Entre o sutil e o explícito, o Brasil caminha para o precipício climático

“De certa forma, o que estamos vendo é um casamento arrumado entre o negacionismo sutil do governo Lula com o explícito que é promovido pela bancada que representa os interesses do latifúndio agroexportador e das mineradoras.”

Foto: Reprodução 

Marcos Pedlowski para “Nova Democracia”

Como previ em um artigo publicado em março pelo Nova Democracia, a COP30 se configurou com um imenso fracasso no tocante à adoção das medidas necessárias para impedirmos o precipício climático que está sendo gerado pela contínua dependência de combustíveis fósseis para movimentar o sistema produtivo capitalista.  Se olharmos para as principais decisões adotadas na COP30, é possível notar que ali se consumou a adoção de formas de mercado para tentar debelar os efeitos negativos gerados pelo sistema produtivo capitalista.  Mas o parcos resultados não podem ser vistos como surpresa, na medida em que as corporações multinacionais do petróleo e do complexo alimentar possuíam mais lobistas do que delegações de muitos países somados. 

Por outro lado, as idas e vindas do presidente Lula a Belém serviram apenas para explicitar as limitações das propostas de uma forma particular de negacionismo climático, o sutil.  As principais propostas do governo brasileiro, se é que se pode chamar aquilo de proposta, encontraram forte resistência política e financeira.  O autodenominado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), que na prática é uma espécie de consórcio das florestas, acabou reunindo menos promessas de alocação de recursos do que esperado e não se antevê que poderá conter as pressões no sentido de avançar a exploração das áreas que ainda estão cobertas por florestas, especialmente na região tropical.  Além disso, o tal mapa do caminho para alcançar a diminuição do uso dos combustíveis fósseis sequer foi incluído na declaração final da COP30. Aliás, esse resultado foi até facilitado pela guinada feita pelo presidente Lula em prol da exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas.  Ao fazer isso, o Brasil se colocou em uma posição fragilíssima para argumentar em prol da diminuição progressiva do uso de combustíveis fósseis na matriz energética global. 

Coerente e antenada com o fracasso da COP30, a maioria dos deputados e senadores que compõe a atual legislatura entraram em campo para derrubar 52 dos 63 vetos impostos pelo presidente Lula ao chamado PL da Devastação.  Essa derrubada era também esperada, na medida em que a mesma coisa já havia ocorrido durante a tramitação do PL do Veneno. Naquele caso, Lula vetou uma parcela menor dos artigos que foram posteriormente facilmente derrubados por este mesmo congresso. Mas se engana quem acha que houve uma resistência real por parte da bancada governista para manter os vetos de Lula no PL da Devastação.  O que houve, quando muito, foi um simulacro de resistência já que o governo Lula negociou diretamente com Hugo Motta e Davi Alcolumbre a aprovação do PL da Devastação, já que existe um claro interesse governista em passar a boiada na BR-319 e na Foz do Amazonas.

De certa forma, o que estamos vendo é um casamento arrumado entre o negacionismo sutil do governo Lula com o explícito que é promovido pela bancada que representa os interesses do latifúndio agroexportador e das mineradoras.  A diferença entre um e outro é apenas performática, na medida em que o resultado final será um avanço no processo de extração de recursos para alimentar uma economia cada vez mais agromineral dependente. 

O problema é que todo esse cenário se dá em meio ao aumento das evidências de que o Brasil é uma espécie de lócus privilegiado do colapso climático. Se olharmos apenas para as últimas semanas veremos vários episódios de eventos meteorológicos extremos varrendo cidades, sejam na forma de ventos catastróficos, chuvas de granizo com pedras gigantes, ou ainda na seca aguda que compromete o abastecimento hídrico da maior área metropolitana do hemisfério sul.

Aliás, há que se dizer que um dos locais aplastados recentemente por um evento meteorológico extremo, Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica entre 1985 e 2015, com 24,9 mil hectares de florestas destruídas, o que representa aproximadamente 60% da mata original daquela região. Este desmatamento excessivo foi impulsionado pelo latifúndio agroexportador, e o expôs a eventos climáticos extremos, como o recente tornado que devastou grande parte do município. Desta forma, é possível afirmar que o caos instaurado por um tornado em Rio Bonito do Iguaçu é uma espécie de antessala do que deveremos ter pela frente como resultado da combinação das diferentes formas de negacionismo climático.

Diante de um cenário de precipício climático explícito algo óbvio a se dizer é que precisamos reagir de maneira urgente e firme. Os problemas que estão já presentes por causa das formas capitalistas de espoliação da natureza vão ser aprofundados por essa combinação dos negacionismos aqui apontados. É urgente construir a resistência climática sob um novo marco, de forma a incluir a classe trabalhadora e a juventude na construção de ferramentas de transformação de uma realidade que nos encaminha para o colapso climático.


Fonte: Nova Democracia

Lula apresenta nova visão para a proteção da floresta amazônica, defende exploração de petróleo, e nega querer ser líder ambiental

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala durante uma entrevista com a imprensa estrangeira antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU, em Belém, estado do Pará, na terça-feira, 4 de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala durante uma entrevista com a imprensa estrangeira antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU, em Belém, estado do Pará, na terça-feira, 4 de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres) 

Por Maurício Savarese para a Associated Press 

BELÉM, Brasil (AP) — O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva apresentou na terça-feira sua visão de como a floresta amazônica deve ser protegida, um futuro que não depende de doações de nações ricas e grandes organizações filantrópicas, mas inclui um grande fundo que paga aos países para manterem as florestas em pé.

“Não quero mais usar a palavra doação”, disse Lula a jornalistas antes da cúpula climática das Nações Unidas , conhecida como COP30, que começa esta semana em Belém , cidade brasileira na orla da Amazônia.

“Se alguém nos desse 50 milhões de dólares, seria ótimo, mas não é nada”, disse ele. “Precisamos de bilhões para lidar com nossos problemas, os problemas das pessoas que vivem lá.”

