Dois anos sem Cícero Guedes

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Há exatos dois anos foi assassinado covardemente o agricultor e líder regional do MST no Norte Fluminense, Cícero Guedes. Tive a honra de conhecer Cícero, e com ele aprendi o real significado do compromisso com aquilo que se acredita, vive, trabalhe, e se arrisca até a própria vida.

A morte de Cícero para mim nunca foi  bem explicada, e continuo aguardando que seja feita a justiça que um caso como esse demanda em nome da construção de uma sociedade que se pretende minimamente democrática.

E enquanto houver latifúndio, há que se continuar lutando pela reforma agrária para que o sacrifício de Cícero e tantos outros não tenha sido em vão.

Abaixo posto um vídeo com uma das músicas favoritas do Cícero. Acho que não haveria outro jeito melhor de homenageá-lo. 

Cícero Guedes, presente!

Crise hídrica: por que centrar o debate na quantidade é essencialmente inútil?

Tenho ouvido e lido diversas manifestações sobre a crise hídrica que atualmente impõe grandes sacrifícios e riscos sociais e econômicos a toda a região sudeste do Brasil. Essas manifestações se concentram sobre um discurso restrito ao problema da quantidade de água que estaria chegando aos principais reservatórios, que é apontado por “especialistas” como o nó da questão.

Pessoalmente considero isso mais um grave erro em meio a tantos outros que vem sendo cometidos nesse processo de escasseamento de água que se tornou evidente a partir de 2014. O problema é que água em quantidade até existe, ainda que haja o problema de fazê-la chegar aos lugares que mais necessitam para consumo. Além desse “pequeno” problema de natureza do sistema de distribuição de água, há outro que está sendo desprezado, o da diminuição da qualidade dos recursos hídricos.

Se analisarmos com um mínimo de cuidado o que se verá é que o avanço da contaminação dos mananciais hídricos vem ocorrendo a partir de múltiplas fontes de contaminação, algumas das quais sem ainda formas de tratamento adequado. Mas até para aquelas fontes com tratamento conhecido, muito pouco ou nada tem sido feito para mapear e controlar o processo de despejo de material sem tratamento, como no caso dos rejeitos urbano-industriais. E olha que, ao menos no caso de Campos dos Goytacazes, pagamos 50% da conta de água na forma de tratamento de esgotos, apenas para assistir (ou melhor identificar pelo olfato) que não há ainda tratamento da maior parte do esgoto que é gerado. Se formos multiplicar o exemplo de Campos para todas as cidades que enviam seu esgoto in natura para dentro da calha principal do Rio Paraíba do Sul, ai a coisa piora exponencialmente.

Além disso, persiste um discurso enganoso de que as pessoas (essas eternas vítimas e ao mesmo tempo as culpadas mais fáceis pelos problemas hídricos que existem) são responsáveis por evitar desperdício! Ora, basta olhar para os números disponibilizados para a Agência Nacional de Águas (ANA) que se alguém tem de começar a fazer a lição de casa são os grandes latifundiários ligados à agro-exportação que hoje gastam 82,8% da água consumida no Brasil. Aliás, além do alto consumo, o latifúndio é a principal fonte de contaminação por agrotóxicos e fertilizantes químicos!

Assim pedir aos usuários domésticos, que gastam em torno de 10% do total, que se esforcem para evitar o desperdício é como pedir para que paremos todos de respirar para economizar o oxigênio que resta na atmosfera. Pode até soar um chamado à responsabilidade coletiva, mas é essencialmente inútil.

Enfim, há que se olhar a atual crise hídrica para além da quantidade, e pensar na qualidade e na tomada de responsabilidades por todos os setores responsáveis pro ela. Do contrário, vamos continuar ouvindo e lendo discursos bonitos, mas de torneiras completamente secas.

Kátia Abreu, a ministra que desmata até a razão

Valter Campanato/ Agência Brasil

Katia AbreuA disputa desigual entre a ruralista e Patrus Ananias

 De 2011 a 2014, a presidenta Dilma Rousseff incorporou 2,9 milhões de hectares à área de assentamentos e beneficiou 107,4 mil famílias sem-terra, segundo o mais recente balanço do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, divulgado na quarta-feira 7. É a menor média anual de assentamentos desde o governo Fernando Henrique Cardoso. A petista distribuiu terras a 26,8 mil famílias a cada ano, contra 76,7 mil no período Lula e 67,5 mil nos dois mandatos do tucano.

Por Rodrigo Martins,para a CartaCapital

Apesar do incremento de programas sociais no campo e dos investimentos em assistência técnica, os movimentos rurais queixam-se do baixo ritmo de desapropriações e da manutenção da secular estrutura agrícola, baseada no latifúndio e na monocultura voltada para a exportação. Enquanto isso, 120 mil famílias permanecem acampadas à espera da reforma agrária.

Devem perder a esperança? Sim, se depender da nova ministra da Agricultura, Kátia Abreu, uma escolha pessoal deDilma. Em seu discurso de posse, a ruralista chegou ao cúmulo de negar a existência de latifúndios no País. Por consequência, defendeu uma desaceleração ainda maior no programa de reforma agrária. “Ele tem de ser pontual, para os vocacionados. E se o governo tiver dinheiro não só para dar terra, mas garantir a estrutura e a qualidade dos assentamentos. Latifúndio não existe mais.”

Escalado para fazer o contraponto a Kátia Abreu neste novo governo, Patrus Ananias, agora ministro do Desenvolvimento Agrário, foi obrigado a rebater a colega logo em seu primeiro pronunciamento oficial, durante a posse. “Ignorar ou negar a existência das desigualdades e injustiças é uma forma de perpetuá-las. Não basta derrubar a cerca dos latifúndios, é preciso derrubar também as cercas que nos limitam a uma visão individualista e excludente do processo social.”

Os números oficiais revelam a dimensão do lapso da ministra. O Brasil possui cerca de 130,3 mil latifúndios ou grandes propriedades rurais, que concentram uma área superior a 244,7 milhões de hectares. O tamanho médio é de 1,8 milhão de hectares (ou 18 mil quilômetros quadrados). Ou seja, 2,3% dos proprietários concentram 47,2% de toda área disponível à agricultura no País. Os números foram atualizados no fim de 2014 e constam na base do Cadastro de Imóveis Rurais do Incra. Referem-se apenas aos imóveis rurais privados, excluídas da soma as terras públicas ou devolutas.

