Cenas de devastação climática mostram que adaptação será inseparável da luta por justiça social e distribuição da riqueza

costa verde

Não faz muito tempo toda a discussão sobre as mudanças climáticas causadas pelo funcionamento da sociedade capitalista era um item intangível para a maioria das pessoas comuns que possuem questões mais básicas para se preocupar. Entretanto, as chuvas recordes que derrubaram em torno de 1 metro de água em poucas horas sobre a região da Costa Verde e a Baixada Fluminense mostram que a questão da adaptação climática é algo para ser colocado como prioritário em função do alto nível de destruição que estamos presenciando (ver vídeo abaixo da BR-101 na região da Costa Verde).

O problema é que no atual estado de coisas que predominam no Brasil, não há como esperar de governos que continuam práticas que desprezam o conhecimento científico e optam por manter nossas cidades com fortes padrões de segregação socioespacial, deixando para os pobres ocuparam aquelas áreas nas quais os efeitos da mudança climática são mais perversos.

Desta forma,  os esforços pela adaptação climática será acima de tudo uma luta pela justiça social e pelo estabelecimento de mecanismos de distribuição da riqueza e, por que não, de uma ampla reforma da propriedade da terra urbana.

Evento online discute a desnaturalização dos desastres, com foco no caso de Petrópolis

Webinário acontece nesta quinta, dia 10/3, com transmissão aberta via YouTube

sgb 2

Nesta quinta-feira, dia 10, às 18h30, será realizado o webinário “Desnaturalizando os Desastres: o caso de Petrópolis/RJ” . O objetivo é discutir a necessidade de desnaturalização dos desastres, com foco no caso recente ocorrido no município de Petrópolis (RJ), no último dia 15 de fevereiro, que fez mais de 230 vítimas e já está entre as maiores tragédias do País. De acordo com os organizadores, sob a perspectiva da desnaturalização de desastres, não há nada de “natural” nessas catástrofes – e isso se verifica pelo histórico desses eventos na cidade e seus nexos sócio-históricos. 

agenda petropolis

Além da abertura às 18h30, estão previstas duas rodas de debates com pesquisadores, especialistas, ativistas da área e comunidade petropolitana. Confira a programação completa  (Aqui!). A transmissão aberta acontece pelo canal da plataforma AirCentre no YouTube (Aqui!). 

Na ocasião, será lançado o 45º volume da Revista Ciência & Trópico. A revista é resultado do “II Seminário de Desnaturalização de Desastres e Mobilização Comunitária: crises ampliadas, redes e resistências”. Em sua última edição, ocorrida de 4 a 8 de outubro de 2021, o seminário abordou temas ligados à desnaturalização de desastres sob diversas perspectivas – sempre com vistas à defesa da vida humana e da preservação ambiental – desde o aspecto da mídia, das mobilizações comunitárias, das questões de gênero e dos desafios da gestão. 

O webinário e a revista são uma iniciativa conjunta de pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (RJ); do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sociais em Desastres (NEPED) do Departamento de Ciências Ambientais (DCAm) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR); do Núcleo de Pesquisas e Estudos Socioambientais (NESA) da Universidade Federal Fluminense (UFF – Campos); da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); da Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social do Instituto de Psicologia – Programa EICOS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); e da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ); e conta também com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). 

Mais informações podem ser acessadas neste documento: [Aqui!].

Rafael Diniz e sua polêmica taxa de iluminação pública: quanto mais explica, mais complica

Tenho lido e ouvido declarações do jovem prefeito Rafael Diniz (PPS) sobre o polêmico aumento da taxa de iluminação pública. E reconheço que quanto mais leio e ouço o jovem prefeito tentando explicar a lógica que guia esse aumento, o qual beira o extorsivo, mais fico com a impressão de que ele deveria se recolher a um silêncio retumbante. É que quanto mais explica, mais Rafael Diniz se complica.

