Registro Global de Combustíveis Fósseis escancara descompasso entre meta climática e novos projetos de exploração

global registry

O Carbon Tracker e o Global Energy Monitor acabam de lançar o primeiro banco público de dados sobre produção e reservas de combustíveis fósseis, o chamado Registro Global de Combustíveis Fósseis. Além de reunir os dados totais da produção atual e reservas não exploradas, o registro traduz esses dados em emissões de gases de efeito estufa (GEE). Isso permite indicar o impacto dessas emissões potenciais sobre o orçamento de carbono, isto é, tudo que a humanidade ainda pode emitir antes de estourar a meta do Acordo de Paris de manter o aquecimento abaixo de 1,5C.

O Registro contém dados de 50.000 campos de exploração em 89 países, cobrindo 75% da produção global. As primeiras informações oferecidas por ele mostram que a atual produção e o consumo das reservas mundiais remanescentes levariam a 3,5 trilhões de toneladas de emissões de gases de efeito estufa. Este valor é mais de sete vezes o orçamento de carbono restante e mais do que todas as emissões produzidas desde a revolução industrial.

A ferramenta mostra que os EUA e a Rússia possuem, cada um, reservas de combustíveis fósseis suficientes para explodir todo o orçamento global de carbono, mesmo que todos os outros países tenham cessado a produção imediatamente. Dos 50.000 campos cobertos pelo registro, a fonte mais potente de emissões é o campo de petróleo de Ghawar na Arábia Saudita, que produz aproximadamente 525 milhões de toneladas de emissões de carbono a cada ano.

“O Acordo de Paris marcou um ponto de inflexão na governança climática internacional. O Registro Global é outro”, afirma Simon Kofe, Ministro da Justiça, Comunicações e Relações Exteriores de Tuvalu. “O Registro Global ajudará governos, empresas e investidores a tomar decisões para alinhar sua produção de combustíveis fósseis com o limite de temperatura de 1,5 e, assim, evitar concretamente o desaparecimento de nossas casas insulares.

Impacto na política

Até hoje, os esforços da diplomacia climática se concentraram na redução da demanda e do consumo de petróleo, gás e carvão, mas ignoraram a oferta desses combustíveis. O Acordo de Paris, por exemplo, não menciona em nenhum momento a produção de combustíveis fósseis, apesar de tais combustíveis representarem mais de 75% das emissões globais de GEE. A primeira mudança de direção veio na COP26, quando a criação do Registro Global ganhou o apoio da França, Suécia, Ilha de Nauru e Luxemburgo. Desde então, mais países estão se aproximando.

Os relatórios do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) estabeleceram o fato de que as projeções de produção de combustíveis fósseis superam grandemente o orçamento de carbono restante. A Agência Internacional de Energia também mostrou que não é possível desenvolver novos campos de exploração e que alguns campos existentes precisam ser desativados precocemente se quisermos limitar o aquecimento a 1,5C.

Mesmo assim, os formuladores de políticas e a sociedade civil careciam de dados específicos sobre o impacto de novas explorações sobre o orçamento de carbono e para balizar políticas de eliminação gradual. O Registro atende esta demanda e também será útil para informar agentes do mercado sobre quais ativos da indústria fóssil provavelmente ficarão encalhados.

Segundo os idealizadores, o Registro é totalmente neutro em termos de política e transparente em suas suposições e cálculos, e espera-se que, no devido tempo, ele se situe formalmente dentro do processo de elaboração de políticas climáticas internacionais. Eles também planejam incluir atributos econômicos, como impostos e royalties associados a ativos específicos. De acordo com a iniciativa, este passo é fundamental para que governos e sociedade civil administrem uma eliminação gradual e ordenada dessa produção em relação ao impacto na arrecadação.

“A ciência é cristalina. A transição para longe das economias alimentadas por combustíveis fósseis é fundamental para a sobrevivência das pessoas e do planeta”, afirma Inger Andersen, subsecretária geral das Nações Unidas e diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

“O Registro Global de Combustíveis Fósseis é um passo importante para fornecer insights aos formuladores de políticas e investidores ao embarcarmos em uma transição justa para longe dos combustíveis fósseis”, conclui a executiva da ONU.

