Siga a trilha do dinheiro público e verás a verdade: o Brasil caminha de volta para o passado

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Conheço diversas pessoas que acreditam piamente no fato de que o simples retorno do ex-presidente Lula à cadeira presidencial irá levantar o Brasil do pântano em que se encontra neste momento, em uma espécie de reedição das fábulas contadas pelo Barão de Von Munchausen, que seria como base para um livro que considero excelente escrito pelo teórico marxista Michel Löwy que se intitula “As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Von Munchausen“.

A verdade, entretanto, é um pouco mais complexa do que os anseios de mudanças rápidas que embalam a decisão de votar em Lula já no primeiro turno para “derrotar o fascismo”.  A figura abaixo ilustra bem as dificuldades que serão encontradas por qualquer que suceda o presidente Jair Bolsonaro, pois mostra que as políticas ultraneoliberais executadas pelo seu ministro da Fazenda, Paulo Guedes, atingiram o setor industrial brasileiro em cheio, simplesmente por concentrar investimentos no latifúndio agro-exportador (a.k.a. agronegócio)

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A questão é que essa aposta no latifúndio agro-exportador não é uma criação da dupla Bolsonaro/Guedes, mas vem sendo meticulosamente aplicada, a despeito de quem foi o presidente, desde que o hoje bolsonarista Fernando Collor iniciou o desmantelamento das políticas desenvolvimentistas herdadas do regime militar de 1964 que, por sua vez, as buscaram das reformas iniciadas no primeiro governo de Getúlio Vargas.

O que mais fica evidente é que após o golpe parlamentar executado contra a presidente Dilma Roussef, ao menos no âmbito do BNDES, a opção preferencial tem sido financiar o latifúndio agro-exportador, o que explica não apenas o avanço do processo de destruição dos biomas florestais amazônicos, o uso abusivo de agrotóxicos perigosos e de trabalho escravo; mas também a crise de empregos que o Brasil vive hoje, na medida em que as áreas de produção de commodities empregam pouca gente, o que aumenta o desemprego estrutural, já que o setor de serviços não possui capacidade para assimilar todos os que procuram emprego no país neste momento.

Desta forma, ao contrário do que se pode imaginar inicialmente, a ação mais radical que o próximo presidente poderá tomar não vai ser em áreas que se tradicionalmente espera, como no caso de uma ampla reforma agrária, mas nas opções de uso dos financiamentos públicos. É que está demonstrado pelos dados do BNDES que não será fácil operar um giro nos investimentos públicos, hoje priorizando a produção de commodities agrícolas, para retomar uma política industrial que dê a devida dinâmica à economia brasileira para, pelo menos, estancarmos a volta para o Século XVI que estamos vivendo neste momento.

 

Anunciando minicurso sobre “Desregulação Neoliberal, autoritarismo e injustiça ambiental”

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Nos meses de abril, maio e junho o GT ECOlutas, integrante da Rede de Pesquisadores em Geografia (Socio)Ambiental, vai realizar o minicurso:  “Desregulação neoliberal, autoritarismo e injustiça ambiental: como o desmantelamento de Políticas Públicas e da Legislação Ambientais afeta a vida, a saúde e a dignidade da população*.

Cronograma

Abertura: 28/04, 19h 

Zonas de sacrifício e Injustiça Ambiental
– Marcelo Lopes de Souza (Professor/UFRJ) e Thiago Roniere Tavares (Doutorando/UFRJ)

Aula 1: 05/05, 19h

Desastres ambientais: ontem, hoje e amanhã novamente?

– Nathalia Carvalho (Doutoranda/UFRJ) e Guilherme Garcia de Oliveira (Professor/UFRGS Litoral)

• Aula 2: 12/05, 19h

Territórios Indígenas: R-Existências e “Marco Temporal”

– Rafael Zilio (Professor/UFOPA, Dilermando Cattaneo (Professor/UFRGS) e Cacica Culung Teie (Retomada Xokleng de São Francisco de Paula)

• Aula 3: 16/05, 19h (Segunda-feira)

Água: narrativas sobre escassez e abundância

 – Wagner Costa Ribeiro (Professor/USP), Adriana Filgueira Leite (Professora UFF/Campos) e Anderson Camargo Rodrigues Brito (Fórum Popular das Águas do Cariri-CE)

• Aula 4: 26/05, 19h

Neoextrativismo: mineração e destruição no Sul Global

– Fabiano Bringel (Professor/UEPA), Klemens Laschefski (Professor/UFMG) e Charles Trocate (MAM)

• Aula 5: 02/06, 19h

Agrotóxicos no Brasil: (Ab)usos e conflitos

– Luciano Candiotto (Professor/UNIOESTE), Shaiane Gaboardi (Professora IFC/Ibirama), Marcos Pedlowski (Professor/UENF) e Alan Tygel (Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida)

Encerramento: 09/06, 19h

Oficina: Elaboração de documentos (carta, relatório…); Pautas para pesquisa colaborativa entre geógrafa(o)s e movimentos sociais

Inscrições: 25/03 até 09/04

https://abre.ai/ecolutasinscricoes

Confirmação: 17/04

Prioridade para inscrição: ativistas/movimentos sociais; professores da rede; estudantes.

Contatos: ecolutas@gmail.com

A exploração do comum: como voluntários ajudam o capitalismo durante as crises

Trabalho grátis é urgentemente necessário. As sociólogas Silke van Dyk e Tine Haubner mostram em seu estudo “Capitalismo Comunitário” como os voluntários ajudam o capitalismo durante as crises. Uma contribuição para o Dia Internacional do Voluntário

hamburog limpaNossa vila deveria ficar mais bonita: o que o estado salva, os cidadãos fazem-o movimento “Hamburgo limpa” após a cúpula do G20 na cidade hanseática. Foto: IMAGO IMAGES / MANNGOLD

Por Claudia Pinl para o Neues Deutschland

Pouco antes de Papai Noel receber presentes no Palácio de Bellevue: Em 3 de dezembro, o Presidente Federal distribuiu ordens de mérito para “trabalho voluntário para o bem da comunidade”. A ocasião é o dia do cargo honorário proclamado pelas Nações Unidas em 1985, que é celebrado na Alemanha todos os anos em 5 de dezembro, juntamente com vários dias locais de voluntariado nas “Semanas de Compromisso Cívico”. Este ano, serão homenageados 15 cidadãos que defendem os refugiados, e a integração e a igualdade de oportunidades para os imigrantes. Em uma democracia, o envolvimento da sociedade civil é indispensável; Precisa da participação ativa de tantos quanto possível no que está acontecendo ao nosso redor, no bairro, na cidade, no campo, também além de eleições e votações. Depois do desastre da enchente neste verão, há motivos particularmente bons para estarmos felizes com as muitas pessoas que removeram os escombros no Vale do Ahr e em outros lugares, distribuíram alimentos ou levaram os vizinhos que ficaram desabrigados.

Trabalho voluntário e um “estado enxuto”

A “cultura de reconhecimento” em torno do voluntariado tem muito mais a ver com recompensar a ajuda espontânea ou o compromisso político. Desde o » estado enxuto“ da década de 1980, sob a bandeira do neoliberalismo, foram dados aos ricos presentes fiscais e pressionou os pobres ao diluir a previdência social. Foi quando começou a era da “política de engajamento” do estado, agora controlada centralmente pelo Ministério Federal da Família, apoiada por uma densa rede de agências de voluntariado, fundações, academias de voluntariado e organizações implementadoras, como ajuda aos sem-teto, “ônibus cidadãos” , assistência com a lição de casa, “placas” ou centros de saúde dirigidos por voluntários em que pessoas sem certificado de saúde são tratadas.

