Brumadinho: crianças expostas a poeira de mineração têm três vezes mais chance de desenvolver alergias respiratórias

brumadinhoComunidades ainda sentem efeitos na saúde do rompimento da barragem em Brumadinho (MG) em 2019. Foto:  Ricardo Stuckert/CÂMARA DOS DEPUTADOS

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Mesmo cinco anos após a tragédia, completados em janeiro, o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em Minas Gerais, ainda impacta a saúde da população local. Crianças expostas à poeira de resíduos de mineração da região tiveram três vezes mais chance de desenvolver alergias respiratórias em comparação a crianças não expostas a esse ambiente. Os dados, coletados em 2021, são de estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicado na segunda (26) na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”.

Os pesquisadores do Projeto Bruminha compararam 217 crianças expostas e não expostas a poeira de mineração, com dados coletados em 2021, ou seja, dois anos após o rompimento da barragem em Brumadinho. As 119 crianças expostas pertenciam às comunidades do Córrego do Feijão, do Parque da Cachoeira e de Tejuco, e as 98 crianças não expostas eram da comunidade de Aranha. Por meio de um questionário, foram coletadas informações socioambientais e clínicas, abordando dificuldade para respirar, congestão nasal, pneumonia, bronquite e alergias respiratórias.

A equipe notou um aumento de aproximadamente 60% nas queixas relacionadas a problemas nas vias aéreas e sintomas respiratórios em crianças do grupo exposto. Além disso, houve quase duas vezes mais relatos de alergia respiratória neste grupo em comparação com o grupo não exposto.

“Crianças menores de 5 anos de idade são mais sensíveis aos efeitos tóxicos das substâncias químicas quando comparadas aos adultos”, destaca o pesquisador e autor do estudo Renan Duarte, da UFRJ. Até mesmo as atividades de remediação do desastre de Brumadinho aumentaram a poeira suspensa, algo comum em ambientes afetados por rejeitos minerais. O tráfego de veículos e as faxinas nos domicílios também permitiram a dispersão dessa poeira.

O rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, foi um dos maiores desastres ambientais do país, vitimando 270 pessoas e causando danos ambientais e sociais para a região. A evolução das condições de saúde das crianças afetadas pela tragédia é acompanhada pela equipe do Projeto Bruminha e pode gerar dados para orientar as tomadas de decisão direcionadas a essa população. “A produção de conhecimento sobre a exposição infantil a poeiras oriundas de áreas de mineração é fundamental para ações efetivas no âmbito da saúde pública, principalmente considerando esse grupo mais vulnerável”, comenta Duarte.

O pesquisador lembra que existem diversas comunidades que vivem em áreas próximas a atividades de mineração em todo o Brasil e que podem ser expostas a poeiras de resíduos. Neste sentido, ele espera que os resultados obtidos pelo estudo sobre as condições de saúde de crianças em contato com essas toxinas possam contribuir para estruturar serviços de assistência e vigilância em saúde nestas diferentes regiões.


Fonte: Agência Bori 

Mais da metade da população da Amazônia Legal e Centro-Oeste sofre com poluição causada por queimadas, aponta estudo

Pesquisadores calcularam exposição da população da região da Amazônia Legal e do Centro-Oeste à poluição do ar gerada por queimadas entre 2010 e 2019. Mais de 20 milhões de brasileiros são expostos a ar de má qualidade por até seis meses ao ano. Exposição à poluição pode causar doenças respiratórias e cardiovasculares e gerar impacto no SUS nas regiões afetadas

fumaça amazonia

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Mais de 20 milhões de habitantes da Amazônia Legal e do Centro-Oeste do Brasil convivem por mais de seis meses ao ano com poluição do ar constante gerada por queimadas na Floresta Amazônica. O levantamento foi feito por pesquisadores da Universidade do Estado do Mato Grosso (UNEMAT) com dados de satélite do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a Médio Prazo analisados entre 2010 e 2019. Os resultados estão publicados na edição de sexta (28) da revista “Cadernos de Saúde Pública”.

