Petrocity mostra impactos ambientais nos territórios de comunidades tradicionais em São Mateus (ES)

Contratação de três mil empregados e desmobilização dos mesmos após as obras é um dos 38 impactados previstos

petrocity

Por Fernanda Couzemenco para o Século Diário

Três mil pessoas devem ser contratadas diretamente para implementar o Terminal de Uso Privativo (TUP) e a Usina Termelétrica Petrocity e, após a conclusão das obras, serão desmobilizadas. A chegada dessa multidão de trabalhadores, majoritariamente homens, pressionará a infraestrutura das comunidades localizadas no entorno das obras, especialmente a saúde. A grande movimentação de serviços de alimentação e hospedagem será seguida de um profundo esvaziamento dessas demandas, podendo deixar ociosos os estabelecimentos que venham a se instalar ou ampliar em função das obras. Haverá redução da disponibilidade hídrica, em função da captação de água subterrânea para o complexo portuário.

Esses são alguns dos 38 impactos ambientais listados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto Petrocity, cuja apresentação às comunidades tradicionais diretamente afetadas foi feita em audiência pública realizada nesta sexta-feira (28) no centro de São Mateus, no norte do Estado.

Segundo o documento, disponibilizado no site do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – que em 2020, sob o comando do ministro Ricardo Sales, assumiu o licenciamento que havia sido negado por duas vezes seguidas pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) – “o empreendimento será composto por um acesso rodoviário, uma área portuária com sete berços de atração conectados, por meio de uma ponte de acesso, a um retroporto onde ficarão as estruturas destinadas a armazenamentos, áreas e pátios de estocagem, edificações, áreas de circulação e dispositivos destinados ao tratamento de efluentes e à gestão adequada de resíduos sólidos, assim como as estruturas da UTE”.

A previsão é de que 19 embarcações circulem mensalmente no TUP, que deve ter um canal de acesso com profundidade de 16 metros (acima da média nacional de 13,5 metros). “Estima-se que no quarto ano de operação, o TUP movimente 774.259 TEU [contêiner padrão de 20 pés] de cargas que incluem: rochas ornamentais, produtos agropecuários (café, mamão, coco, macadâmia, pecuária de corte e leiteira), veículos, papel e celulose, etc, facilitando o escoamento das regiões norte e noroeste do Espírito Santo, Zona da Mata mineira, Vale do Rio Doce, Vale do Mucuri, Vale do Jequitinhonha e sul e extremo sul baiano. No décimo ano de operação a estimativa é que haja um volume de carga de 1.067.222 TEU”.

Invisibilidade das comunidades

O EIA cita como três comunidades na Área Diretamente Afetada (ADA): Campo Grande, Urussuquara e Barra Seca, sendo a primeira uma comunidade tradicional de catadores de caranguejos e as demais formada basicamente por pescadores artesanais.

“A comunidade de Urussuquara faz vizinhança com a comunidade do Campo Grande ao norte, cerca de 5 km, e com a comunidade da Barra Seca ao sul, cerca de 4km. Em comum, as três comunidades têm a pesca como atividade tradicional e o turismo como atividade de grande ascensão recente”, descreve.

Há, no entanto, mais meia dúzia de comunidades que serão afetadas pelo empreendimento, conforme entendimento das mesmas, e que não estão analisadas no EIA: Barra Nova Sul, Barra Nova Norte, Nativo, São Miguel, Ferrugem e Sítio da Ponta. “Todas serão diretamente afetadas, porque são comunidades de povos tradicionais que vivem da pesca e vai ser retirado delas a pesca, o lazer, tudo o que traz sustentabilidade para elas. Nós temos o nosso cultural, o nosso social, vivemos desse oceano. Precisamos que a Petrocity não veja só o lado dela”, afirmou a presidente da Associação dos Pescadores, Catadores de Caranguejo, Agricultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande de Barra Nova (Apescama), Kelly Ramalho de Sena, às vésperas da realização da audiência.

A expectativa para o evento, disse, era levar a voz das comunidades para o processo, já que até o momento não houve qualquer diálogo formal com nenhuma delas, sequer os pedidos de condicionantes – mais de 70, protocolados em 2018 junto ao Iema, à Petrocity e ao Ministério Público Federal (MPF) – foram contemplados no licenciamento.

