Nature publica estudo que revela aumento de mortalidade após uso de hidroxicloroquina na COVID-19

Doctor holding Chloroquine Phosphate drug

Por Isabel Cristina Melo Mendes para o Portal PEBMEDApesar de inicialmente terem sido vistos com grande entusiasmo como potencial terapia para infecção pelo SARS-CoV-2, causador da COVID-19, os antimaláricos cloroquina e hidroxicloroquina não mostraram benefício na maior parte dos estudos em que foram avaliados.

Grandes ensaios clínicos, como o RECOVERY e o SOLIDARITY, suspenderam o uso desses medicamentos em suas avaliações após a análise dos dados ter demonstrado ausência de benefício em desfechos clínicos importantes como mortalidade. Estudos investigando seu uso profilático também falharam em demonstrar eficácia.

Entretanto, com o grande número de trabalhos envolvendo COVID-19 sendo publicado a cada dia, muitas vezes heterogêneos e de qualidades metodológicas diferentes, resultados conflitantes podem aparecer. Nesse contexto, revisões sistemáticas e meta-análises são desenhos de estudo que permitem uma melhor avaliação global das evidências publicadas até o momento. Uma publicação da Nature traz uma meta-análise de ensaios clínicos randomizados sobre o efeito de cloroquina ou hidroxicloroquina na mortalidade por COVID-19

Materiais e métodos

Trata-se de uma meta-análise colaborativa, focada em mortalidade por todas as causas. Eram elegíveis todos os trabalhos em que indivíduos com casos suspeitos ou confirmados de COVID-19 foram randomizados para receber um tratamento contendo hidroxicloroquina ou cloroquina ou placebo/tratamento padrão. Estudos em que os antimaláricos foram comparados com outro potencial tratamento foram excluídos. Não houve restrição em relação a esquema posológico, tempo de seguimento, língua, região geográfica, local de atendimento (ambulatorial ou intra-hospitalar) ou se o estudo já havia sido concluído ou se estava em andamento.

Ensaios clínicos que preenchessem os critérios de inclusão foram pesquisados nas plataformas ClinicalTrials.gov e WHO International Clinical Trials Registry Plataform (ICTRP), assim como nos registros de ensaios clínicos de COVID-19 do PubMed e Cochrane. Os pesquisadores principais dos estudos considerados elegíveis foram contactados por e-mail e convidados a confirmar os critérios de inclusão e informar dados agregados de mortalidade em cada braço.

A busca dos autores encontrou 146 ensaios clínicos randomizados investigando cloroquina ou hidroxicloroquina como tratamento contra COVID-19 , sendo 83 considerados potencialmente elegíveis. Destes, os autores de 47 responderam ao e-mail de convocação, resultando, após verificação dos critérios, na inclusão de 28 trabalhos: 14 ainda não publicados, 9 publicados e 5 publicados como preprint.

Hidroxicloroquina foi avaliada em 26 estudos e cloroquina em 4, compreendendo análise de 10.012 e 307 pacientes, respectivamente. A mediana do tamanho da amostra foi de 95 (IQR 28 -282) para os estudos com hidroxicloroquina e 42 (IQR 29 – 95) para os estudos com cloroquina. A maioria (79%) dos estudos foi conduzida no ambiente intra-hospitalar.

Em relação à hidroxicloroquina, 606 de 4.316 (14%) dos pacientes tratados com a droga morreram, comparados com 960 de 5.696 (16,9%) dos pacientes no grupo controle, o que resultou, na meta-análise, de uma OR de 1,11 favorecendo o grupo controle (IC 95% 1,02 – 1,20; p = 0,02). Em 12 trabalhos, não houve mortes em nenhum dos braços. Quando somente estudos publicados foram avaliados, houve um pequeno aumento de mortalidade entre os pacientes tratados, com uma OR de 1,12 (IC 95% 1,08 – 1,16), o que não aconteceu entre os artigos não publicados.