Os incêndios, segundo observação dos cientistas, são provocados no processo de produção agropecuária. Esse tipo de queima de biomassa é uma das etapas para derrubada da floresta e gera partículas poluentes chamadas de material particulado fino. O estudo classifica a qualidade do ar de acordo com a Organização Mundial da Saúde, que determina que a concentração máxima aceitável desse material no ar é de 15 microgramas por metro cúbico em uma média diária. Acima disso, a concentração passa a ser de risco para a saúde humana.

Para efeitos de comparação, algumas áreas da região metropolitana da cidade de São Paulo convivem com níveis altos de poluição por até 80% dos dias do ano. Já a área estudada, que compreende as regiões Norte e Centro-Oeste mais o estado do Maranhão, conviveu quase inteiramente com níveis preocupantes de poluição por, pelo menos, metade do ano durante uma década. A área equivale a 68% do território brasileiro e conta com mais de 40 milhões de habitantes no total.

“É consolidado que a poluição faz mal à saúde. Sabemos que tem consequências cardiovasculares importantes e efeitos respiratórios”, afirma Eliane Ignotti, epidemiologista, professora da UNEMAT e uma das autoras do artigo. “Essa poluição por queima de biomassa interfere na qualidade de vida das pessoas”, avalia. Longe de ser esporádica, a exposição sofrida pela população amazônida, tanto de cidades pequenas, quanto grandes acontece todos os anos no período da seca. Por isso, os efeitos sobre a saúde e qualidade de vida da população também são sentidos ao longo do tempo.

Consequentemente, diz Ignotti, estes efeitos terão impacto sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) nas regiões afetadas. “Em termos de custo, serão milhões de reais, que poderiam ser usados para outras finalidades”, avalia a pesquisadora. Para os cientistas, a poluição na área monitorada piorou nos últimos cinco anos com a redução de políticas públicas voltadas para a preservação do meio ambiente. O artigo alerta que os municípios mais impactados pela má qualidade do ar estão na região conhecida como arco do desmatamento, que envolve Acre, Rondônia, sul do Amazonas e do Pará e norte do Mato Grosso.

O próximo passo da equipe é medir os impactos econômicos e sociais da elevada exposição da população brasileira à poluição do ar. “Os riscos de desenvolver problemas de saúde não são iguais para todos os indivíduos. Eles são maiores para os mais vulneráveis, ou seja, crianças, idosos e pessoas em vulnerabilidade social e econômica”, afirma Ignotti. “Mas é importante frisar que toda a população está exposta, e os tomadores de decisão precisam ficar atentos”, conclui.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Cidades com mais áreas verdes registram menos internações por doenças respiratórias

Pesquisadores da PUCPR analisaram dados referentes a 397 municípios do Paraná a partir de fontes como DATASUS, IBGE e Senatran

arborização

As internações hospitalares por doenças respiratórias são menores em municípios com mais áreas verdes. Foi o que comprovou estudo conduzido por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). O objetivo do trabalho era avaliar como a infraestrutura verde urbana (IVU), composta por praças, parques, jardins planejados, fragmentos florestais, reservas florestais urbanas, bosques e arborização, impacta na saúde da população.

“A IVU contribui com as ações voltadas à mitigação e adaptação às mudanças climáticas, reduz os riscos de desastres associados a eventos meteorológicos extremos e auxilia no planejamento e desenvolvimento urbano sustentável. Adicionalmente, ela age nos estressores ambientais urbanos relacionados de várias formas à saúde humana, como as poluições sonora e do ar, assim como nas ilhas e ondas de calor e na redução da poluição atmosférica, que aumenta os riscos e está muitas vezes associada à ocorrência de enfermidades respiratórias”, comenta a engenheira civil Luciene Pimentel, professora do PPGTU da PUCPR e uma das autoras da pesquisa.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 99% da população mundial respira ar que excede os limites de qualidade recomendados pela entidade. Ainda, estima-se que, além de inúmeros problemas de saúde, a poluição atmosférica cause 7 milhões de mortes anuais no planeta.

Para desenvolver o estudo, os pesquisadores da PUCPR analisaram informações de 397 cidades do estado do Paraná, a partir de técnicas de mineração de dados de domínio público, oriundos de fontes como DATASUS, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e do Instituto Água e Terra (IAT) do Paraná.

