Brasil está preparado para novas ondas de calor em 2024?

País teve em 2023 quase um quinto do ano com altas temperaturas extremas, mas não conta com infraestrutura necessária para lidar com as mudanças climáticas e suas consequências

praia cheiaFoto: Tercio Teixeira/AFP via Getty Images 

Por Nilson Brandão para a Deutsche Welle

Com nove ondas de calor em 2023 e seguindo uma tendência mundial, o Brasil deverá continuar com uma sucessão de altas recordes de temperatura em 2024, segundo especialistas ouvidos pela DW. O grande problema é que a infraestrutura do país não está preparada para isso.

“Entraremos em um ano em que os extremos se tornarão ainda mais frequentes e, em alguns casos, com maior intensidade”, afirma Gilvan Sampaio, coordenador de Ciências da Terra do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Além do calor forte no Sudeste e no Centro-Oeste, devem haver secas de diversas intensidades no Nordeste e chuvas e inundações na região Sul.

Em 2023, o país somou 65 dias de muito calor, o equivalente a quase um quinto do ano (18%), de acordo com dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Entre julho e novembro, foram cinco recordes seguidos de temperatura média. As novas ondas de calor acontecerão já neste verão e ao longo do primeiro semestre de 2024.

Consequências na saúde

Mas o que ondas de calor cada vez mais frequentes podem representar? O impacto pode ser sentido desde a saúde até problemas na natureza.

“O calor extremo tem consequências para as pessoas e sistemas naturais no Brasil. As ondas de calor em 2023 foram acompanhadas de alta umidade relativa, que impacta as pessoas”, explica Yasna Palmeiro, pesquisadora do Lancet Countdown América Latina, citando riscos de desmaios, doenças cardíacas e até morte.

Mulher se refresca jogando água de uma garrafa pet na cabeça

Sensação térmica de aproximou de 60ºC no Rio de Janeiro em novembroFoto: Silvia Izquierdo/AP Photo/picture alliance

Em novembro, a temperatura beirou os 45ºC em Araçuí, no interior de Minas Gerais, e a cidade do Rio de Janeiro registrou a sensação térmica recorde de 58,5ºC.

O calor extremo aumentou o número de atendimentos médicos e atrasou a manutenção da principal estação de tratamento de água.

O atendimento na rede de saúde aumentou em diagnósticos relacionados ao calor, como mal-estar, fadiga, pressão baixa e síncope. Na segunda semana de novembro, a mais quente daquele mês, o movimento foi 51% maior que na segunda semana do mês anterior. A prefeitura abriu 100 pontos de hidratação, acelerou o reflorestamento e o uso de drones semeadores.

Causas do calor extremo

O ano de calor atípico foi motivado por vários fatores. Um deles foi os impactos do fenômeno El Niño, caracterizado pelo aquecimento anormal e persistente da superfície do Oceano Pacífico na região da Linha do Equador.

Para os especialistas, as ondas de calor cada vez mais frequentes também se devem ao aquecimento global.

“Além da elevação da temperatura dos oceanos, outros fatores têm contribuído para a ocorrência de eventos cada vez mais extremos, como o aumento da temperatura global da superfície terrestre por conta do aumento das emissões de gases do efeito estufa“, registra o Inmet.

“Os oceanos geram mais vapor, o que esquenta a atmosfera, e isso intensifica as ondas de calor”, diz a cientista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues.

Homem sem camisa dentro de uma fonte, de costas para o chafariz de uma fonte

Em 2023, Brasil somou 65 dias de muito calorFoto: PILAR OLIVARES/REUTERS

Dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) da ONU mostram que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas em 43% até 2030 (sobre 2019) para limitar o aumento da temperatura a 1,5ºC até fim do século em relação aos níveis pré-industriais e evitar impactos catastróficos como ondas de calor, secas e chuvas mais frequentes e graves.

“O Brasil tem experimentado os efeitos das mudanças climáticas de forma especial por três razões principais: a grande dimensão geográfica, diversos nichos ecológicos naturais e as megacidades”, explica a pesquisadora Yasna Palmeiro, da Lancet Countdown América Latina.

Documento recente do Lancet Countdown para o Brasil elenca os eventos extremos deste ano, como a onda de calor de inverno que afetou grande parte do país, enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul e secas e incêndios florestais recordes na região amazônica.

“Até agora, 2023 foi um ano de extremos meteorológicos no mundo e o Brasil não foi exceção”, prossegue o documento, afirmando que “as alterações climáticas são a maior ameaça à saúde global do século 21”.