“Saúdo a iniciativa de estabelecer um registro global aberto de combustíveis fósseis”, declara Patrick Graichen, secretário de Estado do Ministério Federal Alemão para Assuntos Econômicos e Ação Climática.

“Precisamos nos afastar dos combustíveis fósseis e nos aproximar de sistemas de energia sustentável para limitar o aquecimento global a 1,5°C enquanto construímos uma economia forte e inclusiva para o futuro”, continua Graichen. “É por isso que é ainda mais importante que quaisquer medidas de curto prazo que tomemos agora para enfrentar a crise energética sejam acompanhadas de uma expansão mais rápida da energia renovável – por exemplo, a construção de uma infra-estrutura para hidrogênio verde”.

Impostos versus produção

Uma das primeiras “aplicações híbridas” mapeia as emissões de combustíveis fósseis em relação a sua rentabilidade e localização em termos de PIB per capita, conforme o gráfico abaixo.

 A partir daí, três insights emergem. Grupos de carvão na parte inferior esquerda, refletindo sua menor rentabilidade e concentração em países de menor renda. Os produtores de petróleo se agrupam ao longo do topo do gráfico, já que o petróleo continua a proporcionar lucros muito maiores por unidade de energia do que o gás ou o carvão. Já a produção de combustíveis fósseis da OCDE (inferior, à direita) se caracteriza por uma rentabilidade relativamente baixa quando se considera a força geral das economias desses países.

A Carbon Tracker Initiative também trabalhou com a Iniciativa de Transparência das Indústrias Extrativas (EITI) para comparar as emissões geradas pela produção de combustíveis fósseis e os impostos pagos pelas empresas produtoras em 20 países membros da EITI, conforme o gráfico abaixo.

 

 Isto revela uma grande discrepância nos impostos por tonelada de emissões, com o Iraque gerando quase US$ 100 em impostos por tonelada de emissões, comparado a pouco mais de US$ 5 por tonelada no Reino Unido.

“Esta ferramenta tornará governos e empresas mais responsáveis por seu desenvolvimento de combustíveis fósseis, permitindo que a sociedade civil vincule facilmente as decisões de produção às políticas climáticas nacionais”, diz Mark Campanale, fundador do Carbon Tracker e presidente do Comitê de Direção do Registro. “O Registro também permitirá que bancos e investidores avaliem com mais precisão o risco de que determinados ativos fiquem encalhados”

“[O Registro] É um passo bem-vindo em direção a um acesso aberto a informações vitais sobre combustíveis fósseis”, afirma Suneeta Kaimal, Presidente e Diretora Executiva do Instituto de Governança de Recursos Naturais.”Agora os cidadãos e investidores em todos os lugares têm uma ferramenta essencial para responsabilizar governos e empresas por suas decisões”.

Montadoras estão sabotando meta climática de 1,5°C, mostra nova pesquisa

Fabricantes de automóveis fazem lobby contra a políticas alinhadas ao Acordo de Paris e não planejam produzir veículos elétricos no sul global

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Toyota tem o pior nível de engajamento no cumprimento das metas climáticas

As maiores montadoras do mundo estão minando as metas climáticas globais ao não conseguirem atingir metas para a fabricação de veículos elétricos. Para isso, as empresas estariam fazendo lobby para prolongar a vida útil do motor de combustão interna, indica uma nova pesquisa do think tank InfluenceMap.

A pesquisa mostra ainda que as principais montadoras estão planejando descarregar a produção de veículos movidos a combustão interna em países pobres, principalmente na América do Sul. As empresas planejam produzir apenas 3% de veículos elétricos a bateria na América do Sul até 2029, sendo 8% na África e 9% na Índia. Mesmo as fabricantes mais ambiciosas da Europa, como a Volkswagen, estão preparadas para produzir muito poucos veículos elétricos nesses mercados emergentes chave.

