convocado e matava. Muito eficiente, passei a ter importância crescente na comunidade de informações, que organizava o combate aos comunistas”.

Na segunda fase, completa o ex-delegado, “tornei-me estrategista, braço direito dos coronéis linha-dura, ganhando prestígio e poder, participando de discussões secretas, votando pela eliminação de pessoas, planejando e liderando atentados a bomba”.

Os primeiros a serem incinerados, segundo Guerra, foram João Batista Rita Pereira, militante da VPR, e Joaquim Pires Cerveira, da FNL. Os dois haviam sido presos na Argentina trazidos para o Brasil. Guerra relata que eles tinham que sumir para não complicar ainda mais o delegado Sergio Fleury, de São Paulo. “Fizemos, então, um favor ao delegado”.


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Este texto foi originalmente publicado pelo Século Diário [Aqui!].

“Marighella” já é o filme brasileiro mais visto desde o início da pandemia

Em uma semana, filme acumulou a marca de 100 mil espectadores em 300 salas por todo o país

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Primeiro longa-metragem de Wagner Moura como diretor, ‘Marighella’ estreou oficialmente nos cinemas brasileiros na última quinta-feira, 4 de novembro de 2021, exatamente 52 anos após o assassinato de Carlos Marighella pela Ditadura Militar Brasileira, em 1969. Desde então, o filme alcançou 100 mil espectadores em 300 salas, incluindo as sessões de pré-estreias.

A marca já é responsável por tornar ‘Marighella’ o filme brasileiro mais visto desde o início da pandemia, em março de 2020. O longa chegou ao Brasil depois de passar por importantes festivais mundo afora (Berlim, Seattle, Hong Kong, Sydney, Santiago, Havana, Istambul, Atenas, Estocolmo, Cairo, entre cerca de 30 exibições em países dos cinco continentes).

‘Marighella’ traz no elenco Seu Jorge, no papel-título, Bruno Gagliasso, Luiz Carlos Vasconcellos, Herson Capri, Humberto Carrão, Adriana Esteves, Bella Camero, Maria Marighella, Ana Paula Bouzas, Carla Ribas, Jorge Paz, entre outros. O filme conta a história dos últimos anos de Carlos Marighella, guerrilheiro que liderou um dos maiores movimentos de resistência contra a ditadura militar no Brasil, na década de 1960.

Comandando um grupo de jovens revolucionários, Marighella (Seu Jorge) tenta divulgar sua luta contra a ditadura para o povo brasileiro, mas a censura descredita a revolução. Seu principal opositor é Lucio (Bruno Gagliasso), policial que o rotula de inimigo público nº 1. Quando o cerco se fecha, o próprio Marighella é emboscado e morto – mas seus ideais sobrevivem nas ações dos jovens guerrilheiros, que persistem na revolução.

O filme tem produção da O2 Filmes e coprodução da Globo Filmes e Maria da Fé. A distribuição é da Paris Filmes e da Downtown Filmes.

Sinopse

1969. Marighella não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação.

Em “Marighella”, o inimigo número 1 da Ditadura Militar tenta articular uma frente de resistência enquanto denuncia o horror da tortura e a infâmia da censura instalados por um regime opressor. Em uma experiência radical de combate, ele o faz em nome de um povo cujo apoio à sua causa é incerto — enquanto procura cumprir a promessa de reencontrar o filho, de quem por anos se manteve distante, como forma de protegê-lo.

Elenco

Seu Jorge como Marighella

Adriana Esteves como Clara

Ana Paula Bouzas como Maria

Bruno Gagliasso como Lúcio

Bella Camero como Bella

Herson Capri como Jorge Salles

Humberto Carrão como Humberto

Jorge Paz como Jorge

Luiz Carlos Vasconcelos como Branco

Equipe

Direção: Wagner Moura         

Produção: Bel Berlinck, Andrea Barata Ribeiro, Wagner Moura, Fernando Meirelles

Produtor Associado: Fernando Meirelles

Produtora Executiva: Cristina Abi

Roteiro: Felipe Braga e Wagner Moura

Direção de Fotografia: Adrian Teijido, ABC

Direção de Arte: Frederico Pinto, ABC

Produtor de Elenco: Hugo Aldado

Preparadora de Elenco: Fátima Toledo

Trilha: Antonio Pinto

Figurino: Verônica Julian

Maquiagem: Martin Macías Trujillo

Produtora: O2 Filmes

Coprodutoras: Globo Filmes e Maria da Fé

Distribuidoras: Paris Filmes / Downtown Filmes

Empresas associadas ao projeto

Com 30 anos de mercado, a O2 Filmes já produziu longas-metragens e séries que participaram e receberam prêmios nos principais festivais de cinema do mundo como Cannes, Berlim e Veneza, além premiações como o Emmy, Oscar e BAFTA. A produtora realiza projetos independentes e em parceria com grandes estúdios internacionais e emissoras de televisão, e hoje é considerada uma das mais criativas e importantes produtoras no mercado internacional, sendo a única do Brasil com 5 indicações ao Oscar. Com Wagner Moura, já realizaram filmes como “VIPs”, “A Busca”, “Trash” – e agora o épico “Marighella”.