Já para a cloroquina, 18 de 160 pacientes tratados (11%) morreram, enquanto foram encontradas 12 mortes em 147 pacientes nos grupos controle (8%). A OR combinada foi de 1,77 (IC 95% 0,15 – 21,13; p = 0,21). Em 2 estudos, não houve mortes em nenhum dos braços.

Subanálises não mostraram diferença nos resultados em relação ao local de atendimento (ambulatorial, enfermaria ou CTI), confirmação do diagnóstico, tipo de controle utilizado (placebo e tratamento padrão ou somente tratamento padrão), status de publicação ou dose utilizada. A heterogeneidade entre os estudos foi considerada baixa.

Os resultados mostram que não houve benefício em redução de mortalidade em pacientes com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 com o uso de cloroquina e que o uso de hidroxicloroquina esteve associado a maior mortalidade no braço que recebeu medicação.

Diversas diretrizes internacionais recomendam contra o uso de hidroxicloroquina e cloroquina, como sumarizado abaixo:

Sociedade Última revisão Recomendação Força da recomendação Qualidade de evidência
OMS Março de 2021 Recomenda contra o uso de hidroxicloroquina/cloroquina, independente da gravidade dos sintomas Forte recomendação Moderada
IDSA Abril de 2021 Recomenda contra o uso de hidroxicloroquina/cloroquina Forte recomendação Moderada
NIH Fevereiro de 2021 Recomenda contra o uso de hidroxicloroquina/cloroquina, com ou sem azitromicina Forte recomendação Alta

Mensagens práticas

  • O uso de cloroquina não esteve associado a diminuição de mortalidade e hidroxicloroquina esteve associada ao aumento de mortalidade em pacientes com COVID-19 suspeito ou confirmado, evidenciando dano com o uso dessa medicação.
  • Atualmente, as principais diretrizes internacionais recomendam contra o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para tratamento de Covid-19.

Referências bibliográficas:

Isabel Cristina Melo Mendes é Infectologista pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (UFRJ) ⦁ Graduação em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro

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Este texto foi originalmente publicado pelo Portal PEBMED [Aqui!].

Artigo na Nature mostra ciência brasileira na encruzilhada da PEC 241

Em um artigo publicada na respeitada revista científica Nature, o assessor de comunicação da organização não-governamental Observatório do Clima, Cláudio Angelo, traça um cenário angustiante para o futuro da ciência brasileira sob o espectro da vigência da chamada PEC 241 (Aqui!).

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Como bem mostra Cláudio Angelo, a PEC 241 irá agravar um encolhimento orçamentário que já vinha ocorrendo ao longo dos últimos 4 anos, ainda sob o governo de Dilma Rousseff, mas que foi agravado pelo desmantelamento imposto no Ministério de Ciência e Tecnologia e sua incorporação por baixo no frankenstein intitulado de “Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações” sob o comando de preparadíssimo Gilberto Kassab (ver figura abaixo). 

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Mas o mais grave é que se o orçamento destinado à pesquisa científica for congelado nos níveis baixos em que se encontra, o provável é que o Brasil passe por um processo de descontinuidade de projetos vitais em muitas áreas sensíveis, implicando no desmantelamento de grupos de pesquisas e, consequentemente, um recuo grave na consolidação de áreas emergentes da ciência brasileira.

Um aspecto importante que me parece ser necessário apontar é que a imensa maioria dos pesquisadores brasileiros continua tocando as suas pesquisas em condições cada vez mais precárias como se isso fosse prova de algum tipo de demonstração de imunidade à crise. Pior ainda são alguns setores que apostam na disposição das corporações privadas de entrar com recursos para suplementar a lacuna cada vez maior do que não está sendo fornecido pelo estado. Somados esses dois comportamentos talvez se entenda porque os protestos contra o desmantelamento da ciência nacional que a PEC 241 irá inevitavelmente causar são ainda tão localizados. Mas, sinceramente, de alguns setores não se pode esperar nada mais do que adesismo puro simples.