Diretora-executiva do Instituto do Clima e Ciência (ICS), Maria Netto explica que a grande novidade é que estes fenômenos estão ocorrendo de forma exacerbada nos últimos cinco anos, com maior frequência e intensidade.

“O Brasil não tinha, historicamente, uma visão muito clara sobre como financiar a adaptação e a resiliência da nossa infraestrutura, da nossa economia a esses eventos climáticos”, afirma Maria Netto.

Despreparo da infraestrutura

A opinião de Netto é compartilhada por todos os especialistas ouvidos pela DW: atualmente, o Brasil não tem a capacidade necessária para lidar com as mudanças climáticas – assim como a maior parte do mundo.

“É muito claro que o país não está preparado para enfrentar o aumento da frequência e intensidade dos eventos climáticos intensos”, destaca o físico Paulo Artaxo, cientista do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU.

Homem sem camisa atira um balde de água na própria cabeça, em uma região muito pobre

Pescador se refresca à beira de um lago, em ManausFoto: BRUNO KELLY/REUTERS

“Não estamos preparados de jeito nenhum para esse tipo de eventos extremos, nem no Brasil, nem no mundo. Mas precisamos nos preparar”, afirmou em um evento recente a secretária nacional de Mudanças Climáticas, Ana Toni.

Para a diretora do ICS, seria necessário uma política integral e análise profunda com formas de promover maior resiliência e resposta aos eventos climáticos. 

“Carecemos de instrumentos financeiros, análise paramétrica de riscos análise fiscal mais profunda sobre custos econômicos que resultem em mecanismos ágeis de compartilhamento de riscos e respostas rápidas aos eventos do clima”, destaca.

O que o Brasil já está fazendo

Netto pondera, entretanto, que o governo está ciente do problema e que já existem estudos setoriais para promover a adaptação, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

“Será fundamental priorizar de forma integrada a necessidade de um plano de adaptação nacional e planos subnacionais que possam impulsionar melhores adaptação, prevenção, resiliência, gestão de riscos e mecanismos de resposta rápida”, explica.

Toni ressalta que os efeitos das alterações climáticas estão chegando mais rápido que o previsto. Segundo Toni, na perspectiva do governo federal, o Comitê Interministerial de Mudança do Clima (CIM) decidiu fazer pelo menos 14 planos de adaptação em diversas áreas, como energia, agricultura, cidades e transporte.

Além do planejamento, maior inclusão de critérios de riscos climáticos e ações operacionais, os especialistas reforçam a necessidade de combater a evolução do efeito estufa.

“As soluções para resolver o problema a gente sabe: acabar com os combustíveis fósseis e com o desmatamento tropical. Parece simples, mas envolve o reordenamento completo da economia mundial”, destaca o coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima, Claudio Angelo.

E os eventos extremos não são uma preocupação apenas dos especialistas: as mudanças climáticas e ameaças ao meio ambiente são motivo de medo para 32% dos entrevistados na seção Brasil da pesquisa O que Preocupa o Mundo, realizada pelo do Instituto Ipsos em outubro – índice bem acima dos 20% registrados na pesquisa anterior.

“É inegável que o brasileiro tem sentido na pele os reflexos destes problemas”, diz o CEO do Ipsos Brasil, Marcos Caliari.


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Este texto foi originalmente publicado pela Deutsche Welle [Aqui!].

BHP, a maior empresa de mineração do mundo está ficando mais verde – por que isso não é uma boa notícia, afinal

O Grupo BHP está se desfazendo de seus negócios de petróleo e gás. Qualquer pessoa que considere isso uma vitória de etapa importante para o clima provavelmente estará enganada

bhp 0Na Austrália, ainda existe uma forte dependência de combustíveis fósseis – na foto, o projeto de gás North West Shelf na península de Burrup, no qual a BHP e a Woodside estão envolvidas. Daniel Munoz / Reuters

Por Michael Schäfer para o Neue Zürcher Zeitung

O relatório recentemente publicado pelo Conselho do Clima da ONU mais uma vez ressaltou a urgência de intensificar os esforços para combater as mudanças climáticas. Entre outras coisas, uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa é imperativa. Quanto mais cedo a queima de óleo, gás e carvão terminar, melhor. A manchete a ser lida no início da semana de que a maior mineradora do mundo, a australiana BHP, sairia do negócio de petróleo e gás, foi saudada em muitos lugares como um passo na direção certa.