Em seu estudo recentemente publicado »Community Capitalism«, as sociólogas Jena Silke van Dyk e Tine Haubner explicam essa história de sucesso na política de engajamento. De acordo com elas, o apelo por “ajuda caritativa dos cidadãos uns para os outros” é ouvido principalmente porque aparentemente representa o contraprograma da filosofia neoliberal do indivíduo como um “I-AG” egocêntrico, e, portanto, é compatível com a alternativa de conceitos sociais que se baseiam no sistema econômico da lógica de mercado e monetária sob o lema “Viva diferente, trabalhe diferente”.  Ou seja, colocar o cuidado sobre e com as pessoas no centro das considerações da reforma social: só uma “sociedade de cuidados” baseada na cooperação e na comunidade pode criar a solidariedade necessária para enfrentar as crises do presente, a partir do cuidado emergência para superar a mudança climática global.

Haubner e van Dyk traçam como o capitalismo de crise consegue transformar essas e outras idéias semelhantes de uma nova comunidade cooperativa em um instrumento central de controle. Comunidades de todos os tipos, tradicionais ou recém-criadas, são usadas como ajudas de bairro, recursos de cuidado, »distrito mães «, órgãos de fiscalização para crianças ou refugiados podem ser usados gratuitamente ou a baixo custo. O termo “comunidades de cuidado” inclui paróquias de igrejas, conselhos de refugiados ou clubes esportivos como atores não remunerados no trabalho de bairro ou no cuidado de idosos.

Comunidade versus individualismo

A política de engajamento opera com um conceito de “comunidade” indefinido em termos de conteúdo. Diferentes meios políticos podem entender os laços sociais voluntários como mundos opostos a – opcionalmente – mercado, estado ou família. Para alguns, “comunidade” se opõe ao frio do capitalismo; para outros, significa a reavaliação da família tradicional ou a liberdade da regulamentação estatal. É assim que a  sociedade civil pode estar ligado a quase todo o espectro político, ignoram-se as abordagens socialmente críticas, como a investigação sobre o trabalho assistencial. O anseio por segurança é ainda mais colocado a serviço do trabalho livre e “o capitalismo consegue mais uma vez se reorganizar com sucesso através de seus efeitos de crise”, escrevem Haubner e van Dyk.

Os autores veem o “capitalismo comunitário” não apenas no mundo analógico de atendimento direto, atendimento e trabalho de vizinhança em funcionamento, mas também em comunidades digitais. Um exemplo é a plataforma de bairro Nebenan.de, que tem 1,7 milhão de usuários cadastrados que, segundo a operadora, veem o bairro como um lugar “onde os grandes desafios da sociedade podem ser resolvidos em pequena escala”. A Internet, portanto, cria mais oportunidades para conectar a oferta e a demanda por trabalho não remunerado no mundo analógico.

Mas também cria novas formas puramente digitais de trabalho gratuito, serviços que são fornecidos pelos chamados »prosumers«. Trata-se da atividade simultânea de consumo e produção de usuários que utilizam plataformas como Tripadvisor ou Komoot, tanto para obter informações quanto para assumir trabalhos por meio de relatos de experiência e feedback que anteriormente eram feitos por publicitários, desenvolvedores de produtos, jornalistas. Essa forma de conseguir trabalho gratuito também funciona por meio da ideia de comunidade: Você se vê como uma comunidade, por exemplo, os ciclistas de montanha, que usam a plataforma digital para obter todas as informações de que precisam sobre as trilhas.

A questão permanece: como a ajuda mútua e a solidariedade podem ser fortalecidas na sociedade sem que pessoas e comunidades comprometidas contribuam para a continuação e legitimação do capitalismo contemporâneo? Segundo Haubner e van Dyk, um requisito básico é o retorno ao princípio do Estado de bem-estar, à “função das instituições sociais e dos direitos sociais que garantem a liberdade e criam autonomia”. As autoras vêem vantagens decisivas em serviços de interesse geral garantidos institucionalmente em comparação com hierarquias e dependências pessoais em comunidades. “Os direitos sociais criam condições sob as quais até mesmo um paciente com demência desagradável, que assusta todos os voluntários e não tem parentes, recebe assistência social.”

Solidariedade em vez de trabalho gratuito

No entanto, os serviços públicos de interesse geral devem ser fundamentalmente reconstruídos. Depois que o estado de bem-estar e as tarefas comunitárias foram entregues a interesses econômicos privados e o trabalho restante que “não compensa” foi entregue a voluntários. Haubner e van Dyk defendem a abordagem oposta: a integração da sociedade civil nas estruturas do estado de bem-estar e serviços públicos. Eles vêem abordagens para isso na Espanha, onde, por exemplo, onde vereadores do movimento »Ahora Madrid« tentaram envolver a maioria da população na formulação da política local, a fim de recuperar o controle público de base sobre habitação, transporte, saúde, energia e abastecimento de água. Muito disso foi revertido pela maioria de centro-direita que governa Madrid desde 2019.

De acordo com o acordo para o novo governo federal da Alemanha, os partidos alemães na “coalizão de semáforos” também estão trabalhando em uma “nova cultura de cooperação que também é alimentada pela força da sociedade civil”. Isso significa que a sociedade civil terá uma palavra a dizer na formação dos serviços públicos no futuro? Ou você ficará com o trabalho de limpeza não remunerado nas bordas desgastadas do estado de bem-estar – e, claro, os prêmios honorários e ordens de mérito?

Silke van Dyk e Tine Haubner: Capitalismo Comunitário . Hamburger Edition, 175 p., Br., 15 €.

Claudia Pinl é cientista política e jornalista. Em 2018,  publicou seu livro Um cappuccino para os pobres. Críticas à economia de doação e voluntariado .

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Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal “Neues Deutschland [Aqui! ].

Corações desolados, almas destruidas: a estética do neoliberalismo

Markus Metz e Georg Seeßlen continuam sua crítica à estética do neoliberalismo com seu novo livro »Beute & Gespenst«

estéticaFoto: imago images / Jochen Tack

Por Jakob Hayner para o Neues Deutschland

As pessoas estão acostumadas a entender o neoliberalismo como uma ordem econômica. A disposição privada dos meios de produção já estava no cerne do liberalismo clássico, do qual seus representantes como Ludwig von Mises não deixaram dúvidas. Só que não está mais guarnecido pelo programa da burguesia revolucionária, que prometia liberdade mesmo que fosse negada à maioria. O neoliberalismo renuncia – pelo menos por causa de sua base capitalista monopolista – a tais promessas elevadas e só se apresenta como fiador contra males maiores, então o socialismo e o fascismo são mencionados, sendo que em caso de dúvida apenas o primeiro se refere. Mas o programa ideológico do neoliberalismo não se limita a essa retórica histórico-filosófica. O sucesso disso provavelmente está na forma de subjetivação, que o neoliberalismo impõe e oferece ao mesmo tempo. “A economia é o método; o objetivo é mudar o coração e a alma ”, disse Margaret Thatcher em uma entrevista de 1981 para o Sunday Times.