Em Belém, Lula deverá lançar uma iniciativa chamada Fundo Florestas Tropicais para Sempre, com o objetivo de apoiar mais de 70 países em desenvolvimento comprometidos com a preservação. Até o momento, Colômbia, Gana, República Democrática do Congo, Indonésia e Malásia aderiram.Vista aérea de barcos de pesca da comunidade Caju Una pescando no riacho Porto, Ilha de Marajó, estado do Pará, Brasil, sábado, 1º de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

Vista aérea de barcos de pesca da comunidade Caju Una pescando no riacho Porto, Ilha de Marajó, estado do Pará, Brasil, sábado, 1º de novembro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)

Alemanha, Emirados Árabes Unidos, França, Noruega e Reino Unido estão ajudando a moldar o mecanismo e provavelmente serão seus primeiros investidores, o que Lula espera que ajude a impulsionar o interesse do setor privado. O presidente do Brasil não forneceu mais detalhes sobre como o plano será implementado.

site oficial da COP30 descreve a iniciativa como um “fundo fiduciário permanente” que geraria cerca de US$ 4 do setor privado para cada US$ 1 investido. Não ficou imediatamente claro como isso aconteceria. No entanto, as florestas podem gerar renda de diversas maneiras além da extração de recursos, como o turismo e a compensação de carbono, que pode envolver empresas pagando para neutralizar sua poluição plantando árvores e protegendo florestas. 

Se a iniciativa funcionar, recursos serão enviados para países que preservam suas florestas tropicais.

“O Brasil já investiu US$ 1 bilhão, e isso trará retorno para os investidores”, acrescentou Lula. “É um fundo em que todos saem ganhando. Esperamos que, ao final da apresentação do TFFF, muitos outros países se juntem a nós.”


O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva colhe açaí durante um encontro com descendentes de escravos em um assentamento em Itacoa Miri, ilha de Combu, Belém, estado do Pará, Brasil, na segunda-feira, 3 de novembro de 2025, antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU. (Foto AP/Eraldo Peres)
 

O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva colhe açaí durante um encontro com descendentes de escravos em um assentamento em Itacoa Miri, ilha de Combu, Belém, estado do Pará, Brasil, na segunda-feira, 3 de novembro de 2025, antes da COP30, a Cúpula do Clima da ONU. (Foto AP/Eraldo Peres)

Lula também defendeu a recente decisão de seu governo de aprovar a perfuração exploratória pela gigante petrolífera estatal Petrobras perto da foz do rio Amazonas.

Acredita-se que a jazida da Margem Equatorial, localizada ao largo da costa do Brasil, que se estende da fronteira brasileira com o Suriname até uma parte da região Nordeste do país, seja rica em petróleo e gás.

O bloco de perfuração exploratória fica a 175 quilômetros (108 milhas) da costa do estado do Amapá, no norte do Brasil, que faz fronteira com o Suriname. A área, rica em biodiversidade, abriga manguezais pouco estudados e um recife de coral. Ativistas e especialistas afirmam que o projeto apresenta riscos de vazamentos que podem ser amplamente disseminados pelas marés e colocar em perigo o sensível ecossistema. A Petrobras alega há tempos que nunca causou vazamentos em suas perfurações.

“Se eu fosse um líder falso e mentiroso, esperaria a COP terminar (para dar a aprovação)”, disse Lula. “Mas se eu fizesse isso, seria um homem pequeno diante da importância disso.”

Um barco navega pela Baía de Guajara e pela cidade histórica de Belém, no estado do Pará, Brasil, na sexta-feira, 31 de outubro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)
Um barco navega pela Baía de Guajara e pela cidade histórica de Belém, no estado do Pará, Brasil, na sexta-feira, 31 de outubro de 2025. (Foto AP/Eraldo Peres)
 

Lula, presidente do Brasil por dois mandatos no início dos anos 2000, antes de retornar para um terceiro mandato em 2023, sempre se apresentou como um defensor do meio ambiente e um político pragmático. O Brasil é um grande exportador de petróleo, e as receitas da Petrobras ajudam a financiar a agenda de qualquer governo. Ao mesmo tempo, o governo Lula tem trabalhado para conter o desmatamento e assumir um papel de liderança nas negociações climáticas, sediando a cúpula.

“Não quero ser um líder ambiental. Nunca afirmei ser”, acrescentou Lula. “Quero fazer o que é certo, o que os especialistas, a minha administração e a minha consciência dizem que temos de fazer. Seria incoerente, uma ação irresponsável, se eu dissesse que deixaremos de usar petróleo.”


Fonte: Associated Press

Para além das ilusões da COP30, a necessidade de organizar a luta climática em novos marcos

Por Marcos Pedlowski para o “Jornal Nova Democracia” 

Em março deste ano, escrevi uma espécie de artigo premonitório sobre o fracasso que seria realização da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (a chamada COP30) na cidade de Belém entre os dias 10 e 21 de novembro de 2025. Naquele texto alinhavei uma série de fatores que me permitiam traçar um cenário pouquíssimo otimista para este que é uma espécie de megaevento climático.

O problema é que passados sete meses, as minhas conjecturas estão sendo ultrapassadas pela realidade objetiva dos fatos. Um exemplo foi a concessão da licença ambiental para exploração de petróleo e gás na Foz do Rio Amazonas.  Vários comentaristas mais informados do que eu sobre as entranhas deste processo, já mostraram que um dos erros capitais ocorridos nas análises feitas pelos técnicos do Ibama foi utilizar dados fornecidos pela própria Petrobras para as estimativas de impactos relacionados às intercorrências que são muito comuns nas atividades petrolíferas.  Usar os dados da Petrobras equivale a dar a chave do galinheiro para a raposa tomar conta das galinhas. Mas a ministra Marina Silva preferiu se manifestar dizendo que a decisão da equipe técnica do Ibama havia sido “técnica”, o que nem uma criança recém-entrada no jardim de infância acredita. 

Mas os problemas da licença concedida não acabaram, apenas começaram. É que a direção da Petrobras agora postula a inclusão de mais três poços exploratórios na licença ambiental para perfuração na bacia da Foz do Amazonas.  A solicitação teria sido feita em 24 de outubro de 2025, e ocorreu após a empresa obter a aprovação para iniciar a perfuração do primeiro poço na região. Aqui já seria o caso do “passa um boi, passa uma boiada”, e se concretizado representará um avanço acelerado para o início das atividades de extração, ignorando todos os riscos que isto representa.

Uma coisa que nunca é mencionada publicamente, seja pela Petrobras ou por qualquer ministro do governo Lula, se refere ao montante de emissões de CO2 possíveis, caso as melhores expectativas das reservas na Foz do Amazonas sejam confirmadas e que todo este montante seja efetivamente explorado.  Se usarmos a estimativa de ~30 bilhões de barris associada à Margem Equatorial e o fator padrão de combustão de ~0,4319 tCO₂ por barril, a queima desse petróleo corresponderia a ≈ 13,0 gigatoneladas de CO₂ (≈12,96 GtCO).  Há que se lembrar que ~13 GtCO₂ é um valor enorme: já que representa aproximadamente um terço das emissões anuais globais atuais (ordem de grandeza ~37–38 GtCO₂/ano em 2024).

