Um raro pitaco futebolístico: a seleção de Tite como a cara do Brasil de Bolsonaro

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Como milhões de brasileiros me pus ontem na frente de um aparelho de televisão para assistir a seleção comandada por Tite enfrententar a envelhecida seleção da Croácia. Como torcedor de sofá comecei a desconfiar que a vaca iria para o brejo quando os jogadores brasileiros passaram o primeiro tempo perdendo todas as chegadas na bola para um time mais velho e que já havia jogado 135 a minutos a mais até aquele momento.  Era acima de tudo uma prova de que Tite não havia se preparado e, pior, tampouco havia preparado a seleção para enfrentar um time que sabe como poucos como rodar a bola.

No segundo tempo, as coisas melhoraram um pouco, especialmente porque os croatas claramente começaram a cansar, especialmente o cérebro do time, Luka Modric, que com seus 37 anos, começou a diminuir compreensivelmente o seu ritmo. Mas quando parecia que as coisas iriam melhorar, eis que Tite resolve fazer a substituição incompreensível, tirando Vinicius Junior para colocar Rodrygo, deixando em campo o inoperante Lucas Paquetá. O jogo continuou amarrado, ao gosto dos croatas, que não se deram ao trabalho de dar um chute no gol de Álisson, o que só aconteceria aos 11 minutos do segundo tempo da prorrogação, quando sabemos a única que foi na direção certa acabou entrando.

Nem o gol fantástico de Neymar no final do primeiro tempo da prorrogação acabou nos salvando porque em um ataque completamente desnecessário, o Brasil tomou o gol que resultou na cobrança de penaltis que já sabemos acabou com a campanha brasileira na Copa do Catar.

Mas por que o Brasil de Tite seria a cara do Brasil de Bolsonaro?

A primeira pista está logo foras linhas com o filho de Tite, Mateus Bachi, exercendo um papel que só ocupava por claro nepotismo. O Brasil que possui milhares de profissionais capacitados a estar ali, preferiu deixar com Tite a decisão de empregar o próprio filho que exerceu, sabe-se lá como, o papel de orientar os jogadores na hora da entrada em campo. E como um bom exemplar do Bolsonarismo, sempre que questionado pelo cargo dado ao filho, Tite optou por se vitimizar.

A segunda se deu em torno de algo pretérito ao próprio campeonato, a lista de convocados. Na lista levada ao Catar por Tite tivemos como exemplos de escolhas estranhas o meio campo Fred e do jogador aposentado Daniel Alves. Para o lugar desses dois, o Brasil possui claramente dezenas de outros jogadores em exercício. Mas Tite decidiu levá-los por algum critério obscuro que depois se viu deixaram o time sem opções para momentos críticos, enquanto o artilheiro do campeonato brasileiro, Gabriel Barbosa do Flamego, ficou por aqui mesmo.

Mas o que mais me chamou atenção nos cinco jogos que o Brasil disputou foi a falta de um plano de jogo coletivo, e até de algo muito básico, o uso de jogadas ensaiadas. Como sou palmeirense, sei que o técnico Abel Ferreira tem só para os escanteios pelo menos cinco jogadas diferentes, as quais transformaram os zagueiros Murilo e Gustavo Gómez em artilheiros no útimo campeonato brasileiro. No caso do time de Tite, o que se viu foram as decisões individuais predominarem, em uma espécie de neoliberalismo de chuteiras, e uso de um conversê imenso para esconder isso (aliás, considero o Tite uma pessoa muita chata).  Como no futebol atual,  a capacidade de organizar o coletivo tende a suplantar os méritos individuais, armou-se todas as possibilidades para se perder para um time que não consegue ganhar, como é o da Croácia, mas que possui um plano claramente delineado e com as estrelas dispostas a deixar o individual de lado para fazer o coletivo brilhar.

Agora que a vaca foi para o brejo, resta-nos esperar pela megalomaníaca Copa Fifa de 2026. Até lá, pode ser que algo mude para melhor. Mas querem saber, com jogadores como Vinicius Junior mais preocupado em adicionar mais milhões à sua conta bancária enquanto o campeonato rolava em renegociações de contrato, não haverá muita mudança na forma que as coisas se deram dentro do campo. Espero apenas que no plano do governo federal, as coisas não sigam assim tão facilmente antecipáveis. É que ao contrário desse esporte milionário, o que temos é uma urgência incrível para começar a arrumar o que foi tão amplamente desarrumado nos últimos anos. A ver!

