Porto do Açu: mais propaganda (espuma) do que realidade (chopp)

Hoje recebi o link de mais uma “matéria jornalística” que é, na verdade, um press release corporativo na qual o Porto do Açu tenta se apresentar como (não riam) um empreendimento que “cresce com foco no baixo carbono”.  A partir dessa fantasia, o press release apresenta o Porto do Açu como uma espécie de última cocada do pacotinho.

Quem, como eu, conhece minimamente a trajetória do empreendimento, desde os tempos de Eike Batista, sabe que o que está posto no press release não resiste a uma análise mínima de realidade. Basta verificar o andamento das indenizações devidas a mais de 400 famílias de agricultores que tiveram suas terras tomadas para a construção de um distrito industrial que nunca sairá do papel, ou ainda os processos de salinização e erosão costeira que foram anunciados nos Estudos de Impacto Ambiental que possibilitaram a emissão das licenças ambientais do Porto do Açu, ocorreram de fato, e continuam sem nenhum esforço de mitigação ou até de monitoramento. 

O Porto do Açu tampouco cumpriu a prometida dinamização da economia regional por meio da criação de empregos para a população de São João da Barra. Na verdade, o Porto do Açu se tornou um exterminador de empregos, seja na agricultura familiar ou na pesca artesanal. Na última, sob o disfarce da proteção ambiental, o Porto do Açu fechou o acesso a pescadores artesanais que tiravam o seu sustento há gerações da Lagoa de Iquipari. Este processo disparado pelo fechamento dos acessos à Iquipari já está criando uma dinâmica que coloca pressão em outros corpos aquáticos que agora enfrentam o risco da sobrepesca e conflitos sociais entre pescadores. 

Mas há um elemento adicional que a propaganda do Porto do Açu não aborda que é o fato de que está perdendo a competição com outros empreendimentos para escoar grãos e minérios. O fato é que até agora, o Porto do Açu continua como um enclave praticamente isolado do mundo por vias terrestres, já que o acesso rodoviário é difícil e o ferroviário inexistente.

E na questão do acesso que a porca torce o rabo para o Porto do Açu. Os controladores do porto e seus aliados no mundo empresarial vivem acenando com a possibilidade que o isolamento ferroviário seja resolvido pela construção da chamada EF-118 e do estabelecimento de conexões do Espirito Santo com o sul da Nahia, ou da criação de conexões com a região do MATOPIBA.   O problema é que existem outros empreendimentos brigando pelas mesmas conexões e em posição de vantagem. 

Um exemplo de que saiu na frente do Porto do Açu está no sul da Bahia, mais precisamente em Ilhéus, onde está planejada a construção/ampliação do Porto Sul.  A questão é que o governo Lula já está em tratativas para a construção da ferrovia Oeste-Leste (Fiol), que partirá de Ilhéus, e que, dentre as prioridades federais, desbancou a intenção do Porto do Açu de ter ligação direta com o porto de Chancay no Peru. Para piorar, o plano é incluir a  Fiol na chamada ferrovia Biocêanica, o que aumentaria ainda mais a vantagem competitiva do Porto Sul.

Mas existem outros competidores à vista, incluindo o Porto Central em Presidente Kennedy, no extremo sul do Espírito Santo.  No mesmo modelo do Porto do Açu, o Porto Central já parece ter a “benção” da mineradora Vale para conseguir sua ligação ferroviária com as unidades localizadas em Vitória, passando ainda pelo Porto de Ubu em Achieta. Como a estrutura portuária capixaba está em adensamento e com um nível de conectividade que visa reforçar o potencial competitivo do Espírito Santo na movimentação de cargas, inclusive de containêrs, a vantagem competitiva é claramente do Porto Central.


Planta da mineradora Samarco em Anchieta que deverá ser conectada pela EF-118 às unidades da Vale em Vitória.

Ainda não pode esquecer que para competir de forma efetiva, o Porto do Açu teria que ter uma forte alavancagem financeira, fato que é prejudicado pelo seu alto nível de endividamento. Como grandes bancos, incluindo os estatais, detestam risco, há que se perguntar por que eles continuariam a despejar dinheiro em um empreendimento com alto grau de endividamento, quando existem outros que estão em melhor posição financeira. Sem ser CEO de nenhum grande banco, eu diria que as chances do Porto do Açu estão mais no antigo desejo de Eike Batista de ter o empreendimento adquirido pela China. Mas dado o pragmatismo chinês que faz com que eles não entrem em bola dividida, mesmo a via chinesa parece difícil.