O presidente Lula em sua face para exportação, aquela em que ele se mostra um paladino da adaptação para as mudanças climáticas em curso, desconversa e continua tentando vender uma variante diversionista que é a conservação das florestas brasileiras como receita para o combate à aceleração do aquecimento da Terra. Eu digo que mesmo o suposto compromisso com a conservação das florestas é diversionista por um motivo simples. O compromisso objetivo do governo Lula é com um modelo que eu chamo de economia agromineral. Por um lado, se incentiva a exploração de petróleo e gás, enquanto se financia de maneira nada frugal a produção de commodities agrícolas, inclusive às custas do que ainda resta de florestas na Amazônia e no bioma do Cerrado. Basta ver os valores alocados para o Plano Safra de 2025/2026 que entregou R$ 516,2 bilhões para a agricultura empresarial , enquanto reservou apenas 78,2 bilhões são para a agricultura familiar.  Em outras palavras, enquanto muitos se chocaram com o mote de campanha do presidente Donald Trump, o “Drill, Baby Drill” (Perfura, bebê Perfura!), pouco se fala que para Lula o mote correto “Perfura e desmata, bebê Perfura e desmata! 

Por outro lado, vários estudos científicos já estão mostrando que, por causa do aquecimento acelerado da atmosfera, as florestas tropicais estão passando da condição de sumidouros para emissoras de carbono. Com isso, a soma total das emissões anuais de CO tenderia a aumentar ainda mais rapidamente.  Para piorar, há uma crescente concordância na comunidade científica de que as florestas estão se tornando mais combustíveis e que grandes incêndios florestais vão continuar ocorrendo e em número e intensidade cada vez maiores. 

Diante deste contexto fático, voltemos então às chances da COP30 não ser um fracasso completo. Eu diria que as chances são agora negativas.  Um elemento que garante isso é que cerca de um mês do início do evento,  apenas 87 delegações já confirmaram ter hospedagens garantidas em Belém. Além disso, há que se lembrar que até o momento apenas 162 países confirmaram presença na COP30, um número abaixo do que ocorreu na COP21 realizada em Paris quando 190 países estiveram presentes. Assim, o que temos diante de nós é um abandono tácito desta arena de debates em prol de um compromisso explicito com a aceleração do modelo de economia fóssil que está na raiz dos problemas que as COPs nunca sequer arranharam. 

Recentemente fui perguntado por uma ativista ambiental se valeria a pena ir para Belém para participar dos eventos paralelos que ocorrerão durante a COP30.  Eu respondi que dados os custos elevados de transporte e hospedagem e a futilidade que é dar uma roupagem cívica à COP30, o melhor seria apostar em eventos locais que ocorrerão em diversos estados brasileiros que formam uma espécie de anti-COPs. Um exemplo é o “Encontro Anticapitalista pelo Clima e pelo fim dos Genocídios” que deverá ocorrer na cidade do Rio de Janeiro entre 20 e 23 de novembro sob os auspícios de ativistas ambientais, cientistas e organizações de esquerda.  Considero que este tipo de evento deverá gerar mecanismos de organização muito mais sólidos e efetivos do que qualquer coisa que seja decidido em Belém. É que seguir apostando nas soluções propostas por quem está na raiz do problema já se mostrou um completo e rotundo fracasso.

A saída para o colapso climático que se avizinha terá de ser inevitavelmente pela esquerda. Afinal de contas, como disse e escreveu a física e filósofa alemã e membro do IPCC, Friederike Otto, a crise climática envolve questões de gênero, raça e classe. Assim, quanto antes a luta climática se der nesses termos, maiores serão as nossas chances de enfrentar o futuro que se avizinha.


Fonte: Nova Democracia

Governo sabota COP30 e licencia petróleo na Foz do Amazonas; ONGs vão à Justiça

Ibama autoriza perfuração do Bloco 59 a pouco mais de duas semanas do início da conferência do clima, comprometendo liderança de Lula e expondo presidência da COP

Navio-sonda que perfura o poço Pitu Oeste, na Bacia Potiguar, também na Margem Equatorial. (Agência Petrobras)
Por Observatório do Clima 

A pouco mais de duas semanas da COP30, o governo brasileiro aprovou nesta segunda-feira (20/10) a licença de perfuração de petróleo no bloco FZA-M-59, na bacia sedimentar da Foz do Amazonas. A aprovação é uma sabotagem à COP e vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário internacional. Também cria dificuldades para o presidente da COP, André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil.

A decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade e, para enfrentá-la, organizações da sociedade civil e movimentos sociais irão à Justiça denunciar as ilegalidades e falhas técnicas do processo de licenciamento, que poderiam tornar a licença nula.

Além de contrariar a ciência, que diz que nenhum novo projeto fóssil pode ser licenciado se quisermos ter uma chance de manter o aquecimento global em 1,5oC, a liberação do petróleo na Foz também se opõe a decisões legais de tribunais internacionais sobre a urgência da interrupção da expansão dos combustíveis fósseis, incluindo deliberações recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, que reforçam a obrigação legal dos Estados-nação de protegerem o clima.

Povos indígenas da Bacia Amazônica, parlamentares e sociedade civil vêm reiterando a necessidade de acabar com a expansão de petróleo e gás, sobretudo em áreas de alta biodiversidade, e de criar zonas de exclusão para atividades extrativistas, a fim de proteger ecossistemas críticos para o planeta – começando pela Amazônia.

É preciso estabelecer zonas prioritárias de exclusão da proliferação dos combustíveis fósseis, protegendo ecossistemas críticos para a vida no planeta. Por sua imensa relevância para o clima e para a biodiversidade, que enfrentam crises globais, a Amazônia deve ser uma dessas zonas, tanto para a exploração onshore quanto para a offshore.

