Desmatamento e sistema de saúde precário aumentam o risco de surto de zoonoses no Brasil

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Estudo publicado ontem (29) na revista Science Advances mostra que dois terços dos estados brasileiros têm risco de médio a alto para ser o próximo palco de surto de zoonoses. Esta relação se dá, sobretudo, em populações humanas vulneráveis que ocupam áreas mais remotas e próximas à vida selvagem. O estudo, liderado por pesquisadores do Projeto RedesDTN, do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNpq), sediado na Fiocruz do Rio de Janeiro, chama atenção para o fato de que o aumento recente na vulnerabilidade ambiental e social do país pode acelerar a emergência do próximo surto.

O risco de surtos decorrentes de zoonoses é um tema que ganhou visibilidade com a ascensão em escala global da SARS-CoV-2. A ideia de olhar para animais, sobretudo os selvagens, como reservatórios
zoonóticos trouxe uma nova camada para a discussão sobre a conservação da biodiversidade: a abordagem da saúde global.

A pesquisa analisou dados de incidência de casos e mortes decorrentes de zoonoses, ocorrência de mamíferos e seus patógenos e parasitas, caça, perda de vegetação natural e cobertura verde urbana. Segundo os autores, nos países em desenvolvimento, a ocupação de áreas ambientalmente degradadas, associada à vulnerabilidade social da população, favorecem a rápida disseminação geográfica das infecções. Além disso, à medida que a ocupação humana vai avançando para as áreas naturais adentro, o contato com animais selvagens se intensifica. Isto cria condições para a emergência de doenças zoonóticas. Um exemplo é a incidência de malária e leishmaniose que está diretamente relacionada ao desmatamento.

De acordo com os autores, o aumento das vulnerabilidades ambientais e sociais no país, somados a crises econômicas e políticas, são potenciais gatilhos para surtos. Dados do Observatório do Clima mostram que, em 2020, o desmatamento elevou em 20% a emissão de gases na Amazônia Legal na comparação com o ano anterior.

Vulnerabilidade e capacidade de resposta

Para entender quais as áreas no país estariam mais sujeitas à emergência de surtos zoonóticos, os pesquisadores fizeram um esforço inicial de compilar dados de diferentes fontes e formatos no intervalo de 2001 a 2019. Em seguida, adaptaram o protocolo europeu INFORM que considera o risco à exposição, às vulnerabilidades, as estruturas de enfrentamento a situações de risco. Em seguida, analisaram as relações de dependências entre as variáveis.

A pesquisa constatou que há uma forte correlação entre perda de vegetação, riqueza de mamíferos, isolamento do município, pouca vegetação urbana e baixa cobertura vegetal. “O curioso é que a maioria das cidades que estão cercadas de mata nativa, têm pouca ou quase nenhuma vegetação urbana”, explica Gisele Winck, autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado do SinBiose. A aplicação do modelo mostrou que apenas 30% dos estados brasileiros, ou seja, oito estados, têm baixo risco de surtos de zoonoses.

Por exemplo, o Maranhão, que tem 34% do seu território coberto por floresta, é considerado de alto risco. Entretanto, o estado vizinho, Ceará, cujo bioma de prevalência é a Caatinga, tem baixo risco. Os outros sete estados de baixo risco são Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Goiás, Paraná e Rio Grande do Sul.

Uma característica compartilhada entre estes estados é a alta conectividade entre as cidades, o que favorece a capilarização do acesso ao sistema de saúde e, portanto, o tratamento de acometidos por zoonoses. “Se a pessoa não consegue tratamento em um município, ela consegue acessar outro município rapidamente. Isto tem a ver com a capacidade de resposta à crises”, explica Winck.

Os estados amazônicos são todos considerados de médio a alto grau de risco de surto zoonótico. Isto não é uma surpresa para os cientistas, pois a grande diversidade de espécies da Amazônia naturalmente abarca também riqueza de patógenos. “A questão é que atualmente há uma sobreposição das nossas áreas com maior cobertura vegetal e biodiversidade com as áreas de maior desmatamento. Isto as torna potencialmente um risco para a emergência de surtos de zoonoses”, avalia a pesquisadora.