Paris Filmes, empresa brasileira que atua no mercado de distribuição e produção de filmes, destacando-se pela alta qualidade cinematográfica. Além de ter distribuído grandes sucessos mundiais como as sagas “Crepúsculo” e “Jogos Vorazes”, o premiado “O Lado Bom da Vida”, que rendeu o Globo de Ouro®️ e o Oscar®️ de Melhor Atriz a Jennifer Lawrence em 2013 e “Meia-Noite em Paris”, que fez no Brasil a maior bilheteria de um filme de Woody Allen, a distribuidora também possui em sua carteira os maiores sucessos do cinema nacional, como as franquias “De Pernas Pro Ar”, “Até Que a Sorte nos Separe” e “DPA – O Filme”. Nos últimos anos a empresa esteve à frente de importantes lançamentos como “John Wick”, “La La Land – Cantando Estações”, “A Cabana”, “Extraordinário”, “Nada a Perder” e “Turma da Mônica – Laços”. Para os próximos lançamentos, a companhia aposta em um line-up diversificado, que inclui títulos como “Marighella”, “Turma da Mônica – Lições”, “A Sogra Perfeita”, “Detetives do Prédio Azul 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo”, as sequências de “John Wick” e “Jogos Vorazes”, entre outros.

 A Globo Filmes atua como produtora e coprodutora de filmes brasileiros com foco na qualidade artística e na diversidade de conteúdos que valorizam a nossa cultura, maximizando a audiência no cinema e demais janelas.

Desde 1998, participou de mais de 400 filmes, levando ao público o que há de melhor do cinema brasileiro; comédias, romances, documentários, infantis, dramas e aventuras. Fazem parte de sua filmografia recordistas de bilheteria, como ‘Tropa de Elite 2’ e ‘Minha Mãe é uma Peça 3’ – ambos com mais de 11 milhões de espectadores –, sucessos de crítica e público como ‘2 Filhos de Francisco’, ‘Aquarius’, ‘Que Horas Ela Volta?’, ‘O Palhaço’ e ‘Carandiru’, e longas premiados no Brasil e no exterior, como ‘Cidade de Deus’ – com quatro indicações ao Oscar – e ‘Bacurau’, que recebeu o prêmio do Júri no Festival de Cannes. 

Material Adicional:

Trailer: https://youtu.be/bo5ohsd4T08

Lutas, memórias e violações no campo brasileiro: conflitos, repressão e resistências no passado

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Lançado em maio de 2021, este livro materializa a continuidade das reflexões e estudos da Comissão Camponesa da Verdade (CCV), iniciada em 2013. A criação da CCV foi uma das definições do “Encontro nacional unitário de trabalhadores e trabalhadoras, povos do campo, das águas e das florestas”, realizado em 2012, em Brasília.

As reflexões expostas no livro são resultado de pesquisas sobre “mobilizações e movimentos sociais agrários, repressão e resistências do pré-1964 à ditadura civil-militar” e dão visibilidade e protagonismo aos sujeitos do campo. Esses são esforços de reconstrução de memórias e histórias impedem que as violações de direitos e violências sejam esquecidas e reconhecem sujeitos históricos.  A obra aponta que a admissão das violações é passo fundamental para possíveis reparações, diminuindo as injustiças e a impunidade, marcas históricas e atuais do campo brasileiro. 

Quem desejar baixar a íntegra desta importante obra organizada pelo professor Sérgio Sauer, basta clicar [Aqui! ].

Marketing acadêmico: disponibilizando o livro “Ditadura, Conflito e Repressão no campo: a resistência camponesa no estado do Rio de Janeiro”

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Em um momento em que há uma profunda negação da violência e dos crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o período coberto pela Ditadura Militar de 1964, obras que documentem os diferentes ângulos pelas quais a sociedade brasileira, e especialmente os trabalhadores, foi duramente castigada se tornam fundamentais.  Por isso, o  livro “Ditadura, Conflito e Repressão no campo: a resistência camponesa no estado do Rio de Janeiro” é de tamanha importância, pois apesar da violência cometida contra os trabalhadores rurais e suas organizações ter atingido níveis duríssimos, ainda existe pouca literatura científica que possa alimentar as devidas reflexões sobre o que aconteceu naquele período e de como ainda convivemos com os efeitos daquele processo todo.

