Por detrás da imagem oficial, as Olimpíadas são um megaevento que esmaga os pobres

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Os prometidos “legados olímpicos” são difíceis de encontrar. Rio. Imagem: Dany13 / Flickr.

As cenas de exaltação dos poucos atletas brasileiros que vencem o descaso oficial estão sendo repetidas à exaustão pela empresa que retransmite a atual edição dos Jogos Olímpicos que ocorre na cidade de Tókio servem para obscurecer algo que deveria ser muito óbvio.  O fato obscurecido é que este megaevento é mais um produto comercial que nos é empurrado para que tantos outros produtos sejam colocados no mercado. Para entender isso, bastaria ver a lista dos patrocinadores oficiais que inclui algumas das principais corporações mundiais, o que implica o investimento de US$ 3,1 bilhões que a edição de Tóquio recebeu.

Mas como na edição anterior realizado no Rio de Janeiro cujo “legado olímpico” é destrinchado no livro “O jogo continua: megaeventos esportivos e cidades” que teve como um dos seus organizadores o precocemente falecido geógrafo Gilmar Mascarenhas,   os jogos em curso em Tóquio também cenas subliminares que explicitam o seu caráter excludente, a começar pelo “desaparecimento” dos moradores de rua das vistas de jornalistas estrangeiros e atletas (ver vídeo abaixo).

A verdade é que, apesar da tendência de nos entusiasmar com as poucas medalhas do Brasil em nome de um país que podia dar certo e não daquele que efetivamente temos, não podemos esquecer com o que estamos defrontados. E esse megaevento denominados de “Jogos Olímpicos” não passa de uma máquina de fazer dinheiro que não possui qualquer compromisso com a melhoria da qualidade de vida, nem do avanço da igualdade em qualquer esfera que seja, inclusive a esportiva.

Assim, ainda que não tenhamos como deixar de vibrar por todos os atletas brasileiras que venceram ou ainda vencerão em Tóquio, apesar do descaso total que cerca o esporte olímpico brasileiro, o fato é que não se pode esquecer a verdadeira natureza desse megaevento, sob pena de nos tornarmos cúmplices dos seus reais objetivos e significados. 

Finalmente, voltando ao meu colega de mestrado Gilmar Mascarenhas que foi brutalmente morto por um ônibus enquanto pedalava pelas ruas do Rio de Janeiro, é lamentável que o tenhamos perdido tão cedo, pois isto acabou nos privando de um pesquisador que, como poucos, se colocou a estudar meticulosamente os impactos dos megaeventos esportivos sobre as populações pobres das cidades que os acolhem.

Que cidade será o RJ pós Olimpíadas? Certamente não mais democrática

Tive a oportunidade de visitar Londres pouco mais de 60 dias antes dos Jogos Olímpicos de 2012 e observei cenas de encerramento de trabalhos de modificação de ruas e praças e que ocorriam de forma urgente, mas com jeito de que iriam estar prontas antes do “D”, o da abertura do megaevento esportivo.

Passados quatro anos me vi caminhando no centro da cidade do Rio de Janeiro que também deverá abrir em breve mais uma edição deste megaevento após gastos bilionários que comprometerão a saúde financeira do município e do estado por várias décadas.  Uma primeira constatação é de que as mesmas cenas de urgência se repetem com trabalhadores fazendo um esforço dobrado para completar obras, que dificilmente estarão prontas até o dia de abertura dado que paira uma injustificada (ao menos dado os preços das obras) aparência de completa improvisação.

Mas mesmo naqueles pontos em que as obras avançaram deu para notar que uma mudança capital no tecido urbano da cidade do Rio de Janeiro está emergindo e não é bom. Falo aqui da destruição de diversas singularidades que marcam a história da cidade para torná-la uma espécie de imitação cara das capitais européias.  E isso começa pelas obras na área do chamado “Porto Maravilha” e alcançam até as áreas de trânsito do VLT.

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O que parece estar em curso no centro do Rio de Janeiro é um processo de fechamento aos circuitos lentos de interação pessoal para um rápido onde se materializa a supremacia do grande capital internacional.

Apesar de eu não ser o primeiro a falar nesse “legado” dos megaeventos esportivos especificamente sobre a cidade do Rio de Janeiro, visto que pesquisadores como Gilmar Mascarenhas, professor e pesquisador da UERJ, e Carlos Vainer, professor e pesquisador da UFRJ, já vem tratando a mais tempo das mudanças nem sempre positivas que os megaeventos causam.  Nesse sentido, sugiro que assistam a um depoimento do prof. Vainer no programa Juca Entrevista do jornalista Juca Kfouri  (Aqui!)

Entretanto, enquanto alguém que transitou a pé pelo centro do Rio de Janeiro por mais de uma década entre os anos 1980 e 1990, posso já dizer que todo o dinheiro gasto nas supostas melhorias urbanísticas não serviu para democratizar a circulação ou acesso e, provavelmente, o que resulta dessas intervenções não será melhor para a população carioca. Os grandes ganhadores serão, sem nenhuma dúvida, as empreiteiras e as corporações financeirase, por que não, o Comitê Olímpico Internacional (COI).

Os Jogos ainda nem começaram, mas não hesito em dizer:  que triste legado!