Um estudo da Associação Brasileira da Reforma Agrária estima que ao menos metade dessas grandes propriedades são improdutivas. Além disso, há tempos os movimentos sociais reivindicam a atualização dos índices de produtividade da terra, um dos principais critérios utilizados na desapropriação de áreas para novos assentamentos. “O problema é que esses índices estão baseados no Censo Agropecuário de 1975”, explica o engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, presidente da Abra. “Utilizam-se os mesmos parâmetros de 40 anos atrás, sem levar em conta a gigantesca evolução tecnológica ocorrida no campo nesse período.”

Dados compilados pela Companhia Nacional de Abastecimento comprovam o progresso mencionado por Teixeira. A produtividade de algumas culturas mais do que triplicou nas últimas quatro décadas. Na safra de 1976/77, o Brasil produziu 1.501 quilos de arroz ou 1.632 quilos de milho por hectare. Em 2013/14, a colheita rendeu mais de 5 mil quilos dos mesmos produtos por hectare. Segundo um estudo do Ipea, o índice de produtividade agrícola brasileiro multiplicou-se em 3,7 vezes de 1975 a 2010, quase o dobro do crescimento observado nos EUA. Esse incremento corresponde a um avanço médio anual de 3,6% ao longo dos 35 anos considerados na pesquisa.

Patrus promete revisar esses índices e encampar um debate público sobre a função social da terra. Não é a primeira vez que o Executivo estimula a discussão. Em diferentes momentos, o governo Lula propôs a atualização dos indicadores, mas cedeu às pressões da bancada ruralista no Congresso. No primeiro mandato, Dilma evitou a arenga. Agora, os movimentos sociais renovam as esperanças de uma efetiva redistribuição de terras.

“A correlação de forças no Congresso não é das melhores e a presença no governo de uma latifundiária, como Kátia Abreu, desanima. Mas o discurso de Patrus indica uma nova orientação política, que pode acelerar os processos de desapropriação de terras”, afirma Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST. “É possível assentar ao menos 50 mil famílias a cada ano.”

Embora necessária, a atualização dos defasados índices de produtividade agrícola deve encontrar forte resistência dos representantes do agronegócio. Um levantamento preliminar do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar indica a presença de ao menos 139 ruralistas na Câmara dos Deputados a partir de 2015. A Frente Parlamentar da Agropecuária, por sua vez, garante ter uma base de apoio ainda maior: cerca de 250 deputados e 16 senadores.

Na avaliação do economista Bastiaan Reydon, professor da Unicamp e consultor do Banco Mundial, o maior desafio do governo é conhecer melhor sua situação fundiária e reforçar o combate à especulação com terras. “Enquanto Napoleão fez o cadastramento de todos os imóveis rurais da França no início do século XIX, o Brasil ainda não concluiu o seu mapeamento”, alerta.

“Hoje, mesmo quem não tem lucros expressivos com a agropecuária prefere ficar na terra, pois sabe que ela se valorizará com o tempo. Pela atual legislação, um latifúndio improdutivo deveria pagar cerca de 20% de seu valor em impostos por ano. Em cinco anos, o especulador perderia o imóvel. Mas o governo nem sequer conhece com exatidão os proprietários de todas as terras. Apenas 64% do território nacional está georreferenciado.”

FONTE: http://www.cartacapital.com.br/revista/832/a-ministra-desmata-a-razao-6601.html

Kátia Abreu e a perguntar que não quer calar

Se latifúndio não existe, por que tantas mortes no campo?

João Zinclar
Em 2014, segundo dados parciais do Centro de Documentação Dom Tomás Balduino, da CPT, foram registrados 34 assassinatos no campo até o momento; Entre as vítimas, pessoas de comunidades tradicionais, assentados, sem-terra, posseiros, pequenos proprietários e sindicalistas

Por Cristiane Passos,De Goiânia (GO)

2014 inverteu a lógica de violên­cia que vinha se mantendo nos últimos anos. Foram seis membros de comuni­dades tradicionais assassinados, con­forme dados preliminares da CPT. A lu­ta organizada desses povos e a atenção midiática que se voltou para suas pautas em todo o mundo pode ter freado a in­vestida do capital contra suas vidas. Em compensação, tal investida voltou-se para os assentados, pequenos proprie­tários, trabalhadores sem-terra, possei­ros e sindicalistas, que perderam 28 mi­litantes nesse ano.

Apenas no mês de julho foram 7 as­sassinatos em 4 estados, em somente 20 dias. No mês de agosto foram 4 em uma semana, sendo 3 assassinatos no estado do Mato Grosso. A violência do latifún­dio e do agronegócio contra os povos do campo continua a ameaçar a soberania dos territórios e a luta por direitos huma­nos. A diretoria e a coordenação executi­va nacional da CPT divulgaram Nota Pú­blica com as denúncias de assassinatos e repúdio à onda de violência que se man­tém no campo, intensificada nos meses de julho e agosto desse ano.

Segundo semestre com matança

No dia 13 de agosto, foi assassinada a tiros a ex-presidenta do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de União do Sul (STTR), em Mato Gros­so, Maria Lúcia do Nascimento, que morava no assentamento Nova Con­quista II. Tanto ela quanto outras famí­lias assentadas e dirigentes do STTR lo­cal já haviam sofrido ameaças do dono da fazenda, Gilberto Miranda, registra­das em Boletins de Ocorrência e em atas de denúncias feitas diretamente ao Ou­vidor Agrário Nacional, desembargador Gercino José da Silva Filho. As amea­ças foram testemunhadas, inclusive, por oficiais de justiça.

 
De acordo com a CPT, o poder público reluta em investigar os casos. Foto: João Zinclair

Já no dia 16, o presidente da Associa­ção de Produtores Rurais Nova União (ASPRONU), Josias Paulino de Cas­tro, 54 anos, e sua esposa, Ireni da Silva Castro, 35 anos, foram assassinados, no Distrito de Guariba, Município de Col­niza (MT). Em 5 de agosto, Josias ha­via participado, em Cuiabá (MT), de au­diência com o ouvidor Agrário Nacio­nal, desembargador Gercino, e com vá­rias outras autoridades do estado de Mato Grosso. Josias denunciara políti­cos da região por extração ilegal de ma­deira, a Polícia Militar por irregularida­des e órgãos públicos por emissão irre­gular de títulos de terras, assim como a existência de “pistoleiros” na região.