Durante a audiência pública, ela conta que permaneceu a falta de qualquer retorno sobre as demandas, levando a Apescama a renovar o requerimento, entregando o registro do protocolo feito em 2018, com cópia da lista de necessidades sociais, econômicas, ambientais e culturais dos territórios atingidos. Também não houve encaminhamento de qualquer reunião ou audiência pública a ser realizada dentro das comunidades, para que as demandas pudessem ser discutidas previamente. Passados dez anos desde o início do licenciamento, portanto, prevalece a invisibilidade das comunidades onde se pretende instalar o megaempreendimento.

“Não deram nenhum retorno para a gente sobre o nosso pedido de condicionantes, não marcaram nenhuma reunião dentro das comunidades. A única novidade [durante a audiência] foi que pelo menos agora eles mostraram os impactos ambientais, porque antes eles nem assumiam que teriam impactos, falava só que seria tudo lindo”, relata a líder comunitária.

O documento classifica a área com “fragilidade ambiental média”, devido a “integração de algumas características ambientais observadas principalmente no litoral, tais como: fragmentos remanescentes de vegetação de restinga, área de desova de tartarugas marinhas, baixa declividade do relevo, solo com alta permeabilidade e baixa capacidade de retenção de água e áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade classificadas como de importância extremamente alta”.

Três mil trabalhadores

Alguns dos impactos que se repetem nas fases de implementação (construção) e de operação (funcionamento do complexo portuário) e que têm grande potencial de modificar drasticamente a realidade das comunidades, relacionam-se à chegada dos três mil trabalhadores. O primeiro é o “aumento da empregabilidade”.

Na fase de implementação, é esperada a geração de três mil empregos diretos, que, segundo o documento, atrairão trabalhadores preferencialmente dos municípios de São Mateus, Jaguaré e Linhares. Na fase de operação, “a estimativa é de que sejam empregados diretamente 267 trabalhadores na operação do TUP e 236 na operação da UTE e FSRU [sigla em inglês para unidade flutuante de armazenamento e regaseificação]. Além disso, o Complexo Administrativo localizado no interior da área do TUP, que contará com 402 salas comerciais, tem potencial para atrair cerca de 2000 pessoas”.

Especificamente na primeira fase, de construção, o EIA elenca a “diminuição da empregabilidade: ao final das obras do empreendimento serão desmobilizados cerca de 3000 colaboradores, número de trabalhadores previsto durante o pico das obras”, sem detalhar, no entanto, as consequências diretas que esse desemprego em massa pode causar.

Outro impacto das obras é chamado de “pressão sob a infraestrutura urbana local”, em que “ainda que seja priorizada a contratação de mão de obra da região, notadamente nos municípios de São Mateus, Jaguaré e Linhares, e não haja previsão para a implantação de alojamentos, tendo em vista a infraestrutura urbana incipiente das comunidades próximas à ADA do empreendimento, é prevista uma pressão sob a infraestrutura urbana local, especialmente, sob os serviços de saúde”.

Impactos sobre a pesca

Em ambas as fase é pontuada a “interferência na atividade pesqueira”. O documento registra que existem três principais faixas de pesca: “a 1ª faixa de até 100 m de distância da costa, onde é realizada principalmente a pesca de subsistência e para pequenas comercializações; a 2ª faixa, de 100 a 500 m da costa, onde ocorre principalmente a captura de camarão, com embarcações de médio e grande porte; e a 3ª faixa, depois dos 500 m da costa, onde ocorre a pesca de peixes de maior porte com embarcações também de grande porte”.

Especificamente na área de construção do empreendimento, pontua, “a pesca ocorre apenas na 3ª faixa. Considerando que foi delimitada uma área de exclusão de pesca de 500 metros (…), haverá interferência na atividade pesqueira devido à restrição do desenvolvimento dessas atividades em uma área total de cerca de 947 hectares”.

Impactos sobre o turismo

No tópico sobre “interferência nas atividades de turismo”, o EIA afirma que, para a construção da retroárea do TUP, está prevista a terraplanagem de 1,5 milhão de metros quadrados, sendo que parte dessa área localizada na faixa de areia da praia”. Dos 14 pontos de acesso à praia mapeados nos 5km ao norte e ao sul da área do empreendimento, seis sofrerão com restrição de acesso, o que equivale a cerca de 2km de praia que, após a implantação do empreendimento, terão acesso restrito.

Água

Sobre a “redução da disponibilidade hídrica”, o documento informa que, “tendo em vista que a localidade de Urussuquara não possui fornecimento de água encanada, é previsto o tratamento de 10 l/s de água proveniente de poço de captação subterrânea, o que contribuirá para a redução da disponibilidade hídrica na região”.

