COP 30: as duras críticas às políticas ambientais do Brasil publicadas na Science

Pesquisadores defendem que parar o desmatamento na Amazônia é apenas uma das ações necessárias para lidar com as mudanças climáticas na região
Por André Biernath,  para a BBC News Brasil em Londres 

“Como anfitrião, o Brasil não está liderando pelo exemplo.”

Oito meses antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, que será realizada em novembro na cidade Belém do Pará, a atuação do governo brasileiro virou alvo de críticas num editorial da prestigiada revista científica Science.

Assinado pelos cientistas Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), e Walter Leal Filho, da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, na Alemanha, o texto aponta que, “com exceção do Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, virtualmente todos os setores do governo promovem atividades que aumentam as emissões de gases do efeito estufa“.

Como exemplo, eles citam o projeto do Ministério dos Transportes de recuperar a BR-319, que vai de Manaus, no estado do Amazonas, a Porto Velho, em Rondônia.

“Essa vasta região que será exposta pelas estradas contém carbono suficiente para empurrar o aquecimento global a um ponto irreversível”, alertam eles.

Fearnside e Leal Filho também citam o subsídio oferecido pelo Ministério da Agricultura para “transformar pastagens em plantações de soja“. Segundo eles, esse é outro elemento incentivador do desmatamento.

“Quando a terra se torna mais valiosa para o plantio de soja, pecuaristas (incluindo aqueles que vêm de fora da Amazônia) vendem a terra para agricultores e usam os lucros para comprar áreas maiores e mais baratas em regiões remotas da Amazônia”, argumentam eles.

“Cada hectare de pasto convertido em plantação de soja pode gerar muitos hectares de desmatamento.”

Os autores do editorial ainda citam a ação do Ministério de Minas e Energia para a abertura de novos campos de exploração de petróleo e gás na Floresta Amazônica e em regiões costeiras — incluindo os planos para avaliar o potencial energético na foz do rio Amazonas.

Os especialistas avaliam que o plano brasileiro de continuar a buscar novos poços de petróleo até o país alcançar o nível econômico de países desenvolvidos é “a fórmula para um desastre climático”.

Eles lembram que, em 2021, a Agência Internacional de Energia se mostrou favorável a não abrir qualquer novo ponto de exploração de gás ou petróleo, além de restringir a extração nos campos já abertos. A proposta da instituição é acabar com esse tipo de atividade até 2050.

Para Fearnside e Leal Filho, os estudos sobre petróleo na foz do Amazonas implicam efeitos de longo prazo. Eles calculam que um campo de exploração aberto ali demoraria cinco anos para começar a operar e outros cinco anos para dar retorno financeiro.

“E porque ninguém quer apenas recuperar o investimento, uma iniciativa dessas levaria a décadas de extração — muito além de quando o mundo precisaria abandonar os combustíveis fósseis”, escrevem eles.

Lula e Marina Silva

Em editorial, cientistas dizem que Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, comandado por Marina Silva (à direita), é exceção nas políticas ambientais do atual governo Lula (à esquerda). Crédito,Getty Images

‘Impactos catastróficos’

Para os especialistas que assinaram o editorial na revista Science, o fato de o Brasil assumir a liderança na luta contra as mudanças climáticas faz todo o sentido — e não apenas porque o país vai sediar a COP 30.

Eles lembram que o aumento da temperatura fora de controle terá “impactos catastróficos” no país.

“[Nesse cenário de impactos catastróficos,] O Brasil perderia a Floresta Amazônica, incluindo o papel vital que ela tem ao reciclar a água que supre a Grande São Paulo, a quarta maior região metropolitana do mundo.”

A bacia hidrográfica que chega a São Paulo recebe entre 16% e 70% de sua água das chuvas, cujo vapor é transportado a partir da Amazônia a partir dos chamados “rios voadores”.

Estimativas apontam que a destruição desse bioma aumentaria a frequência de secas extremas no Sudeste do país.

“A região semi-árida no Nordeste, que é densamente populada, se transformaria num deserto, e as populações que habitam a costa litorânea seriam expostas a um aumento das tempestades e do nível do mar.”

