Novo programa do CNPq pode atrair quem está no início de carreira fora do Brasil, mas diáspora não é homogênea

LabcriobiologiaPrograma “Conhecimento Brasil” do CNPq prevê 800 milhões para repatriação de pesquisadores, além de financiar cooperação entre cientistas atuantes no país e no exterior

Por Ana Maria Carneiro, Ana Maria Gimenez, Elizabeth Balbachevsky, Leonardo de Azevedo e Vinícius Ferreira

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Nas últimas semanas, o programa ‘Conhecimento Brasil’, apresentado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem sido intensamente debatido pela comunidade científica. Gostaríamos de acrescentar pontos ao debate a partir de dados de uma pesquisa de 2023 com 1200 pesquisadores da diáspora científica brasileira, vivendo em 42 países diferentes.

Além da “repatriação de pesquisadores”, com maior visibilidade pela alocação de recursos (cerca de 800 milhões do 1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para um período de 5 anos), o programa prevê recursos para a mobilização de membros da diáspora brasileira para atuar no país de forma temporária e para projetos de cooperação entre pesquisadores no Brasil e brasileiros no exterior. Nesse sentido, ele pode representar um passo importante na ressignificação da diáspora científica brasileira, alinhada a uma nova perspectiva sobre a circulação de cientistas para além das fronteiras nacionais, ultrapassando a visão limitada da “fuga de cérebros”.

Nosso survey apontou que não existe uma única diáspora científica brasileira no exterior, o que é importante para analisar a efetividade do programa. Além disso, mais de 70% dos participantes não têm uma previsão de retorno ao Brasil, especialmente sem oportunidades de emprego, mas se mostram dispostos a colaborar com a ciência nacional, apontando sugestões de políticas em três grandes eixos.

Para pesquisadores que desejam retornar ao Brasil, especialmente em início de carreira: carreiras acadêmicas mais atrativas, com melhor remuneração e maior oferta de vagas. Para esse grupo, a repatriação do programa do CNPq parece atender às expectativas.

Para promover colaboração entre os membros da diáspora e o sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) no Brasil: oportunidades de vínculo temporário ou dupla filiação institucional no país e no exterior; fomento para ações de mobilidade e cooperação entre a diáspora e pesquisadores no Brasil. Muitos desses brasileiros têm acesso a diferentes recursos no exterior, que podem beneficiar a CT&I brasileira. Para eles, dificilmente o componente de retorno ao país do programa irá interessar.

Dinamização do ambiente brasileiro, com mudanças que beneficiariam pesquisadores no exterior e no Brasil, como: ampliação de oportunidades de financiamento à pesquisa, apoio a projetos multicêntricos para parcerias de longa duração; planos de carreira mais flexíveis e aumento do número e do valor das bolsas.

Tais propostas, longe de aderir ou rechaçar imediatamente o programa ‘Conhecimento Brasil’, mostram que a situação é mais complexa do que parece. Mas um ponto importante a se destacar é que ele privilegia quem está fora do Brasil, com mais recursos e condições diferenciadas de financiamento. Além de não atacar o cerne da razão da saída de cientistas do país – falta de oportunidades e de condições mais favoráveis para se fazer ciência – também desconsidera que a circulação de pessoas é um fato incontornável do mundo contemporâneo, sobretudo no campo científico.

Especialistas afirmam que as políticas para a diáspora não serão efetivas se não fizerem parte de um conjunto mais amplo de políticas para o desenvolvimento científico, tecnológico, social e cultural de cada país. É essencial, portanto, fomentar um ambiente doméstico mais favorável à ciência, tornando-o mais convidativo, tanto para os que já atuam por aqui, quanto para os que porventura desejem atuar.