Especialistas da sociedade civil e representantes de povos indígenas amazônicos oferecem análises a seguir:

“A emissão da licença para o Bloco 59 é uma dupla sabotagem. Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias.” Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima

“A decisão de licenciar é claramente política — não técnica. O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônidas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta. A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração do bloco 50, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética.” Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Arayara

“A Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno, que será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo. Ao contrário, deixar rapidamente os atuais combustíveis fósseis em exploração é essencial.” Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia

“O agravamento da crise climática, causada pela produção e queima de combustíveis fósseis, não deixa dúvidas de que temos que acelerar a transição energética para produção solar e eólica. O Brasil tem a oportunidade de explorar seu enorme potencial de geração energética solar e eólica e se tornar uma potência mundial em energias sustentáveis. Não devemos desperdiçar esta oportunidade. Abrir novas áreas de produção de petróleo vai auxiliar a agravar ainda mais as mudanças climáticas e certamente isso vai contra o interesse do povo brasileiro.” Paulo Artaxo, Físico, integrante do IPCC, especializado em crise climática e Amazônia

“É inaceitável que o governo continue promovendo a exploração de petróleo e gás na bacia Amazônica, uma área vital para a proteção do clima e da biodiversidade. Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação.” Clara Junger – Coordenadora de Campanha no Brasil – Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis

“Autorizar novas frentes de petróleo na Amazônia não é apenas um erro histórico, é insistir em um modelo que não deu certo. A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais. O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual. É urgente construir um plano de transição energética justa, baseado em renováveis, que respeite os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, e que garanta a eles o papel de protagonistas nas decisões sobre clima e energia, inclusive na COP30.” Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe


Fonte: Observatório do Clima

Exploração da Foz do Amazonas: ASCEMA Nacional critica insistência em modelo atrasado

Autorização para exploração da Foz do Amazonas revela insistência do Brasil em expandir exploração de combustíveis fósseis, um modelo incompatível com os desafios impostos pela crise climática.

A Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (ASCEMA Nacional) reconhece que a decisão do IBAMA é fruto de uma análise técnica criteriosa, conduzida pelo corpo de servidores da instituição, que atuam com dedicação e rigor dentro dos marcos legais e procedimentais que regem o licenciamento ambiental no Brasil.

Contudo, a emissão desta licença, ainda que tecnicamente fundamentada, lança luz sobre uma contradição muito maior: a insistência do Brasil em um modelo de desenvolvimento pautado na expansão da exploração de combustíveis fósseis. Como especialistas na área ambiental, temos um posicionamento consolidado e crítico a este modelo, que consideramos atrasado e incompatível com os desafios da crise climática global e com a promoção de uma agenda socioambiental justa e verdadeiramente sustentável para a Amazônia.

É fundamental esclarecer à sociedade sobre os limites do processo de licenciamento ambiental. Este instrumento, por sua natureza, concentra-se em uma análise pragmática e estritamente focada nos impactos diretos do empreendimento ou da obra em si. Avaliam-se os riscos operacionais, os planos de mitigação e as potenciais consequências socioambientais locais, especialmente graves em uma região de extrema sensibilidade ecológica e lar de populações tradicionais cuja existência está atrelada à saúde do ecossistema.

No entanto, o escopo do licenciamento, da forma como é estruturado hoje, não alcança a análise dos impactos decorrentes do uso final do produto. Ou seja, a avaliação não adentra nas consequências da queima dos combustíveis fósseis que venham a ser extraídos, que é a principal causa do aquecimento global. Esta é uma limitação do próprio instrumento normativo frente à complexidade da agenda climática.

Dessa forma, a ASCEMA Nacional, ao mesmo tempo em que respeita a decisão técnica do órgão licenciador, reafirma sua posição de que o futuro energético do Brasil não pode depender da abertura de novas fronteiras petrolíferas. A decisão estratégica de buscar ou não por essas fontes de energia precede o licenciamento e reflete uma política de Estado que precisa ser urgentemente debatida e reorientada para uma transição energética justa, que respeite os direitos dos povos da floresta e das águas e proteja nossa sociobiodiversidade.

Brasília, 20/10/2025

ASCEMA Nacional

 

 

 

Cientista da UENF vê com preocupação exploração de petróleo na Foz do Amazonas

Carlos Eduardo de Rezende 

Por Fúlvia D’Alessandri – ASCOM/UENF

Em 20 de abril de 2010, a plataforma de petróleo Deepwater Horizon, da Petrolífera britânica BP, explodiu no Golfo do México, causando um dos maiores desastres ambientais da história. O acidente deixou 11 mortos e derramou 750 milhões de litros de petróleo no mar, que até hoje têm repercussões e são alvo de estudos científicos. Para o professor Carlos Eduardo de Rezende, líder do Grupo de Pesquisa em Biogeoquímica de Ecossistemas Aquáticos do Laboratório de Ciências Ambientais da UENF (LCA), este caso ilustra bem os riscos que a exploração de petróleo pode causar para o ambiente marinho costeiro e oceânico.

Rezende integra um grupo internacional de pesquisadores que há anos estudam o ambiente marinho da costa brasileira, inclusive na região Amazônica, e vê com grande preocupação a exploração de petróleo no local. A questão, que se arrasta desde 2014, vem dividindo Petrobras e governo federal, de um lado, e ambientalistas e cientistas da área ambiental, do outro.  Para iniciar as atividades, a Petrobras aguarda o aval do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama).

O professor explica que a Margem Equatorial estende-se do Rio Grande do Norte até o Amapá. Diversas áreas dentro deste trecho vêm sendo operadas por empresas,  mas a controvérsia está no Licenciamento Ambiental do bloco FZA-M-59, localizado a frente da foz do Amazonas. O processo de licenciamento deste bloco teve início em 2014, sob responsabilidade da British Petroleum (BP) Energy do Brasil Ltda., então operadora do bloco.

Ele observa que, nesse meio tempo, alguns artigos demonstraram a presença de uma formação recifal muito pouco estudada e totalmente negligenciada por parte da empresa nos estudos de impacto ambiental (EIA). Descrito em 1970, apenas em 2016 este sistema teve espetacular protagonismo a partir de vários artigos publicados pelo grupo do qual Rezende faz parte e que realiza estudos científicos na região.

— É importante ressaltar a valiosa colaboração com as Universidades Norte-Americanas (Universidade de Washington e Universidade da Geórgia), da Marinha do Brasil e do Greenpeace, que possibilitaram várias amostragens na região Norte onde ocorre o sistema recifal. Este último, isto é, o Greenpeace, teve participação decisiva, não apenas viabilizando a amostragem, mas também impulsionando sua ampla visibilidade por meio da mídia nacional e internacional e participando de uma das publicações científicas do grupo — diz o professor.

Em síntese, o Grande Sistema Recifal Amazônico está integrado a um contínuo megabioma, o qual compreende a maior floresta tropical do mundo (a Floresta Amazônica), um dos mais extensos sistemas de manguezal do planeta (do Amapá ao Maranhão), representando um corredor ecológico muito importante e é um sistema recifal vivo, como demonstrado em uma publicação de 2019 do grupo na revista Scientific Report.