Georg Seeßlen e Markus Metz exploram como os corações e almas das pessoas mudam no neoliberalismo. Em 2018, a dupla de autores publicou um volume com textos sobre estética neoliberal na Verlag Bertz + Fischer. O “(sur) realismo capitalista” via na arte, na publicidade e na vida cotidiana os sinais de uma era em que a ideologia havia migrado da superestrutura para a base. O primeiro passo: A mentira da ideologia não é mais um encobrimento, mas uma exibição da falta de alternativas. É o que Mark Fisher chamou de Realismo Capitalista, superado na segunda etapa pelo Surrealismo Capitalista, que declara impossível qualquer descrição do mundo – mesmo aquela sem alternativa. Como resultado, a falta de alternativas é aumentada por nem mesmo aparecer como tal. Niiliberalismo foi a nova palavra de Fisher para isso, neoliberalismo niilista. Dessa perspectiva, qualquer um que tente descrever a totalidade capitalista hoje deve ser considerado um louco, um pensador conspiratório francamente paranóico.

Com seu novo livro »Beute & Gespenst. Lebenswelten im Neoliberalismus “, também publicado por Bertz + Fischer, Seeßlen e Metz apresentaram uma continuação do” (sur) realismo capitalista “. Para que o neoliberalismo continue, os sujeitos com seus desejos, seus desejos e identificações devem ser subordinados e integrados de tal forma que a economia política não lhes apareça mais como tal – e eles não possam mais articular interesses relevantes. Os autores diagnosticam que não há mais nenhuma linguagem para as lutas de distribuição. Para eles, é a expressão de uma negligência cultural, política e semântica. A cultura popular também serve principalmente para conter os sujeitos, a segmentação do cultural cria diferentes ambientes de vida: para vencedores e perdedores. O principal é que não há mais saída para essa cultura. Cada um ganha sua própria cela, na qual se pode morrer de tanto divertimento.

A politização da cultura foi – e continuará a ser – paga com a despolitização da vida, argumentam Metz e Seeßlen. O fato de tudo ir para a cultura, assim como o conteúdo neutralizado, dá ao volume o título: “Tudo que é conquistado vive como fantasma e presa, da magia ao comunismo. Portanto, o capitalismo também pode ser descrito como uma poderosa casa mal-assombrada. «Também aqui estás no encalço de Mark Fisher, que morreu em 2017, o grande investigador fantasma da cultura popular. Hauntology ele chamou, vestígios de um futuro perdido. E no fim das ilusões? »Fica-se sozinho com uma questão radical: que papel a arte pode desempenhar se não houver sociedade burguesa, sem democracia, sem ideais educacionais e ilusões, sem crítica, sem discurso, sem destinatários sociais, não há outra cultura senão a da competição e da baixeza? «A estetização do colapso da sociedade representou um problema para os teóricos de esquerda e comunistas há cem anos. Até a própria queda é experimentada como um prazer estético, corações desolados, almas destruídas. Metz e Seeßlen descrevem como isso acontece para torná-lo um momento de realização para que uma nova força negativa e um novo desejo comunista possam ser acesos em face da preparação dos sujeitos no neoliberalismo. almas destruídas. Metz e Seeßlen descrevem como isso acontece para torná-lo um momento de realização para que uma nova força negativa e um novo desejo comunista possam ser acesos em face da preparação dos sujeitos no neoliberalismo. almas destruídas. Metz e Seeßlen descrevem como isso acontece para torná-lo um momento de realização para que uma nova força negativa e um novo desejo comunista possam ser acesos em face da preparação dos sujeitos no neoliberalismo.

Markus Metz e Georg Seeßlen: Capitalist (sur) realism. Neoliberalismo como estética . Bertz + Fischer, 296 pp., Br., € 18.

Markus Metz e Georg Seeßlen: Booty & Ghost. Mundos vivos no neoliberalismo . Bertz + Fischer, 192 pp., Br., € 14.

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Este texto foi escrito originalmente em alemão e publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Bandeira vermelha mais salgada é apenas a antessala de um inevitável apagão elétrico

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O desinvestimento publico em políticas energéticas alternativas está empurrando o Brasil para um apagão elétrico nos próximos meses. É que  combinação de ciclos climáticos de fenômenos como El Niño e La Ninã, o desmatamento acelerado em todos os biomas nacionais, e as mudanças climáticas globais, a principal fonte de geração de energia brasileira, que são as hidrelétricas, encontra-se sob forte pressão no período mais imediato, o que obrigará a um racionamento estrito em algum momento em um futuro próximo.

Nesse sentido, o discurso otimista do ministro das Minas e Energia, o almirante de esquadra Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior, não passa de cortina de fumaça. Tampouco convidar os brasileiros individualmente a economizar energia e água vai surtir qualquer efeito para mudar o apagão elétrico que se aproxima. É que quem consome mais água e energia não são residências, mas sim o chamado “agronegócio” que consome quantidades significativas desses dois ativos, e para o qual não existem medidas sérias de contenção. 

Assim,  já se vê que o discurso anti-comunista da extrema-direita brasileira de que nossa bandeira jamais será vermelha não se aplica às contas de eletricidade. Além disso, mas também está rapidamente enterrado o dogma neoliberal de que a saída do Estado de áreas estratégicas fortalece as iniciativas de mercado. É que no primeiro sinal de que haverá o apagão, o que fazem as empresas que hoje controlam o sistema de distribuição de energia elétrica no Brasil? Pede imediatamente a intervenção do Estado para que esse castigue ainda mais os cidadãos e lhes continue garantindo a geração de lucros de bilionários, os quais serão depois remetidos para os seus países sede.

De tudo isso, uma coisa é certa: os próximos meses serão palco de uma combinação ainda mais aguda de problemas para o brasileiro comum: manutenção de altos níveis de contaminação e óbitos por COVID-19, desemprego, fome, e, sim, apagão elétrico.

Finalmente, uma palavra sobre a relação entre o avanço da destruição das florestas amazônicas e o ressecamento do centro sul brasileiro (curiosamente a área que já sofre com a atual crise hídrica): a ciência já mostrou que se esse processo continuar, teremos menos chuva e por mais tempo. Adicione-se a isso as mudanças climáticas, e chegaremos a uma conclusão inevitável: podemos estar apenas começando a entrar em um longo ciclo de crise na geração de energia elétrica no Brasil.

Meu nome é Wladimir, mas pode me chamar de Rafael

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Se for feita uma retrospectiva dos primeiros cinco meses do governo Wladimir Garotinho (PSD) à frente do executivo municipal de Campos dos Goytacazes, a primeira sensação é de um tremendo “dejà vu” (literalmente o que já foi visto) em relação ao governo de Rafael Diniz. É que Wladimir vem repetindo a mesma fórmula que mistura derrama fiscal e ataques aos servidores públicos, além de uma estranha propensão a contratar empresas cujo CNPJ foi obtido fora dos limites municipais, o que configura uma sinistra tendência a desconstituir o que resta da economia municipal.

A verdade é que entre um aumento de imposto e outro, incluindo ainda uma estranhíssima lei que implica na expropriação de terras privadas, Wladimir Garotinho demonstra a mesma ojeriza demonstrada por Rafael Diniz em relação aos servidores públicos municipais. A diferença é que Wladimir está associando a cassação de direitos e  benefícios a um projeto explícito de privatização de setores essenciais, a começar pelos serviços municipais de saúde.

Há que se considerar ainda que Wladimir não possui um séquito de menudos neoliberais como o que seguiu Rafael Diniz até os últimos dias de seu infeliz governo. No lugar dos jovens bem barbeados e de cabelos tratados, Wladimir retornou parte da velha guarda que serviu seu pai e  sua mãe, o que, convenhamos, não muda a natureza neoliberal desse início de governo.