Josias, segundo o site Pantanal, nes­se mesmo dia teria afirmado: “Estamos morrendo, somos ameaçados, o gover­no de Mato Grosso é conivente, a PM de Guariba protege eles, o governo federal é omisso, será que eu vou ter que ser as­sassinado para que vocês acreditem e tomem providências?”

No Pará, estado campeão em assassi­natos até o momento, com oito casos, a história se repete. Félix Leite, vice-presi­dente da Associação de Acampados Divi­no Pai Eterno, em São Félix do Xingu, foi assassinado a tiros quando retornava do trabalho, no dia 18 de julho. Ele já havia registrado boletim de ocorrência sobre as ameaças de morte que vinha sofren­do. Outras quatro lideranças da Associa­ção também estão ameaçadas de morte, e uma delas, Lourival Gonçalves, chegou a levar quatro tiros num atentado ocorrido no dia 16 de abril.

No dia 12 de agosto, no Sudeste do Pa­rá, Maria Paciência dos Santos, 59, foi atropelada por um caminhoneiro que avançou sobre os 1.500 manifestantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Ter­ra (MST) que marchavam pela BR-155, chamando a atenção para o descaso com a Reforma Agrária. O local é próximo à curva do “S”, onde ocorreu o Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996. O trân­sito estava liberado em uma faixa, mas foi bloqueado pelos manifestantes após o brutal assassinato de Maria, que mor­reu na hora.

Em Bom Jesus do Tocantins (PA), no dia 17 de setembro, Jair Cleber dos San­tos e Aguinaldo Ribeiro morreram após serem baleados, juntamente a Antônio Alves e Daniel, pelo gerente da fazen­da Gaúcha. Os trabalhadores sem-ter­ra integravam as 300 famílias que ocu­pam a fazenda desde 2009. Já haviam sido registrados 12 boletins de ocorrên­cia contra o gerente da fazenda devido a ameaças de morte que esse fazia con­tra as famílias.

Maranhão

O estado do Maranhão, até o momen­to, registrou cinco assassinatos. Em to­dos os casos a motivação foi a disputa por terra. Isso em um estado que vem contabilizando mortos na luta pela terra, e cujas lideranças estão sendo dizima­das nessa batalha. Foi o segundo estado com o maior número, até o momento, de mortes no campo, juntamente com o es­tado de Mato Grosso.

Em um dos casos, a vítima, após a investigação da polícia maranhense, virou ré. Conforme relató­rio da polícia, o líder camponês Raimun­do Rodrigues, conhecido como “Bre­chó”, assassinado em fevereiro desse ano, estaria envolvido em uma rixa en­tre famílias, o que teria motivado o seu assassinato. Contudo, testemunhas con­firmaram a motivação do assassinato de Brechó, bem como a denúncia de amea­ças de morte que este vinha sofrendo por causa da sua luta pela conquista da terra no município de Timbiras (MA).

De acordo com denúncias da CPT Ma­ranhão à época, a polícia sequer foi ao lo­cal ouvir as testemunhas do caso, inclu­sive as pessoas que estavam com ele no momento da emboscada. O que as auto­ridades fizeram, prontamente, foi assu­mir a tese de crime de “vingança moti­vada por uma rixa entre famílias que re­sidem no povoado Bondaça”.

A mesma posição foi assumida pelo delegado Rô­mulo Vasconcelos, que chegou a dizer a um agente da CPT Maranhão, que “o cri­me nada tem a ver com conflito por terra, trata-se de briga de família. A Comissão Pastoral da Terra é que quer transformar em conflito por terra”.

A delegada geral da polícia civil do Maranhão, Maria Cristina Resende, ha­via feito afirmações semelhantes, em maio de 2012, quando ao avaliar a situa­ção na comunidade de Brechó, em Tim­biras, disse que “não há disputas agrá­rias envolvidas. Trata-se de problemas pessoais entre vizinhos nos assenta­mentos, ou de acertos de contas do tráfi­co de drogas, em áreas indígenas”.

Con­forme denúncia da CPT Maranhão, inú­meras vezes as lideranças procuraram as autoridades do Sistema de Segurança Pública do estado do Maranhão para de­nunciar os atos de violência contra as fa­mílias. Há vários Boletins de Ocorrência registrados na Delegacia de Polícia Civil de Timbiras (MA). As denúncias foram completamente ignoradas pelas autori­dades do estado do Maranhão e também pelas federais. Em Nota Pública a Pasto­ral destacou que “Raimundo Rodrigues da Silva (Brechó) constou na lista dos camponeses ameaçados de morte, pu­blicada pela Comissão Pastoral da Ter­ra, em 2012. Sua morte é mais um caso de morte anunciada”.

Mato Grosso, assim como o Mara­nhão, tem cinco assassinatos nesse ano de 2014. Além dos três assassinatos no mês de agosto, já destacados nessa ma­téria, mais duas pessoas, novamen­te um casal de assentados, foram mor­tas, em janeiro, por não quererem ven­der seu lote no assentamento em que vi­viam. Maria do Carmo Moura e Gonçalo Araújo foram executados a tiros e golpes de marreta. O filho do casal, de 22 anos, conseguiu fugir, mas ainda foi atingi­do por um tiro no braço. 2014: menos ameaças, mais tentativas.

Assassinatos

Os dados parciais do Cedoc Dom To­más Balduino nos mostram, também, um aumento expressivo na quantidade de tentativas de assassinato. Em con­trapartida, as ameaças de morte se re­duziram abruptamente. Se em 2013 fo­ram 15 tentativas de assassinato, con­forme os dados finais registrados e pu­blicados no relatório Conflitos no Cam­po Brasil 2013, em 2014 foram 52 ten­tativas de assassinatos nos dados ain­da parciais, registrados pela CPT, entre os meses de janeiro e novembro.

