Science: 90% das metas Net Zero carecem de credibilidade e colocam mundo em risco

net zero

Um artigo publicado na Science mostra que as políticas climáticas nacionais atualmente em vigor ficam aquém das promessas feitas, abrindo a possibilidade de que as metas globais não sejam atingidas por uma grande margem.

A equipe, que inclui pesquisadores do Brasil, Reino Unido, Áustria, EUA, Holanda e Alemanha, avaliou a credibilidade das promessas de emissões zero líquidas e das metas de longo prazo de vários países e descobriu que “cerca de 90% delas têm “pouca” ou “muito pouca” confiança de concretização”. O grupo avaliou 35 metas líquidas zero, abrangendo todos os países com mais de 0,1% das atuais emissões globais de gases de efeito estufa.

Por exemplo, a NDC (como são chamadas as metas sob o Acordo de Paris) do Brasil, submetida à ONU em abril de 2022, contém uma indicação para Net Zero no meio deste século, isto é, zerar as emissões até esta época. Os cientistas observaram, entretanto, que a medida sequer foi aprovada no Senado e que nenhuma política foi criada até o momento para apoiar a promessa brasileira de emissões zero líquidas.

“Mais de 90% das estratégias avaliadas no nosso estudo não cumprem com os critérios necessários, e apenas três das estratégias avaliadas são verossímeis e fundamentadas”, disse Joana Portugal-Pereira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e uma das autoras do artigo.

Se pensarmos que apenas as estratégias avaliadas serão cumpridas, o mundo poderia atingir um nível de aquecimento global de 2,4C ou mesmo 3C até ao final do século, comparativamente com o período pré-industrial”, explica a professora, ressaltando a insuficiência das metas brasileiras. “As estratégias brasileiras, tanto a NDC como as estratégias de longo prazo, não cumprem os critérios de ambição nem de transparência.”

Os Emirados Árabes Unidos, que sediarão a COP28 no final deste ano, ficaram na parte inferior da escala, na categoria de confiança “muito inferior”. Sua meta de emissões líquidas zero até 2050 não é legalmente obrigatória, nenhum plano de política foi publicado para ela, não há indicação de reduções de emissões no curto prazo e não está claro quais gases de efeito estufa ela abrange, descreveram os pesquisadores.

“Uma questão fundamental é se podemos acreditar que os países cumprirão os compromissos que assumiram”, indagam os pesquisadores no texto.

“Ao avaliar as características da política das metas de emissões zero líquidas dos países, podemos atribuir classificações de credibilidade às metas e, em seguida, estimar como as emissões de gases de efeito estufa e a temperatura são diferenciadas pela nossa confiança nas metas. Quando consideramos a credibilidade das atuais promessas climáticas, nossa avaliação mostra que o mundo ainda está longe de proporcionar um futuro climático seguro”, diz o texto.

O autor principal da pesquisa, Joeri Rogelj, diretor de pesquisa do Instituto Grantham para Mudanças Climáticas e Meio Ambiente do Imperial College London, no Reino Unido, explica que a ação climática neste momento exige sair do estágio de fazer promessas ambiciosas para demonstrar que pode cumpri-las.

“Nossa análise mostra que a maioria dos países não oferece muita confiança de que cumprirá seus compromissos. O mundo ainda está em um caminho climático de alto risco, e estamos longe de proporcionar um futuro climático seguro”, afirma Rogelj.

A coautora Robin Lamboll, do Centro de Política Ambiental do Imperial College London, acrescenta: “Tornar as metas legalmente obrigatórias é fundamental para garantir a adoção de planos de longo prazo. Precisamos ver uma legislação concreta para confiar que as promessas resultarão em ação.”

Observatório do Clima avisou em 2016 sobre “pedalada” na meta climática do Brasil

Pedido de ajuste na NDC para 57% à luz de novo inventário consta de análise do SEEG de quatro anos atrás

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Painel sobre os desafios do NDC no Brasil

DO OC – O governo (Bolsonaro) não pode alegar surpresa por ter sido excluído da Cúpula de Ambição Climática ao apresentar uma meta no Acordo de Paris que permitirá ao Brasil aumentar suas emissões. O Observatório do Clima já alertava para o problema contábil na chamada  Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Brasil desde 2016.

Na quarta edição do SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), que fez naquele ano a primeira análise da NDC (então INDC) brasileira, o OC notou que a meta de 37% e a meta indicativa de 43% precisariam ser ajustadas de forma a ficarem compatíveis com a contabilidade mais recente de emissões.

Isso porque em 2016 o Brasil publicou um novo inventário nacional de gases de efeito estufa, que elevou as emissões do país em 2005.

O alerta foi feito no seminário de lançamento do SEEG, em outubro de 2016, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, com presença de técnicos do governo federal. Na síntese do relatório analítico do SEEG, publicado em 2017, o aviso foi repetido:

“A referência para a INDC foram os dados do Segundo Inventário. Quando foi publicada a Terceira Comunicação Nacional do Brasil à UNFCCC, com os dados do Terceiro inventário (abril de 2016), houve uma revisão dos dados de emissão em toda a série histórica; especificamente em 2005, as emissões subiram para 2,8 GtCO2e (GWP-100; IPCC AR5), 25% maiores que as emissões conforme o Segundo Inventário.”

“Essa alteração foi resultado da evolução na metodologia de cálculo das emissões e remoções por mudança de uso da terra e florestas. Como a meta da INDC estava expressa primeiro em redução percentual em relação às emissões de 2005 e depois eram expressas na nota explicativa (anexada à INDC ‘apenas para informação’) em valores absolutos de emissões em 2025 e 2030, o OC defendeu um ajuste na NDC à luz dos novos dados.”

“Ao tomar como base as emissões totais de 2005 contidas no Terceiro Inventário, a meta de redução de emissões expressa em porcentagem faria com que a emissão projetada para 2030 fosse 400 MtC2Oe maior que o indicado na INDC (1.617 milhões contra 1.216 milhões de toneladas), o que representa quase 1% das emissões globais. Caso sejam mantidos os limites absolutos das emissões em 1.216 MtCO2e, a porcentagem de redução em 2030 fica em 57%, o que é certamente mais ambicioso.”

O relatório-síntese, com todos os cálculos e todas as tabelas, pode ser baixado aqui.

fecho

Este texto foi originalmente publicado pelo Observatório do Clima [Aqui!].