As conclusões partiram de uma avaliação do engajamento climático de doze montadoras comparado aos indicadores de produção futura dessas empresas reunidos pela consultoria IHS Markit até 2029. Esse desempenho foi analisado em relação ao cenário de 1,5°C indicado pela Agência Internacional de Energia (AIE) para descarbonizar o setor de transportes.

Todas as doze empresas analisadas para esta pesquisa declararam publicamente seu apoio ao Acordo de Paris, mas apenas uma – Tesla – está engajada com uma política alinhada com os objetivos do acordo. Apenas duas – Tesla (100%) e Mercedes-Benz (56%) – estão executando uma transição para veículos elétricos a bateria (BEV) com a rapidez necessária para atender ao caminho de 1,5°C da AIE até 2029.

Ao analisar as previsões de produção de veículos, o relatório identifica uma ligação clara entre o engajamento das montadoras na política climática e as estratégias de produção. A Toyota, por exemplo, tem o engajamento mais negativo da política climática de todas as doze montadoras analisadas. Ela também tem o nível mais baixo de produção prevista de BEV.

“Esta pesquisa mostra que os mais atrasados são também os mais negativos quando se trata de defesa da política climática”, avalia Ben Youriev, analista sênior da InfluenceMap. “Quase todas as montadoras estão falhando em acompanhar a transição para emissões zero.”

Enormes diferenças regionais

Na União Européia, que tem algumas das políticas mais ambiciosas para descarbonizar o setor de transportes, os dados da IHS Markit mostram que 59% da produção local está prevista para ser veículos elétricos a bateria até 2029. Ainda assim, algumas montadoras como a BMW ainda lideram os esforços contra uma meta de emissões zero até 2035 proposta pela UE.

Os resultados dos Estados Unidos são quase uma completa inversão do cenário da União Europeia. Apenas duas montadoras de automóveis – Tesla (100%) e Volkswagen (57%) – planejam produzir veículos elétricos a bateria suficientes nos EUA para atingir a meta da AIE. Embora haja uma mudança limitada de veículos com motor de combustão interna para veículos elétricos, 65% dos veículos leves produzidos nos EUA ainda serão movidos por motores de combustão até 2029.

Por exemplo, 49% da frota da Toyota produzida na UE será de veículos elétricos a bateria até 2029, enquanto nos Estados Unidos é de apenas 4%. Ford (36%) e General Motors (28%) devem permanecer atrás das exigências do cenário de 1,5°C da AIE em sua produção mundial para veículos elétricos a bateria. Entretanto, a produção da Ford baseada na UE está prevista para 65% até 2029.

O que explica essas diferenças de atuação, segundo o estudo, é uma forte correlação entre a política governamental de eliminar gradualmente os veículos de passageiros com motor a combustão e a produção local de carros elétricos a bateria. Nos países onde a legislação está mais adiantada, haverá mais veículos elétricos. Ao mesmo tempo, a maioria dos fabricantes de automóveis está engajada negativamente na política climática.

8 das 12 montadoras analisadas pontuaram um ‘D+’ ou abaixo no sistema de medição A-to-F do InfluenceMap em relação ao compromisso com as metas do Acordo de Paris. Segundo o estudo, essas montadoras se opuseram estrategicamente às políticas projetadas para regular e/ou eliminar progressivamente os veículos a combustão.

A Toyota é a montadora com a menor pontuação. Tesla (B) é o único fabricante de automóveis considerado como amplamente favorável à política climática alinhada com Paris, representando o claro líder do setor. As três empresas restantes – Volkswagen (C), Ford (C-) e General Motors(C-) – mostram um engajamento de política climática mista.

As associações industriais que representam montadoras nas principais regiões (EUA, UE, Alemanha, Japão e Reino Unido) têm um engajamento altamente negativo na política climática e são estrategicamente empregadas pelas montadoras para liderar esforços globais negativos de defesa contra a legislação climática.

“O último relatório do IPCC é claro que uma rápida ampliação dos veículos elétricos a bateria é fundamental para atingir as metas globais de mudança climática. No entanto, esta pesquisa destaca como os principais fabricantes de automóveis continuam entre os maiores opositores da política climática global.”, conclui Youriev.