“O agronegócio e a agricultura familiar brasileiras também sofreriam impactos pesados. Secas de uma severidade ‘sem precedentes’ são esperadas no Brasil, e a frequência desses eventos poderia aumentar em pelo menos dez vezes.”

Com isso, “surpresas climáticas” — como as enchentes que assolaram o Rio Grande do Sul em 2024 — se tornarão mais comuns, apontam os pesquisadores.

Rua afetada pelas enchentes no Rio Grande do Sul

Legenda da foto,Eventos climáticos extremos, como as inundações que arrasaram o Rio Grande do Sul no ano passado, ficarão mais frequentes se medidas não forem tomadas agora, apontam estudos. Crédito,Getty Images

‘Mudança radical’

Por fim, os responsáveis pelo editorial opinam que, para a COP 30 ser um evento capaz de reverter o “curso desastroso em direção ao ponto de não-retorno climático”, será necessário não apenas conter o desmatamento

“É preciso facilitar uma transição rápida para o fim do uso de combustíveis fósseis, dizem eles.

Fearnside e Leal Filho defendem que o Brasil, como anfitrião da conferência, precisa ser “encorajado a modificar as práticas atuais”.

“A COP 30 enfrenta grandes desafios para atingir os seus objetivos. E uma parte importante disso envolve conter as emissões de gases a partir da Amazônia“, escrevem eles.

Os cientistas defendem uma “mudança radical nas políticas do governo brasileiro, tanto nos fatores que causam desmatamento quanto na extração de combustível fóssil”.

O que diz o governo

A BBC News Brasil entrou em contato com os ministérios citados no editorial para que eles pudessem se posicionar sobre o debate.

O Ministério do Transporte informou que “as políticas ambientais do Governo Federal são definidas pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima” e ficou à disposição para mais esclarecimentos sobre as políticas da pasta.

Já o Ministério de Minas e Energia pontuou que “os projetos exploratórios na Bacia da Foz do Amazonas não estão próximos à Floresta Amazônica”.

“Os blocos atualmente sob contrato nessa região estão situados em águas ultraprofundas, a cerca de 500 km da foz do Rio Amazonas e a 180 km do litoral do Amapá.”

“A pesquisa dessas áreas segue rigorosos padrões ambientais, com avaliações técnicas detalhadas conduzidas pelos órgãos reguladores competentes. O objetivo é conhecer o potencial geológico da Margem Equatorial, uma nova fronteira exploratória offshore que pode contribuir para a segurança energética do Brasil.”

O ministério ainda defendeu que “a transição para uma economia de baixo carbono é um processo gradual”.

“O petróleo seguirá desempenhando um papel estratégico na matriz energética global até 2050, e reduzir sua exploração de forma abrupta, sem planejamento, pode gerar impactos econômicos e sociais significativos. Além disso, a exploração brasileira tem uma das menores pegadas de carbono do mundo, o que a torna uma alternativa mais sustentável frente à produção global.”

“Se o Brasil deixar de explorar suas reservas, poderá se tornar dependente da importação de petróleo nas próximas décadas, resultando em perda de arrecadação e vulnerabilidade energética. De acordo com projeções da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e do próprio MME, a não exploração da Margem Equatorial pode levar a perdas de até R$ 3 trilhões até 2050.”

Por fim, o ministério reafirmou “o compromisso com uma transição energética justa, sustentável e alinhada às metas climáticas globais, garantindo ao mesmo tempo o desenvolvimento econômico e a segurança energética do país”.

O Ministério da Agricultura e Pecuária não enviou respostas até a publicação desta reportagem.


Fonte: BBC News

Em carta, cientistas alertam que falhas na proteção do Cerrado podem levar a perdas irreversíveis

cerrado boriProlongamento da estação seca por conta da destruição do Cerrado deve afetar diretamente safras de soja, alertam cientistas

bori conteudo

Desde que assumiu, em 2023, o governo Lula conseguiu diminuir as taxas de desmatamento na Amazônia. Pouca atenção, no entanto, tem sido dada ao Cerrado, que vem perdendo áreas significativas de floresta no último ano. O alerta vem de cientistas, em carta publicada na revista científica “BioScience nesta quarta (28). Segundo eles, a falta de valorização deste bioma por políticas ambientais está levando a impactos irreversíveis no clima e no abastecimento de água no país, que atingirá um dos principais setores econômicos brasileiros: o agronegócio.