Lista de impactos

Na íntegra, o documento lista, na fase de implantação, são listados os seguintes impactos ambientais: Alterações no comportamento dos cetáceos; Alteração da biota marinha; Alteração da biota estuarina; Alteração da qualidade das águas marinhas; Alteração da qualidade das águas estuarinas; Alteração da qualidade do ar; Alteração da qualidade do solo; Alteração no padrão de distribuição da fauna marinha; Alteração no padrão de distribuição da fauna silvestre terrestre; Atração de fauna sinantrópica; Aumento da empregabilidade; Aumento da população de fauna que habita o substrato consolidado; Aumento de processos erosivos; Aumento do atropelamento de fauna; Aumento do escoamento superficial e carreamento de sólidos; Colisão com cetáceos e quelônios marinhos; Desorientação de quelônios marinhos; Destruição de ninhos de quelônios marinos; Diminuição da empregabilidade; Diminuição da população de fauna bentônica; Dinamização da economia local; Incômodo à vizinhança; Interferência na atividade pesqueira; Interferência nas atividades de turismo; Lesões em quelônios marinhos; Perda de cobertura vegetal; Perda de habitats de fauna silvestre; Pressão sob a infraestrutura urbana local; Redução da disponibilidade hídrica.

Na fase de operação, a maioria se repete, sendo acrescentados, alguns, como: alteração da linha de costa; Aumento da arrecadação tributária (previsão de duplicação da arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), de ordem municipal); Aumento da disponibilidade energética no sistema; Introdução de espécies exóticas; e Melhoria no escoamento de produção.


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Este texto foi originalmente publicado pelo jornal “Século Diário” [Aqui!].

Presidente Kennedy (ES): entidades e movimentos sociais enviam carta ao Consulado da Holanda de alerta e cobrança de respostas sobre impactos sociambientais do Porto Central

porto central

Presidente Kennedy, 27 de outubro de 2021.

Prezado Sr. A.J.M. Schilte,

Representante do Consulado Holandês no Espírito Santo.

Saudações capixabas e holandesas.

As organizações da sociedade civil capixaba, do Norte Fluminense e da Holanda mobilizadas pela Campanha Nem um poço a mais!, solicitamos uma urgente reunião com o consulado holandês no Espírito Santo.

Vimos por meio desta carta alertar o consulado, o governo e a sociedade civil holandesa, para que observem e impeçam as violações de direitos humanos e a destruição da natureza, implicadas na instalação do Porto Central e na expansão da exploração offshore no Sul do Espírito Santo e Norte do Rio de Janeiro.

Como deve ser de conhecimento do consulado, empresas holandesas estão diretamente envolvidas nos projetos de expansão da indústria do petróleo e gás e em sua infraestrutura, no mar e ao longo da costa atlântica. Seus investidores, consultores, prestadores de serviços e tecnologia petroleira para a exploração fóssil não são bem-vindos.

O Porto Central não pode ser construído! Ameaça direitos humanos, põe em risco a natureza.

Sob um governo fascista e racista como o de Bolsonaro, o Porto Central não dá garantias e salvaguardas concretas para questões fundamentais, mal definidas e pouco observadas nas condicionantes do licenciamento.

  • O que farão com 400 famílias de comunidades de pesca artesanal que vivem, protegem e trabalham no mar, nos rios e nas áreas alagadas, na região de Presidente Kennedy, mais as comunidades de Marataízes e do norte do Rio de Janeiro?
  •  Vão realmente destruir os berçários, interditar os acessos e impossibilitar a reprodução dos modos de vida da região?
  • Quais as garantias de salvaguardas para as comunidades quilombolas do Sul do Espírito Santo? Vão ignorar a Convenção 169 da OIT?
  • Como vão garantir a segurança da população em geral, das mulheres e meninas, das mulheres negras, pescadoras, artesãs, diante da chegada de 2 mil homens jovens, de outras regiões, trabalhadores precarizados para as obras de construção?
  • Como farão para não degradar a Igreja de Nossa Senhora das Neves, um Patrimônio histórico, nem profanar a tradicional Romaria das Neves, quando da construção e instalação do porto?
  • Vão mesmo destruir 1100 hectares de terra protegida (Mata Atlântica, áreas alagadas e mata de restinga), toda a fauna e flora, para dar lugar às instalações do porto?
  • Repetirão, no Sul do Espírito Santo e norte do Rio de Janeiro, os danos que causaram no porto de Suape (PE), no porto do Açu(RJ) na vida marinha e na sociedade da região?
  • Afinal, que tipo de desenvolvimento está sendo proposto? Para quê? e para quem?
  • Que órgãos de governo e quais empresas holandesas estão envolvidas na exploração petroleira e em sua infraestrutura, na bacia do Espírito Santo e na bacia de Campos?