Em comum com o grupo de Rafael Diniz, e talvez em tons mais fortes, Wladimir volta a apresentar as mesmas certezas de destino manifesto que o coloque em um suposto padrão de alta moral que o habilita a desqualificar as críticas como se todos os seus críticos fossem piromaníacos institucionais que não querem o melhor para a cidade de Campos dos Goytacazes. Nós que já vivemos o governo dos pais sabemos que esse é um tipo de selo de qualidade do Garotismo, mas é desapontador ver que Wladimir continua com o mesmo tipo de pensamento, apesar de ser reconhecidamente um sujeito afável e com tintas de boa praça. O problema é que na hora de governar traços pessoais não são suficientes para imprimir uma marca própria na forma de governar.

Finalmente, na obra “Dezoito Brumário de Louis Bonaparte”, Karl Marx disse que “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa.”.  No caso envolvendo os governos de Rafael Diniz e Wladimir Garotinho, entretanto, fica difícil saber se estamos diante da farsa ou da tragédia, mas está claro que estamos diante, infelizmente, da repetição de uma forma de governar que não resolve nada, e piora tudo.

Pietismo secular

 A esquerda joga a compulsão de se auto-otimizar contra si mesma

end of groundsVocê está pronto para atuar? As contorções políticas da esquerda de hoje – neste caso, o movimento “Fim dos caminhos” – às vezes levam mais para o sistema do que para fora dele.  Foto: dpa / Andreas Arnold

Por  Michael Ramminger e Julia Lis para o Neues Deutschland

Brancura crítica, reflexão sobre o comportamento de fala, conceitos de consciência que regulam meticulosamente o comportamento em festas e ações, acusações constantes de anti-semitismo: qualquer pessoa que observe discursos de esquerda e o habitus de muitos no ativismo de esquerda perceberá rapidamente que o comportamento e fala “corretos” , Portanto, a moral desempenha um papel muito central. Esse fato se baseia em uma subjetivação que reproduz os mecanismos do capitalismo neoliberal pelo avesso, ao invés de questioná-los radicalmente.

O capitalismo neoliberal assenta em três pilares centrais: Em primeiro lugar, o mercado livre, que – segundo o seu principal apologista FA Hayek – “pode fazer amigos dos inimigos” e deve garantir a maior prosperidade possível e a máxima liberdade. Em segundo lugar, existe o entendimento do Estado de garantir a propriedade e prevenir a interferência no mercado. O terceiro ponto, entretanto, é uma forma específica de subjetivação e individualização que estamos apenas compreendendo lentamente. Desenvolveu-se na transição do fordismo para o pós-fordismo ou »toyotismo«: a força de trabalho autossuficiente, exigida em toda a sua subjetividade e criatividade – seja na linha de montagem da Toyota, na agência de web design ou no hospital – sempre pronta dar tudo e estar presente à crítica dos outros da equipa ou do grupo: eu, uma empresa minha,

Outrora, por exemplo com Rosa Luxemburgo, a individualidade era a liberdade do indivíduo, uma demanda emancipatória. Hoje, porém, é um imperativo das condições prevalecentes que exige tudo de você. É a última instância de uma vida bem-sucedida: se você falhar, a culpa é sua. Somos institutos experimentais para nossas próprias personalidades, extraímos nossa liberdade e autoridade de nós mesmos. Esse auto-fortalecimento no capitalismo neoliberal é, como Ulrich Beck delirou em 1997 antes da transição para o capitalismo vermelho-verde, a reinvenção republicana da Europa dos indivíduos , portanto, o »novo filósofo” no sentido de Friedrich Nietzsche.

Graças a Deus, não demorou muito para que esse trágico otimismo se esgotasse na individualização capitalista. Além dos movimentos de direita, que se opuseram a essa demanda excessiva por meio de uma nova homogeneização étnica e racismo, o movimento de esquerda também se posicionou na República Federal: crítica patriarcal, anti-racismo e movimentos de refugiados, bem como o “Fim dos Caminhos”, são de tentar neutralizar essas condições. A esquerda do movimento luta desesperadamente contra as consequências catastróficas deste capitalismo. Ao fazer isso, no entanto, ela negligencia como, em sua luta, em suas formas organizacionais e máximas, internalizou de forma não dialética o pressuposto básico do sujeito capitalista neoliberal, a compulsão para a auto-otimização criativa e individualização.

O sujeito toyotista da auto-otimização experimenta sua reencarnação como figura de uma espécie de ativista político comprometido com a própria perfeição moral na luta contra a destruição, exploração e injustiça ambiental: na obrigação de auto-otimização no sentido de um trabalho permanente sobre sua própria integridade moral. A política de esquerda está cada vez mais reduzida a intervenções discursivas e mudanças de hábito. Teorias que querem penetrar nas estruturas sociais como parte da socialização capitalista – como a teoria crítica – dificilmente desempenham um papel nas universidades hoje em dia. Eles foram substituídos por uma recepção abreviada do construtivismo pós-estruturalista, que normalmente é conhecido pelo nome de “desconstrutivismo”.

Isso pode ser visto principalmente nas formas populares de discurso de gênero – muitas vezes vagamente baseadas em Judith Butler -, no exagero sobre a brancura crítica e a recepção comum dos estudos pós-coloniais. A radicalidade com relação à crítica à dominação deve, portanto, ser mostrada em um comportamento de discussão politicamente correto, na crítica do “salvadorismo branco”, nos próprios privilégios e assim por diante. É uma vingança que a subjetivação pessoal em condições capitalistas não seja naturalmente analisada também como um processo histórico de socialização. Isso culmina no fato de que, por exemplo, grupos locais do “Fim dos caminhos” paralisam-se em sua prática ao descobrir, tristemente, que têm muito poucos »PoC« (pessoas de cor) em suas próprias fileiras.

Política como expiação

Portanto, trata-se cada vez menos de superar as condições e compreender essa luta como a do imperfeito. Por outro lado, a política de esquerda degenera em uma crítica às próprias inadequações, alheias e sociais, cujo horizonte último é expiar por meio da auto-otimização moral da esquerda. Essa figura é conhecida desde a história da religião, especialmente a história das igrejas protestantes. A referência aqui é o pietismo do século XVII. A internalização religiosa – »pesquisa da alma« – e a perfeição moral, também realizada externamente, estavam no centro desse sistema de crenças. Devem ser garantidos pela forte orientação interna da comunidade espiritual, a “ecclesiola”. Encontramos isso novamente em uma forma secularizada à esquerda, quando páginas de folhas de reflexão são criadas sobre as próprias estruturas racistas internalizadas, quando em tempos de pandemia corona são denunciados impiedosamente aqueles que não assumem responsabilidade suficiente por sua própria saúde e pela saúde de seus vizinhos ou quando grupos críticos de masculinidade referem-se a confissões de culpa por seu falso comportamento masculino dominante em torno de si como melhor, porque os homens feministas apresentam. Você pode chamar isso de pietismo secularizado. para se apresentarem como melhores, porque homens feministas. Você pode chamar isso de pietismo secularizado. para se apresentarem como melhores, porque homens feministas. Você pode chamar isso de pietismo secularizado.

 Fadiga exercida

Essas formas de política e de vida são cada vez menos capazes de criticar toda a sociedade. As ações continuam focadas nas demandas certas que se faz da sociedade e também da “política”, ou seja, das instituições do Estado. Nesse ínterim, há uma grande pressão interna, uma denúncia implacável de todos os comportamentos e formas de expressão contraditórios até a exclusão e denúncia. Um clima de autocontrole temeroso se desenvolve, o que inibe a criatividade, a alegria da experimentação e o desejo de discutir. O manejo individual e coletivo dos conflitos que surgem da tensão entre a reivindicação de auto-realização individual ilimitada e a compulsão de atender às próprias exigências morais coletivas ocupa muito espaço.