Segundo Rezende, entre 2017 e 2019, diferentes pareceres técnicos do Ibama apontaram falhas no cumprimento de várias condicionantes, o que impediu a emissão da Licença de Operação. Em 2020, o Ibama concedeu à BP Energy do Brasil Ltda um prazo de 60 dias para apresentar esclarecimentos adicionais sobre o pedido de licença para perfuração. Pouco depois, a empresa transferiu a concessão do bloco para a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que, em menos de um mês, viabilizou a aquisição pela Petrobras.

Nos três anos seguintes, a Petrobras encaminhou inúmeros documentos para atender às exigências do licenciamento. Ainda assim, permaneceram inconsistências em pontos fundamentais, como a modelagem de dispersão de óleo, planos de emergência e de proteção à fauna, medidas mitigadoras e compensatórias, ações de controle e monitoramento, além de comunicação social, como consta no parecer do IBAMA.

Pesquisador participou de audiência na Câmara dos Deputados para tratar do tema

Em 31 de maio de 2023, Rezende participou de uma audiência pública na Câmara de Deputados, representando a equipe com a qual desenvolve pesquisas na região. Em sua participação, ele destacou a relevância científica da região, lembrando as publicações do grupo, que tiveram ampla repercussão internacional. O estudo revelou não só a dimensão aproximada desse ecossistema, mas também a diversidade de espécies e aspectos do funcionamento ecológico, reforçando a necessidade de avaliações ambientais profundas e um diálogo efetivo com a sociedade sobre os riscos e impactos da exploração de petróleo na área.

Na sua opinião, os dispositivos legais foram rompidos pelo governo federal ao autorizar iniciativas que, pela legislação vigente, deveriam ocorrer somente após a devida apreciação e aprovação técnica do Ibama. Com isso — acrescenta o professor — um processo que deveria ser eminentemente técnico-científico foi convertido em um palco de disputas políticas, no qual prevaleceu um discurso desenvolvimentista sedutor, mas simplificador, deixando de lado todas as considerações científicas.

— A iniciativa foi apresentada como uma espécie de nova panaceia social para a Região Norte, alardeada até mesmo como um novo “Pré-Sal”. Para quem vive em uma cidade que recebe royalties há quase três décadas, a  experiência concreta revela o quão ilusório pode ser o discurso de prosperidade automática. Os recursos, embora vultosos, não se traduziram em melhorias estruturais duradouras, tampouco na redução das desigualdades sociais. A discussão deveria ser conduzida de forma muito mais aprofundada, ancorada em estudos técnicos, em planejamento estratégico e em transparência pública, de modo a considerar não apenas o potencial econômico, mas também os riscos ambientais e sociais — afirma.

Segurança energética, diz Rezende, não está na expansão de matrizes poluentes

Rezende combate os argumentos de que a exploração de petróleo neste local seria a garantia da segurança energética do país. Para ele, a verdadeira garantia de segurança energética, desenvolvimento sustentável e equilíbrio ambiental não está na expansão de matrizes poluentes, como é o caso do petróleo, mas sim em uma mudança profunda no padrão de consumo, acompanhada de políticas de justiça social que assegurem simetria de acesso aos recursos e oportunidades. Isso significa, segundo ele, repensar modelos econômicos, incentivar o uso de fontes limpas, promover eficiência energética e, sobretudo, enfrentar desigualdades que fazem com que os custos da degradação ambiental recaiam de forma desproporcional sobre os mais vulneráveis.

— A transição energética não deve ser tratada apenas como um processo tecnológico, mas como um projeto civilizatório, que reposicione a relação entre sociedade, economia e natureza em bases mais justas e equilibradas — diz.

Ele ressalta que os países investem, em média, apenas 1,7% dos recursos nacionais para os oceanos, de acordo com o Relatório Global de Ciência Oceânica (IOC-Unesco, 2020). O Brasil tem números ainda mais preocupantes, pois apenas 0,03% dos recursos de pesquisa são destinados às ciências marinhas.

— O mar é muito mais do que vemos nas praias e áreas costeiras. Cerca de 90% dos mares estão abaixo da profundidade de 200 metros. Isso mostra a importância de se investir nesta área do conhecimento. A dimensão da complexidade envolvida em compreender o funcionamento do oceano, um sistema dinâmico que integra processos físicos, químicos e biológicos, atravessa múltiplas escalas. Isso sem falar na relevância estratégica, uma vez que os oceanos exercem papel central na regulação do clima global, no sequestro de carbono e na manutenção da vida no planeta — afirma Rezende.

Segundo ele, os impactos de acidentes na área de exploração não se restringem ao momento do acidente e frequentemente, estendem-se por décadas, e variam conforme a natureza do acidente, características do óleo e do ecossistema diretamente atingido. Estes impactos tendem a afetar severamente os ambientes marinhos oceânicos e costeiros, comprometendo a biodiversidade, a pesca artesanal e o turismo, além de demandarem longos e custosos processos de recuperação. Já explosões ou falhas estruturais podem trazer riscos imediatos à vida humana, somando-se aos prejuízos ambientais.

O Plano Estratégico da Petrobras (2023-2027) prevê investimentos da ordem de 78 bilhões de dólares, além de 20 bilhões de dólares destinados ao fretamento de embarcações, sendo 49% desse montante direcionado à Margem Equatorial. Em contraste, o orçamento total do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) para 2025 foi de apenas 14 bilhões de reais (cerca de 2,6 bilhões de dólares).

Ele chama a atenção para o descompasso existente entre o vultoso investimento em tecnologia voltada para a exploração e produção de petróleo e o investimento na produção de conhecimento científico nas áreas de transição energética e ciências do mar.

— De um lado, a Petrobras ostenta recordes mundiais na exploração em águas profundas e ultra profundas, consolidando o país como referência internacional nesse setor estratégico. De outro, o mesmo Brasil carece de uma infraestrutura robusta para investigar sistematicamente os ecossistemas marinhos oceânicos que abrigam essa riqueza, limitando-se a iniciativas pontuais, muitas vezes insuficientes e dependentes de apoio da Marinha do Brasil, empresas ou de projetos de cooperações internacionais — diz.