rafael diniz

Dentre as declarações dadas pelo jovem prefeito, a que mais me soou uma completa zombaria foi a que foi publicada pelo jornal “Folha da Manhã” e que mostro logo abaixo. Do alto de uma cara de pau digno de um litro de peroba, Rafael Diniz que o aumento da taxa de iluminação pública é, na verdade, um instrumento de realização de justiça social no município de Campos dos Goytacazes [1]!

rdiniz

Essa certamente é uma forma muito peculiar de se buscar a justiça social, pois já se sabe que graças à sua capacidade de mobilização, os empresários de Campos dos Goytacazes já conseguiram escapar do lado mais pesado da guilhotina que, surpresa das surpresas!, acabará pesando mais nos bolsos do cidadão comum que não possui sindicatos de classe ou associações de moradores que possam transformar a repulsa causada por um aumento abusivo em mobilização social (isso ao menos por enquanto).

Como alguém que pessoalmente já recebeu uma conta de luz trazendo uma taxa de iluminação pública que saltou algo em torno de 400% (!!!), tenho de dizer que não sou contra o estado cobrar impostos para manter serviços públicos de qualidade. O problema aqui é que, como em outros tantos casos, venho pagando por um serviço que não me é prestado, sem sequer ter com que reclamar.  E como eu, outras milhares de residências campistas têm passado pelo mesmo tipo de cobrança sem retorno. Em cima de disso tudo, ainda temos de ouvir que só com esse aumento extorsivo é que teremos a prestação de um serviço pelo qual já se paga sem que o mesmo seja prestado? Aí me desculpem o prefeito e seus menudos neoliberais, não há como aceitar que sua lógica empresarial seja aplicada da forma seletiva que está sendo.

Aliás, o elemento de fundo em todo esse debate sobre o conjunto de taxas, impostos e tarifas com que a gestão Rafael Diniz “presenteou” os cidadãos campistas neste início de 2018 é que há embutido no discurso de controle do déficit público a aplicação de uma lógica que não socializa devidamente os custos que essa forma neoliberal de governar cria. Não é à toa que é o cidadão comum que acaba ficando com o ônus das opções de majoração dos mais diferentes mecanismos de recolhimento de impostos que são feitas em nome de um controle do qual outros setores da sociedade e das estruturas de governo são sempre poupados.

Mas um aspecto que me parece merece ser realçado é que está ficando claro para muitas pessoas que não lhes resta outro caminho a não ser o da organização política para cobrar do governo Rafael Diniz que aja com um mínimo de transparência em seus atos de governo. Se os indícios que vejo brotando por todos os lados resultarem em formas de organização política que transcendam o limiar viciado do jogo eleitoral, creio que de forma inadvertida, o jovem prefeito estará dando uma contribuição muito maior do que aquela que ele nos prometeu em sua fantástica propaganda eleitoral em 2016.  A ver!

Ah, sim, como não faltam cientistas políticos na entourage que cerca Rafael Diniz em suas idas a restaurantes de luxo e praias badaladas, é preciso que alguém explica melhor ao jovem alcaide o conceito de justiça social. É que aumentar tarifas de forma extorsiva, poupando os mais ricos e aumentando a aflição dos mais pobres, não se trata de fazer justiça social.  O que está sem feito é apenas uma forma muito particular de “Robin Hood às avessas”.


[1] http://www.folha1.com.br/_conteudo/2018/01/politica/1229653-prefeito-diz-que-reajuste-de-iluminacao-visa-a-justica-social.html

A greve dos garis e a nossa zelite

Por Renata Lins

Os garis. No carnaval. Tão educativo isso. Os garis pararam no carnaval. Já tinham ameaçado parar no Ano Novo, outro ponto delicado em que se nota mais do que normalmente o quanto eles são necessários. Mas não, no dia 1° as ruas estavam limpas, as praias estavam penteadas e com a areia tinindo, esperando turistas e locais que não têm que trabalhar no sol a pino do dia 1°.