O livro “Ditadura, Conflito e Repressão no campo: a resistência camponesa no estado do Rio de Janeiro” foi organizado pela professora Leonilde Sérvolo de Medeiros, professora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA/UFRRJ), que efetivamente é uma das principais intelectuais no campo dos estudos agrários brasileiros, e está dividido em 15 capítulos que discorrem com bastante aprofundamento os enfrentamentos e violências vivenciados pelos trabalhadores rurais do Rio de Janiero.

Um desses capítulos aborda a luta dos trabalhadores rurais do município de Campos dos Goytacazes entre 1964 e 1985 Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos dos Goytacazes que foram conduzidas pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos (STRC), pioneiro na luta por direitos dos trabalhadores da agroindústria canavieira.  Esse capítulo tem como uma das suas autoras, a professora Ana Maria Almeida da Costa, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Aliás, a importância da ação do STRC nas lutas dos trabalhadores rurais é reforçada pela presença de outro capítulo intitulado “Ação sindical e o regime militar. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Campos dos Goytacazes entre as décadas de 1960 e 1980”, este de autoria dos pesquisadores Rayanne de Medeiros Gonçalves e Rodrigo Pennutt da Cruz.

Mas é importante dizer que nos seus 15 capítulos esta obra realiza um primoroso trabalho de reconstrução das lutas ocorridas nas áreas rurais de todo o estado do Rio de Janeiro, trazendo ainda 3 anexos que trazem a relação de camponeses presos pelo regime militar, a lista de assassinados no campo entre 1964 e 1985, e ainda a lista dos desaparecimentos forçados.

Esta obra foi publicada pela “Consequência Editora”, mas pode ser baixada na íntegra [Aqui!].

MPF move ação para preservar acervo arquivístico da época da ditadura do extinto Ministério do Trabalho

Material histórico relativo a violações de direitos de trabalhadores forma uma massa de documentos de aproximadamente 720 m3 de papéis, que está em estado precário de preservação e acesso

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O Ministério Público Federal (MPF) move ação civil pública, com pedido de liminar, para que a União inicie imediatamente as medidas de preparação técnica do acervo arquivístico do extinto Ministério do Trabalho sobre o período da ditadura militar no Brasil, que atualmente encontra-se disposta em galpões no Setor de Indústrias e Abastecimento (SIA), em Brasília. Trata-se de uma massa de documentos que forma aproximadamente 720 m3 de papéis, ou cerca de 8.640 metros lineares, que está em estado precário de preservação e acesso, exposta, inclusive, à água da chuva. (ACP 5048679-73.2020.4.02.5101)

Na ação, o MPF requer que sigam as orientações indicadas em nota técnica elaborada pelo Arquivo Nacional: higienizar e limpar o acervo documental, quando necessário; identificar e separar os documentos relativos as atividades- meio e os relativos as atividades-fim; os documentos referentes às atividades-meio deverão ser classificados e avaliados utilizando-se o Código de Classificação e tabela Básica de Temporalidade e Destinação de Documentos de Arquivo relativos às atividades-meio da administração pública, aprovados pela Resolução n. 14, de 24 de outubro de 2001 pelo Conselho Nacional de Arquivos; os documentos que já cumpriram os prazos de guarda e cuja destinação final é a eliminação deverão ser separados para que se cumpra o disposto na resolução n. 40, de 9 de dezembro de 2014 do CONARQ, desde que não haja impedimentos para sua eliminação;  fazer o levantamento e o estudo de todas as funções e atividades que eram desempenhadas pelo Ministério do Trabalho, por meio da pesquisa na legislação e normas específicas que as regulavam; elaborar um quadro com descritores que representem as funções e atividades desenvolvidas pelo Ministério do Trabalho, o que viabilizará a classificação dos documentos relativos às atividades-fim; elaborar um Plano de Destinação de Documentos para determinar os prazos de guarda e destinação final (guarda permanente ou eliminação) dos documentos produzidos no desenvolvimento das atividades-fim, que deverá vir acompanhado de justificativas claras e precisas sobre o que determinou tal decisão; efetivar o recolhimento da documentação de guarda permanente para o Arquivo Nacional observando o que dispõe a portaria n. 252 de 2015;  os documentos que, após o tratamento técnico arquivístico, estiverem cumprindo, ainda, os prazos de guarda nas fases corrente e intermediária, permanecerão sob a custódia dos Ministérios sucessores; uma vez cumpridos os prazos de guarda determinados nos instrumentos de gestão de documentos para cada fase, a CPAD deverá promover a eliminação dos documentos destituídos de valor e providenciar o recolhimento ao Arquivo Nacional dos documentos de guarda permanente.