A con­clusão a que podemos chegar com es­se número é que o poder privado, prin­cipal responsável pelos casos de vio­lência contra a ocupação e a posse nos conflitos por terra, não está mais fican­do somente nas ameaças. Está indo pa­ra as vias de fato. Nas 481 ocorrências de violência contra a ocupação e a pos­se por ora registradas pela CPT, 411 fo­ram causadas pelo poder privado. O ca­pital está cada vez mais armado contra os povos do campo.

A força da luta de todos esses povos, contudo, não se esvai junto ao sangue de seus lutadores e lutadoras. Os márti­res motivam ainda mais o dia a dia dos povos do campo, na luta contra a im­punidade, o saque das riquezas natu­rais, bem como das terras e dos territó­rios. Como dizia Dom Tomás Balduino, bispo fundador da CPT e que nos dei­xou no ano de 2014, “Direitos Huma­nos não se pedem de joelho, exigem-se de pé!”. De pé, portanto, a luta dos po­vos continua. (CP)

Cristiane Passos é mestre em Antropolo­gia Social pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Cultura e Meios de Co­municação, pela Pontifícia Universidade Cató­lica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Co­municação Social, habilitação Jornalismo, pela UFG. Assessora de Comunicação da Secretaria Nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

FONTE: http://www.brasildefato.com.br/node/30918

Kátia Abreu, o latifúndio ainda existe, e está mais improdutivo

Por Igor Felippe, Do Escrevinhador

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A nova ministra da Agricultura, a senadora Kátia Abreu (PMDB), disse em sua primeira entrevista depois da nomeação, concedida a Mônica Bergamo, na Folha de S. Paulo (leia aqui) que não existe mais latifúndio no Brasil. Assim, ela sustenta que não é necessária uma Reforma Agrária em massa.

Não é o que diz o cadastro de imóveis do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), levantados a partir da auto-declaração (vejam, auto-declaração) dos proprietários de terras entre 2003 e 2010.

Os dados do Incra apontam que aumentou a concentração da terra e a improdutividade nesse período (veja abaixo a tabela).

Os dados mais recentes apontam que 130 mil proprietários de terras concentram 318 milhões de hectares. Em 2003, eram 112 mil proprietários com 215 milhões de hectares.

Mais de 100 milhões de hectares passaram para o controle de latifundiários, que possuem em média mais de 2.400 hectares. Ou seja, existem mais latifúndios no Brasil. E estão mais improdutivos.

Os dados demonstram também que o registro de áreas improdutivas cresceu mais do que das áreas produtivas, o que aponta para a ampliação das áreas que descumprem a função social.

O aumento do número de imóveis e de hectares são sinais de que mais proprietários entraram no cadastro no Incra. Em 2003, eram 58 mil proprietário que controlavam 133 milhões de hectares improdutivos. Em 2010, são 69 mil proprietários com 228 milhões de hectares abaixo da produtividade média.

O censo agropecuário de 1975 foi usado como referência para classificar a improdutividade dessas áreas.

O número de propriedades improdutivas aumentaria se fosse utilizado como parâmetro o censo agropecuário de 2006, que leva em consideração as novas técnicas de produção agrícola que possibilitam o aumento da produtividade.

Os dados demonstram que é possível, sim, a execução de um programa em massa de reforma agrária com a desapropriação dessas áreas, sem ameaçar os grandes produtores agrícolas.

As declarações de Kátia Abreu demonstram que a ministra representa os interesses dos segmentos mais atrasados da agricultura brasileira, que não alcançaram os patamares mínimos de produtividade, desmatam o meio ambiente e utilizam trabalho escravo.

Como esses latifundiários estão fora da lei, que determina que áreas que não cumprem sua função social sejam destinadas para a reforma agrária, precisam de “proteção” política e ideológica para evitar o cumprimento da Constituição.

Eis os interesses que a nova ministra da presidenta Dilma Rousseff defende ao afirmar que não existe mais latifúndio.

FONTE: http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/plenos-poderes/katia-abreu-mais-de-100-milhoes-de-hectares-passaram-para-o-controle-de-latifundiarios-desde-2003/

Em entrevista, Kátia Abreu decreta a extinção do latifúndio no Brasil

A indicação da dublê de latifundiária e senadora, Kátia Abreu, para ocupar o posto de ministra da Agricultura foi uma escolha pessoal de Dilma Rousseff. Essa escolha visou enviar um sinal claro no sentido de que a opção de seu governo pelo latifúndio agro-exportador não apenas está mantido, mas como deverá ser aprofundado ao longo dos próximos quatro anos. Mas pensando bem, há uma nova segunda mensagem embutida nessa indicação: os números pífios de novos assentamentos de reforma agrária também continuarão ou, quiça, serão piorados.

É que a trajetória de Kátia Abreu não deixa dúvidas sobre seu compromisso com os setores mais truculentos do latifúndio, o que foi evidenciado ao longo dos anos no seu combate à proteção das florestas e contra a luta pela erradicação do trabalho escravo que, sem nenhuma surpresa, está concentrado nas áreas controladas por latifundiários.

A visão que deverá guiar o exercício do cargo de ministra da Agricultura acaba de ficar ainda mais explicito em uma entrevista dada por Kátia Abreu à jornalista Mônica Bergamo da Folha de São de Paulo (Aqui!). A leitura do conteúdo dessa entrevista permite a todos nós entender a lógica que guiará a ação da nova grande amiga de Dilma Rousseff, e por isso lê-la deveria ser uma tarefa a ser assumida por todos os que anseiam por um novo modelo de agricultura, tanto no plano da produção quanto da distribuição das terras.

A entrevista está repleta de declarações espetaculosas, mas a principal é a de que não existe mais latifúndio no Brasil e, consequentemente, não haveria mais necessidade de uma reforma agrária “massiva”, seja isso lá o que for. Essa concepção não resiste ao exame mínimo dos dados cadastrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), mas é problemática porque reflete uma posição que, ao negar o óbvio, nos manterá presos num sistema que combina concentração da terra com um modelo suicida de agricultura.

Além disso, Kátia Abreu põe sobre as costas largas dos indígenas a causa dos conflitos de terras que estão ocorrendo em todo o território nacional. Segundo Kátia Abreu, a culpa é dos índios que estão saindo das florestas para ocupar terras produtivas! É a velha estratégia de culpar a vitima, apenas revestida de um cinismo maior. É que muitos índios foram desprovidos de florestas pelo desmatamento, nem as áreas que eles reclamam como suas estão tendo qualquer uso produtivo.