O texto, assinado por pesquisadores do Centro de Conhecimento em Biodiversidade na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade Internacional da Flórida (EUA), ressalta que a agenda ambiental de Lula tem apresentado poucos resultados no Cerrado. Enquanto Amazônia brasileira teve uma queda de 23% no desmatamento em comparação com o ano anterior, o Cerrado teve um aumento de 3% no desmatamento anual no mesmo período. Com isso, a Amazônia — que tem o dobro do tamanho do Cerrado — perdeu 9 mil quilômetros quadrados de floresta em 2023. Já o Cerrado perdeu 11 mil quilômetros de vegetação.

“O menor esforço de proteção é, em parte, devido à aparência menos imponente da vegetação do Cerrado, com estatura muito inferior à da floresta amazônica”, ressalta Philip Fearnside, pesquisador do Inpa, especialista em mudanças climáticas e coautor da carta.

Além do apelo estético, o menosprezo pela preservação do Cerrado também está ligado a interesses econômicos, segundo os especialistas. Na carta, eles mencionam que existe uma pressão, vinda principalmente do agronegócio, para relaxar as restrições ambientais no bioma, permitindo a substituição da vegetação por pastagens e plantios de soja. Para Fearnside, ceder a essa pressão é um tiro no pé. “A perda do Cerrado é irreversível na prática e terá repercussões na estabilidade de parte da Amazônia, nos países vizinhos e no agronegócio, que depende das águas desse bioma”.

Segundo Fearnside, a destruição do Cerrado gera ganhos de curto prazo para grandes produtores, como os que investem na soja. Mas, a perda da vegetação é contrária até mesmo ao interesse do setor agrícola. “O aquecimento global é uma ameaça para todo o Brasil, incluindo o agronegócio. Por exemplo, a região do Matopiba, considerada a grande fronteira agrícola nacional, deixará de existir como área para agricultura se esse fenômeno escapar do controle”, alerta o cientista.

Também já é possível observar as consequências da devastação do bioma, de acordo com o pesquisador. Ele dá como exemplo o prolongamento da estação seca no norte do Mato Grosso que já chegou a quase um mês a mais que o habitual. “A seca não só ameaça o trunfo do Brasil de obter duas safras de soja na mesma área todos os anos, mas também favorece a savanização do sul da Amazônia. A savana que substituiria a floresta amazônica não seria biodiversa como o Cerrado”.

Para os pesquisadores, o governo brasileiro é a principal entidade que precisa tomar decisões para preservar o Cerrado. Na carta, eles recomendam a criação urgente de um fundo, assim como esforços para aumentar a visibilidade internacional do bioma. “A atenção internacional pode influenciar as decisões do governo brasileiro. Além disso, ela pode incentivar possíveis restrições ambientais de países que importam commodities como a soja, o que impacta diretamente nos interesses sobre o bioma”, finaliza Fearnside.


Fonte: Agência Bori

Rodovia BR-319: O perigo chega a um momento crítico

BR 319

Por Philipe M. Fearnside

A reconstrução da rodovia brasileira BR-319 (Manaus-Porto Velho) (Figura 1) e seus projetos ocultos associados ainda não são um fato consumado , mas o perigo atingiu um momento crítico. Em novembro de 2023, o presidente Lula criou um grupo de trabalho (GT) da BR-319 organizado pelo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNIT) para considerar quais medidas podem ser adotadas para tornar a reconstrução da BR-319 ambientalmente sustentável. Em dezembro, o projeto foi adicionado ao Plano de Desenvolvimento Regional da Amazônia (PRDA ) para 2024-2027, e a Câmara dos Deputados promoveu um projeto de lei com status “urgente” para acelerar uma medida que obrigaria o órgão licenciador (IBAMA) a aprovar o projeto de reconstrução da BR-319 e autorizar o governo federal a financiá-lo. Os grupos de interesse envolvidos têm votos mais que suficientes para aprovar isso: em fevereiro de 2024, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) controlava sozinha 324 dos 513 assentos na Câmara dos Deputados (63%) e 50 dos 81 assentos no Senado ( 62%).