A crise climática além das metas de cúpula

O movimento não deve se concentrar apenas nas metas climáticas, deve também falar sobre justiça

ventoinhasFoto: dpa/Jens Büttner

Por Lasse Thiele para o Neues Deustchland 

Limitar o aquecimento global “se possível” a 1,5 graus, ou pelo menos bem abaixo de 2 graus – esse é o objetivo declarado do acordo climático de Paris . Mas os números objetivos parecem sombrios. A cada ano que passa, a curva que teria que ser feita para entrar no curso no tempo fica mais íngreme. Mas essas convulsões revolucionárias não estão à vista. Portanto, é realista esperar que as metas sejam alcançadas mesmo que os sucessos da política climática sejam alcançados nos próximos anos. Provavelmente teremos que conviver com e na crise climática. A adaptação baseada na solidariedade faz parte da necessária mudança do sistema.

Ativistas climáticos e organizações ambientais sabem disso melhor. No entanto, as pessoas estão relutantes em falar sobre isso – por medo de serem mal compreendidas para significar que seria tarde demais de qualquer maneira. Porque para não piorar tudo, ainda é necessária uma proteção climática radical, e mesmo medíocre é melhor do que nada.

Adaptação ao que realmente deve ser evitado? Comunicar essa ambivalência é uma tarefa ingrata em um ambiente político e midiático em que mesmo as conexões mais simples são alegremente distorcidas. O fato de as metas climáticas oficiais terem sido aumentadas recentemente em muitos lugares (sem serem seguidas por uma ação correspondente) não facilita nada – grupos climáticos e ONGs dificilmente podem ficar para trás. Muitos temem que as distopias sejam difíceis de mobilizar. Portanto, fica principalmente com o otimismo estratégico do slogan impotente de que o próximo governo deve finalmente mudar tudo para melhor em 1,5 grau.

Essa tendência de tabular o futuro da crise climática é arriscada para o movimento interno e externo. A perspectiva do movimento – o medo de se esgotar em uma sensação de fracasso final – é abordada pelo grupo de justiça climática Ausgeco2hlt em um texto inteligente em seu site: “Não acreditamos em ‘tarde demais'”, escrevem eles, discutindo a limites do otimismo estratégico e a perspectiva da “esperança pela ação”. São necessárias alternativas sóbrias e combativas que permaneçam eficazes mesmo depois de não cumprirem as metas climáticas, porque não pensam apenas em termos de números de CO2.

Isso está ligado a uma verdade que não afeta apenas os ativistas: quando for tarde demais para evitar completamente a crise climática, o debate social sobre a justiça climática só começará realmente. Quem tem acesso a recursos cada vez mais escassos? Que fronteiras estão abertas a quem? Estão sendo tentadas experiências arriscadas de geoengenharia? Quão democraticamente, quão autoritárias são essas questões respondidas? A questão climática finalmente flui junto com a questão social, com o feminismo, o antirracismo e o antifascismo.

De fato, o mundo da crise climática está estruturado há muito tempo. A adaptação às consequências das mudanças climáticas não só sempre foi uma (difícil) linha principal de negociações nas cúpulas climáticas da ONU , mas está sendo impulsionada de forma bastante tangível por atores poderosos: por governos que, por um lado, estão construindo diques mais altos, mas por outro por outro lado, estão construindo cercas de fronteira mais altas. Dos serviços militares e secretos que estão se preparando para guerras de recursos e movimentos migratórios. De bancos e seguradoras que, por um lado, calculam os riscos de danos e, por outro, visam novas oportunidades de lucro.

Apenas a sociedade civil e o movimento climático têm pouco a dizer. A (in)justiça climática é pré-negociada aqui – na maioria das vezes intransparente, com tendência autoritária. Há uma necessidade urgente de contra-projetos para uma vida solidária na crise climática. Poderíamos realmente chegar “tarde demais” aqui se nos fixarmos em metas de graduação por muito tempo.