Mas, convenhamos, destrinchar e desmontar os argumentos toscos de Kátia Abreu não coisas difíceis. Difícil mesmo serão os enfrentamentos com uma presidente que se dispôs a colocar Kátia Abreu para dirigir uma pasta tão estratégica, sem sequer considerar os conflitos que inevitavelmente ocorrerão no campo em função das políticas que serão implementadas para beneficiar ainda mais os latifundiários, enquanto se mantém a reforma agrária no congelador.  

Caberá aos movimentos sociais e organizações de apoio traçarem estratégias de resistência contra o balde de maldades que serão gestadas por Kátia Abreu sob o olhar aprovador de Dilma Rousseff. Agora, a questão que se coloca é se haverá disposição para enfrentar um governo que parte significativa julga, de forma equivocada, ser seu. Já o latifúndio que sabe que, na verdade, o governo é seu terá apenas que se preocupar com a necessidade de arrancar ainda mais dinheiro público para tocar seus negócios em meio a uma crise mundial que deprecia inercialmente os preços das commodities. Mas para isso eles sabem que poderão contar com Kátia Abreu. Já os trabalhadores rurais e o sem terra terão, quando muito, Patrus Ananias que deverá liderar o esvaziado ministério do Desenvolvimento Agrário.

 

STF proíbe Ministério do Trabalho de divulgar lista suja do trabalho escravo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, durante cerimônia de posse do novo presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Aroldo Cedraz (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Ricardo Lewandowski proíbe, em caráter liminar, o Executivo de divulgar Lista Suja do Trabalho Escravo. Marcelo Camargo/Agência Brasil

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, determinou, em caráter liminar, que o Ministério do Trabalho e Emprego se abstenha de divulgar ao público a relação de empregadores flagrados ao submeter trabalhadores à formas degradantes de trabalho ou a condições análogas ao trabalho escravo.

A suspensão da publicação da chamada “Lista Suja do Trabalho Escravo” foi pedida no último dia 22 pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), a qual estão associadas grandes construtoras, como a Andrade Gutierrez, Odebrecht, Brookfield Incorporações, Cyrela, MRV Engenharia, entre outras. De acordo com informações disponíveis no site do STF, em pleno recesso do Poder Judiciário, Lewandowski apreciou o pedido por estar de plantão e apresentou a decisão já no dia seguinte. O veto temporário à divulgação foi decidido com tamanha rapidez devido à atualização do cadastro, que ocorreria esta semana.

Juridicamente, a decisão de Lewandowski suspende os efeitos da Portaria Interministerial MTE/SDH nº 2, de 12 de maio de 2011, que estabelece as regras sobre o cadastro. A decisão também suspende o efeito da Portaria nº 540, do Ministério do Trabalho, de 15 de outubro de 2004, já revogada pela publicação da Portaria Interministerial nº 2.

A consulta às portarias revela que ambas não tratam da divulgação dos nomes dos empregadores, limitando-se a obrigar o Ministério do Trabalho a manter e atualizar a relação das pessoas físicas e jurídicas flagradas e dar conhecimento de seu conteúdo a ministérios, ao Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho e bancos públicos. Nenhuma das portarias prevê a divulgação automática dos nomes ao público.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5209, a Abrainc alega que as portarias ministeriais ferem à Constituição Federal e o princípio da separação entre os Poderes, já que, na interpretação da entidade, seria competência do Poder Legislativo editar lei sobre o assunto. A associação também sustenta que os nomes dos empregadores são inscritos na lista sem a existência do devido processo legal, de “forma arbitrária”, ferindo o princípio da presunção da inocência.

“O simples descumprimento de normas de proteção ao trabalho não é conducente a se concluir pela configuração do trabalho escravo”, aponta a Abrainc no pedido de liminar. “Assim como é inconcebível que empregadores submetam trabalhadores à condições análogas às de escravos, também é inaceitável que pessoas sejam submetidas a situações vexatórias e restritivas de direitos sem que exista uma prévia norma legítima e constitucional que permita tal conduta da Administração Pública”, conclui a entidade.

Ao justificar sua decisão, Lewandowski classificou como “odiosa” a prática sub-humana a que alguns empregadores submetem seus funcionários, mas destacou que os gestores públicos devem observar os preceitos constitucionais. “Embora se mostre louvável a intenção em criar o cadastro de empregadores, verifico a inexistência de lei formal que respalde a edição da Portaria nº 2 pelos ministros de Estado”.

Embora ainda precise ser publicada no Diário Oficial da União para entrar em vigor e poder ser revertida quando for apreciada em Plenário, por todos os outros ministros da Corte, a decisão já levou o Ministério do Trabalho a retirar de seu site a relação com os nomes dos empregadores flagrados. Segundo a assessoria do STF, a publicação da decisão só deverá ocorrer em fevereiro, quando o Poder Judiciário retorna do recesso. A primeira reunião com todos os ministros acontecerá no dia 4 de fevereiro, mas não há previsão de quando o processo será julgado. A relatora será a ministra Carmem Lúcia.

trabalho escravo

Pecuária e produção florestal lideram flagrantes de fiscalizações na exploração de trabalho escravo. Marcello Casal Jr/Agência Brasil

A relação deveria ter sido atualizada esta semana. Na última atualização, feita em julho deste ano, a lista trazia 609 nomes de pessoas físicas e jurídicas. A maioria dos flagrantes registrados até então aconteceu no Pará, com 27% do total. Em seguida vinham Minas Gerais (11%); Mato Grosso (9% e Goiás (8%). Entre as atividades econômicas nas quais os fiscais do trabalho encontraram mais condições análogas à escravidão estão a pecuária (40%); produção florestal (25%) e indústria da construção (7%).

Procurado, o Ministério do Trabalho informou, por meio de sua assessoria, que não comentaria a decisão judicial limitando-se a cumprir a liminar até a decisão final do STF. A Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República destacou que a Comissão Nacional para a Erradiação do Trabalho Escravo (Conatrae) está analisando a decisão e estudando as medidas jurídicas cabíveis. Vinculada à SDH, a Conatrae é o órgão responsável por coordenar e avaliar a implementação das ações previstas no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, entre outras atribuições. É composta por representantes de órgãos de Estado e da sociedade civil.