“Enquanto aguarda-se indefinidamente a implementação das medidas há muito apontadas pelo Arquivo Nacional para salvaguardar o acervo do extinto Ministério do Trabalho, inúmeros documentos de importância histórica incalculável deterioram-se de forma irrecuperável”, alertam os procuradores da República Ana Padilha, Renato Machado e Sérgio Suiama, autores da ação.

Embora esteja armazenado em condições deploráveis, o arquivo  do extinto ministério contém parte dos acervos das antigas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) de São Paulo e Rio de Janeiro, além de outros documentos relevantes sobre a história dos trabalhadores durante o regime de exceção. A notícia sobre as condições de armazenamento do acervo chegou ao conhecimento da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão através de representação formulada pela Secretaria Executiva do Fórum de Trabalhadoras e Trabalhadores por Verdade, Justiça e Reparação Grupo de Trabalho (GT) Comissão da Verdade no Ministério do Trabalho. O Grupo de Trabalho foi instaurado em julho de 2016, em atendimento à reivindicação do movimento sindical e à recomendação do Grupo de Trabalho Ditadura e repressão aos trabalhadores, às trabalhadoras e ao movimento sindical, da Comissão Nacional da Verdade. Com a extinção do Ministério do Trabalho, o GT funcionou até 15 de dezembro de 2019.

Uma parte do acervo – aproximadamente 500 caixas – já foi enviada do Ministério do Trabalho ao Arquivo Nacional em 1992. Dentre esta documentação anteriormente transferida – que atualmente está higienizada e disponível de forma organizada para pesquisa – há documentos que comprovam intervenções arbitrárias em sindicatos e comunicação entre o Ministério do Trabalho, empresas e órgãos de repressão para a vigilância e coerção de lideranças trabalhistas e sindicais.

55 anos do Golpe de 1964: as lições da história

Entre as lições a se tirar dos golpes de 1964 e de 2016, que se vinculam no tempo e na história, está a de que o assalto ao Estado foi precedido por longa articulação na sociedade civil. Este assalto relacionou-se com a unidade ideológica das classes dominantes e as vacilações e ambiguidades das lideranças progressistas para lhe responderem com firmeza. Tais ambiguidades e vacilações, seja por concessões realizadas ou por falta de vontade para o enfrentamento radical, proporcionaram o espaço para a formação de uma base de massas provisória para lhe dar suporte.

Ditadura Militar

Por Carlos Eduardo Martins para o Blog da Boitempo*

A iniciativa do atual Presidente da República, Jair Bolsonaro, de oficializar a comemoração do Golpe de 1964, em afronta aos princípios, direitos e garantias fundamentais da Constituição Federativa do Brasil de 1988, assim como a impunidade daí resultante, em razão da forte inação dos poderes constituídos, a despeito dos protestos dos setores democráticos da sociedade civil, do Parlamento e do Ministério Público, revelam a profundidade do legado deste Golpe na configuração das estruturas do Estado brasileiro.

A literatura crítica mais recente tem utilizado os conceitos de ditadura civil-militar ou empresarial-militar para designar o período a que o Golpe deu lugar, buscando superar as limitações do termo ditadura militar, que não aponta as conexões deste acontecimento com a sociedade civil. Entretanto, esta terminologia tampouco é suficiente, pois não precisa o seu componente civil ou empresarial – afinal trabalhadores são civis e há empresas estatais e de diversas frações do capital, como as pequenas e médias empresas – nem a relação do poder civil com o poder militar na ditadura. O Golpe de 1964 deu início à ditadura militar do grande capital, principalmente de sua fração estrangeira e seus sócios internos, que constituiu o principal articulador e o centro de comando estratégico do processo. Em razão da sua fragilidade enquanto ator civil para se afirmar eleitoralmente com sua agenda social e nacional regressiva, delegou-se aos segmentos militares, mais transnacionalizados e subordinados aos interesses estadunidenses, delegou-se a liderança política para romper com a Constituição de 1946 e a democracia liberal, impondo a ditadura. Ao grande capital coube a articulação do golpe, o controle da política econômica e grande parte da política externa, além da iniciativa de distensão quando se avolumavam as pressões em setores da corporação militar e da tecnoburocracia estatal para direcionar o padrão de acumulação rumo a um capitalismo de Estado subimperialista e dependente.