Muitas soluções climáticas »de baixo« já incluem adaptação – como fazendas solidárias que trabalham na segurança alimentar local. Mas onde governos, militares e corporações definem o rumo, os movimentos sociais não podem se limitar a projetos exemplares de nicho. Para lutar por justiça distributiva, saídas seguras e direitos democráticos para todos politicamente, mesmo tendo em vista um futuro difícil, devemos ousar o debate ingrato – de preferência junto com outros movimentos sociais.

compass

Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

COP26: Pequenos passos, greenwashing e uma mancha feia

A conclusão da Conferência Mundial do Clima ” COP26 ” em Glasgow foi comentada na noite de sábado pelo especialista em clima Jan Kowalzig, que estava no local para a organização Oxfam

greenwashing

Os pequenos passos dados pela COP26 não devem nos levar à ilusão de que estamos voltando para casa com um verdadeiro sucesso. É amargo que, mais uma vez, os países mais pobres do sul global, particularmente afetados pela crise climática, tenham sido marginalizados. Seu apelo por apoio para lidar com os danos e a destruição causados ​​pelas mudanças climáticas – quando os limites da adaptação são atingidos – quase não foram ouvidos novamente. Com sorte, eles podem esperar um apoio técnico limitado nos próximos anos, por exemplo, ao planejar a reconstrução após severos desastres climáticos, mas não a ajuda financeira para a reconstrução em si. Com os custos crescentes dos danos econômicos conseqüentes, os países afetados permanecem sozinhos. Essa injustiça colossal é a mancha feia no resultado de Glasgow. 

O apelo da conferência a todos os países para que melhorem suas metas climáticas só será um sucesso se os países do G20 em particular também seguirem esse apelo. Ninguém pode sentar agora. Nenhuma das principais economias está atualmente preparada para contribuir de forma suficiente e justa para a proteção do clima necessária em todo o mundo, nem mesmo a Alemanha. Glasgow está enviando um sinal inequívoco para as negociações da coalizão em andamento em Berlim: o próximo governo federal deve apresentar imediatamente um plano robusto que colocará a Alemanha em um caminho compatível com o limite de 1,5 grau do Acordo de Paris. Especialmente o FDP e o SPD terão que mudar significativamente nas próximas semanas se não quiserem trair as resoluções de Glasgow nos pequenos detalhes de sua política de clientela.

Alguns dos resultados relativos à implementação do Artigo 6 do Acordo de Paris são problemáticos. Em breve, créditos de CO2 não utilizados de antigos projetos de proteção climática com qualidade muitas vezes duvidosa poderão contar para as metas climáticas atuais dos países sob o Acordo de Paris sob os mecanismos do Protocolo de Kyoto. Mesmo assim, esse “ar quente” enfraqueceu o comércio de emissões europeu por meio do Protocolo de Kyoto. As novas regras também oferecem uma oportunidade para uma lavagem verde colossal para empresas que estabeleceram para si mesmas a meta de neutralidade climática, menos por insight e mais para fins de relações públicas.

Quase todos os dias na conferência, fora das negociações formais, houve anúncios e novas iniciativas, por exemplo, para eliminar gradualmente o carvão prejudicial ao clima ou acabar com o financiamento público de energias fósseis no âmbito da cooperação internacional. Essas iniciativas enviam o importante sinal de que a era dos assassinos do clima fóssil está chegando ao fim. Mas eles não devem esconder o fato de que só podemos colocar a crise climática sob controle se os governos traduzirem essas iniciativas voluntárias em um endurecimento de suas metas de proteção climática.

compass

Este texto foi escrito inicialmente em alemão e publicado pelo jornal “Jungewelt” [Aqui!].