Editor: Marcos Chagas

FONTE: http://www.ebc.com.br/noticias/brasil/2014/12/stf-proibe-ministerio-do-trabalho-de-divulgar-lista-suja-do-trabalho-escravo

Paulo Fonteles Filho: Dilma e um tiro no pé chamado Kátia Abreu

Dilma e Kátia Abreu

por Paulo Fonteles Filho, em seu blog 

Em uma entrevista ao jornal paraense O Liberal no dia 15 de março de 2009, a senadora e então dirigente máxima da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu, expôs as estratégias fundamentais do latifúndio brasileiro para fazer a luta de ideias na sociedade. No fundamental, procurou apresentar a sua classe, historicamente arcaica e violenta, de forma mais palatável para aquilo que chamamos de opinião pública.

Naqueles dias, o governo da petista Ana Júlia (2007/2011) buscava enfrentar a grilagem de terras, o trabalho escravo e os crimes de encomenda, questões centrais do turbulento mapa agrário da Amazônia.

Tais medidas fizeram recuar, e muito, os assassinatos de lideranças sindicais e populares. Os índices só voltaram a ‘normalidade’ estatística com o governo tucano de Simão Jatene, mandatário máximo do Pará até os nossos dias.

O centro do discurso da senadora propunha a criação da Rede Social Rural e para isso buscava se apoiar na malsã experiência histórica da União Democrática Ruralista (UDR) e de antigos quadros políticos da grande propriedade rural do Sul do Pará.

O sentido e conteúdo da iniciativa dos ruralistas anunciavam uma nova etapa na contenda pela posse da terra no Pará e no Brasil, tal o nível maior de politização alcançado pela representação máxima do patronato rural tupiniquim.

As bases do discurso e da prática dos oligarcas do campo – da qual Kátia Abreu é um dos principais expoentes – procuram fazer a integração subalterna da agricultura brasileira aos mercados internacionais, com o risco de nossa soberania alimentar e fundamentaram-se, historicamente, com a premissa ideológica de ódio aos movimentos sociais, procurando com o apoio da mídia hegemônica, criminaliza-los.

Para eles, os herdeiros das Sesmarias, o problema é o povo e, concomitantemente, quem organiza a resistência popular e a civilizatória luta pela democratização da terra no Brasil, base indiscutível para nosso desenvolvimento duradouro.

O convite de Dilma para que Kátia Abreu assuma o Ministério da Agricultura cria uma tensão desnecessária com sua base social que, nas ruas e nas redes fizeram a diferença e asseguraram vitória na maior batalha política travada no país desde 1989.

Em 2009, procurando esmiuçar a tática do Agronegócio e estabelecer as necessárias conexões com a ocupação econômica da Amazônia é que escrevi o artigo abaixo:

As mãos que trabalham ou as botas que escravizam?

Por Paulo Fonteles Filho

Em uma extensa entrevista a um dos mais lidos jornais do Pará, no último domingo, 15 de março, a demo-senadora e dirigente máxima da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Kátia Abreu, expôs com robustez as estratégias fundamentais do latifúndio brasileiro para fazer a luta de ideias na sociedade e, no fundamental, apresentar a sua classe, historicamente arcaica e violenta, de forma mais palatável para aquilo que chamamos de opinião pública.

No corolário de suas vociferações contumazes contra o movimento social camponês, leia-se MST, e contra a governadora Ana Júlia, a demo-senadora propõe a criação da Rede Social Rural, uma espécie de gabinete social sob a consigna de “Mãos que trabalham” e que funcionará em Redenção, sul do Pará.

O município escolhido pelos arautos da grande propriedade rural albergou, em 17 de maio de 1986, o surgimento em terras paraenses da famigerada União Democrática Ruralista – UDR e entre os convidados, o mais ilustre era o presidente da UDR de Goiás, Ronaldo Caiado, além dos prefeitos Arceline Veronese, do próprio município anfitrião e Orlando Mendonça, de Conceição do Araguaia, que foram denunciados pelo então Deputado Estadual Paulo Fonteles na tribuna da Assembleia Legislativa paraense como ávidos participantes de reuniões onde se confeccionavam as macabras listas de marcados para morrer, onde o próprio parlamentar e advogado de trabalhadores rurais teve sua vida ceifada um pouco mais de um ano depois, em junho de 1987.

O curioso é que a derradeira reunião que decretou o fim da UDR no sul do Pará aconteceu em inicios de março de 1991 e o patrimônio ativo e passivo daquela macabra organização fora transferida, como doação, para o Sindicato Rural de Redenção que sediará a propalada “agenda social” dos violentos liderados pela demo-senadora tocantinense.

As ações políticas do latifúndio, trombeteadas por suas lideranças nacionais revelam uma posição de força, ofensiva, e de imediato precisam ser diagnosticadas e combatidas.

O sentido e conteúdo da iniciativa dos ruralistas podem anunciar uma nova etapa na contenda pela posse da terra no Pará e no Brasil, tal o nível maior de politização que engendra a representação máxima do patronato rural tupiniquim.

A atual ofensiva política e ideológica do latifúndio emanam do eixo mais dinâmico e atuante do agrobusiness brasileiro, cujo modelo encontra-se em franca expansão, altamente capitalizado, e se dirige resoluto em direção à Amazônia, território decisivo para se custodiar qualquer projeto de nação.

O fato é que o agronegócio que é a nova indumentária para a mais atrasada estrutura da sociedade brasileira procura, analisando as experiências organizativas passadas, imprimir fôlego contra a histórica bandeira pela democratização das terras do Brasil. E todos nós sabemos que a agenda pública fundiária não está sob a hegemonia da ótica dos trabalhadores, muito ao contrário, e para isso é só observar a tímida reforma agrária do governo Lula. Mas, contraditoriamente, o atual mandatário dos destinos nacionais estabelece uma relação democrática com os agentes mais importantes da luta pela posse da terra no país e este aspecto incomoda, e muito, os setores mais recalcitrantes e xiitas do patronato rural brasileiro.

