
Por José Luis Vianna da Cruz
– Senta aqui, compadre, vem trocar um dedo de prosa!
– Tá bem, compadre, mas preciso seguir meu rumo antes do escurecer!
– Ué, o compadre tem medo de escuro?
– Não, compadre…bem, quer dizer…medo, não, né!
– Ué, como assim? O compadre não tem medo do Curupira, do Saci Pererê, do Lobisomen, do Boitatá, do Caipora?
– Não…medo, não…tenho respeito. E olha que já vi todos eles…e, também, o Ururau e a Loira do Banheiro!
– Tô sabendo kkkkkk…o compadre viu e não correu, certo?
– Certo, segui meu caminho…com todo respeito…não tenho medo dessa turma, não, cumpadre!!! Só não brinco nem mexo com eles.
– O compadre, então, não tem medo de nada hihihihihi…!
– Tenho sim…mas, como dizia meu avô…”eu não tenho medo de alma do outro mundo, não tenho medo dos mortos, tenho medo é dos vivos…”
– Então, o compadre não tem medo do Capeta, do Satanás, do Lúcifer, do Cão?
– Aí, sim…do Coisa Ruim eu tenho medo!
– Ué, o compadre acabou de falar que não tem medo de coisa do outro mundo…te peguei, compadre!!!
– Tem diferença, compadre! Já viu ou conheceu, de verdade, ao vivo, alguém que foi agredido ou comido, pelo Saci Pererê, pelo Curupira, pela Caipora, pela Mula Sem Cabeça, pelo Boitatá? Eu não acredito nem desacredito! Mas, existindo ou não, eles enchem nossas ideias, colorem nossa imaginação, mostram quem é medroso e quem tem coragem, dá assunto prá gente fazer troça dos amigos e, melhor ainda, dos inimigos kkk… No fundo o medo ajuda a gente a correr do Mal e viver no Bem. Eles encantam a gente, cumpadre! Eles existem pra modo da gente levar uma boa prosa, de noite, de preferência, pra mexer com nossos medos, na companhia de uma boa Marvada, da branquinha! Vai dizer que o compadre não gosta de uma boa prosa em noite bem escura, no seguro da casa, de porta fechada, escutando as estórias das gentes que juram que já viram essa turma?
– Não desvia do assunto, não compadre! E o medo do Tinhoso, compadre, de onde procede?
– Ora, compadre, o Tinhoso costuma encarnar numa gente ruim, bem vivinha, que faz maldade com todo mundo, que mata e esfola gente do bem, gente que não faz mal a ninguém, gente que labuta no dia a dia, presse país ser bom pra todo mundo! Viu só o Coisa Ruim que foi nosso presidente, antes desse que tá aí, quanta gente morreu e morre por causa dele, que espalha as maldades contra pobre, negro, mulher, gente de gênero diferente de homem e mulher, contra criança, trabalhador? Que desgraçou nosso país e que vive chamando o coisa ruim dos isteitis pra modo de fazer dele e da sua capangada uns ditadores? Viu a cambada que tá junto dele, tudo filho do capeta! Umas gentes dos militares, das igrejas, das leis, da política, das polícias, dos bandidos, uma gente saída de tudo quanto é lugar! Ainda bem que não é a maioria, compadre e que muitos deles estão indo pro xilindró!
– O compadre quer dar um nó na minha cabeça…me enrolou tanto que escureceu e o compadre nem percebeu… Agora que eu quero ver! Boa noite, compadre, boas andanças até a casa kkkkkk
– Você vem comigo, compadre?
– Ué, compadre…riririri…tá com medo do escuro? Você num disse que não tem medo da turma do outro mundo, da floresta e da escuridão?
– Tô não, cumpadre. Eles assustam mas não fazem maldade. Tenho medo é de algum filho do capeta ter escutado nossa conversa e me pegar na primeira curva da estrada, compadre? Você me acompanha, compadre?
– Sim, mas com uma condição: se aparecer um capeta vivo desses, eu boto ele pra correr, que não tenho medo de vivo…mas, se aparecer um daqueles do outro mundo – esconjuro! – você vai ter que me proteger, que o cumpadre é cumpincha deles, né??? Combinado?
– Combinado, compadre!…eta prosa boa, né, cumpadre?…só faltou a Marvada! O compadre é que me enrolou, esticando a prosa! Lá vamos nós de novo, pra casa, se melando pelas perna abaixo…viver é muito perigoso, né, compadre? ririririri…
Prosa dedicada ao Coronel Ponciano, ao Chicó, ao Riobaldo…e ao meu pai,
que viu e teve uma prosa rápida com a Mula Sem Cabeça.
Tarde/noite de 11 de setembro de 2025, glorioso dia da
condenação da camarilha dos oito pelo STF