Desde 1945, o varguismo venceu seguidamente as eleições presidenciais com Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. À imensa mobilização provocada pelo suicídio de Vargas, às traições que o PSD impôs à agenda varguista, somou-se o fortalecimento dos trabalhadores da cidade e do campo, impulsionado pelo acelerado processo de modernização, para deslocar crescentemente o apoio popular para o PTB. Este, nas eleições de 1962, ultrapassou a UDN e fez a segunda maior bancada na Câmara, praticamente empatando com o PSD, saltando em participação de 17% em 1954 para 28% em 1962. Preocupados com o crescimento das reivindicações sindicais e dos movimentos populares em torno às reformas de base, com a mobilização política e social dos suboficiais, impulsionada pela reivindicação de elegibilidade dos sargentos e marinheiros, e pelo êxito da cadeia da legalidade que fraturou o aparato militar, garantindo a posse de Jango Goulart na Presidência, o capital transnacional e seus sócios locais decidiram agir para impedir o avanço da onda de democratização que ganhava força no país. Criaram então, em novembro de 1961, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) com o objetivo de desestabilizar o governo Jango, reprimir e desbaratar os movimentos sociais e tomar o controle do Estado.

O IPES representou o ponto de fusão de uma ação molecular realizada no pós-guerra para redefinir o Estado brasileiro e colocá-lo a serviço da modernização industrial, financeira e política impulsionada pela reestruturação da divisão do trabalho e das relações internacionais estabelecida pela consolidação da hegemonia dos Estados Unidos no mundo. Para isso, criaram-se programas de treinamento de oficiais latino-americanos no War College, e de assistência técnica e modernização de suas forças armadas. Chave, no caso brasileiro, foi a aproximação entre as tropas brasileiras e estadunidenses a partir da presença da FEB na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1948, foi fundada a ESG, encarregada de elaborar a versão brasileira da Doutrina de Segurança Hemisférica, produzida no War College. A ESG funcionou, desde então, como o centro de organização de um pensamento militar periférico, dependente, que subordinou a soberania nacional aos interesses do grande capital estadunidense e das velhas potências europeias, principais aliadas dos Estados Unidos no bloco histórico hegemônico que formaram. Diversos think-tanks civis e grupos de trabalho foram desenhados no Brasil para dar respaldo a esta visão que vinculou a modernização e o desenvolvimento do país à internalização da liderança estratégica do capital estrangeiro. Tais grupos que ganharam espaço na administração paralela do Governo Kubitschek e centralidade na administração pública pelo breve período do governo Jânio Quadros, perderam lugar no governo Jango à medida que cresceu a radicalização e o suporte social para implementação das reformas de base, como resposta às desigualdades estruturais da formação social brasileira, às remessas de lucros do capital estrangeiro para suas matrizes e à tentativa de imposição de um programa recessivo de estabilização para a economia brasileira através do FMI.

A imposição dessa visão desnacionalizante e dependente não seria possível sem a conversão das principais lideranças empresariais, militares, políticas e intelectuais locais que a sustentavam em sócias do capital estrangeiro. Isto se estabeleceu por meio da construção de uma densa rede de interpenetração econômica e social que envolveu a sua presença em diretorias e conselhos das empresas multinacionais, a participação no controle acionário, ou a ligação a estas através da prestação de serviços de consultoria ou seminários. Esta forma de suborno foi o preço político a se pagar pela hegemonia interna do capital estrangeiro. Entre os casos mais notórios de interpenetração, podemos mencionar os de Golbery do Couto e Silva, Chefe e fundador do SNI a partir do sistema de informação que montou no IPES, que presidiu a filial estadunidense Dow Chemical entre 1968-73; de Roberto Campos, sócio da CONSULTEC, prestadora de serviços a empresas multinacionais, como a Hanna Mining, que foi Ministro do Planejamento entre 1964-67, tornou-se Presidente do Investbanco, controlado pelo Chase Manhattan Bank e pelo First National Bank, Presidente da Olivetti do Brasil e assumiu assento no Conselho de Administração da Mercedes-Benz, junto com Mario Henrique Simonsen, sócio da CONSULTEC e do Banco Bozzano-Simonsen, Presidente do MOBRAL no Governo Médici e Ministro do Planejamento no Governo Figueiredo. A lista de promiscuidades é imensa e impossível de ser reproduzida aqui. Remeto os leitores ao clássico de René Dreyfuss, 1964: a conquista do Estado, que faz um amplo detalhamento dessas redes. A tentativa do neofascismo brasileiro de apresentar o golpe de 1964 e a ditadura que implicou como símbolos do interesse público e das bandeiras de combate à corrupção é absolutamente ridícula. São notórios os processos de corrupção e a apropriação do interesse público pelo privado e estrangeiro que esse regime implicou.