E parece que os garis, esses que trabalharam duro no dia 1° para que os frequentadores das praias e das calçadas cariocas pudessem se espalhar sem medo, ficaram até o meio da tarde sem o espartano lanche e suco a que têm direito.

Não saiu uma linha nos jornais sobre isso. Viva as redes sociais.

Os garis pararam agora, no carnaval, numa jogada de mestre. O carnaval é, de fato, o momento de maior visibilidade para essa profissão invisível. Lembro do texto do menino da USP que, para fazer pesquisa de campo do seu trabalho sobre invisibilidade, foi trabalhar na limpeza da universidade. Pois bem. Nem seus colegas o reconheciam. Ninguém falava com ele. Não o reconheciam porque não o viam. O gari como árvore: faz parte da paisagem. Em silêncio, trabalhando de cabeça abaixada. Que faça seu serviço, que não atrapalhe quem estuda. Quem faz coisas sérias. Quem “faz por merecer”.

“Ah, não estudou!”.

Que lindo o país da meritocracia. Mais que isso: que lindo o país que prescinde de garis. Porque, né, claro. Os outros países, aqueles lá do primeiro mundo – assim, beeem primeiro mundo, tipo a Escandinávia … então, esses países: não têm garis, né? Afinal, lá todo mundo estudou… ah, tem? Como é isso então? Sim, entendi. Os garis são, tipo assim, imprescindíveis. Fundamentais. Essenciais.

Estão na base da nossa sociedade de consumo desenfreado. Da nossa sociedade produtora de lixo.

Os garis. Negros garis. Loiros médicos “ricos e cultos”, que se insurgiram contra os negros médicos cubanos. Em Cuba, como em todo lugar, tem garis. Negros, possivelmente. Mas também tem médicos negros em quantidade: aí a diferença.

Trabalho insalubre. Trabalho pesado.

Trabalho que necessitaria de muito mais proteção do que eles têm, por conta da exposição a doenças. Por conta do contato direto com o lixo dos outros. O lixo que eu, que você, que todo mundo produz em quantidade. Feio, fétido. O lixo que a gente não quer ver, do qual a gente não quer saber. Pois é. Quem dá conta dele são os garis.

Mas o moço branco que estudou em boas universidades e paga de liberal (mas, descubro, é um reaça de quatro costados) acha errado pagar mais aos garis. Que afinal não estudaram. Porque, diz o moço, se pagarem mais, outras pessoas vão fazer o concurso e vão desempregar os que realmente precisam desse emprego.

Ah, tá. Porque se o salário de gari fosse, vamos dizer, não os R$1.200 que eles estão pleiteando, mas … digamos… R$6.000 reais, que já é um salário bem razoável… eu vou correr lá pra fazer concurso pra gari? Ele vai? Meu vizinho?

Ah, não? Pois é, amigo, não é só o salário… o trabalho é punk, é pesado, é desagradável, é sujo, é insalubre. É essencial. Justamente por isso é que quem o faz merece dignidade. Merece ser tratado com respeito. Merece um salário que lhe permita alimentar sua família. Comprar remédios. Ter um mínimo de tranquilidade. Ter, quem sabe – oh, transgressão das transgressões – momentos de lazer.
Imagina. O gari na praia, relaxando. O gari viajando de férias. O gari vivendo a vida que não é só trabalho com lixo. Que ousado. Que revolucionário.

Só que não.

Não é nem revolucionário. Nem ousado. Nem “de esquerda”. Isso pode ser a vida de um gari na sociedade capitalista. Numa sociedade capitalista um pouco menos selvagem do que a nossa. Um pouco menos escravocrata. Um pouco menos elitista. Um pouco menos racista.

Pode ser, e certamente é.

Mas aqui não.

P.S. Recomendação de filme: “Segredos e Mentiras“.
Recomendação de texto: “Garis: um estudo de psicologia sobre invisibilidade pública

FONTE: http://chopinhofeminino.blogspot.com.br/2014/03/a-greve-dos-garis-e-nossa-zelite.html?spref=tw