Por Monica Piccinini para o “The Canary”
Desde que os colonizadores europeus pisaram no Brasil , os povos indígenas têm lutado uma batalha implacável para proteger suas terras e preservar seu modo de vida. Séculos de opressão os forçaram a alterar suas culturas, tradições e crenças, mas sua resiliência permanece inquebrável. Hoje, eles ainda sofrem invasões violentas de fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e crime organizado, mantendo suas comunidades presas em uma luta constante pela sobrevivência.
A proteção das terras indígenas do Brasil é crucial para a sobrevivência da floresta amazônica. No entanto, vários projetos – incluindo exploração de petróleo e gás, expansão do agronegócio, criação de gado, produção de biocombustíveis , mineração legal e ilegal , exploração madeireira e crime organizado – ameaçam esse ecossistema vital.
Rodovia BR-319: uma estrada para lugar nenhum para os povos indígenas
A reconstrução da rodovia BR-319 na Amazônia , um dos projetos mais prejudiciais ao meio ambiente do mundo, serve como um catalisador para essas atividades destrutivas. Com 885 km de extensão, a rodovia conecta a capital do Amazonas, Manaus, a Porto Velho, cortando áreas intocadas da floresta tropical. Uma reconstrução proposta de 408 km abriria uma porta de entrada para o desmatamento , crime e exploração corporativa, impactando diretamente mais de 18.000 indígenas.
A Amazônia desempenha um papel crítico na regulação do clima global e na geração de vapor de água que traz chuva para o Brasil através dos “rios voadores”. A reconstrução da BR-319 interromperá esse sistema vital, ameaçando a saúde da região e o equilíbrio ambiental geral.
O desmatamento e a degradação ao longo da BR-319 interromperão os “rios voadores”, o que pode levar a secas devastadoras, escassez de alimentos e água e ao colapso do setor agropecuário brasileiro, incluindo a agricultura familiar, desestabilizando, em última análise, a economia do país.
ONGs sustentam a BR-319 às custas de comunidades indígenas
Territórios indígenas não são meramente terra – eles são lugares vivos, respirantes, ricos em história, cultura e significado. Essas terras guardam o pulsar das tradições, onde comunidades coexistem em um equilíbrio delicado e sagrado com os animais, a água, as florestas e a própria terra. Seu vínculo com a natureza é profundo e sagrado, pois sua própria sobrevivência depende de sua saúde e força. É um vínculo construído com base no respeito e no cuidado, uma promessa de nutrir a terra que os sustenta, garantindo que ela floresça para as gerações futuras.
No entanto, esse vínculo agora está ameaçado. Nas áreas ao redor da rodovia BR-319, lideranças indígenas do Lago Capanã Grande e Baetas têm relatado graves violações de seus direitos e crescentes ameaças devido à degradação de seus territórios e à expansão da rodovia. Houve também uma tentativa alarmante de organizações não governamentais (ONG) de validar o protocolo de consulta com as comunidades.
Essa situação preocupante surgiu durante um evento na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que contou com a participação do Ministério Público Federal, um representante do Ministério do Meio Ambiente, uma ONG e lideranças indígenas. O encontro foi organizado pelo pesquisador Lucas Ferrante e coberto pela Revista Cenarium.
A questão foi mais detalhada no artigo BR-319: Narrativas, Negócios e Poder , publicado pela Revista Cenarium em fevereiro. De acordo com o artigo, a ONG Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) produziu um documento alegando falsamente que a comunidade indígena havia sido consultada e concordado com a reconstrução da rodovia, desde que uma reserva extrativista fosse criada para protegê-los. Chocantemente, a comunidade só soube dessa aprovação depois de assinar o documento.
Rodovia BR-319: uma ‘manipulação de direitos’ e ‘violação’ de terras tradicionais
Em 2020, Ferrante viajou pela rodovia BR-319, entrevistando indígenas e líderes impactados pela estrada. Desde então, suas opiniões sobre os efeitos da rodovia permaneceram consistentes. Um líder indígena do Lago Capanã compartilhou suas preocupações sobre o impacto da rodovia em sua aldeia (seu nome foi omitido para garantir sua segurança):
Gostaria de expressar minha indignação diante de todos em relação ao impacto da rodovia BR-319 nas terras indígenas do Lago Capanã. Isso nos traz problemas, manipulação de direitos, violação de nossas áreas tradicionais, ocupação por grileiros, poluição do nosso rio, destruição da nossa natureza.
E isso está causando grandes problemas no fluxo dos nossos rios. Córregos estão sendo soterrados. Aqui usamos a água do rio. O resultado dessa BR vai virar uma porta aberta para a entrada de criminosos, traficantes, todo tipo de droga, como já existe.
A população indígena vive de alimentos da natureza, a população indígena não vive de gado. Os povos indígenas vivem de objetos tradicionais. Eles vivem da subsistência da natureza e subtraem a natureza para si mesma para sua sobrevivência e protegem sua própria natureza. Eu sou contra essa pavimentação.