O resultado é um tipo de homem de esquerda que sempre parece cansado e tenso, precisamente porque sempre tenta se comunicar de forma amigável e reservada e fazer cumprir as regras auto-impostas internamente, construindo pressão moral. Muito do que Nietzsche uma vez formulou como uma crítica à moralidade do meio protestante-burguês se aplica a este tipo: “Eles teriam que cantar para mim melhores canções para que eu pudesse aprender a acreditar em seu Redentor: seus discípulos deveriam parecer mais redimidos para mim !?”

A crítica de Nietzsche a uma “moralidade escrava” que busca compensar sua própria fraqueza e inferioridade com reivindicações morais de superioridade e, assim, eleva-a a uma virtude, deve ser escrita atrás das orelhas da esquerda de hoje. Só então ela seria capaz de se libertar do cativeiro de tal pietismo secularizado. Você faria um pouco mais de bem a Nietzsche. Se apenas para levantar a questão de como podemos coletivamente e alegremente nos libertar para uma vida, um desejo que nos permite finalmente lutar e superar os relacionamentos errados e alienados, não nós mesmos. Isso seria, então, talvez realmente uma reversão bem-sucedida e esquerda dessa figura do “novo filósofo” que Ulrich Beck convocou em defesa do estrangeiro neoliberal e da auto-exploração com Nietzsche.

*Dr.  em Teologia Michael Ramminger , nascido em 1960, é um dos co-fundadores do Instituto de Teologia e Política de Münster. Dra em Teologia Julia Lis , nascida em 1980. Ambos se interessam por questões de teologia libertadora e estão envolvidos em movimentos políticos.

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Este artigo foi originalmente escrito em alemão e publicado pelo Neues Deutschland [Aqui!].

Parece revolução, mas é só neoliberalismo

O professor universitário em meio às cruzadas autoritárias da direita e da esquerda

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Escárnio, trabalho de Hirotoshi Ito, e os universitários: usando camuflagens progressistas, a esquerda está transformando os alunos em consumidores e os servidores públicos em serviçais  

Por  Benamê Kamu Almudras

Um amigo que leciona na área de humanas em uma grande universidade pública paulista, ao chegar para a sua aula em um curso de pós-graduação, percebeu um burburinho inusual entre os alunos. Perguntou-lhes se estava tudo bem, e um deles disse: “Não. Estamos fazendo um motim.” Outros expuseram o motivo da rebelião: a excessiva carga de leitura da disciplina. Meu amigo ficou surpreso, pois a carga de leitura era pequena. Os alunos tinham que ler e debater semanalmente apenas dois ou três projetos de colegas, cada um com vinte páginas no máximo.

O professor perguntou se os alunos teriam alguma sugestão para resolver o problema. Eles propuseram que cada um escolhesse por conta própria os projetos que quisesse ler e os colegas com quem discutir, formando pequenos grupos auto-organizados. Dessa forma, terminariam o semestre mais cedo. Atordoado, o professor disse que pensaria no assunto, para então negociar uma solução satisfatória para todos. Mas um aluno retrucou: “Não, professor. Você sempre quer negociar. O que nós queremos é romper hierarquias e questionar o seu poder.” O professor respirou fundo, disse que lhes escreveria a respeito mais tarde e continuou sua aula.

Depois de consultar colegas e enfrentar uma noite mal dormida, o professor respondeu aos alunos, dizendo que manteria a dinâmica inicial do curso. Vários alunos lhe enviaram longos e-mails de protesto, qualificando sua decisão como autoritária e reivindicando que a vontade deles fosse respeitada. Tomados por um misto de revolta e euforia, diziam estar lutando pela democratização da universidade e contra as estruturas de poder.

Na aula seguinte, o professor apontou aos alunos a pouca razoabilidade das demandas que faziam e explicou a importância da leitura e do diálogo intelectual para a formação de cada um. Resolveu tornar opcional a participação no resto do semestre. Para sua surpresa, ninguém deixou o curso. Os participantes do motim – um terço da turma – lhe pediram desculpas e agradeceram a preleção. Final feliz.

Só que não. Narro esse episódio (sem citar nomes para não expor as pessoas) porque, a meu ver, ele exemplifica um fenômeno mais geral que tem ganhado força e se tornado mais frequente nas universidades brasileiras e do exterior. Para descrevê-lo, tomo emprestada do mesmo amigo uma expressão usada por ele em sua preleção aos revoltosos. Adaptando uma famosa frase de Renato Russo (“Parece cocaína, mas é só tristeza”), esse professor disse aos alunos sobre o motim: “Parece revolução, mas é só neoliberalismo.” A primeira metade dessa analogia é, claro, puramente metafórica: refere-se à agitação política dos alunos. A segunda é metonímica, pois o neoliberalismo é fonte de tristeza e angústia para qualquer pessoa que tenha apreço pela educação pública e por ideias progressistas.

A rebelião contra esse professor é um exemplo de atitude neoliberal da parte dos estudantes. Não me refiro ao neoliberalismo como ideologia político-econômica, mas como forma cultural, em que o mercado, a ética individualizante e o espírito do consumismo são erigidos como o modelo cognitivo e normativo da vida social. Apesar de os alunos apresentarem sua pauta como democrática ou mesmo subversiva, o que eles estavam de fato exigindo era que a universidade fosse como um supermercado ou um restaurante, onde quem decide o que consome (que textos ler), quanto consome (quantos textos ler), por quanto tempo consome (quantas aulas ter) e como consome (como as aulas devem ser) são os consumidores. Subjacente à revolta estava a ideia de que o professor tem função parecida à de um gerente de hotel ou um alfaiate: servir ao cliente e satisfazer seus desejos. E o cliente, sabemos, tem sempre razão!

O episódio que narrei pode ter sido particularmente teatral e pedagógico, mas abundam casos semelhantes nas universidades. Em uma instituição pública fluminense da área de saúde, um aluno exigiu que o programa de pós-graduação desse aos estudantes garantias (termo tipicamente mercantil) de que todos terminariam seu doutorado com êxito. Levando ao extremo a mesma suposição de que o título (note bem, o título, e não o acesso à educação) é um direito de todos, uma aluna de história de uma universidade pública europeia que não escreveu sua tese de doutorado processou o departamento onde estudou, exigindo o diploma ou uma indenização pelo tempo investido (um termo-fetiche do neoliberalismo).

Outra professora de uma universidade pública localizada no Planalto Central recebeu de um aluno um e-mail em que ele declarava ter decidido que o melhor para ele seria não escrever o trabalho final da disciplina – e solicitava ser aprovado mesmo assim. Uma amiga que leciona ciências exatas em uma universidade mineira recebeu de seus alunos uma lista de temas que eles queriam ver tratados na palestra a ser dada por uma pesquisadora visitante. No meio da pandemia, um pós-graduando – bolsista com dedicação exclusiva – enviou uma mensagem de última hora a seu orientador, dizendo que não participaria de uma reunião online de seu grupo de pesquisas porque estava cansado.

Outra colega, da área de comunicação social e residente em uma grande cidade do Nordeste, se assustou quando um aluno de graduação criticou duramente em aula um importante texto que ele não tinha lido nem queria ler, pois tinha ouvido falar mal do autor em um documentário (outro fetiche neoliberal: o consumo doméstico de informação midiática). Quando a professora retrucou, dizendo que o aluno não poderia atacar o texto sem tê-lo lido, ela foi acusada de autoritarismo.