Analisando experiências passadas, a inteligência da moderna nomenclatura do latifúndio, me parece, vai buscando inspiração em uma das suas mais torpes criaturas que é a própria UDR. A questão aqui não é de mera coincidência geográfica, mas de certo saudosismo por parte do latifúndio no sentido de reeditar a sua mais infame experiência de violações aos direitos humanos a partir da segunda metade do século XX.

E é claro que neste caso a história, em tendência, se repetirá como tragédia e sua maior vocação é intentar contra o próprio Estado Democrático de Direito no sentido de que um banho de sangue pode estar por vir, prática contumaz do latifúndio, antecedida por ameaças e verborragias como faz a demo-senadora Abreu da CNA contra os movimentos sociais e experiências de governos democráticos, como é o caso do Pará.

A questão tem centralidade porque se trata de memória revisitada, aos terríveis e dolorosos exemplos engendrados pela UDR na metade da década de oitenta do século passado. A emergência daquela agremiação fascista estava ligada a duas questões novas para a sociedade brasileira de então, a Redemocratização, conquista histórica do povo brasileiro, depois de vinte e um anos de ditadura militar e o projeto de Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) que o novo momento procurava engendrar. É preciso que se diga que tal plano fora elaborado no início da Nova República, contando com a elaboração de conhecidas personalidades pró-Reforma Agrária e seu anúncio ocorreu no IV Congresso de Trabalhadores Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), em 1985.

O modelo preconizado durante o período dos generais buscou colonizar as fronteiras em favor do grande capital, nacional e estrangeiro, permitindo a expansão do latifúndio improdutivo em escalas galopantes através de vultosos projetos agropecuários e de “modernização” da agricultura brasileira a partir de milhardárias somas em créditos e subsídios estatais que imprimiam novas tecnologias para privilegiar o mercado externo, o que correspondeu a submissão de nossa política agrícola aos interesses estrangeiros. Para se aplicar tal modelo houve uma intensa militarização da questão da fundiária no país e os custos sociais de tal política foram absolutamente desastrosos por conta da elevada exclusão social e, concomitantemente, dos conflitos gerados na luta pela posse da terra.

A UDR, portanto, surgiu como um instrumento daquilo que é arcaico e velho na luta contra o novo e mudancista. Apareceu no cenário político brasileiro como uma radicalização e, sobretudo, como expressão maior da politização do latifúndio em face da elevação do nível da luta pela terra alcançada no país. É claro que o surgimento daquela organização de sombria lembrança fez aparecer certas disputas e desequilíbrios com o tradicional patronato rural brasileiro por conta do papel de liderança de classe, logo, porém, foram dissipadas no curso das ações políticas das oligarquias rurais fruto de um maior nível de unidade dos endinheirados do campo.

O fato é que a UDR fez intensa propaganda através dos muitos leilões realizados que, para além da arrecadação de recursos que seguramente financiaram a liquidação de muitos lutadores do povo, serviam para atrair simpatizantes, sócios novos, além de infundir laços e convivência social, ou seja, valores de retesado apego à propriedade e ao poder econômico.

A grande arma daquela organização, porém, fora a militância de seus quadros e dirigentes, dotados por rigorosa disciplina capazes de intervir no curso dos acontecimentos do Brasil de então. Do ponto de vista numérico, teria passado segundo o estudo da professora Sonia Regina de Mendonça, especialista no assunto e autora de “A classe dominante agrária: natureza e comportamento- 1964/1990” e publicado pela Expressão Popular, de 3 a 5 mil associados em junho de 1986 para cerca de 130 a 230 mil em novembro de 1987.

O lamentável disso tudo é que uma enorme parcela era formada por pequenos e médios proprietários conquistados pela UDR através da propaganda ideológica que reproduzia medo porque satanizava a Reforma Agrária, além, é claro da inabilidade de certos setores sectários que ocupavam ínfimas ou medianas propriedades rurais.

O fato é que o latifúndio tem grande capacidade e experiência política e organizativa e a ofensiva atual que faz prosperar têm como referência o modus-operandi já experimentados e amplamente conhecidos. Afinal, tal acúmulo não data desde 1850 quando se constituiu o moderno mapa agrário brasileiro cuja expressão representou à vitória dos coronéis contrários as posições renovadoras de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, que em 1823 já apresentava para a agenda política brasileira, quando dos debates de nossa primeira Constituição, a necessidade de mudanças estruturais como a democratização das terras e a abolição da escravatura? O projeto de nação defendido pelo mais culto e conhecido dos Andradas o levaram à prisão e ao infortúnio do exílio no continente europeu.

As bases do atual discurso dos oligarcas do campo fundamentam-se a partir de odiosas manifestações contra os movimentos sociais, procurando com o apoio da grande mídia, criminaliza-los. Aqui o problema é o povo e, concomitantemente, quem organiza a resistência popular.

Procuram, portanto, impedir o novo, açodar o que é pujante e brota da consciência social avançada e têm em sua conduta mais lancinante e temerária a manutenção de uma estrutura que mais nos liga a um passado colonial que haveremos de superar pela própria necessidade histórica do desenvolvimento da civilização brasileira.

Afinal, o que está incluso nas provocações da demo-senadora Abreu, senão a contumaz e visceral violência do latifúndio com seus escravocratas e assassinos? E as violações aos direitos humanos perpetrados pelos donos do poder no campo brasileiro já superaram, em muito, questões pontuais ou táticas, aparecem no limiar do século XXI como estratégia para manutenção e perpetuação do poder dos coronéis, velha lobos felpudos travestidos de cordeiros legalistas.

O que podemos esperar da “agenda social” dos grandes proprietários senão a agudização dos conflitos no campo?

FONTE: http://paulofontelesfilho.blogspot.com.br/2014/11/katia-abreu-udr-e-o-tiro-no-pe-de-dilma.html

Seminário debaterá a violência sangrenta nos conflitos agrários no Maranhão

Por CPT Balsas

O evento será assessorado pelo professor Ariovaldo Umbelino, da Universidade de São Paulo. É uma autoridade no conhecimento técnico e da legislação na agropecuária brasileira e autor de dezenas de conferências.