Algumas características foram ponderadas pela população total e por segmentos relacionados a sexo e faixa etária. Dois indicadores foram escolhidos para representar a IVU: um associado à arborização de ruas e outro à área de unidades de conservação da biodiversidade por habitante nos limites do município.

“Os resultados mostraram que as características selecionadas para o estudo foram adequadas e tiveram sucesso na representação do fenômeno, no caso, as internações hospitalares por saúde respiratória. Nossa conclusão foi no sentido de que os espaços verdes urbanos como unidades de conservação da biodiversidade têm um efeito positivo na proteção para doenças respiratórias, uma vez que estes indicaram um efeito na redução das taxas de hospitalização”, pontua Luciene, acrescentando que indicadores de pobreza também são relevantes para analisar o cenário.

A professora da PUCPR ainda aponta que as taxas de internação por enfermidades do aparelho respiratório, descritas no Capítulo X da 10ª revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), foram inversamente correlacionadas com as taxas de biodiversidade. Em média, as internações por doenças respiratórias foram menores para os municípios com áreas verdes de biodiversidade. Ademais, o indicador de biodiversidade se mostrou mais relacionado à proteção da saúde respiratória do que o de arborização urbana.

“Esses resultados podem subsidiar políticas públicas voltadas para a sustentabilidade ambiental e da gestão da saúde urbana. A redução das taxas de internações por doenças respiratórias têm um benefício colateral na redução dos custos com hospitalizações por agravos de saúde e outras infecções, podendo contribuir ainda para a redução do absenteísmo escolar e no trabalho”, diz a engenheira civil. 

O artigo “Ecosystems services and green infrastructure for respiratory health protection: A data science approach for Paraná, Brazil” (“Serviços ecossistêmicos e infraestrutura verde para a proteção da saúde respiratória: Uma abordagem de ciência de dados para o Paraná, Brasil”, em tradução livre) pode ser acessado na íntegra no link: https://www.mdpi.com/2071-1050/14/3/1835. O estudo também é assinado pelos professores Edilberto Nunes de Moura e Fábio Teodoro de Souza, da PUCPR, e pelo doutorando do PPGTU Murilo Noli da Fonseca.

‘Assassino invisível’: estudo mostra que combustíveis fósseis causaram 8,7 milhões de mortes em todo o mundo em 2018

Poluição de usinas de energia, veículos e outras fontes foi responsável por uma em cada cinco de todas as mortes naquele ano, uma análise mais detalhada revela

poluiçãoDois homens caminham ao longo de Rajpath em meio às condições nebulosas de Nova Delhi, no mês passado. Fotografia: Jewel Samad / AFP / Getty Images

Por Oliver Milman para o “The Guardian”

A poluição do ar causada pela queima de combustíveis fósseis como carvão e petróleo foi responsável por 8,7 milhões de mortes em todo o mundo em 2018, uma impressionante proporção de uma em cinco de todas as pessoas que morreram naquele ano, descobriu uma nova pesquisa.

Os países com o consumo mais prodigioso de combustíveis fósseis para abastecer fábricas, residências e veículos estão sofrendo o maior número de mortes, com o estudo descobrindo que mais de uma em cada 10 mortes nos Estados Unidos e na Europa foram causadas pela poluição resultante, junto com quase um terço das mortes no leste da Ásia, que inclui a China. As taxas de mortalidade na América do Sul e na África foram significativamente menores.

Uma média de mais de 30% das mortes de adultos com 14 anos ou mais no Leste Asiático são atribuíveis à poluição por combustíveis fósseis

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O enorme número de mortos é maior do que as estimativas anteriores e surpreendeu até mesmo os pesquisadores do estudo. “Inicialmente, ficamos muito hesitantes quando obtivemos os resultados porque eles são impressionantes, mas estamos descobrindo cada vez mais sobre o impacto dessa poluição”, disse Eloise Marais, geógrafa da University College London e coautora do estudo. “É generalizado. Quanto mais procuramos impactos, mais encontramos. ”

As 8,7 milhões de mortes em 2018 representam um “contribuinte chave para o fardo global de mortalidade e doenças”, afirma o estudo, que é o resultado da colaboração entre cientistas da Harvard University, da University of Birmingham, da University of Leicester e da University College London . O número de mortos excede o total combinado de pessoas que morrem globalmente a cada ano por fumar tabaco, mais aquelas que morrem de malária .