Assim, em que pese a propaganda (espuma), o chopp (realidade) do Porto do Açu ainda é pouco e ainda pode ficar choco.

Greve dos caminhoneiros, ferrovias e reforma agrária: o futuro do Brasil na balança

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Enquanto a greve (ou seria locaute?) dos caminhoneiros continua paralisando as cidades brasileiras, várias questões relevantes estão sendo postas para que nos debrucemos sobre o necessário debate de que futuro realmente queremos para o Brasil e a maioria do seu povo.

Uma dessas questões se refere ao tamanho da malha ferroviária de um país com dimensões continentais que optou por depender do transporte rodoviário para mobilizar pessoas e produtos.  Ainda que seja de conhecimento amplo o fato de que o transporte por trens é ridiculamente pequeno no Brasil, o ridículo da nossa situação só fica mais claro quando comparamos a nossa malha ferroviária com países de dimensões territoriais próximas das nossas, como é o caso dos EUA, Rússia, China, Índia e Canadá (ver figura abaixo).

trens 2018

Pelos dados acima, o Brasil fica muito aquém da malha ferroviária da maioria desses países, mas a comparação com os EUA e a China revela de forma mais dramático o nosso atraso nessa área. E, pior, quando consideramos a relação entre extensão territorial da malha ferroviária e a dos países, vemos que o Brasil possui de longe a pior proporção. Assim, enquanto nos EUA, a proporção é de 43.4 , no caso brasileiro é de estrondosos 285.6, significando que nossa malha é quase 7 vezes menor.  Isto sem falar que quando comparamos com a ferroviária argentina, a nossa consegue ser menor.

Mas que ninguém se engane, a opção por impedir o florescimento da nossa malha ferroviária é apenas uma faceta da opção por continuamente favorecer os interesses das montadoras de caminhões que foram as reais ganhadoras da opção feita por seguidos governos pelo transporte rodoviária, incluindo o período do regime militar do qual tantos caminhoneiros em greve se mostram saudosos.

Outra questão que está sendo colocada na berlinda é a questão da dependência dos brasileiros de áreas de produção de alimentos que estão longe das principais concentrações populacionais.  Basta ir a qualquer supermercado ou hortifruti para notar o rápido esvaziamento das gondolas cujo preenchimento é fortemente dependente do transporte rodoviário.  Essa situação nos leva inevitavelmente a uma discussão sobre a necessidade da realização de uma ampla reforma agrária que esteja centrada na produção de alimentos.  

Apenas à guisa de exemplo, hoje fui ao mercado municipal de Campos dos Goytacazes realizar um exercício duplo composto pro dois movimentos: o primeiro foi tentar adquirir legumes e frutas que hoje inexistem em outros locais, enquanto que o segundo se tratou de verificar a origem do que estaria sendo vendido.

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Apesar do oferecimento aquém do normal, não tive dificuldade de comprar o que desejava, ainda que a preços mais salgados. Além disso, para nenhuma surpresa minha, verifiquei que os produtos que comprei haviam sido buscados no entorno da área urbana de Campos dos Goytacazes, onde existem diversos assentamentos de reforma agrária. E a oferta seria maior se houvesse por, exemplo, um plano municipal de apoio à produção dentro destes assentamentos, coisa que sequer foi ventilada por diferentes administrações que ocuparam a Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes desde o início da instalação do Assentamento Zumbi dos Palmares em 1997. 

O fato é que sem ter a pretensão de exaurir o debate sobre as amplas ramificações do que está sendo desvelado pela greve dos caminhoneiros, me parece que se unirmos o problema da malha ferroviária diminuta com a não realização de uma ampla reforma agrária, veremos que temos diante de nós uma grande oportunidade para abrir o debate sobre o tipo de modelo de desenvolvimento que queremos para o Brasil. E é por isso que eu já disse e repito: os caminhoneiros atiraram no que viram, e acertaram no que não viram.