A expansão da BR-319 está impulsionando o rápido crescimento do agronegócio na região, particularmente em terras públicas não alocadas. Produtores de soja do Mato Grosso do Sul estão cada vez mais se mudando para Rondônia, comprando terras de pecuaristas que estão então se deslocando para o sul dentro do corredor da BR-319 para plantar soja. Essas terras são frequentemente confiscadas ilegalmente por meio de grilagem de terras, desmatamento ilegal ou despejos violentos de comunidades indígenas e tradicionais.
Essa situação chama a atenção para questões críticas como a Moratória da Soja, especialmente porque há tentativas crescentes de aboli-la, o que pode ter efeitos devastadores sobre o meio ambiente e as comunidades indígenas e tradicionais.
Lobby do agronegócio mira a Moratória da Soja
A Moratória da Soja do Brasil, estabelecida em 2006, é um acordo em que as empresas signatárias se comprometem a não comprar soja cultivada em terras desmatadas na Amazônia após julho de 2008. Este acordo tem sido uma ferramenta vital na luta contra o desmatamento. No entanto, agora ele enfrenta uma ameaça, pois o poderoso lobby do agronegócio do Brasil intensifica os esforços para desmantelá-lo. Como o maior produtor e exportador mundial de soja, as políticas agrícolas do Brasil têm imensas consequências globais.
Em outubro de 2024, o estado do Mato Grosso, principal produtor de soja, promulgou o Projeto de Lei 12.709/2024, efetivamente cortando incentivos fiscais para empresas que aderirem à Moratória da Soja. Em 19 de fevereiro, o presidente da Assembleia Legislativa do Mato Grosso, Max Russi, fez a seguinte declaração:
Estamos todos unidos em defesa de um dos pilares mais importantes da nossa economia: o agronegócio.
No mesmo mês, uma reportagem preocupante da Repórter Brasil revelou que a Cargill, uma das maiores exportadoras de grãos brasileiros, estava sugerindo que iria se distanciar das regras da Moratória da Soja.
Em 11 de março, o ministro da Agricultura do Brasil, Carlos Fávaro, organizou uma reunião com líderes do agronegócio e o ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino, que está supervisionando o caso referente à Moratória da Soja. Entre as figuras-chave estavam Blairo Maggi, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e mentor político de Fávaro, bem como representantes de grandes gigantes agrícolas, como o Grupo Bom Futuro e a Amaggi, a maior trading company agrícola do país.
Preocupações surgem dos papéis e conexões sobrepostos envolvidos. A influência significativa de Maggi tanto na formulação de políticas quanto no agronegócio, juntamente com laços familiares e os interesses adquiridos de Amaggi na Moratória da Soja, levantam questões sobre a imparcialidade dessas discussões.
Fávaro manifestou forte oposição à Moratória da Soja, chamando-a de “discrepante” e “pouco profissional”, e declarou firmemente sua posição:
Tentei demonstrar que a Moratória da Soja também não é constitucional e estou confiante de que o Ministro Dino agirá nesse sentido.
Comunidades indígenas: um mero obstáculo na busca do lucro pelo agronegócio
Se a Moratória da Soja for suspensa, os produtores de soja migrarão para a Amazônia, desencadeando desmatamento desenfreado, degradação ambiental, poluição e violação dos direitos indígenas, incluindo violência e invasão de terras. Isso também pode resultar em um aumento acentuado nas emissões de gases de efeito estufa, levando a consequências sociais e ambientais desastrosas.
Em uma nação onde o agronegócio impulsiona a economia, os territórios indígenas são vistos como obstáculos ao crescimento capitalista implacável. Com o Congresso brasileiro dominado pela poderosa bancada ruralista, os “ruralistas”, há pouca preocupação com os direitos indígenas, pois eles pressionam incansavelmente por leis que atendam a seus próprios interesses. Para eles, a sobrevivência das comunidades indígenas é um mero obstáculo em sua busca por lucro.
O futuro da Amazônia, suas comunidades indígenas e nosso planeta estão em risco. A reconstrução da BR-319 não é apenas uma estrada – é um movimento perigoso que pode destruir séculos de herança e prejudicar o meio ambiente além do reparo. Se o Brasil seguir esse caminho, o dano será permanente, deixando cicatrizes profundas na terra, em seu povo e no mundo.
À medida que o mundo se prepara para a COP30 , a urgência de proteger a Amazônia e seus ecossistemas nunca foi tão clara. As decisões tomadas nesta cúpula terão um impacto profundo na preservação da Amazônia, e devemos garantir que a sustentabilidade, os direitos indígenas e a proteção ambiental ocupem o centro do palco nessas discussões.
Fonte: The Canary


















Latifundiários querem o fim da “moratória da soja” que desde 2006 vem organizando o uso de terras amazônicas para cultivos de soja
Opção preferencial pelos mercados asiáticos para venda da soja produzida na Amazônia aparece como estratégia para escapar dos mecanismos de proteção ambiental