Os cientistas estabeleceram ligações entre a poluição do ar generalizada da queima de combustíveis fósseis e casos de doenças cardíacas , doenças respiratórias e até mesmo a perda de visão . Sem as emissões de combustíveis fósseis, a expectativa média de vida da população mundial aumentaria em mais de um ano , enquanto os custos econômicos e de saúde globais cairiam em cerca de US $ 2,9 trilhões .

De todas as mortes de crianças com menos de cinco anos na Europa causadas por infecção respiratória inferior, 13,6% são atribuíveis aos combustíveis fósseis

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A nova estimativa de mortes, publicada na revista Environmental Research, é maior do que outras tentativas anteriores de quantificar o custo mortal dos combustíveis fósseis. Um importante artigo publicado pela revista Lancet em 2019 , por exemplo, encontrou 4,2 milhões de mortes anuais por poluição do ar proveniente de poeira e fumaça de incêndio florestal, bem como da combustão de combustível fóssil.

Número de mortes atribuídas à poluição atmosférica causada por combustíveis fósseis em diferentes partes do mundo

Esta nova pesquisa implanta uma análise mais detalhada do impacto de partículas aerotransportadas de fuligem lançadas por usinas de energia, carros, caminhões e outras fontes. Esse material particulado é conhecido como PM2.5, pois as partículas têm menos de 2,5 micrômetros de diâmetro – ou cerca de 30 vezes menores que o diâmetro do cabelo humano médio. Essas minúsculas partículas de poluição, uma vez inaladas, se alojam nos pulmões e podem causar uma variedade de problemas de saúde.

“Não apreciamos que a poluição do ar seja um assassino invisível”, disse Neelu Tummala, um médico de ouvido, nariz e garganta da Escola de Medicina e Ciências da Saúde da Universidade George Washington. “O ar que respiramos afeta a saúde de todas as pessoas, mas principalmente de crianças, idosos, pessoas de baixa renda e pessoas de cor. Normalmente, as pessoas em áreas urbanas têm os piores impactos. ”

Em vez de depender apenas de estimativas médias de observações de satélite e de superfície que representam PM2.5 de uma variedade de fontes, os pesquisadores usaram um modelo 3D global de química atmosférica supervisionado pela Nasa que tem uma resolução mais detalhada e pode distinguir entre as fontes de poluição. “Em vez de depender de médias espalhadas por grandes regiões, queríamos mapear onde está a poluição e onde as pessoas vivem, para que pudéssemos saber mais exatamente o que as pessoas estão respirando”, disse Karn Vohra, estudante de pós-graduação da Universidade de Birmingham e co -autor.

Os pesquisadores então desenvolveram uma nova avaliação de risco com base em uma tranche de novas pesquisas que encontraram uma taxa de mortalidade muito maior por emissões de combustíveis fósseis do que se pensava anteriormente, mesmo em concentrações relativamente baixas. Os dados foram coletados de 2012 e também de 2018 para contabilizar as rápidas melhorias na qualidade do ar na China. As mortes foram contadas para pessoas com 15 anos ou mais.

Os resultados mostram um quadro global variado. “A qualidade do ar da China está melhorando, mas suas concentrações de partículas finas ainda são incrivelmente altas, os EUA estão melhorando, embora haja pontos de acesso no nordeste, a Europa é uma bolsa mista e a Índia é definitivamente um ponto de acesso”, disse Marais. 

Uma usina de carvão em Niederaussem, oeste da Alemanha. Fotografia: Ina Fassbender / AFP / Getty Images

O número de mortos delineado no estudo pode até ser uma subestimação da verdadeira imagem, de acordo com George Thurston, um especialista em poluição do ar e saúde na escola de medicina da NYU que não esteve envolvido na pesquisa. “No geral, entretanto, este novo trabalho deixa mais claro do que nunca que, quando falamos sobre o custo humano da poluição do ar ou das mudanças climáticas, as principais causas são uma e a mesma – a combustão de combustível fóssil”, disse ele.