Por não ter nada de bom para dizer, Jair Bolsonaro foge da COP26 e vai fazer turismo na Itália. Pior para o Brasil

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Em meio ao caos econômico, sanitário e social em que o Brasil está metido neste momento, muito em parte por causa das desastrosas políticas ultraneoliberais adotadas pelo ministério da Economia sob o comando de Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro resolveu fugir da 26a. edição da Conferência do Clima que será realizada em Glasgow, capital da Escócia, a partir deste domingo (31/10).  Em vez de se juntar a maioria dos líderes mundiais que estarão na COP26 para discutir a adoção de políticas de mitigação (senão de controle) da crescente climática em que estamos metidos. Em vez disso, o presidente do Brasil resolveu dar uma de “Leão da Montanha”, saiu pela direita, e foi fazer turismo na Itália onde deverá participar como mero expectador da reunião anual do chamado G-20, que nesta edição não contará com a presença de Xi Jinping e Vladimir Putin.

Bolsonaro-Roma-29-10-21-868x644Para fugir da COP26, Jair Bolsonaro resolveu fazer turismo de rua na Itália

Ao contrário da reunião do G-20 que não trará medidas efetivas para o quer que seja, a COP26 deverá trazer uma série de resoluções que poderão sim afetar a forma pela qual a economia mundial funciona, pelo menos nos próximos anos. Nesse sentido, não estar presente na COP26 certamente não será benéfico para o Brasil, independente de quem seja o seu presidente em 2023. Ao se negar a discutir seriamente medidas de confronto da crise climática, o governo Bolsonaro está contribuindo para um maior aprofundamento do isolamento diplomático em que o Brasil já se encontra.

O fato é que ao se recusar a estabelecer propostas de controle das emissões de gases estufa, e objetivamente agir para aumentá-las, o governo Bolsonaro está levantando barreiras com nossos principais parceiros comerciais, inclusive a China (que, aliás, já impõe um congelamento na importação de carne brasileira). E é importante notar que, ainda que as decisões da COP26 fiquem aquém do que se precisa para conter o avanço da crise climática, países que são centrais no controle das emissões, como é o caso do Brasil, não serão poupados de cumprir suas responsabilidades. Em outras palavras, as barreiras que já sendo levantadas são apenas o princípio do que virá pela frente.

Finalmente, há que se observar a declaração do vice-ministro Hamilton Mourão que justificou a ausência de Jair Bolsonaro sob a alegação de que se fosse o presidente brasileiro seria alvo de apedrejamento, não havendo nada de prático que pudesse ser feito. Pelo jeito, o general Mourão, do alto de sua soberba, ainda não entendeu sobre o que significa ser apedrejado dentro da diplomacia mundial. A verdade é que até agora Jair Bolsonaro não foi sequer incomodado, apesar de todas as ações bizarras na área ambiental. No entanto, o castigo pode até tardar, mas virá. Pior para o Brasil.

FMI sabota metas climáticas ao aconselhar investimento em combustíveis fósseis, diz pesquisa

Fundo orientou países a privatizar empresas de eletricidade em condições que dificultam o abandono da energia suja
fossil fuels

O Fundo Monetário Internacional (FMI) tem minado a ação climática global ao promover a expansão dos combustíveis fósseis por meio de seus conselhos de política pública, afirma uma pesquisa do Projeto Bretton Woods e a ActionAid EUA divulgada nesta quarta-feira (25/8). O estudo afirma que o incentivo do FMI tem amarrado principalmente países pobres e de renda média à dependência cada vez maior de carvão e gás, prejudicando também o desempenho dessas economias em meio à corrida global pela descarbonização.

O relatório IMF Surveillance and Climate Change Transition Risks baseia-se na análise de todos os 595 relatórios do Artigo IV realizados nos 190 países membros do FMI entre a assinatura do Acordo de Paris em dezembro de 2015 e março deste ano. Os relatórios do Artigo IV contêm conselhos de política aos países que moldam suas economias para os próximos anos.

Em mais da metade dos países membros (105), a assessoria política do FMI tem apoiado a expansão da infraestrutura de combustíveis fósseis. Isto deixa os países em risco de ficarem com “ativos irrecuperáveis”, tais como usinas de carvão que perdem seu valor devido à competição da energia limpa, enquanto estabelecem um caminho poluente em desacordo com as metas climáticas globais.