Para mim esse comportamento do governo “de facto” de Michel Temer é completamente coerente com a proposta de inserção completamente dependente do Brasil à ordem econômica mundial que é comandada pelos grandes bancos internacionais. Para quem deseja que o Brasil viva cada vez mais dependente do rentismo, não faz mesmo sentido apoiar o desenvolvimento da ciência nacional. O negócio de Michel Temer et caterva é adquirir pacotes tecnológicos prontos, e o conhecimento autóctone que se dane.

Resta saber o que farão os cientistas brasileiros frente à essa ameaça de desconstrução que vem no bojo da aprovação da PEC 241. Mas é importante notar que a hora de reagir é agora. Depois talvez apenas reste o caminho do aeroporto para quem desejar continuar fazendo ciência de alto nível.

Em carta à editores da Nature, Jeffrey Beall conclama ação coletiva contra os jornais de trash science

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Em uma dura carta publicada nesta 5a. feira (16/06) (ver imagem abaixo) na seção “Letter to the editor” de uma das principais revistas do mundo, a Nature, o professor Jeffrey Beall da University of Colorado-Denver demanda uma ação clara contra as revistas que publicam “trash science” (que ele chama de predatórias) (Aqui!).

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Em linhas gerais, o que Jeffrey Beall aponta é que as revistas predatórias estão ameaçando a credibilidade da ciência ao fingir ou negligenciar a realização de uma séria revisão de suas publicações por outros cientistas que não os autores (o chamado processo de peer review).   Beall aponta em sua carta que, ao ignorar a avaliação rigorosa por pares, as revistas predatórias estão poluindo a literatura científica com informações periféricas ou mesmo com simplesmente lixo científico.

Mas em sua carta aos editores da Nature, o prof. Beall vai além da mera denúncia quando insta as instituições de ensino superior a que parem de utilizar o número de artigos científicos publicados como uma medida de desempenho acadêmico. Além disso, Beall argumenta que pesquisadores e revistas científicas sérias não deveriam mais citar artigos oriundos de revistas envolvidas na publicação de “trash science“, e bibliotecas de universidades deveriam excluir as revistas científicas de suas bases de metadados. 

Entretanto, Jeffrey Beall também cobra ações claras de empresas que ofereçam serviços à editoras científicas no sentido de que parem de se relacionar com revistas de “trash science“.  As cobranças de Beall pela eliminação de editoras e revistas predatórias envolvidas na publicação de “trash science” atingem até gigantes do setor de referenciamento como a Scopus, a Web of Science da Thomson Reuters, e o US National Center for Biotechnology Information.

Uma cobrança final do prof. Beall é dirigida aos defensores das publicações de acesso aberto. Para Beall, esses defensores deveriam parar de fingir que o modelo de acesso aberto baseado na regra de ouro do “autor paga, revista publica” está totalmente livre de sérios problemas estruturais de longa duração.

Como alguém que vem acompanhando a questão dos impactos do “trash science“, penso que o prof. Jeffrey Beall está prestando um grande serviço à ciência mundial, e em especial à de países como o Brasil, onde a construção de uma vigorosa comunidade científica ainda está engatinhando. Particularmente ara mim, a ditadura oficializada da quantidade sobre a qualidade serve apenas para a criação de uma casta de tigres de papel cuja serventia ao avanço da ciência é basicamente nenhuma. Além disso, a negligência em rejeitar a premiação de autores “trash science” está criando sérias distorções não apenas na distribuição de verbas públicas para a pesquisa científica, mas também a realização de concursos públicos para professores nas universidades públicas. Com isso, o que temos é a possibilidade de um gigantesco salto para o passado que já está causando graves danos à ciência brasileira.

Lamentavelmente no caso brasileiro esse importante alerta do prof. Jeffrey Beall chega num momento de desarranjo da sistema científico nacional como resultado da dissolução do Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Em função disso, é bem provável que as medidas cirúrgicas que Beall sugere caiam em ouvidos completamente surdos.  Os pesquisadores brasileiros que vem turbinando seus CVs Lattes com lixo científico agradecem!