Um efeito positivo é mais fácil de prometer do que de ser percebido

O jornal “Environmental Finance”, por exemplo, suspeitou por correspondência de que a classificação de sustentabilidade da BHP iria melhorar. Ao contrário de alguns anos atrás, isso é tudo menos uma observação lateral, porque cada vez mais gestores de fundos e gestores de ativos estão prestando atenção a figuras-chave ESG (ESG significa meio ambiente, assuntos sociais e boa governança corporativa). As ações da BHP inicialmente reagiram com ganhos de preço em Londres, para os quais essas considerações provavelmente também contribuíram.

A euforia inicial já evaporou

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Fonte: Bloomberg. NZZ / msf.

O ajuste estratégico na mineradora australiana terá ajudado aqueles que acreditam que os investidores precisam apenas exercer pressão suficiente sobre as empresas “sujas” para dar sua contribuição na luta contra as mudanças climáticas. Empresas de fundos e bancos estão cada vez mais inspirados por essa ideia. As chamadas estratégias de impacto, que, para simplificar, deveriam contribuir para um mundo melhor, estão surgindo como cogumelos.

Provavelmente, um ou outro gestor de ativos já escreveu uma história de sucesso para o relatório anual em que dá conta de suas atividades de engajamento. Essas atividades são entendidas como esforços para estimular as empresas a se comportarem melhor do ponto de vista ecológico ou social por meio do diálogo.

Nenhuma perspectiva de menos emissões de CO2

Alguns gestores de ativos também esfregaram as mãos em antecipação, porque previram que a intensidade de CO2 das carteiras em que as ações da BHP estão representadas diminuirá no futuro . Este número é frequentemente usado como um indicador dos danos climáticos das empresas nas quais se investiu. Ao mesmo tempo, serve como um parâmetro para o risco financeiro que as empresas assumem se as emissões de CO2 receberem um preço significativo ou se tornarem mais caras. Mas isso pode realmente ser um grande sucesso?

A realidade parece diferente e deve ser avaliada de forma diferente dependendo da perspectiva. Do ponto de vista climático e ambiental, a euforia se justificaria se a BHP se abstivesse de explorar suas reservas de óleo e gás para fins de geração de energia e declarasse as áreas como reservas naturais. Nesse caso, a BHP teria que dar baixa dos depósitos caros da contabilidade, e o preço da ação teria reagido de forma diferente.

Mas é claro que não é o caso: a BHP quer se despedir das atividades mencionadas, mas elas serão trazidas para a empresa australiana de energia Woodside Petroleum. De acordo com o chefe da BHP, Mike Henry, isso criará uma organização com tamanho, habilidades e expertise que podem atender melhor à demanda global por petróleo e gás natural. Isso não parece um grande passo em direção a um mundo livre de CO2.

Os investidores podem gerenciar melhor os riscos climáticos em seu portfólio

Embora isso torne a BHP uma empresa mais verde por enquanto, isso significa que não menos petróleo e gás natural serão extraídos e queimados no futuro. Para os acionistas da BHP, o risco climático também não diminuiu no início. Você receberá ações recém-emitidas da Woodside e, a partir daí, deterá um total de 48% na empresa de energia.

Enquanto o preço das ações da BHP sofrerá menos com qualquer aumento no preço do CO2 no futuro , as da Woodside serão ainda mais afetadas. Se certos depósitos de petróleo e gás ameaçarem perder valor drasticamente e se tornarem ativos perdidos porque não podem mais ser explorados com lucro, isso teria um impacto mais forte.

Afinal, os acionistas da BHP terão no futuro a opção de aceitar conscientemente esses riscos e permanecer investidos na Woodside ou vender suas ações em favor de ações “mais verdes” da BHP ou papéis de outras empresas. O resultado final é que você pode gerenciar melhor o risco climático em seu portfólio.

Um jogo de soma zero na melhor das hipóteses

Por outro lado, a situação provavelmente não melhorou em nada para as empresas de fundos e gestores de ativos que desejam usar os fundos que lhes foram confiados para ajudar a garantir que a transição para um mundo neutro em CO2 ocorra mais rapidamente. As chances de obter um efeito perceptível aqui diminuíram para eles.

Embora a BHP tenha se livrado do problema com elegância, há muito mais em jogo para a Woodside no futuro. Os investidores de impacto precisam se preparar para um caminho mais longo e rochoso. Do ponto de vista do clima, pode-se, na melhor das hipóteses, falar de um jogo de soma zero a partir de hoje.

E dois dias após o anúncio da transação, os acionistas também estão em pior situação: tanto as ações da BHP quanto as da Woodside estão claramente abaixo do nível de segunda-feira.

Perdas na taxa de câmbio na futura maior empresa de petróleo e gás

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