Tampouco são corretas as teses que pretendem ver entre 1968 e 1964 uma grande descontinuidade. O golpe de 1964 foi brutal e assentou todos os fundamentos institucionais necessários para o seu aprofundamento. O Ato Institucional nº 1, promulgado pelos comandantes das forças armadas, lançou as bases da ditadura ao investi-la de poder constituinte, incluindo os de suspender direitos políticos e garantias constitucionais, cassar mandatos, demitir e aposentar servidores públicos, ou processar e prender por crime contra a segurança nacional. Este Ato atingiu principalmente a esquerda, em particular os trabalhistas e comunistas, mas também os militares legalistas e nacionalistas. Entre março e agosto de 1964, 50 mil pessoas foram presas por razões políticas. O Golpe foi apoiado pela UDN e pelo PSD que elegeu, em 1964, o Vice-Presidente da República, Jose Maria Alckmin, no Congresso, transformado em Colégio Eleitoral. O PTB representou mais da metade dos deputados federais que foram cassados durante o governo Castello Branco. Castello cassou 224 mandatos populares e 10 governadores, cifra apenas superada por Costa Silva/ Junta Militar, enquanto Médici e Geisel cassaram, juntos, 22 mandatos populares. Castello Branco ainda interveio no STF ampliando o seu número de 11 para 16 membros, para esvaziar a força política das nomeações feitas por Jango, e Médici aposentou compulsoriamente Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva, reduzindo novamente seu número para 11, com a renúncia, em protesto, de Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada.

Nelson Rolim, em Não esquecemos a ditadura: memórias da violência faz uma síntese da violência e arbitrariedade da ditadura: 434 mortos ou desaparecidos, 500 mil investigados pelos órgãos de segurança, 200 mil detidos por suspeita de subversão, 10 mil brasileiros exilados, 1.148 servidores públicos civis demitidos, 1312 militares reformados, 1202 sindicatos sob intervenção, 3 ministros do STF afastados, 49 juízes expurgados, o Congresso Nacional fechado 3 vezes e 7 assembleias estaduais postas em recesso. O número total de militares atingidos com cassações, prisões, mortes e aposentadorias compulsórias é ainda maior: 6.300 segundo a Comissão Nacional da Verdade, evidenciando a disputa que aí se estabeleceu para impor a hegemonia da ESG nas forças armadas.

Entre os atingidos pela ditadura militar também estão os trabalhadores e setores populares, alvos das política econômicas da ditadura, que se expressaram na elevação da desigualdade, nos altos níveis de superexploração do trabalho, na precariedade das políticas sociais, nos baixos índices de saneamento público, que produziram grandes assimetrias de expectativa de vida, segundo região e classe social, e elevados índices de mortalidade infantil nas camadas populares. Há que se mencionar ainda a morte de aproximadamente 8 mil indígenas que foram atingidos pelas políticas de expansão da fronteira agrícola para o grande capital, sobretudo, nas regiões norte e centro-oeste. A ditadura brasileira teve ainda papel importante na invasão da República Dominicana em 1965, na conspiração para desestabilizar os governos de Juan Torres Gonzalez na Bolívia em 1971 e de Salvador Allende no Chile em 1973, e para respaldar o golpe de Estado, em 1973, no Uruguai.

Como mencionamos, apesar de atribuir ao mandato militar o poder constituinte permanente, a ditadura reservou as funções estratégicas do planejamento econômico, do desenvolvimento e das políticas monetária, industrial, agrícola e externa principalmente a setores vinculados ao empresariado transnacional e, em menor medida, a tecnoburocracia estatal. A ditadura impulsionou três padrões de acumulação: o liderado por Roberto Campos e Bulhões, por meio do PAEG; o desenvolvimentista, impulsionado pelos I e pelo II PNDs, que buscou sobretudo no governo Geisel, combinar a penetração do capital estrangeiro com a substituição de importações em direção à internalização da indústria pesada; e o subordinado ao ajuste estrutural determinado pelos credores internacionais para o pagamento da dívida externa, que dominou o governo Figueiredo. O primeiro padrão levou à centralização do capital, à elevação da heterogeneidade estrutural e à desnacionalização da indústria brasileira; o segundo buscou um processo de modernização acelerada que aprofundou a dependência financeira e política do país e desconsiderou os movimentos cíclicos do capital estrangeiro, resultando no colapso do crescimento econômico e abrindo o espaço para a estratégia de financeirização que se estabeleceu a partir dos anos 1980, pela qual criou-se uma imensa dívida interna para captar dólares e enviá-los para pagar os juros e amortizações da dívida externa. Tal estratégia de financeirização ganhou autonomia e independência e se tornou o principal negócio da burguesia interna brasileira, unificando suas frações monopolistas, constituindo-se na principal despesa do Estado, mesmo quando a dívida externa deixou de ser uma questão relevante durante o boom das commodities de 2003-2015.