Parece, entretanto, que, aos olhos de tão exigentes consumidores, os professores também podem errar ao propor mais diálogo. Um estudante de ciência política questionou em público o método didático de um colega (baseado em discussões e debates) e solicitou que o professor desse mais aulas expositivas. Alegou que era muito disperso e se perdia ao ouvir os colegas. A mim um aluno sugeriu que eu modificasse o programa de um curso porque ele achava parte da bibliografia “maçante”. É também corriqueira a impolidez de pós-graduandos brasileiros, que não agradecem a seus orientadores por esforços que foram muito além de suas obrigações, não pedem desculpas por falhas que cometem e exigem reuniões, atestados e assinaturas, amiúde com prazos impraticáveis, em vez de pedi-los com boa antecedência e de forma cortês, como se espera em interações com professores, colegas, amigos e… prestadores de serviços.

Não uso estes últimos termos por acaso. A privatização do público denunciada por Hannah Arendt é hoje uma realidade tão abrangente e onipresente que, como o ar que respiramos ou como o diabo que vive nos detalhes, já nem a percebemos mais. Quando a coletividade política se transforma em um conjunto de indivíduos-consumidores competindo no mercado, perde-se a ideia de que o professor é um servidor público dedicado a formar cidadãos instruídos e qualificados. Mesmo na educação pública, e entre aqueles que falam em seu nome, cresce o desejo de que ela passe a servir, de modo neoliberal, a esse consumidor autocentrado e oportunista que busca minimizar custos e maximizar benefícios. Assim, o professor universitário é tratado cada vez menos como um servidor público e cada vez mais como um prestador de serviços a indivíduos – um serviçal privado.

A força do neoliberalismo como fenômeno cultural se revela até nos ambientes mais progressistas, entre pessoas identificadas (por elas mesmas e por outros) como sendo de esquerda e que dizem estar lutando contra injustiças sociais. Mais assustador é que tais pessoas apresentam sua fantasia neoliberal como se fosse um projeto emancipador. Com isso, expande-se a suposição devastadora de que o professor, caso não aceite o papel de um serviçal privado, só pode ser um opressor.

Suspeito que isso se deva, em parte, à maneira distorcida como alguns alunos veem a assimetria inerente à educação, imaginando que os corpos docente e discente são como classes sociais – de um lado, a classe exploradora; de outro, a explorada. Eles supõem que o professor detenha uma superioridade essencial e que a posição de aluno seja involuntária e permanente. Esquecem que ninguém nasce professor e que a assimetria da sala de aula é contextual e temporária. O professor é apenas alguém com mais experiência e conhecimento em determinada área, e não um sujeito social dotado de um poder inerente ou de mais conhecimentos genéricos que os alunos. Aliás, muitos alunos de universidades públicas com atitudes como as que descrevi têm eles próprios a intenção de seguir a carreira docente, o que torna ainda mais absurda a identificação que fazem do professor com o opressor.

Essa identificação enganosa provavelmente se deve também ao perfil demográfico do corpo docente. A despeito de variações que possam ocorrer nas diferentes instituições e áreas de conhecimento, há em geral, entre professores universitários, uma sub-representação de grupos discriminados e oprimidos por razões raciais, étnicas, religiosas, de gênero, de sexualidade ou de classe. Como muitos alunos são afetados por essas discriminações, não é de estranhar que alguns vejam seus professores como sujeitos privilegiados e dotados de grande poder.

Se isso ajuda a explicar a visão de que o professor é um opressor, é certo que não a justifica, pois há vários problemas nessa concepção. Primeiramente, ela ignora a desigualdade de posições sociais e institucionais entre professores, pois pressupõe que todos somos oriundos de setores sociais dominantes ou privilegiados, ou associados a eles. Embora algumas formas de hierarquização e discriminação sejam facilmente visíveis e identificáveis, outras não são. Há, por exemplo, muitos professores de universidades conceituadas que passaram por grandes dificuldades econômicas em sua juventude, sofreram preconceito e opressão ao longo da vida e, por terem estudado em universidades de menor prestígio (ou até de mais prestígio, mas estrangeiras), nunca são plenamente aceitos como pares por seus colegas, que julgam ter melhor pedigree social e acadêmico. E, dadas as desigualdades de ordem salarial, origem geográfica e classe entre professores, muitos enfrentamos dificuldades materiais reais, além do desprestígio social que marca toda a categoria.

Fora isso, a identificação do professor com o opressor e as revoltas contra docentes fazem com que se gaste tempo e energia atacando pessoas que, na maior parte das vezes, são aliadas dos alunos e lutam pelas mesmas bandeiras que eles, a começar pela defesa de uma universidade pública mais justa, inclusiva e democrática. O motim que descrevi no início deste texto, por exemplo, aconteceu em 2017, quando a democracia se deteriorava e o autoritarismo crescia aceleradamente no Brasil. Tenho certeza de que os revoltosos viam a situação nacional com a mesma preocupação que seu professor, mas preferiram usar seu tempo e energia lutando por “causas” miúdas como os supostos direitos de estudar menos e de decidir o que ler. Há algo de muito errado e perigoso quando estudantes tentam transformar em pauta política a redução do rigor e da qualidade da educação.

Grave é também o desvio feito pela ofensiva política progressista quando ela passa a atacar seus aliados. A expressão mais atroz dessa deturpação é a proliferação de acusações infundadas de racismo, sexismo, classismo, homofobia e transfobia feitas contra professores. Todas as denúncias desse tipo devem ser levadas a sério e investigadas, pois disso depende a luta por uma universidade mais justa e inclusiva. Sabendo que preconceitos e assédios são uma realidade cotidiana da academia, como de tantas outras áreas, defendo veementemente a importância política dessas denúncias e o direito de todas as pessoas de fazê-las.

O fato de que o racismo, o sexismo, o classismo, a homofobia e a transfobia sejam frequentes nas escolas não significa, porém, que todas as denúncias sejam verdadeiras. Pode-se dizer o mesmo, imagino, de outros ambientes profissionais, mas esse fenômeno ganha contornos específicos no caso da universidade. Embora raramente tenhamos a coragem ou o interesse de falar disso em público, não é segredo para acadêmicos brasileiros e estrangeiros que parte dessas acusações são atos oportunistas de pessoas movidas por objetivos mais imediatos e pouco louváveis, como obter uma aprovação não merecida, diminuir a carga de estudo e conseguir facilidades na concessão de um diploma. A manipulação de injustiças, violências e exclusões para benefício individual é talvez a expressão mais feroz e perversa da neoliberalização cultural da educação pública.

A refinada perversidade dessa manipulação interesseira se dá em diferentes níveis. Para começar, os professores mais comumente acusados são os que estão em situações profissionais mais frágeis, em estágios iniciais da carreira, sem grandes vantagens imediatas a oferecer a seus alunos e cuja destruição moral não traz prejuízo a seus difamadores. Outro alvo comum de acusações infundadas são professores oriundos de grupos sociais discriminados e fragilizados. O preconceito de alguns indivíduos contra o próprio grupo oprimido é uma triste realidade, mas o que quero salientar é que muitas vezes os professores mais atacados e desrespeitados – por calúnia e difamação, assim como por outros atos cotidianos e discretos – são os mais desprovidos de poder, tanto dentro quanto fora da universidade.

Outras vítimas preferenciais são professores altamente mobilizados por questões políticas. Um professor de filosofia pós-colonial ou de história contemporânea tem muito mais probabilidade de ser atacado por uma afirmação que algum aluno considere inapropriada do que um professor de filosofia medieval ou de história antiga. Abundam os casos de professores feministas e ativistas de direitos LGBTQIA+ acusados de sexismo, homofobia e transfobia por darem aula sobre textos tidos como politicamente inapropriados ou por cometerem eventuais deslizes de linguagem passíveis de punição pela impiedosa e infatigável milícia do vocabulário.