 

Sobre os autores

Ana Maria Carneiro é pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Ana Maria Nunes Gimenez é pesquisadora do Departamento de Política Científica e Tecnológica (DPCT/IG/Unicamp) e INCT-PPED

Elizabeth Balbachevsky é pesquisadora do Departamento de Ciência Política, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP)

Leonardo Francisco de Azevedo é pesquisador do Museu Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Vinicius Kauê Ferreira é pesquisador do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)


Fonte: Agência Bori

Sobrevivendo como um jovem pesquisador no Brasil

“O investimento na formação de cientistas é fundamental para gerar ciência de ponta para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade”, escrevem pesquisadores brasileiros* em artigo para a Science

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Nos últimos anos, a ciência brasileira tem sido alvo de repetidos cortes orçamentários (1-5). Em outubro de 2021 mais uma redução foi anunciada: um corte de 87% no financiamento voltado para propostas cientificas (4). Esses cortes ameaçam projetos científicos e tecnológicos que estão em andamento, como também projetos futuros, o que inclui o financiamento de bolsas de estudo para jovens pesquisadores que estão no início da carreira científica. Apesar do precário orçamento voltado para a pesquisa quando comparado a países desenvolvidos, em 2020, o Brasil ocupou o 11o lugar entre as nações que produziram conhecimento científico voltados para enfrentar a pandemia de COVID-19 (6). A contribuição significativa do Brasil é impulsionada principalmente por pesquisadores em início de carreira (5), e sem um investimento apropriado, esses jovens cientistas não terão outra opção senão abandonar a carreira científica ou deixar o país (5).

No Brasil, a maior parte dos programas de pós-graduação exigem dedicação exclusiva – a bolsa de estudos não pode ser acumulada com outras fontes de renda. Jovens pesquisadores em programas de mestrado e doutorado ganham, respectivamente, uma bolsa de estudos de R$ 1.500 e R$2.200 mensais (7), e esses valores não são ajustados desde 2013 (7,8). Enquanto isso, a alta dos preços de produtos e serviços diminuiu o poder de compra das bolsas em mais de 60% (9). A maioria dos estudantes depende exclusivamente dessa renda mensal para manter sua alimentação, saúde, moradia, vestimenta e transporte. Em muitos casos, ainda dão suporte no sustento da família.

O investimento na formação de cientistas é fundamental para gerar ciência de ponta para o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade (10). Portanto, como jovens pesquisadores brasileiros, nós exigimos suporte financeiro adequado dos tomadores de decisão do nosso país. Se o Brasil não reavaliar imediatamente seu orçamento para ciência e tecnologia, o país corre o risco de perder ou alienar toda uma geração de cientistas brasileiros.

Autores

  • Celso H. L. Silva Junior, pesquisador do Tropical Ecosystems and Environmental Sciences Laboratory, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Universidade Estadual do Maranhão e do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group
  • Yhasmin M. Moura, pesquisadora do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group, do Institute of Geography and Geoecology do Karlsruhe Institute of Technology (Alemanha) e do Centre for Landscape and Climate Research da University of Leicester (Reino Unido)
  • Ana C. M. Pessôa, pesquisadora do Tropical Ecosystems and Environmental Sciences Laboratory e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
  • Diego P.Trevisan, pesquisador do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group, do Department of Geography da University of Manchester (Reino Unido) e do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos
  • Flávia S. Mendes, pesquisadora do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group
  • João B. C. Reis, pesquisador do Tropical Ecosystems and Environmental Sciences Laboratory e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais
  • Michelle C. A. Picoli, pesquisadora do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group, Earth and Life Institute e do Georges Lemaître Centre for Earth and Climate Research da Université Catholique de Louvain (Bélgica)
  • Natalia C. Wiederkehr, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group
  • Nathália S. Carvalho, pesquisadora do Tropical Ecosystems and Environmental Sciences Laboratory
  • Ricardo Dalagnol, pesquisador do Tropical Ecosystems and Environmental Sciences Laboratory, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e do Department of Geography da University of Manchester (Reino Unido)
  • Tahisa N. Kuck, pesquisador do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group e do Instituto de Estudos Avançados de São José dos Campos
  • Thais M. Rosan, pesquisadora do College of Life and Environmental Sciences da University of Exeter (Reino Unido)
  • Thiago S. F. Silva, pesquisador do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group e do Biological and Environmental Sciences da University of Stirling (Reino Unido)
  • Veraldo Liesenberg, pesquisador do Departamento de Gestão Ambiental Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
  • Polyanna C. Bispo, pesquisadora do Remote Sensing Applied to Tropical Environments Group e do Department of Geography da University of Manchester (Reino Unido)

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Este texto foi escrito originalmente em inglês e publicado pela revista “Science” [Aqui!].