A iniciativa da Comissão Pastoral da Terra, com o apoio da Fetaema visa aprofundar o debate diante da proliferação dos conflitos agrários, principalmente os que envolvem políticos. Um dos problemas mais sérios existentes no Maranhão está no município de Codó, que é liderado pelo coronel reformado da Policia Militar, deputado estadual e líder do governo César Pires e que envolve empresários, outros políticos, grileiros e jagunços. O mais grave é que o parlamentar como militar reformado impõe a unidade militar de Codó, que ela acaba sendo transformada em algoz de trabalhadores e trabalhadoras rurais do município de Codó.

                                                    CARTA CONVITE 

 A Comissão Pastoral da Terra – CPT da Diocese de Balsas, tem a alegria de convidá-lo (la) a participar do 1º Seminário Regional sobre Legislação e Conflitos Agrários, que será realizado no Centro de Formação Nossa Senhora de Guadalupe na cidade de Balsas/MA, nos dias: 21, 22 e 23 de Novembro de 2014, assessorado pelo  professor da USP – Universidade de São Paulo, Doutor Ariovaldo Umbelino Oliveira que é também  Assessor dos Movimentos Sociais.

 Tema: Legislação e Conflitos Agrários.

Objetivo: Fortalecer a articulação dos camponeses e das comunidades tradicionais na garantia dos direitos a terra e seus territórios.

Inicio: dia 21 de Novembro/2014, com o almoço

Término: dia 23 de Novembro/2014, com o almoço.

Participantes: Pastorais, Paróquias da Diocese de Balsas, Sindicatos de Trabalhadores Rurais, Pólo Sindical do Sul do Maranhão, Assentamentos, Quilombolas, Ribeirinhos, comunidades em conflito, estudantes e professores do curso de direito, grupos de mulheres, quebradeiras de Coco.

FONTE: http://cptnacional.org.br/index.php/noticias/conflitos-no-campo/2340-seminario-debatera-a-violencia-sangrenta-nos-conflitos-agrarios-no-maranhao

Poder econômico do agronegócio deixa sociedade refém de seus interesses

Por Maura Silva, Da Página do MST

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O agronegócio é hoje o setor que mais oferece doações de campanhas aos candidatos à Presidência da República. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até o momento os 11 candidatos já arrecadaram um total de R$ 31,2 milhões, sendo que cerca de 40% dessas doações vieram de setores ligados ao agronegócio.

A maior doação recebida, até agora, veio da JBS, responsável em repassar R$ 11 milhões de reais ao comitê de campanha dos três candidatos mais bem colocados: Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) com R$ 5 milhões cada, e o PSB, agora com Marina Silva, com R$ 1 milhão.  

Na mesma linha estão outras empresas do agroindústria, como Seara (R$1 milhão), Coopersucar (R$ 1 milhão), Laticínios Bela Vista Ltda (R$ 350.000), Agropecuária Nova Guaxupé Ltda (R$ 15 mil) e Fazenda Lua Nova Ltda (R$ 15 mil).

Esses números mostram que a dependência financeira dos partidos ainda dita as regras quando o assunto é plataforma política. 

Não à toa, em recente sabatina realizada pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os principais candidatos à Presidência da República, Dilma Rousseff  e Aécio Neves, destacaram em sua plataforma de campanha pontos que só tendem a beneficiar o setor.  

Cada um, a sua maneira, fez questão de tranquilizar os empresários do agronegócio com promessas que vão da criação de um “Superministério da Agricultura” até a aprovação de um pacote exclusivo de decisões que beneficiará a esfera agropecuária.

Implicações

Os recursos privados constituem a principal fonte do financiamento de campanhas. Na prática, o financiamento privado acaba afrontando o artigo 14 da Constituição Federal, que diz que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei”. 

Para Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, esse é um processo recorrente a todas as eleições.

“O apoio privado é um vicio eleitoral, as eleições estão terceirizadas. Todo parlamento é comprado, e vai responder a quem pagou, ou seja, a quem mais contribuiu. É uma eleição completamente comprometida, quem decide é o Capital”, diz. 

Uma relação de confiança é estabelecida entre o agronegócio e os possíveis governos, uma vez que já é possível saber com antecedência quais partidos serão possivelmente eleitos. 

Para Gilmar, isso permite que o agronegócio não tenha seus interesses ameaçados em pelas reivindicações feitas por movimento sociais e ambientais. 

“Essa é uma lógica que impede a participação popular no processo eleitoral, o que só contribui para o desinteresse cada vez maior da população brasileira. O atual modelo agroexportador seguido pelo Brasil também favorece os grandes investimentos privados. É um pleito não democrático”, salienta. 

Para o Sem Terra, apenas com ações que sustentem a Reforma Política, como o caso do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político – que acontecerá entre os dias 1 a 7 de setembro – é que o cenário será modificado. 

“O nosso sistema econômico beneficia o agronegócio. Criou-se uma espécie de dependência com o setor. Esses investimentos nada mais são do que uma retribuição por todas as facilidades que o governo federal tem concedido ao setor nos últimos anos. É preciso uma Reforma Política ampla, que estimule de fato a participação popular. Só assim, o povo será impelido a viver ativamente a política. Se dependermos dos atuais trâmites impostos pelo governo nada tende a mudar”, finaliza.    

Para o professor em sociologia da Universidade Federal de Brasília (UnB), Sérgio Sauer, é difícil desvincular as doações privadas dos benefícios futuros que esses grupos e empresas tendem a receber. 

“Doações de empresas, de qualquer setor da economia, sempre trazem algum tipo de compromisso, seja ele direto ou não. Cria-se um mecanismo, uma necessidade de troca. Um favor que mais cedo ou mais tarde alguém terá que pagar”.

Prova disso é o crescimento de grupos como a JBS, que só entre os anos de 2006 e 2009 multiplicou seu faturamento em 1900%, e que consegue do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) vertiginosos empréstimos e investimentos, bem como maior participação em programas subsidiados, como o Programa de Investimentos Sustentáveis (PIS). 

Segundo o professor, essa situação reforça a narrativa de que esse é o setor que mais gera riquezas, mas consolida uma economia pouco sustentável, baseada na exportação de recursos naturais. 

“Na atual conjuntura, os apoios do agronegócio feitos em suas diferentes facetas geram compromissos políticos e exigem apoio ao setor, reforçando especialmente as demandas por desoneração fiscal e por mais investimentos em infraestrutura”, finaliza.    

FONTE: http://www.mst.org.br/node/16422