Recentemente um professor de uma respeitada universidade pública do Sudeste, especializado em pensamento afro-atlântico, foi chamado de racista por uma mestranda. Ela havia sido reprovada em sua disciplina por não frequentar as aulas, não apresentar um seminário obrigatório, não escrever o trabalho final e não responder a repetidas tentativas de contato. O oportunismo da calúnia fica evidente ao sabermos que a aluna só fez a denúncia seis meses depois de sua reprovação, e no momento que estouraram os recentes protestos antirracistas nos Estados Unidos. Mordendo a isca, os defensores dela não se furtaram a equiparar a reprovação ao brutal assassinato de George Floyd! Quando foi demonstrado que a denúncia era falsa, outro aluno de “pós” – de pós-graduação e de pós-verdade – defendeu os ataques dizendo que, sendo o professor um homem branco (aliás, abertamente gay e em estágio probatório na universidade), não importava se as acusações eram verdadeiras ou não. Se o professor fosse menos forte e decidido, talvez tivesse deixado de dedicar seu ensino e pesquisa a questões raciais, e a luta antirracista teria perdido, graças ao neoliberalismo de esquerda, um aliado em uma instituição de grande visibilidade.

O uso oportunista e individualista de questões sociais seríssimas prejudica a luta política não apenas por alimentar as conhecidas reações conservadoras e preconceituosas, mas também por silenciar vozes aliadas e privatizar bandeiras coletivas fundamentais. Muitas vezes as acusações são tão egocêntricas que supõem que, caso um indivíduo não seja beneficiado da maneira que exige, isso demonstra que toda sua categoria está sendo prejudicada. Há casos em que um candidato a pós-graduação, ao não ser admitido em processos seletivos com cotas para grupos discriminados (como todos os programas devem incluir), afirma que sua não admissão é sintoma de preconceito – mesmo que, obviamente, a vaga que ele não obteve seja destinada a outra pessoa da mesma categoria (vemos aqui o problema do fogo amigo: programas que não praticam ações afirmativas não correm o risco desse tipo de acusação e seu racismo passa incólume). É mais uma vez o “eu” autocentrado exigindo direitos de consumidor, sequestrando e usando como disfarce o “nós” coletivo que reivindica direitos sociais justos e corretos.

Essa privatização é mais uma expressão do poder do neoliberalismo cultural no ensino público. Ao contrário do que afirmam alguns, tal privatização não defende a educação: nega a própria ideia de educação. Não é à toa que muitos estudantes (mas não apenas eles) julgam que o incontestável direito à educação equivale a um suposto direito universal a um título, o bem maior almejado pelos consumidores da universidade. Tive a oportunidade de ler várias cartas de alunos, endereçadas a professores e a instituições, que defendiam não tanto o direito de estudar, mas sobretudo o de receber um diploma acadêmico, independentemente do mérito do estudante. Reivindicações desse tipo, fantasiadas de luta democrática e igualitária, negam o pressuposto de que algumas pessoas têm certos conhecimentos específicos que podem ensinar a outras, em geral mais jovens, que ainda não os têm – e que para adquiri-los é preciso estudar. Tais reivindicações impedem a formação de cidadãos esclarecidos e transformam o direito à educação em direito a boas notas, aprovações e títulos.

Mas a força do neoliberalismo cultural na educação não para por aí. Como observou o professor Wilson Gomes, da Universidade Federal da Bahia, apenas a lógica competitiva de mercado permite entender a proliferação de cruéis, rasos e injustos ataques militantes a intelectuais politicamente engajados. Em suas palavras, “para os atacantes, são chances de melhor se posicionarem no mercado epistêmico: quem mais lacrar e mais humilhar mais acumula capital” (Folha de S.Paulo, 11/08/2020).

O artigo não se refere unicamente a agressões a docentes, mas não é coincidência que tenha sido escrito por um professor universitário a respeito de ataques sofridos por uma colega de profissão. Entre os vários supostos erros de que esta professora – a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz – foi acusada, estava o de, apesar de ser branca (judia, vale lembrar), ter dedicado décadas de pesquisa e atuação pública ao combate ao racismo. Afinal, como bem argumentou Gomes, a lógica do mercado raras vezes recompensa e estimula ataques a pessoas retrógradas e conservadoras. Racistas, sexistas, homofóbicos, transfóbicos, antissemitas e semelhantes seguem ilesos em suas reputações e fortalecidos em suas posições de poder, voz e visibilidade. Punindo e calando intelectuais progressistas, o neoliberalismo de esquerda dá mais espaço, mais vigor e mais protagonismo ao neoliberalismo stricto sensu que, pelo lado direito, ataca o ensino público e seus professores de forma igualmente atroz.

Infelizmente, contudo, a esse problema nós, os professores, temos também reagido de maneira tipicamente neoliberal. Por um lado, tendemos a atribuir a particularidades de certas situações e de indivíduos cada caso de abuso, desrespeito, privatização, calúnia ou difamação. Por outro, seguimos com o pacto não declarado de silêncio sobre essas questões por temermos, com razão, punições no mercado acadêmico. E muitas vezes cedemos na concessão das benesses exigidas pelos sujeitos neoliberais, seja por medo de eventual repercussão, seja por autoengano político. Com isso, acabamos por contribuir para a privatização da educação, no sentido amplo e cultural, e, claro, para a deterioração do ensino. Enquanto não entendermos que estamos diante de um fenômeno coletivo – o individualismo é um fenômeno coletivo – e enquanto não agirmos politicamente, ou seja, debatendo publicamente um problema político, a educação pública seguirá sendo atacada não apenas de forma espetacular, mas também rotineira e capilar; não apenas por governos e ideólogos de direita, mas também nos campi, nas ruas e nas mal denominadas redes sociais.

Assim, os professores universitários, sobretudo os de instituições públicas brasileiras, sofremos hoje duas virulentas ofensivas neoliberais. A direita nos ataca de modo neoliberal, combatendo em nome do mercado tudo que nossa educação pública conquistou a duras penas nas últimas décadas: inclusão social, expansão do ensino, ações afirmativas, financiamento à pesquisa, reflexões sofisticadas sobre a sociedade. A esquerda, usando camuflagens progressistas para disfarçar seu neoliberalismo, transforma alunos em consumidores, a educação em distribuição de diplomas, o rigor acadêmico em forma de opressão, os servidores públicos em serviçais privados.

Um lado defende abertamente o neoliberalismo, o outro pensa ser revolucionário. Mas ambos agem de forma mercantil e compartilham o ataque à educação pública e ao pensamento crítico. Ao castigarem os professores por ensinar, pensar e escrever, uns encontram nos outros os melhores aliados de suas cruzadas neoliberais autoritárias contra a liberdade de pensamento e de expressão. Assim como, em 1815, europeus católicos, protestantes e ortodoxos juntaram suas forças retrógradas em uma Santa Aliança contra os ideais republicanos, hoje em dia fanáticos à direita e à esquerda se unem religiosamente em uma aliança, desta vez não declarada, para combater a educação pública e os professores.

Quase todos os docentes de universidades públicas concordamos sobre os graves e evidentes perigos do neoliberalismo autoritário da direita, e fazemos o possível para combatê-lo. Mas para continuar e fortalecer essa luta devemos também romper nosso pacto de silêncio e reconhecer os perigos igualmente autoritários, igualmente violentos e igualmente neoliberais que vêm do outro lado – inclusive de nossos alunos.