Além da economia política da financeirização, a ditadura legou outros quatro grandes obstáculos à democracia: a lei de anistia imposta pelos militares em aliança com o grande capital, que pretendeu dar respaldo legal aos crimes de terrorismo de Estado que financiaram e praticaram; o poder midiático estabelecido a partir da violação das constituições de 1946 e de 1988, que impôs um os maiores índices mundiais de monopólio da informação em um país; a privatização do ensino superior e o aumento do monopólio da terra.

A lei de anistia tem funcionado para preservar a tutela das instituições democráticas brasileiras pelo poder militar e da ESG sobre este. É inaceitável que cientistas sociais defendam a tese da consolidação das instituições democráticas brasileiras diante desta permanência. A sua reivindicação nos termos impostos pelos golpistas, isto é, acima dos seus próprios termos legais, que anistiou apenas os crimes cometidos entre 1961-79, viola as deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja competência o Brasil reconheceu em 1998, que considera como crimes continuados aqueles de sequestro e desaparecimento de pessoas. Tal blindagem colocou o Brasil na vergonhosa posição de ser o único país da América do Sul que não puniu os crimes de terrorismo de Estado, além de constituí-lo em destino de atração para o exílio de ditadores e genocidas como Alfredo Strossner, que viveu tranquilamente sua vida de luxo em Brasília entre 1989 e 2003.

O poder midiático no Brasil, controlado em sua maior parte por 5 famílias, além de impor o monopólio da informação violando o artigo 220 da Constituição de 1988, se articula abertamente com o poder político das oligarquias, violando o artigo 54, ao relacionar-se com senadores e deputados concessionários de emissoras de rádio e televisão. Tal poder atuou decisivamente para o golpe de Estado de 2016, sem ser molestado durante os governos petistas que continuaram lhes destinando enormes verbas publicitárias e nada fizeram para incluir a Telesur como canal aberto.

Os governos militares impuseram a privatização do ensino superior, invertendo a correção de matrículas de 60% na universidade pública durante o governo Jango para as privadas. Tal trajetória foi mantida no governo FHC quando 70% das vagas foram oferecidas nas universidades privadas e nos governos petistas onde este patamar atingiu 75%. Ainda que os governos petistas tenham ampliado a oferta de vagas nas universidades públicas e o número de professores e vagas de concurso público, não alteraram a correlação em favor do ensino público. Tal enfoque debilita o alcance do pensamento democrático, cidadão e socialmente comprometido na formação da juventude e das classes trabalhadoras que passaram a ter acesso às universidades públicas através do sistema de cotas, uma vez que as universidades privadas privilegiam a formação técnica, em detrimento da articulação com a pesquisa, dos interesses nacionais e de uma formação humanista.

O aprofundamento do monopólio da terra e do agronegócio tem se constituído em fonte de desestabilização dos processos democráticos, obstáculo a erradicação da herança colonial que persiste na economia brasileira, sobretudo com a reprimarização da pauta exportadora e sua projeção na circulação do capital produtivo.

Entre as lições a se tirar dos golpes de 1964 e de 2016, que se vinculam no tempo e na história, está a de que o assalto ao Estado foi precedido por longa articulação na sociedade civil. Este assalto relacionou-se com a unidade ideológica das classes dominantes e as vacilações e ambiguidades das lideranças progressistas para lhe responderem com firmeza. Tais ambiguidades e vacilações, seja por concessões realizadas ou por falta de vontade para o enfrentamento radical, proporcionaram o espaço para a formação de uma base de massas provisória para lhe dar suporte.

A vitória contra as oligarquias internas e internacionais é possível, como foi no Brasil em 1961, durante a cadeia da legalidade. Requer unidade e radicalidade das lideranças e formação de redes na sociedade civil para enfrentar o capitalismo dependente em todas as suas mazelas atuais: a superexploração do trabalho, a violação da soberania nacional, a desindustrialização, o subdesenvolvimento, a financeirização da economia, o agronegócio, o extrativismo predatório, a destruição do meio-ambiente, o racismo e o machismo estruturais, a homofobia, e o genocídio de negros, mestiços e povos originários.

*Carlos Eduardo Martins é Professor Associado do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ e Coordenador do Laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-Hegemonia (LEHC/UFRJ). Membro do conselho editorial da revista semestral da Boitempo, a Margem Esquerda, é autor, entre outros, de Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina  (2011) e um dos coordenadores da Latinoamericana: Enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (Prêmio Jabuti de Livro do Ano de Não Ficção em 2007) e co-organizador de A América Latina e os desafios da globalização (2009), ambos publicados pela Boitempo. É colaborador do Blog da Boitempo quinzenalmente, às segundas.