 

Resposta de uma Educadora ao Jornalista Juca Kfouri

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.” (Bertolt Brecht)

Por Vera Nepomuceno

Ontem, após mais uma manifestação dos profissionais da educação, o jornalista Juca Kfouri, apresentou uma nota onde procurou estabelecer nexos irreais acerca do nosso protesto. Gostaria na qualidade de educadora responder algumas questões, pois como bom jornalista que é, Kfouri esqueceu de levantar as verdadeiras questões que nos levaram a protestar na chegada da Seleção Brasileira de Futebol. Tentarei apresentar alguns elementos para reflexão.

Kifouri, não temos a pretensão de fazer respingar na seleção nossas querelas, queremos apenas mostrar ao mundo em que condições a educação pública no Brasil e em especial no Estado e na cidade do Rio de Janeiro passam.

Queremos mostrar que o nosso problema não é falta de dinheiro, pois não é segredo para ninguém os gastos bilionários com os estádios de futebol e o estado de inanição da nossa educação. Não temos a Seleção como objeto de nossas pautas, mas seria uma grande demonstração de solidariedade ao povo brasileiro, se os nossos jogadores defendessem conosco uma educação melhor, até porque muitos deles sabem o que é estudar em uma escola pública, pois passaram por nossas mãos.

Kfouri, não fazemos demagogia quando falamos que “um educador vale mais do que o Neymar”. Sabemos da qualidade de craque deste rapaz. Mas quem está comparando o incomparável é você quando diz que Neymar leva cem mil pessoas ao Estádio e que nunca viu nenhum professor, nem mesmo os da Suécia conseguirem tal proeza. E não veria mesmo. Primeiro porque o salário e as condições dos educadores suecos, nunca os colocaram na situação humilhante de ter que ir para as ruas em manifestações para ser ouvido, ou como você diz “aparecer”. Depois nossa profissão não é um jogo, nem tão pouco espetáculo. Educar é processo, exige tempo, condições, dedicação, recursos e toda uma vida. Você quase acerta quando afirma que nunca levamos cem mil a um estádio, mas inteligente como é, deveria lembrar que em função dos nossos baixos salários, que nos obrigam trabalhar em três, quatro ou mais escolas, e da superlotação das nossas turmas, certamente passam por nós algumas centenas de vidas! E não somente por 90 minutos.

E por último, lamentável de sua parte, com a história que tem, procurar nos chamar a razão sem tocar nos verdadeiros motivos que nos levaram a uma greve que iniciou desde o dia 12 de maio e que até hoje, não há grandes esforços para resolver o impasse por parte dos governantes. Nossa pauta é absurda? Estamos falando de situações fantasiosas? Pedimos o impossível. Não, só que queremos ser atendidos e abrir um processo de negociação com o governador Pesão e com o prefeito Paes.

Estamos gritando nas ruas o que o governo finge não existir, uma greve. E queremos avançar com salários, escolas e creches melhores. Pedimos 20% de aumento, o cumprimento da lei de 1/3 da carga horária de planejamento extraclasse, 30 horas para os funcionários, reconhecimento para nossas cozinheiras escolar, equiparação salarial para nossos professores de educação infantil, quantitativo de alunos por sala e berçários, exequível a uma boa educação.

Esperava que pelo menos no final da sua fala, você responsabilizaria o governador Pesão e o prefeito Paes, pelo vexame que nos obrigou a passar, todos nós, educadores e seleção! Mas infelizmente você preferiu puxar a orelha dos educadores. Espero que essa carta chegue em suas mãos, pois gostaria de ouvir o velho e bom Kfouri dando sua bronca a quem, nesse caso, merece ouvir: nossos governantes!

Vera Nepomuceno (professora de História da rede municipal de Duque de Caxias e da rede Estadual do Rio de Janeiro, pós graduada em políticas públicas na UFRJ e mestranda da UERJ)