Rezende  considera uma grande contradição o país investir com intensidade na extração das riquezas imediatas do mar, mas não priorizar o conhecimento necessário para assegurar sua conservação e uso sustentável a longo prazo. Na sua opinião, sem a compreensão dos processos oceanográficos, a biodiversidade marinha e as dinâmicas ecológicas das áreas exploradas, o Brasil corre o risco de comprometer patrimônios naturais inestimáveis e de perder oportunidades de inovação científica e tecnológica que poderiam emergir do estudo profundo do oceano.

Segundo Rezende, o fortalecimento da pesquisa em ciências do mar, com a criação de uma frota de navios oceanográficos civis, apoio à aquisição de equipamentos de ponta e à formação de recursos humanos altamente qualificados deve caminhar em paralelo ao desenvolvimento tecnológico da exploração energética, assim como o fomento às iniciativas de transição energética. Só assim o país poderá alinhar seu protagonismo mundial com uma visão estratégica mais ampla, que reconheça o oceano não apenas como fonte de recursos, mas como um espaço vital de conhecimento, sustentabilidade e soberania.

(Jornalista: Fúlvia D’Alessandri – ASCOM/UENF – Fotos da formação recifal cedidas por Carlos Eduardo de Rezende)


Fonte: ASCOM/UENF

O relatório técnico da Academia Brasileira de Ciências sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas e suas limitações

Imagem de satélite da região da Foz do Amazonas, na Margem Equatorial da América do Sul — Foto: Landsat/Nasa 

A mídia corporativa e também a alternativa (Aqui!Aqui!Aqui!) estão divulgando um relatório técnico produzido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC) intitulado “ Petróleo na Margem Equatorial Brasileira,  ” em que são feitas uma série de considerações sobre a “legitimidade” da exploração de petróleo na região da Foz do Amazonas nas quais o material produzido por 12 pesquisadores escolhidos pela direção da entidade tecem considerações sobre os riscos envolvidos e apontam que qualquer decisão deve estar amparada por ciência, transparência e salvaguardas ambientais. 

Minha reação inicial após uma leitura inicial do relatório é que faltou na equipe técnica que preparou este relatório, cientistas que estão há mais de uma década realizando pesquisas robustas sobre o chamado Grande Sistema Recifal Amazônico (GARS), abarcando áreas que incluem a ecologia do sistema recifal como, também, em aspectos relacionados à circulação oceânica, e ainda sobre o impacto potencial de derrames de óleo nos bosques de manguezais.  Ao não incluir esse grupo, das quais conheço alguns pesquisadores de alta competência científica, a ABC parece ter se guiado mais por critérios políticos do que científicos, o que, convenhamos, atenta contra o bom nome da instituição. 

Aliás, também notei a ausência do físico e professor da USP, Paulo Artaxo, membro do IPCC, que possui posições contrárias à exploração do petróleo na Foz do Amazonas. Neste caso, faltou oferecer a voz contrária, algo que é crítico para a produção da ciência de excelência que a ABC diz representar.

Além disso, o relatório circunavega (para não dizer omite) as questões de natureza socioambiental que advirão não apenas de eventuais derramamentos de óleo em uma região ecologicamente tão sensível, mas, principalmente, os impactos sociais que se seguirão à instalação da indústria petrolífera. E não falo aqui apenas das estruturas de exploração, mas também das estruturas secundárias que envolverão o transporte, estocagem e apoio.  Assim, os efeitos deletérios sobre pescadores artesanais, comunidades quilombolas e povos indígenas tenderá a ser avassalador, reproduzindo o que já ocorrerá em outras áreas de exploração existentes em outras regiões brasileiras. Cito aqui o exemplo da Baía da Guanabara que foi transformada em uma lixeira química da indústria do petróleo, e onde se trava um feroz disputa por espaço entre pescadores artesanais e a Petrobras e suas subsidiárias.

Mas o que me preocupa mais ainda é o aceno de que a exploração do petróleo na Foz do Amazonas seria “legítimo”, sem que se fale para quem a legitimidade será lucrativo.  Há que se lembrar que no último leilão realizado pela Agência Nacional do Petróleo, 3 petroleiras estrangeiras ficaram com o filé mignon da exploração do petróleo na Foz do Amazonas (i.e., a americana ExxonMobil, a americana Chevron e a chinesa CNPC), sendo que a Petrobras acabou ficando com uma participação minoritária nesse processo todo. Em outras palavras, todo o esforço para abrir a fronteira da Foz do Amazonas terminará beneficiando empresas multinacionais, como, aliás, acaba de ocorrer com a descoberta de um mega campo pela inglêsa BP na camada Pré-Sal na bacia de Santos. Assim, falar em legimitidade sem cotejar quem se beneficiará da destruição que se seguirá à chega da indústria petrolífera naquela região acaba comprometendo qualquer análise séria sobre um problema tão importante.

Finalmente, o principal problema que eu tenho com esse relatório é que o tratamento da contradição existente em propor transição energética com exploração de petróleo em um momento de agravamento da crise climática, inclusive com efeitos dramáticos no funcionamento dos ecossistemas amazõnicos.  Se é para se ter um documento dessa natureza, a bomba climática e social que a exploração do petróleo representa na Foz do Amazonas representa teria que ser tratada de forma mais direta. Afinal, falar em transição energética sem falar na necessidade de transformação imediata e radical da matriz energética acaba sendo uma forma sofisticada de enxugar gelo, ou ainda tentar curar um paciente com câncer nos pulmões oferecendo cigarros sem filtro. E aí, convenhamos, não precisamos dos cientistas da ABC para produzir textos, pois a indústria petrolífera já tem os seus think tanks para fazer isso.

Brasil leiloa blocos de petróleo na Amazônia sem consulta às comunidades locais e ignora crise climática, denunciam organizações e lideranças

Da Amazônia à conferência do clima de Bonn, sociedade civil, povos indígenas e de comunidades tradicionais protestam contra o mega leilão de petróleo e gás

Lideranças indígenas protestam em frente ao Campo do Azulão, Silves, Amazônia / c: APIRA 

Fotografias de protestos na Amazônia e na Alemanha Créditos nos nomes das pastas

17 de junho de 2025, GLOBAL — Enquanto alega liderança na agenda climática internacional na conferência do clima pré-COP30 em Bonn, na Alemanha, o governo brasileiro, por meio da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), realizou o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessões nesta terça-feira – um “mega leilão” de petróleo e gás de 172 blocos, incluindo 68 na Amazônia brasileira. O processo ocorreu sem qualquer consulta ou consentimento prévio, livre e informado das comunidades indígenas e tradicionaisda região, violando diretamente a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

No leilão, dos 47 blocos ofertados na Bacia da Foz do Amazonas, uma das áreas ambientalmente mais sensíveis do planeta, 19 foram concedidos para exploração de petróleo e gás. Foram leiloados 16.312 km² de áreas marinhas na Amazônia, distribuídos em quatro setores. Chevron e CNPC arremataram nove blocos, enquanto ExxonMobil e Petrobras ficaram com dez blocos, aprofundando a ofensiva das petroleiras sobre o bioma amazônico.

