Batista, em entrevista na antiga sede da EBX, diz que nunca teve a intenção de ludibriar os investidores e que não usou informação privilegiada para fazer negócios
Réu em uma ação penal na Justiça Federal do Rio, o empresário Eike Batista decidiu romper o silêncio. Fazia cerca de um ano e meio que ele se mantinha recluso, sem falar sobre a derrocada do grupo EBX. Em pouco mais de meia hora de conversa em seu escritório, na zona sul do Rio, Eike fez sua autodefesa. Disse que nunca teve a intenção de ludibriar nenhum investidor pois colocou todo o seu patrimônio nos projetos do grupo e ofereceu garantias pessoais aos bancos credores. Hoje, depois de um longo processo de reestruturação de dívidas que ainda está em curso, disse ter patrimônio negativo de cerca de US$ 1 bilhão.
Apontado como oitavo homem mais rico do mundo, com patrimônio de US$ 30 bilhões em 2012, segundo a “Forbes”, transformou-se em uma espécie de administrador de ativos que pertencem aos credores: Mubadala (empresa de investimentos de Abu Dhabi), além dos bancos Itaú e Bradesco.
Eike vem trabalhando na criação de valor para os ativos em que ainda tem participação acionária, mas cuja posse está em mãos desses credores. “Ouso dizer que essa [da EBX] vem a ser a maior reestruturação do mundo de um grupo de empresas. Não tem nada igual”, disse. A frase mostra que, apesar da debacle, ele continua a usar superlativos para definir seus negócios.
Ele recebeu o Valor na antiga sede da EBX, no 10º andar de um prédio comercial na Praia do Flamengo, para onde voltou depois de deixar o luxuoso Edifício Serrador, no centro da cidade. Diferentemente do período áureo, quando chegou a ocupar todo o Serrador, um dos prédios mais tradicionais do Rio, o escritório atual é austero e tem poucos funcionários. A sala de Eike tem vista para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar, mas desta vez ele não quis fotos. Vestido de camiseta azul escura, camisa social rosa e terno cinza com listras, com aspecto cansado e mais grisalho, admitiu que a crise afetou “muito” o lado pessoal. “Mas sou um cara que sempre construí minhas coisas do zero”, frisou.
Apesar das dificuldades, ele mostrou-se otimista. Disse acreditar que, ao fim do processo de renegociação das dívidas, terá possibilidade de criar valor e, eventualmente, em um encontro de contas, ainda sobrem ativos para ele. Eike afirmou que a prioridade tem sido pagar todas as dívidas, sem redução de valores, mas com alongamento nos prazos de vencimento. “O cash se foi e os ativos estão penhorados nos bancos. As participações que ainda tenho em algumas empresas são dos bancos, não tenho ativos, porque eles [os ativos] eram meu avais pessoais. As pessoas esquecem disso”, afirmou. Ele disse só ter falado agora, quase dois anos depois do grupo ter sido arrastado pela crise da petroleira OGX, porque precisava de tempo para achar novos sócios. “Eu estava desacreditado,” lamentou.
No começo da entrevista, acompanhado pelo advogado Sergio Bermudes, Eike leu nove tópicos alinhados em duas folhas sob o título: “Fatos”. No documento, ele repetiu ideias que havia exposto em artigo publicado no Valor em julho do ano passado, e apresentou novos argumentos. Disse que sempre acreditou no Brasil e por isso investiu no país. Admitiu que os problemas na antiga OGX, hoje OGPar, contaminaram todo o grupo. Segundo ele, ocorreu uma espécie de fenômeno “darwiniano” [de seleção]. “Criou-se desconfiança que afetou todas as empresas [do grupo], uma espécie de corrida bancária que me forçou a fazer uma megareestruturação buscando novos grandes investidores”.
Eike virou réu na justiça federal depois de investigação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acusar o empresário por manipulação de mercado e negociar ações da OGX com informação privilegiada. A autarquia concluiu que os administradores da petroleira poderiam ter avisado o mercado dez meses antes da inviabilidade da empresa. Antes disso, vendeu ações e, ao mesmo tempo, via Twitter, fez declarações otimistas sobre o futuro da empresa. A CVM abriu 22 processos relacionados às suas empresas, na maioria dos casos devido a problemas na divulgação de informações sobre o grupo.