Philip J Landrigan, diretor do programa de saúde pública global e o bem comum, disse: “Uma pesquisa recente tem explorado o uso de funções de exposição-resposta mais recentes, e vários artigos recentes que usam essas funções mais recentes produziram estimativas mais altas de poluição- mortalidade relacionada do que as análises da Carga Global de Doenças. ” Ele acrescentou: “Considero importante que diferentes modelos de avaliação de risco estejam sendo desenvolvidos agora, porque seu desenvolvimento forçará o reexame das premissas que fundamentam os modelos atuais e os aprimorará”.

Ed Avol, chefe da divisão de saúde ambiental da University of Southern California (USC), disse: “Os autores aplicaram metodologias aprimoradas para quantificar melhor as exposições e documentar melhor os resultados de saúde a fim de chegar à conclusão inquietante (mas não surpreendente) de que a poluição do ar relacionada à combustão de combustíveis fósseis é mais prejudicial à saúde humana global do que anteriormente estimado. Os especialistas em exposição a imagens remotas de satélite e epidemiologistas de saúde da equipe de pesquisa são investigadores altamente competentes e estão entre os acadêmicos mais talentosos neste campo dinâmico. ”

“Os combustíveis fósseis têm um impacto muito grande na saúde, no clima e no meio ambiente e precisamos de uma resposta mais imediata”, disse Marais. “Alguns governos têm objetivos neutros em carbono, mas talvez precisemos levá-los adiante devido aos enormes danos à saúde pública. Precisamos de muito mais urgência. ”

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Este artigo foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo jornal “The Guardian” [   ].

Mudanças de temperatura ‘afetam os pobres mais do que os ricos’

  • Mudança repentina na temperatura aumenta o risco de hospitalização entre os mais pobres: estudo
  • Pesquisa abrangeu quase 148 milhões de internações em mais de 1.800 cidades brasileiras
  • Aqueles que sofrem de doenças infecciosas, respiratórias e endócrinas eram os mais vulneráveis

Pôr do solEm ambientes extremamente quentes, um aumento de um grau Celsius na temperatura diária acarreta um risco maior de hospitalização para as pessoas mais pobres.  Peter Ilicciev / Fiocruz , Creative Commons

Por Meghie Rodrigues

Pessoas que moram em cidades mais pobres têm maior risco de serem hospitalizadas se as temperaturas mudarem rapidamente ao longo de um dia ou em um curto período, de acordo com um estudo realizado no Brasil.

Embora se soubesse que as variações de temperatura aumentavam o risco de doenças e mortalidade para pessoas com doenças como diabetes ou asma, os pesquisadores queriam entender o impacto dos indicadores socioeconômicos, como a renda familiar mensal.

Paulo Saldiva, professor sênior da faculdade de medicina da Universidade de São Paulo e coautor da pesquisapublicada no The Lancet Planetary Health, disse à SciDev.Net : “Essas disparidades são para tudo que você pode imaginar, do COVID-19 a problemas cardíacos. ”

Ao analisar dados de cerca de 148 milhões de hospitalizações em 1.814 cidades brasileiras de janeiro de 2000 a dezembro de 2015, os pesquisadores descobriram que um aumento de um grau Celsius em um determinado dia, em relação ao dia anterior, aumentou o risco de hospitalização em 0,52 por cento em média .

Embora os números possam parecer baixos, os riscos reais podem ser muito maiores porque “a variabilidade da temperatura pode mudar em vários graus de dia para dia”, diz Ben Armstrong, professor de estatística epidemiológica da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, que fez não participar do estudo.

“Essas disparidades são para tudo em que você pode pensar, de Covid-19 a problemas cardíacos.”  Paulo Saldiva, Universidade de São Paulo

Os pesquisadores encontraram disparidades entre os municípios. Pessoas com menos de 19 anos ou mais de 60 anos e portadores de doenças infecciosas, respiratórias e endócrinas de cidades de menor renda apresentaram maior risco de internação por mudanças de temperatura do que as de cidades ricas.

A análise baseou-se em estatísticas socioeconômicas municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dados de hospitalização do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde e relatórios meteorológicos diários de um conjunto de dados meteorológicos brasileiros revisados ​​por pares.