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Este artigo foi originalmente publicado pelo Blog da Boitempo [Aqui!]

 

Documento (da CIA) revela que presidentes militares autorizaram assassinatos na ditadura

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Documentos do Departamento de Relações Exteriores dos Estados Unidos apontam o envolvimento direto dos presidentes Emíliio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Baptista Figueiredo no assassinato de mais de uma centenas de brasileiros durante a ditadura militar no Brasil. 

A revelação foi feita pelo escritor, doutor em Relações Internacionais e professor da FGV, Matias Spektor. Em sua página no Facebook, Spektor apresenta um relato da CIA sobre reunião ocorrida em março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, então empossado na Presidência, com o general João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Informações (SNI), e outros dois assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando. 

“O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, ‘apenas subversivos perigosos’ deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso”, relata Matias Spektor.

Leia trecho do documento divulgado pelo governo dos EUA: 

 

“De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?”, questionou Matias Spektor. 

Leia na íntegra o relato de Mathias Spektor:

Este é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa.

É um relato da CIA sobre reunião de março de 1974 entre o General Ernesto Geisel, presidente da República recém-empossado, e três assessores: o general que estava deixando o comando do Centro de Informações do Exército (CIE), o general que viria a sucedê-lo no comando e o General João Figueiredo, indicado por Geisel para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI).

O grupo informa a Geisel da execução sumária de 104 pessoas no CIE durante o governo Médici, e pede autorização para continuar a política de assassinatos no novo governo. Geisel explicita sua relutância e pede tempo para pensar. No dia seguinte, Geisel dá luz verde a Figueiredo para seguir com a política, mas impõe duas condições. Primeiro, “apenas subversivos perigosos” deveriam ser executados. Segundo, o CIE não mataria a esmo: o Palácio do Planalto, na figura de Figueiredo, teria de aprovar cada decisão, caso a caso.

De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?

O relato da CIA foi endereçado a Henry Kissinger, então secretário de Estado. Kissinger montou uma política intensa de aproximação diplomática com Geisel.

A transcrição online do documento está no link abaixo, mas o original está depositado em Central Intelligence Agency, Office of the Director of Central Intelligence, Job 80M01048A: Subject Files, Box 1, Folder 29: B–10: Brazil. Secret; [handling restriction not declassified].

FONTE: https://www.brasil247.com/pt/247/poder/354387/Documento-revela-que-presidentes-militares-autorizaram-assassinatos-na-ditadura.htm

Suspensão de Segurança, neodesenvolvimentismo e violações de direitos humanos no Brasil

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A avaliação da utilização do instrumento jurídico chamado de Suspensão de Segurança é trazida na publicação Suspensão de Segurança, neodesenvolvimentismo e violações de direitos humanos no Brasil.

Consolidado durante a época da ditadura militar, esse instrumento permite que qualquer decisão liminar seja suspendida caso se avalie que tal decisão cause lesão à ordem, saúde, segurança e economia pública. Tal suspensão é proferida por apenas uma pessoa – o presidente do Tribunal Superior de onde foi tomada a decisão suspensa –, mesmo que a decisão tenha passado por diversas instâncias processuais.

Esse instrumento – arbitrário– revela a dimensão política com que Judiciário trata das questões coletivas e sociais, e como a atuação desse Poder, na maioria das vezes, não é pautada na garantia dos direitos humanos. Como exemplo disso, cinco casos que retratam como a Suspensão de Segurança é utilizada de forma a atender os interesses do Estado – às custas de violações de direitos – são trazidos na publicação.

Apesar de ter sido paralisada seis vezes, as obras de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte puderam prosseguir após o Estado brasileiro utilizar o instrumento jurídico de Suspensão de Segurança.

Também na Amazônia, casos emblemáticos como a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, a duplicação da Estrada de Ferro Carajás e a Demarcação da Terra Indígena Daje Kapap Epi tiveram retrocessos em suas discussões após a utilização desse instrumento jurídico.

A suspensão de segurança também foi utilizada para a garantia de execução de outras grandes obras relacionadas à megaeventos. Em Belo Horizonte, o governo de Minas Gerais se apropriou do instrumento para impedir o direito de manifestações, que protestavam contra a Copa do Mundo de 2014.

De autoria de Layza Queiroz Santos e Erina Batista Gomes, a publicação produzida pela Terra de Direitos conta com textos de Danilo Chammas, Fernando Gallardo Vieira Prioste e Larissa de Oliveira Vieira.

Baixe a publicação Aqui!:

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Fonte: Terra de Direitos