É como um passo em direção a esse reconhecimento e a um debate amplo e democrático que escrevo este artigo. Apenas lamento que tenha de assiná-lo com um pseudônimo. O motivo disso está evidente. Nestes tempos de cruzadas autoritárias moralistas e de narcisismo midiático neoliberal, uma crítica como a que fiz aqui tem de lançar mão da privacidade autoral como escudo e refúgio.

* Benamê Kamu Almudras, sob pseudônimo, é docente de graduação e de pós-graduação em uma universidade pública de São Paulo

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Este texto foi inicialmente publicado pela Revista Piauí [Aqui!].

O significado amplo da derrubada da Constituição de Augusto Pinochet no Chile

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O Chile é para muitos defensores das políticas ultraneoliberais (caso do dublê de ministro e banqueiro Paulo Guedes, o “Posto Ipiringa” do presidente Jair Bolsonaro, uma espécie de Nirvana onde repousariam todos os méritos de um estado que funciona para privilegiar os detentores dos meios de produção, enquanto deixa de cumprir funções básicas nas áreas de saúde, educação e previdência social.

A atual Constituição chilena foi promulgada em 1980 em meio ao terror imposto pelo regime de Augusto Pinochet, era até ontem uma espécie de carta magna dos ultraneoliberais e uma espécie de roteiro para a destruição do Estado do bem estar social, ou dos seus resquícios, em países da periferia do capitalismo.

Pois bem, a partir de um plebiscito arrancado pela mobilização social em 2019, o povo chileno decretou ontem por esmagadora maioria que o Chile terá uma nova constituição e que deverá reorientar o funcionamento do estado chileno (ver resultado do plebiscito logo abaixo).

plebiscito chile

Além de enterrar a Constituição pinochetista, o plebiscito também decidiu que a próxima constituição chilena será escrita por uma assembleia nacional constituinte elevada apenas para essa finalidade, cuja composição de constituintes terá de ser igualmente dividida entre homens e mulheres. A combinação de resultados aponta para a forte possibilidade de que a constituição que emergirá no Chile será muito mais progressista e voltada para tornar o estado mais antenado com as necessidades da maioria da população chilena. Por isso os festejos que se viram ontem nas praças das cidades chilenas não são sem razão, pois essa é a demanda que impulsionou as manifestações massivas que sacudiram o país andino em 2019 (ver vídeo das celebrações ocorridas na noite de ontem em Santiago ao som da canção “El derecho de vivir en paz” de Victor Jara, um dos muitos que foram assassinados no Estádio Nacional de Santiago nos momentos iniciais do golpe militar comandado por Pinochet).

O fato é que a derrubada da constituição deixada pelo regime de Augusto Pinochet deverá enviar um forte sinal de que as mobilizações de rua, por mais reprimidas que sejam pelas forças policiais, são capazes de arrancar concessões que até algum tempo pareciam impossíveis. Esse tipo de precedente é que torna as consequências da aprovação da confecção de uma constituição algo com um valor político incalculável. Afinal, se os chilenos conseguiram a partir das manifestações nas ruas, a população de outros países latino-americanos se sentirão inclinados a usar o mesmo tipo de medicina.

Paulo Guedes, o primata neoliberal

Monkey Uncle Sam with pointing finger at viewer. Vintage engraving

Seguindo uma prática política, Bolsonaro fez acordos espúrios para se eleger presidente do país. Dentre esses acordos, o mais notório é com o mercado financeiro – materializado na figura de Paulo Guedes. O Ministro da Economia ostenta o apelido de primata neoliberal, atribuído em razão de sua total incapacidade de pensar num Estado-Nação. Ainda assim, a incompetência e o fracasso de sua equipe frente à pasta não parecem intimidar nem abalar a convicção que o ainda ministro nutre por encaminhar o país ao colapso social.

Estamos diante de um comportamento que pode ser desvendado ao lançar um olhar atento aos fatos: o que move e estimula nosso ministro são as bananas jogadas pelos famosos “investidores internacionais”, que o fazem como recompensa a cada truque bem executado pelo primata. De fato, talvez seja uma cena pitoresca, já que não é sempre que nos deparamos com um primata de terno e gravata ostentando títulos da Escola de Chicago. A cartilha de Guedes é óbvia e previsível. Todos sabem quais serão suas reações e opiniões – mesmo assim, parecem não conseguir conter o impulso suicida de colocarem uma granada em suas mãos, mais interessados pelo espetáculo do que se importando com o desastre.

Da mesma maneira, há pouco presenciamos o flagrante episódio em que o ministro da economia deste país esteve usando seu Terminal Bloomberg – uma espécie de teclado utilizado para operar em tempo real nas Bolsas de Valores. Não bastasse estar operando no mercado de ações durante o expediente como chefe da economia brasileira, torna-se inequívoco criminoso conflito de interesses e, principalmente, seu total descompromisso com a nação, bem como sua tara – única e exclusiva – pelas bananas do mercado financeiro.

É válido o lembrete de que a absurda “Secretaria de Desinvestimento” tenha sido chefiada por um picareta comerciante de automóveis – quem imaginava em suas alucinações que um Estado-Nação funcionaria igual e conforme os mandos e desmandos em sua loja de automóveis, onde seus subordinados simplesmente dizem amém a todos os seus sermões em troca de um salário de fome. Mais do que expor a fragilidade da equipe montada pelo “primata neoliberal” à frente da pasta econômica deste país, revela-se que um profundo desconhecimento sobre a República e uma dose extra de incompetencia são requisitos para ocupar secretarias. Afinal, o primata parece ser desleal inclusive na competição interna: não aceita de bom grado dividir as bananas, preferindo cercar-se de personagens decorativos.

Eis que na névoa escura da pandemia e durante o profundo colapso da economia, surgem alguns ministros com espírito republicano, bem mais evoluídos e conhecedores do país que governam. Exalando competência, apresentam um plano de reformas estruturantes, um programa gerador de empregos e renda, e um arrojado projeto de escoamento de produção. Sem surpresas, tal pacote foi obviamente estercado por Guedes, o primata que encena conduzir a economia nacional. Mesmo diante dos alertas do capitão à tripulação de que o barco está afundando, Guedes continuou fazendo suas macaquices, preferindo as bananas dos “investidores estrangeiros” à labuta de construção de um estado nação.

Para a sorte do Brasil, Paulo Guedes – O Primata – murchou muito desde o início do mandato. Sua autoconfiança foi se esvaindo conforme a realidade pública batia forte em seu estômago. Ele, que já havia se acostumado com as bananas jogadas a cada novo truque duramente ensaiado, viu suas bananas diminuírem conforme o repertório ia se repetindo. Nisso, tomou consciência de sua limitação e mediocridade: não trouxe solução para coisa alguma. Num momento em que o país exige criatividade incomum de seus ministros, Guedes continua tentando repetir o que aprendeu em Chicago na década de 1970 – num gesto repetitivo e desesperado, implorando por aplausos e bananas. O espetáculo não é novo, mas ainda assim, não é sempre que se vê um primata neoliberal engravatado fazendo malabarismos.

Então, o que poderia ser pior do que ter um incapacitado à frente do ministério mais importante de um país? A resposta é mais que simples: aceitar ser refém nas mãos desse incapaz. É o dilema enfrentado pelo presidente Jair Bolsonaro, que parece estar cada vez mais certo de sua decisão a respeito de demitir ou não essa atração circense que faz papel de ministro da economia.

por Vicentino

fecho

Este texto foi originalmente pelo Jornal Puro Sangue