A equipe descobriu que pessoas com doenças endócrinas, como diabetes, em cidades de baixa renda tinham quase quatro vezes mais probabilidade de serem hospitalizadas do que aqueles com condições semelhantes que moravam em cidades de alta renda.

Pessoas com doenças infecciosas em cidades pobres tinham quase três vezes mais probabilidade de serem hospitalizadas por causa de mudanças bruscas de temperatura do que suas contrapartes em cidades ricas, e era um quadro semelhante para doenças respiratórias.

Diabetes e doenças respiratórias não são causadas pela variabilidade da temperatura, mas podem ser adversamente afetadas por ela. A capacidade de nossos vasos sanguíneos de inchar quando está quente ou contrair quando está frio é uma proteção importante contra mudanças bruscas de temperatura, explicou Saldiva.

“Com hipertensão não controlada ou diabetes, as pessoas podem ter aterosclerose, que enrijece os vasos sanguíneos. Isso torna mais difícil para eles lidar com a variação de temperatura porque suas funções de regulação térmica não funcionam mais tão bem ”, acrescentou.

Armstrong disse à SciDev.Net : “Esses resultados são bastante impressionantes, pois a associação entre status socioeconômico e vulnerabilidade fica muito clara aqui.”

Onda de calorAs ondas de calor têm um efeito prejudicial à saúde e os mais pobres são os mais vulneráveis. Crédito: Raúl Santana / Fiocruz ( Creative Commons)

Pessoas de cidades de baixa renda muitas vezes carecem de boa estrutura de habitação e ar condicionado, “e muitas pessoas em áreas rurais trabalham ao ar livre, sendo expostas diretamente ao calor e às variações diárias de temperatura”, disse Sonja Ayeb-Karlsson, professora da Universidade das Nações Unidas Instituto de Meio Ambiente e Segurança Humana, que não participou do estudo.

“Além disso, dietas pobres e estresse financeiro aumentam o impacto mental que pode tornar as pessoas que vivem em regiões mais pobres ainda mais vulneráveis”, acrescentou ela.

Saldiva acredita que essa vulnerabilidade pode ser verdadeira em outras partes do mundo. “O Brasil pode ser, infelizmente, um bom laboratório para esse tipo de estudo: o país é desigual e temos variabilidade climática além de bons dados de saúde”, disse.

Armstrong concorda, mas recomenda cautela: “A extrapolação é sempre arriscada porque há muitos recursos que devemos levar em consideração. Faz sentido extrapolar esses resultados para a América Latina, por exemplo, mas talvez não para o mundo todo. ”

A migração em massa e as mudanças climáticas podem causar estragos evolutivos para os humanos, alerta Saldiva.

“As respostas vasculares ao clima são diferentes em cada parte do mundo e levou milênios para cada pessoa desenvolver sua vantagem adaptativa. As bactérias, ao contrário de nós, evoluem em questão de horas. Com a mudança climática, entraremos em um descompasso evolutivo ”, diz ele.

A pesquisa teve apoio da FAPESP, doadora SciDev.Net.

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Este artigo foi inicialmente  escrito em inglês e publicado no site SciDev [Aqui!].

Em Campos é assim: COVID-19 ou queimadas de cana, façam a sua escolha

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Não bastasse a COVID-19, agora os moradores de Campos dos Goytacazes vão ter que se virar com a poluição causada pelas queimadas de cana

Por uma dessas coincidências nefastas que ocorrem de tempos em tempos, publiquei nesta manhã uma postagem mostrando os efeitos agregados entre a pandemia da COVID-19 e os índices de poluição atmosférica.

Eis que no meio desta tarde comecei a notar aquela característica chuva de fuligem que ocorre durante a safra da cana de açúcar em Campos dos Goytacazes. Sem me dar conta disso, pensei que era apenas um vizinho queimando lixo. Ledo engano! Ao transitar pelas ruas de Campos dos Goytacazes, a verdadeira causa se desvelou e se revelou como sendo uma série de queimadas que estariam ocorrendo na parte norte da cidade (ver imagens abaixo).