Outro aspecto discutido no artigo é a caça. A caça é considerada atividade ilegal no país, exceto como atividade de subsistência para comunidades tradicionais e indígenas. Ainda assim, não é incomum encontrar a comercialização de carne de caça em todas as regiões do país. Esta manipulação de carne de caça preocupa os pesquisadores, não apenas em termos de manejo das espécies, mas também de saúde coletiva.

O consumo desta carne pode representar uma porta de entrada para patógenos e parasitas desconhecidos. “É preciso discutir este tema ao invés de ignorá-lo. Talvez a regulamentação incluindo monitoramento sejam saídas para a redução dos riscos eminentes”, considera a autora. Estimativas recentes apontam que o mercado de carne de caça na Amazônia Central seja de aproximadamente 35 milhões de dólares por ano e a carne de mamíferos é a mais consumida, seguida pela de répteis e aves.

Para finalizar, os autores apontam no artigo que não há uma única saída. “O desafio atual é a colaboração intersetorial para uma gestão eficaz focada no conceito de Saúde Única (One Health), sobretudo em países mega diversos com alta vulnerabilidade social e crescente degradação ambiental, como o Brasil”.


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Este texto foi originalmente publicado pela Agência Bori [Aqui!].

Jair Bolsonaro e Paulo Guedes são dois boquirrotos certos da impunidade. Mas até quando?

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O governo Bolsonaro é caracterizado, entre outras coisas, pela língua solta de suas principais figuras a começar pelo próprio presidente e seu todo poderoso ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes.  A tática parece obviamente tirada da cartilha da ultradireita estadunidense, e os ataques ácidos são usados para ridicularizar e colocar na defensiva todos aqueles que possam ser vistos como insurgentes contra a deconstrução das políticas ultraneoliberais que estão sendo implantadas no Brasil desde janeiro de 2019.

Hoje o alvo do ministro Paulo Guedes foram os servidores públicos de quem o governo Bolsonaro quer remover nada menos do que 25% dos salários à guisa de equilibrar as contas públicas, mas que na prática visa apenas aumentar a capacidade do governo federal de injetar dinheiro nos bancos sob a  desculpa de pagamento da dívida pública. Falando a uma plateia seleta em uma palestra proferida na Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV EPGE), Paulo Guedes equiparou  todos os servidores públicos brasileiros a parasitas. A razão do ataque? O fato dos servidores exigirem o reajuste anual dos salários, de modo a, pelo menos, repor as perdas inflacionárias.

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Já o presidente Jair Bolsonaro, em uma das célebres saídas na porta do Palácio do Planalto soltou a língua para atacar os ambientalistas que se opõe ao seu projeto de liberação total das terras indígenas para empreendimentos variados que vão desde a mineração, passando pela agropecuária, e incluindo ainda a construção de hidrelétricas. Para Bolsonaro, os ambientalistas que se opõe ao seu projeto não passam de pessoas de “paletó e gravata, uísque, carpete, vendo televisão a noite toda e, também né, fumando um cigarrinho ‘legal’ a noite toda“. Em outras palavras, o presidente Bolsonaro aparentemente rotulou todos os que se opõe ao seu projeto para as terras indígenas como almofadinhas que são usuários de drogas.

bolsonaro ambientalistas

As declarações de Guedes e Bolsonaro são claramente exageradas e atingem  dois segmentos inteiros com rótulos que eles sabem não serem merecedores do ataque que realizam. Mas isso não os impede de se pronunciar dessa forma, nem temer repercussões judiciais por dizerem algo que é violador dos direitos constitucionais de todos os atingidos.  A questão aqui é por que Guedes e Bolsonaro (e podem colocar aí também Abraham Weintraub e Ricardo Salles) se manifestam de uma forma que pode facilmente gerar processos judiciais e desgastes com segmentos inteiros?

A resposta é simples: porque eles sabem que a reação nunca será à altura do ataque que fizeram, se as coisas não mudarem radicalmente no Brasil. Em outras palavras, esculacham servidores públicos e ambientalistas porque sabem que sairão impunes.  Resta saber apenas até quando os que são caluniados e injuriados vão continuar assistindo a este show de horrores de forma apática e omissa. 

Uma coisa é certa: se não houver reação, os ataques de hoje serão apenas uma gota no oceano dos ataques que ainda virão.