Outra descoberta do relatório é que para um terço dos países (69), o FMI tem defendido a privatização das empresas estatais de energia ou de eletricidade para reduzir os gastos públicos. A privatização, segundo os autores, pode vincular os governos a acordos de longo prazo com investidores estrangeiros e dificultar o fim da energia de origem fóssil.

Um terço de todos os países foi aconselhado a acabar com os subsídios para a energia – uma área que o FMI está definindo como um primeiro passo para descarbonizar as economias. Mas a pesquisa descobriu que o conselho se concentra principalmente nos subsídios ao consumidor, em vez de acabar com os benefícios para a produção de combustíveis fósseis. Com poucas alternativas à energia e ao transporte baseados em combustíveis fósseis na maioria dos países em desenvolvimento, é pouco provável que isso reduza as emissões em escala. Ao mesmo tempo, a medida empurra os custos para os ombros dos cidadãos comuns.

“O Fundo Monetário Internacional tem sido um defensor da necessidade de uma transição de baixo carbono nos últimos meses, mas este relatório mostra que a vigilância do Artigo IV do FMI desde a assinatura do Acordo de Paris tem apoiado em grande parte os negócios de sempre, aprofundando a dependência de muitos países em relação aos combustíveis fósseis”, afirma Jon Sward, gerente de Projeto Ambiental do Projeto Bretton Woods.

“Ao iniciar o processo de criação de novas orientações para seu pessoal sobre como integrar a mudança climática em sua vigilância, o FMI deve desenvolver novas estruturas políticas que sejam inclusivas e garantam que os países de renda baixa e média tenham o espaço fiscal necessário para proporcionar uma transição energética justa para seus cidadãos”, defende Sward.

Os autores do relatório defendem que o FMI deveria melhorar a consulta nacional sobre o Artigo IV, inclusive com organizações da sociedade civil, grupos de direitos das mulheres, sindicatos, grupos climáticos e organizações de povos indígenas, num esforço para integrar o diálogo social na vigilância e na concepção de seus programas de empréstimo.

“O mundo está à beira do colapso ecológico. O Fundo Monetário Internacional deve agir agora para garantir que os países tenham espaço fiscal para implementar seus planos climáticos e alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável”, diz Niranjali Amerasinghe, Diretor Executivo da ActionAid EUA e especialista em finanças climáticas. “O Fundo deve assegurar que sua assessoria política torne mais fácil, e não mais difícil, a transição dos países para a energia renovável.”

Moçambique e Indonésia

O relatório apresenta dois estudos de caso – em Moçambique e na Indonésia – que exemplificam como o FMI está prendendo países em desenvolvimento em armadilhas fósseis.

A análise dos conselhos fornecidos a Moçambique descobriu que o FMI superestimou o crescimento futuro das descobertas de carvão – prevendo um “boom do carvão” que tornaria o país africano um dos principais exportadores mundiais de carvão. Mas em 2021 a principal usina de carvão de Moçambique foi fechada, com a operadora, a multinacional brasileira Vale, citando suas metas climáticas como razão principal.

Da mesma forma, o conselho do FMI sobre a receita das exportações de gás deixou Moçambique com mais problemas depois que a gigante francesa de combustíveis fósseis Total abandonou seu projeto de GNL no início deste ano depois que o local foi atacado por insurgentes na conturbada região de Cabo Delgado.

A assessoria política do FMI também ignorou questões de macroestabilidade relacionadas ao carvão na Indonésia e impulsionou a privatização de seu setor elétrico. O país asiático tem 52 usinas de carvão em fase de pré-construção, ficando atrás apenas da China globalmente. Uma análise de 2.500 usinas de carvão em todo o mundo constatou que 73% das minas de carvão terão perdido seu valor até 2025. Com isso, a Indonésia já está exposta a potenciais passivos de usinas de carvão de propriedade privada: o valor estimado das 12 usinas elétricas a carvão da Indonésia protegidas por acordos internacionais de solução de controvérsias para o investidor pode chegar a US﹩ 7,9 bilhões.