Como uma vítima anual de problemas respiratórios pela combinação de ar seco e alta quantidade de material particulado no ar, fato que já me vez frequentar incontáveis visitas à áreas de emergência hospitalar e realizar outras incontáveis sessões de inalação, fico me perguntando o que será de mim se eu ficar no mesmo estado lamentável em que fiquei em safras passadas?

Pois em Campos dos Goytacazes é assim: as vias pelas quais se pode contrair doenças respiratórias são inúmeras, incluindo a COVID-19. Mas a mais tradicional e de longa contribuição para doenças respiratórias certamente não será ela.

Será que custa lembrar pela Lei 5.990 de junho 2011 o  prazo para a erradicação da queimada no Estado do Rio de Janeiro acaba em 2020 para lavouras implantadas em áreas passíveis de mecanização da colheita e em 2024 para áreas não passíveis de mecanização?

Queimadas na Amazônia causam forte impacto no SUS

queimadasCrianças são as principais vítimas da fumaça liberada pelas queimadas na Amazônia brasileira que grande aumento nas doenças respiratórias

A Fiocruz, em estudo coordenado pelo Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), mapeou o impacto das queimadas para a saúde infantil na região amazônica. A pesquisa concluiu que, nas áreas mais afetadas pelo fogo, o número de crianças internadas com problemas respiratórios dobrou. Foram cerca de 2,5 mil internações a mais, por mês, em maio e junho de 2019, em aproximadamente 100 municípios da Amazônia Legal, em especial nos estados do Pará, Rondônia, Maranhão e Mato Grosso – o que acarretou custo excedente de R$ 1,5 milhão ao Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com pesquisas, viver em uma cidade próxima aos focos de incêndio aumenta em 36% o risco de se internar por problemas respiratórios. 

O levantamento aponta ainda que em cinco dos nove estados da região houve aumento na morte de crianças hospitalizadas por problemas respiratórios. É o caso de Rondônia. Entre janeiro e julho de 2018, foram cerca de 287 mortes a cada 100 mil crianças com menos de 10 anos. No mesmo período, em 2019, esse número subiu para 393. Em Roraima, 1.427 crianças a cada 100 mil morreram internadas por problemas respiratórios, no primeiro semestre de 2018. No mesmo período de 2019, foram 2.398.

As informações integram um informe técnico do Observatório de Clima e Saúde, projeto coordenado pelo Icict/Fiocruz. Esse estudo contou também com cientistas da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). O objetivo do trabalho é alertar gestores e profissionais do SUS, de modo a se programarem para o atendimento à saúde das populações mais vulneráveis. Além disso, o levantamento apontou para a importância de reforçar a atenção básica e a busca ativa de casos em locais de maior concentração de queimadas e maiores níveis de poluição atmosférica, já que alguns grupos populacionais podem não ter acesso a hospitais.

Internações quintuplicaram em algumas cidades

Os dados chamam atenção para as cidades de Santo Antônio do Tauá, Ourilândia do Norte e Bannach, no Pará; Santa Luzia d’Oeste, em Rondônia; e Comodoro, no Mato Grosso, onde o número de internações foi mais de cinco vezes maior do que o esperado. Mas o chamado “material particulado” – resíduo tóxico gerado por queima – pode também alcançar grandes cidades situadas a centenas de quilômetros dos focos de queimadas, devido ao transporte de poluentes pelos ventos. 

Desde sua fundação, em 2010, o Observatório de Clima e Saúde vem acompanhando a evolução das queimadas e seus efeitos sobre a saúde das populações na Amazônia e no Cerrado. É a primeira vez que um estudo reúne, quase que em tempo real, informações tão abrangentes sobre a correlação entre as queimadas e seus efeitos para a saúde na região da Amazônia Legal. 

Os pesquisadores reuniram dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH), do DataSUS, entre os meses de maio e junho – último período disponível -, e aplicaram sobre eles uma técnica de “varredura espacial” chamada Satscan, de modo a detectar conjuntos de municípios que possuem taxas de internação por doenças respiratórias acima do valor esperado. Foram usados também dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e dos sistemas BDQueimadas e Prodes Desmatamento, ambos produzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os dados obtidos, porém, são preliminares, uma vez que nem todas as internações do período estudado já estão cadastradas no sistema. Por isso, é possível que os índices sejam ainda mais graves.