As declarações no Twitter ele justificou pelo fato de acreditar na companhia. Segundo o empresário, foram relacionadas às parcerias que fechava para participar das rodadas de exploração da Agência Nacional de Petróleo (ANP), além de uma associação com a malaia Petronas. “Sócios relevantes como esses acreditavam na companhia. Por que eu não iria acreditar?”, questionou. Por essas razões disse que recebeu o processo na Justiça com “surpresa”.
O juiz Flavio Roberto de Souza, da 3ª Vara Federal do Rio, determinou na terça-feira bloqueio de ativos financeiros de Eike até o limite de R$ 1,5 bilhão, fruto de denúncia do Ministério Público Federal (MPF) acolhida pela Justiça. O arresto de bens do empresário são para cobrir prejuízos a investidores. Ontem seus advogados disseram que R$ 117 milhões encontrados em suas contas referem-se ao total de cotas de um fundo de investimento em debêntures. No início do ano, em outra ação, Eike teve R$ 120 milhões bloqueados.
“Eu, de petróleo, infelizmente, não entendo. Mas contratei os melhores especialistas e cabia a eles escrever o que achavam e a maneira como se divulgava”, disse. Sobre a demora na declaração de inviabilidade da empresa, disse que não se sabia ao certo o futuro. “Sem o estudo final pronto, que foi divulgado em meados de junho do ano passado, me desculpe, mas não dava para falar. Como vai anunciar um negócio que você não sabe? Você tem que fazer a avaliação técnica, que não estava concluída dez meses antes”, disse o empresário.
A trajetória do grupo e seu relacionamento com a mídia mostra que Eike não teve tanto cuidado com a informação quando divulgava dados e projeções otimistas para seus negócios. Nos processos da CVM, enquanto alega que apenas confiou nos técnicos, esses técnicos afirmam que as divulgações eram infladas pelo excesso de otimismo de Eike. Em sua defesa, disse que sempre acreditou na companhia. Vendeu as ações porque estavam comprometidas com os credores e na quantia exatamente necessária. Os recursos da venda, disse, foram diretamente para o Mubadala. “Se usei informação privilegiada, por que não vendi tudo? Não me beneficiei em nada, continuei com 51% da companhia e serei diluído”, afirma. Disse que se não pagasse os credores naquele momento haveria risco sistêmico que levaria o grupo ao default.
Perguntado se arrependeu-se de ter investido no setor de óleo e gás afirmou: ” É claro que eu me arrependo de ter investido em petróleo. Levou todo o meu patrimônio e todos esses projetos fantásticos. Foi a âncora que me puxou para baixo”, afirmou. Segundo ele, grande parte de seu patrimônio, de R$ 8 bilhões, em 2008, foi para dentro dos negócios do grupo EBX. Essa foi uma riqueza construída a partir da venda de ativos de minério de ferro de Eike, no Brasil, para a Anglo American.
“Eu me calei por um ano e meio para reestruturar essa dívida gigantesca. E existe essa visão de que quem cala, consente”, disse o empresário, referindo-se ao fato de que sabe que a história que fica no mercado é que ele se beneficiou dos negócios, vendeu ações, botou dinheiro no bolso e usou dinheiro público para criar sempre estruturas gigantes e não pagou de volta. O que, de certa forma, considera uma injustiça. “Eu investi todo o meu patrimônio em negócios de infraestrutura para o Brasil. Dei avais pessoais e perdi todo o meu patrimônio. Eu não fugi. Estou aqui honrando meus compromissos. Isso as pessoas não sabem”.
Sentado de frente à tela que mostra o Porto do Açu, no norte do Rio, projeto que sempre foi a sua “joia”, Eike falou sobre seu futuro: “É cedo para falar em novos projetos. Mas sou um brasileiro que não desiste nunca.”