Esses blocos foram arrematados sem a realização de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS). Embora não seja condicionante, a ausência da avaliação foi apontada inúmeras vezes pelo IBAMA e o Ministério do Meio Ambiente como fator dificultador do licenciamento na região. O mapeamento detalhado de uma AAAS facilitaria tanto o trabalho do órgão ambiental como o do planejamento energético, já que apontaria áreas onde a atividade petrolífera deve ser evitada devido à sensibilidade ambiental.

O leilão também descumpriu as recomendações do Ministério Público Federal (MPF), que há poucos dias entrou com uma liminar para suspender a oferta dos blocos, apontando graves falhas no processo, como ausência de estudos prévios adequados, consulta e risco de danos socioambientais irreversíveis. Além de desrespeitar os direitos dos povos e especialistas e ir na contramão do acordo global para transição dos combustíveis fósseiso governo ignora os alertas da comunidade científica mundial, que é clara: não há espaço para novos projetos de combustíveis fósseis se quisermos evitar o colapso climático.

A decisão compromete a credibilidade do governo brasileiro, que nas arenas internacionais defende compromissos climáticos, mas segue expandindo a fronteira fóssil internamente, inclusive na Amazônia, região que abrigará a conferência climática mais importante do mundo este ano, a COP30. Povos originários, comunidades tradicionais e organizações da sociedade civil defendem que a transição energética justa deve priorizar áreas altamente biodiversas e sensíveis, como a Amazônia, e ser construída com um plano claro, que não dependa da expansão de petróleo e gás nem do financiamento de combustíveis fósseis.
 

Representantes da sociedade civil e lideranças ofereceram os seguintes comentários:

Cacique Jonas Mura, Silves, Amazonas:

“Se o grande criador deixou esse óleo com o gás nas profundezas, distante do nosso alcance, é porque não é coisa boa, é coisa que só traz destruição, poluição, pobreza, ganância, doenças e discórdias. Trazer essa massa podre e poluente das profundezas é trazer tudo que é ruim para os nossos territórios. Amazônia livre de petróleo e gás!

Gisela Hurtado, coordenadora de campanha pela Amazônia na Stand.earth:

“Neste momento em que o mundo se reúne em Bonn para avançar soluções climáticas e se prepara para a primeira COP na Amazônia, o governo brasileiro está leiloando a Amazônia para a indústria de combustíveis fósseis. Esse “Leilão da Morte” ameaça não apenas os territórios indígenas, mas o próprio sistema climático global. Ele desafia os princípios do Acordo de Paris e a ambição da COP30. Estamos aqui para dizer: não há justiça climática sem direitos indígenas, não há transição justa sem manter os combustíveis fósseis no solo e não há futuro sustentável se a Amazônia se tornar uma zona de sacrifício. O mundo deve exigir coerência — as palavras na COP devem corresponder às ações em casa.”

Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe na 350.org:

“O tempo dirá se o Brasil terá coragem política para alinhar discurso e prática e deixar um legado verdadeiro de liderança climática – Este leilão, no ano em que o Brasil sedia a COP30, marca um momento crítico em que o governo escancara as portas para a indústria fóssil em um dos biomas mais sensíveis do planeta. São 19 blocos sem consulta prévia às comunidades indígenas e tradicionais, violando direitos constitucionais e internacionais. Essa decisão contradiz as promessas de proteção ambiental feitas por um governo eleito com essa bandeira, e fragiliza a credibilidade do país no cenário global. Em vez de liderar uma transição energética justa, baseada no imenso potencial renovável do Brasil, o governo aposta num modelo fóssil ultrapassado que compromete o futuro, bloqueia o desenvolvimento sustentável e repete erros do passado.

Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto ClimaInfo:
“Ao mesmo tempo em que cobra ação efetiva dos países ricos na transição energética, o Brasil deu hoje um péssimo sinal para quem se preocupa com a vida e o futuro nesse planeta. Ao leiloar 19 blocos na Foz do Amazonas, uma área ambientalmente sensível e crítica para o clima global, o país joga mais lenha na fogueira da crise climática. Não será com palavras bonitas e acordos vazios que iremos salvar o mundo do cataclisma de eventos extremos cada vez mais intensos. O Brasil tem tudo para liderar a transição justa e o petróleo certamente não faz parte do futuro em um mundo em chamas.

Mauricio Guetta, Diretor de Direito e Políticas Públicas da Avaaz:

“Com o mundo próximo de atingir 1.5 graus Celsius de aquecimento, a decisão de leiloar dezenas de blocos de petróleo em áreas essenciais para o equilíbrio ecológico e climático mundial coloca o Brasil na contramão dos esforços globais contra a emergência climática, minando sua liderança na COP 30. Os danos ao clima, à biodiversidade e aos povos indígenas e comunidades tradicionais serão irreversíveis.”

Brasil leiloará direitos de exploração de petróleo meses antes de sediar a COP30

A venda de uma área de 56.000 milhas quadradas deve prosseguir apesar da oposição de grupos indígenas e ambientais

Uma plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro

Uma plataforma de petróleo na Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro. A maioria das concessões é para áreas offshore, mas algumas são para a bacia amazônica. Fotografia: Bloomberg/Getty Images

Por Constance Melleret para o “The Guardian”

O governo brasileiro está se preparando para realizar um leilão de exploração de petróleo meses antes de sediar a cúpula climática da ONU, Cop30, apesar da oposição de ativistas ambientais e comunidades indígenas preocupadas com os impactos ambientais e climáticos dos planos.

A Agência Nacional de Petróleo (ANP) do Brasil vai leiloar os direitos de exploração de 172 blocos de petróleo e gás, abrangendo 146.000 km² (56.000 milhas quadradas), uma área mais que o dobro do tamanho da Escócia, a maior parte dela offshore.

O “leilão do juízo final”, como os ativistas o chamaram, inclui 47 blocos na bacia amazônica, em uma área sensível perto da foz do rio que as empresas de combustíveis fósseis consideram uma nova fronteira petrolífera promissora .

O leilão é fundamental para os planos do Brasil de se tornar o quarto maior produtor de petróleo do mundo, uma ambição apoiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que argumenta que a receita do petróleo trará desenvolvimento econômico e financiará a transição energética.