Esperando por respostas positivas para tratarmos diretamente deste assunto, agradecemos.

Cordialmente,

FAPAES – Federação das Associações de Pescadores Profissionais, Artesanais e Aquicultores do Espírito Santo

ANP-Articulação Nacional de Pescadoras.

Colônia de Pescadores e Aquicultores  Z14(Presidente Kennedy-ES).

FECOPES – Federação das Colônias e Associações de Pescadores do Estado do Espirito Santo.

CONAQ – Coordenação Nacional de Quilombos

COEQ – Coordenação Estadual de Quilombos do Espirito Santo.

AMQBC-Associação De Moradores Quilombolas de Boa Esperança e Cacimbinha(Presidente Kennedy-ES).

MAROBART-Associação De Artesãs Da Praia De Maroba(Presidente Kennedy-ES).

MST-Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

MPA-Movimento dos Pequenos Agricultores.

Fórum Estadual de Mulheres/ES

Coletivo FEPNES/ES

CDDH-Centro de Defesa dos Direitos Humanos Regional Sul – Pedro Reis(Cachoeiro Do Itapemirim-ES)

FASE/ES

INSTITUTO VISÃO SOCIAL.

IMANE-C PELA PAZ

IFF-Instituto Federal Fluminense-Campus Bom Jesus do Itabapoana

Movimento Baía Viva/RJ

Fórum Suápe/PE

Both ENDS – Holanda

Millieudefensie – Holanda

MNDH –ES

ACAOA-Associação dos Cultivadores de Algas da Orla de Aracruz-ES.

APAPS-Associação dos Pescadores Artesanais de Porto de Santana e Adjacências-ES

Campanha Nem um poço a mais!

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Calculadora online de impactos do garimpo ilegal na Amazônia será lançada nesta quarta-feira (9)

Apresentação da nova ferramenta, resultante de parceria entre o MPF e a Conservação Estratégica, será transmitida ao vivo, a partir das 15h

calculadora

O Ministério Público Federal (MPF) e a organização não-governamental Conservação Estratégica (CSF-Brasil) lançam, nesta quarta-feira (9), às 15h, a “Calculadora de Impactos do Garimpo Ilegal de Ouro”. O evento será transmitido pelo YouTube da CSF e conta com a participação de representantes do MPF. A nova ferramenta vai possibilitar o cálculo dos danos socioambientais gerados pela extração ilegal de ouro na Amazônia, a partir da combinação de critérios como quantidade de ouro extraída, tipo de garimpo utilizado, local da extração, área afetada, entre outros.

A iniciativa é fruto de parceria entre a Força Tarefa Amazônia do MPF, a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise da Procuradoria-Geral da República (Sppea/PGR) e a CSF. No evento online de lançamento, participam a procuradora da República no Amazonas, Ana Carolina Haliuc Bragança, o secretário da Sppea/PGR, Pablo Barreto, e o economista e Diretor da CSF-Brasil, Pedro Gasparinetti, além de outras pessoas que participaram do desenvolvimento do projeto. 

A calculadora ficará disponível em uma plataforma on-line aberta ao público e vai ajudar a nortear a atuação do MPF e de outras instituições, como a Polícia Federal, o Ibama e o Ministério da Saúde, na prevenção, responsabilização e compensação dos danos do garimpo ilegal. A calculadora vai conferir maior celeridade e fidedignidade à apuração de valores monetários a serem requeridos, por exemplo, em ações civis públicas ajuizadas pelo MPF sobre o tema. Também vai auxiliar no cálculo de multas e indenizações.

Para chegar ao valor financeiro do dano ambiental e social causado, a calculadora leva em conta as perdas geradas pelo desmatamento, assoreamento dos rios, contaminação por mercúrio e impacto sobre comunidades indígenas e ribeirinhas. Para se ter uma ideia dos resultados que podem ser obtidos com a ferramenta, a extração de 1kg de ouro gera um impacto de R$ 940 mil a R$2 milhões, dependendo das hipóteses consideradas. A maioria desses danos está relacionada aos impactos do mercúrio sobre a saúde humana. 

Serviço 
Lançamento da “Calculadora de Impactos do Garimpo Ilegal de Ouro”
Data: 9 de junho (quarta-feira)
Horário: 15h
Transmissão ao vivo pelo YouTube da CSF

fecho

Este texto foi inicialmente publicado pelo MPF do Amazonas [Aqui!].