As imagens obtidas por satélite e usadas no estudo mostram ainda como focos de fogo se encontram nas bordas de terras indígenas, que ainda parecem desempenhar um papel de proteção contra as queimadas e o desmatamento. Os pesquisadores chamam atenção para o fato de que as populações indígenas também devem estar sendo afetadas pela poluição do ar – no entanto, ainda não é possível avaliar a incidência de doenças nessas áreas.

Crianças mais suscetíveis

O Observatório levou em consideração que as queimadas acontecem no que é chamado de Arco do Desmatamento, que compreende os estados do Acre, Amapá, Amazonas, parte do Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins, em geral de maio a outubro. Durante o período de seca na região – que coincide com a diminuição das chuvas regionais, a queda dos índices de umidade e o período de queimadas – já é registrado, normalmente, um aumento no número de casos de afecções respiratórias, por conta do aumento da emissão de poluentes e a concentração de gases tóxicos na atmosfera, comprometendo a saúde da população. A situação, porém, se agravou muito com as queimadas recentes.

Nas cidades analisadas houve um total de 5.091 internações por mês, quando o valor esperado seria de 2.589. Estes resultados sugerem um excesso de 2,5 mil internações de crianças nos municípios mais impactados pelas queimadas. 

Considerando o perfil médio das internações de crianças por problemas respiratórios no SUS, estas internações teriam gerado um custo excedente de R$ 1,5 milhão e 9.750 leitos-dia de ocupação nos hospitais públicos e conveniados com o SUS. 

A queima de madeira pode gerar uma grande diversidade de gases e aerossóis, vários destes prejudiciais à saúde, principalmente pelo seu pequeno diâmetro e capacidade de penetrar no aparelho respiratório inferior. “Crianças são mais sensíveis a fatores externos, como a poluição”, explica o pesquisador Christovam Barcellos, do Icict/Fiocruz. “Seu sistema imunológico ainda está em desenvolvimento e o aparelho respiratório, em formação. São mais suscetíveis a alergias”. Além disso, crianças passam mais tempo ao ar livre do que os adultos e, assim, inalam mais poluentes. Durante exercício físico, a deposição de partículas no pulmão aumenta cinco vezes, afirma Sandra Hacon, pesquisadora da Ensp/Fiocruz.

Apenas uma parte do problema

Barcellos alerta que o estudo usou as internações em crianças como indicadores de risco. Porém, adultos – e principalmente aqueles com doenças crônicas e idosos – podem ser afetados pela poluição das queimadas. “Por usarmos somente as internações pagas pelo SUS, isto é, sem considerar os dados do sistema privado de saúde, avaliamos apenas uma parte do problema. Além disso, muitas crianças podem não ter conseguido chegar aos hospitais. Na região amazônica as distâncias são enormes. Muitas pessoas podem ter tido episódios de bronquite e asma, entre outros, sem atenção médica”, completa o pesquisador.

“As queimadas na Amazônia representam um grande risco à saúde da população”, assegura o texto do informe técnico. “Os poluentes emitidos por estas queimadas podem ser transportados a grande distância, alcançando cidades distantes dos focos de queimadas. Dentre os poluentes, encontram-se o material particulado fino (PM2.5), CO (monóxido de carbono), NO2 (dióxido de nitrogênio) e compostos orgânicos voláteis (VOCs) que podem causar o agravamento de quadros de cardiopatia, inflamação das vias aéreas, inflamação sistêmica e neuroinflamação, disfunção endotelial, coagulação, aterosclerose, alteração do sistema nervoso autônomo, e danos ao DNA, com potencial carcinogênico”.

As mortes e internações hospitalares são os aspectos mais graves e evidentes dos problemas de saúde causados pelas queimadas, mas não os únicos: “Outros eventos adversos de saúde, como atendimentos de emergência e limitações funcionais do sistema respiratório são fenômenos mais frequentes, mas de difícil detecção pelos sistemas de informação de saúde”, alerta o estudo.  

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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Fiocruz de Notícias [Aqui!].