Mas uma ampla gama de grupos, incluindo ambientalistas, promotores federais e até mesmo sindicatos de trabalhadores do petróleo , estão pressionando para que a rodada de licitações seja cancelada, citando estudos de avaliação ambiental inadequados, a violação dos direitos indígenas e a incompatibilidade do aumento da produção de petróleo com os compromissos climáticos do Brasil.

A Agência Internacional de Energia diz que o desenvolvimento de novos campos de petróleo e gás é incompatível com os esforços globais para atingir emissões líquidas zero até 2050.

O Instituto ClimaInfo do Brasil calculou que a queima de petróleo e gás de todos os 172 blocos em oferta, caso avancem para a fase de produção, pode levar à liberação de mais de 11 bilhões de toneladas de CO2 equivalente — o equivalente a mais de seis anos de emissões do poluente setor agropecuário do país, ou 5% das emissões que a humanidade ainda pode produzir para manter o aquecimento global dentro de 1,5°C.

Somente as áreas da bacia amazônica poderiam liberar 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente .

“Este leilão está representando ameaças realmente sérias e graves para a biodiversidade, as comunidades e o clima”, disse Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora executiva do Instituto Internacional Arayara, uma organização da sociedade civil que entrou com cinco ações judiciais contra o leilão da próxima semana.

Muitos dos blocos de exploração de petróleo em oferta possuem estudos de avaliação ambiental desatualizados ou próximos do vencimento. Alguns se sobrepõem a territórios indígenas ou áreas de conservação, incluindo reservas marinhas ao redor da paradisíaca ilha de Fernando de Noronha. Arayara também argumenta que a ANP não avaliou de forma transparente a real extensão das emissões de gases de efeito estufa da exploração e da possível produção futura de petróleo e gás nessas áreas.

A Bacia Amazônica está no centro do debate sobre o futuro da exploração de petróleo no Brasil. A Petrobras, estatal petrolífera, passou anos tentando obter uma licença ambiental para perfurar ali, e Lula pressionou o Ibama para que a licença fosse concedida.

As áreas que seriam afetadas pela perfuração offshore e atividades relacionadas em terra incluem recifes de corais sensíveis e comunidades indígenas que dizem não ter sido devidamente consultadas.

“Nós, indígenas, estamos sendo arrasados ​​por esse processo, não estamos sendo vistos nem ouvidos”, disse Edmilson Oliveira, coordenador de um grupo de lideranças indígenas que se opõem publicamente às atividades de exploração na costa norte do Brasil.

Lucas Louback, gerente de campanha e advocacy da Nossas, uma das organizações que exigem o cancelamento do leilão, disse: “Milhares de pessoas já estão dizendo não à exploração de petróleo na Amazônia e o governo brasileiro precisa ouvir. A poucos meses da COP30 , continuar apostando no petróleo é uma contradição gritante.”

“A Amazônia está perigosamente perto de um ponto de inflexão, e apegar-se a esse modelo empurra o Brasil e o mundo para mais perto do colapso climático.”


Fonte: The Guardian

No Caminho para a COP30: Brasil pretende liberar exploração maciça de novas reservas de petróleo e gás

Por Arayara e Urgewald

Na quinta-feira, 12 de junho, às 15h (horário da Europa Central – CEST), a Urgewald realizou uma  uma coletiva de imprensa online com  Nicole Figueiredo Oliveira, diretora  executiva do Instituto Internacional Arayara (Brasil) que apresentou dados sobre a dimensão e os possíveis impactos desses projetos extrativistas, especialmente no contexto do Brasil como país anfitrião da COP30.  Já Heffa Schuecking, diretora da Urgewald (Alemanha) trouxe detalhes sobre as empresas de petróleo e gás envolvidas em projetos fósseis semelhantes em toda a região amazônica.

É importante notar que faltando apenas cinco meses para o início da Cúpula do Clima da ONU em Belém, o governo brasileiro planeja abrir 145.597 km² – uma área maior que a Nicarágua – para a exploração de novas reservas de petróleo e gás.

Em um leilão marcado para 17 de junho de 2025, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) oferecerá os direitos de exploração de 172 novos blocos de petróleo e gás aos maiores lances. A ONG brasileira Arayara já entrou com diversas ações judiciais para tentar barrar o leilão.

“Desde a década de 1990, o Brasil teve um aumento de 460% em desastres climáticos induzidos, como enchentes severas, tempestades e secas. Como signatário do Acordo de Paris de 2015 e país anfitrião da COP30, o governo brasileiro precisa finalmente admitir o óbvio: não podemos resolver a crise climática sem encerrar a expansão dos combustíveis fósseis”, afirma Nicole Figueiredo Oliveira, diretora executiva da ARAYARA.

Contexto

Dos 172 blocos colocados em leilão, 47 estão localizados na foz da Bacia Amazônica — uma região altamente sensível, com grande riqueza de espécies marinhas e recifes de corais únicos que se estendem por mais de 200 km a partir da costa. A produção de petróleo e gás nesse habitat frágil contraria os esforços de conservação do próprio governo brasileiro e compromete centenas de projetos financiados pelo Fundo Amazônia, que conta com quase um bilhão de dólares em apoio internacional.

Outras áreas marinhas importantes também estão em risco: 76% dos blocos de exploração sobrepõem-se a “Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Marinha e Costeira”, reconhecidas pelas autoridades ambientais brasileiras. Esses planos colocam em risco os meios de subsistência de pelo menos 546 mil pescadores e pescadoras. Muitos dos blocos em terra também devem causar sérios impactos sobre territórios indígenas ou Áreas Prioritárias para a Conservação do Bioma Amazônico.

Segundo Oliveira, o leilão da maioria desses blocos está juridicamente fragilizado. Para começar, ele ignora os estudos de impacto ambiental cumulativos exigidos, baseando-se, em vez disso, em uma “Manifestação Conjunta” emitida pelos Ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente. No entanto, a Manifestação Conjunta que ampara 117 dos 172 blocos propostos expira em 18 de junho — um dia após o leilão e muito antes da assinatura dos contratos de exploração — o que fere a norma legal aplicável. O leilão também viola o direito das comunidades indígenas afetadas ao consentimento livre, prévio e informado, além de diversas regulamentações ambientais brasileiras.

Em ações anteriores, a ARAYARA já conseguiu barrar a emissão de licenças para determinados projetos de petróleo e gás.


Fonte: Arayara