Em janeiro de 2024, o Secretário Executivo do Ministério dos Transportes garantiu ao GT BR-319 que é compromisso do presidente Lula reconstruir a BR-319. O relatório final da BR-319 GT está previsto para fevereiro de 2024, e deve ser divulgado nos próximos dias. Em sua fala ao GT-BR-319, o Secretário Executivo do Ministério dos Transportes afirmou que o objetivo do relatório do GT é identificar “as formas de resolver o licenciamento ambiental”, ou seja, justificar a aprovação da instalação licença para o projeto de reconstrução da BR-319. Não há claramente nenhuma intenção por parte do grupo de trabalho de produzir uma análise neutra para considerar a questão de saber se o impacto seria justificável e se o projecto deveria avançar após as medidas de mitigação propostas.

Figura 1. Rodovia BR-319 e vicinais planejados associados, como AM-366 e AM-343, abrindo a região Trans-Purus à entrada de desmatadores. As áreas cinzentas ao longo das rotas planejadas da AM-366 e AM-343 estão registradas até 2021 no Cadastro Ambiental Rural (CAR), ou seja, áreas reivindicadas por grileiros em antecipação à construção dessas estradas ligadas à BR-319 ( nenhuma dessas reivindicações é da população residente local, pois as pessoas que vivem às margens dos rios nessas áreas não têm acesso à Internet e não possuem habilidades técnicas para fazer reivindicações de CAR georreferenciadas on-line). Fonte: AM Yanai.
Figura 1. Rodovia BR-319 e vicinais planejados associados, como AM-366 e AM-343, abrindo a região Trans-Purus à entrada de desmatadores. As áreas cinzentas ao longo das rotas planejadas da AM-366 e AM-343 estão registradas até 2021 no Cadastro Ambiental Rural (CAR), ou seja, áreas reivindicadas por grileiros em antecipação à construção dessas estradas ligadas à BR-319 ( nenhuma dessas reivindicações é da população residente local, pois as pessoas que vivem às margens dos rios nessas áreas não têm acesso à Internet e não possuem habilidades técnicas para fazer reivindicações de CAR georreferenciadas on-line). Fonte: AM Yanai.

Embora o BR-319 GT discuta como tornar a BR-319 “ambientalmente sustentável”, é importante deixar claro que isso não acontecerá. As medidas a serem adotadas aliviariam apenas um pouco o impacto ao longo da rota entre Manaus e Humaitá, enquanto impactos muito maiores afetariam vastas áreas distantes da própria estrada e não seriam controlados mesmo que o presidente do Brasil e os governadores dos estados tivessem isso como sua primeira prioridade. Esses impactos sequer foram considerados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e não fazem parte das atuais discussões organizadas pelo DNIT. A BR-319 traria grileiros, pecuaristas, agricultores e madeireiros da região da AMACRO, que hoje é um dos principais focos de desmatamento na Amazônia (Figura 2). Esses atores poderiam se espalhar por toda a área já ligada a Manaus por estradas e às enormes áreas que seriam abertas por estradas planejadas para serem ligadas à BR-319, como a AM-366. As áreas que receberão esses desmatadores incluem Roraima , que é famoso por ser o estado com menor controle ambiental. A AM-366 abriria a região Trans-Purus – a vasta área florestal no estado do Amazonas a oeste do rio Purus.

A região do Trans-Purus inclui a maior área da Amazônia de terras públicas não designadas , que são as mais atrativas para grileiros e outros invasores. As estradas vicinais que ligariam à BR-319, como a AM-366, fazem parte do impacto do projeto da BR-319, embora os políticos finjam que este é um problema à parte. Não é separado, e o lobby dos Amigos da BR-319 ” já pressiona pela AM-366. As estradas vicinais seriam rodovias estaduais, o que significa que escapam do licenciamento federal e seriam aprovadas pelo órgão ambiental do estado do Amazonas, muito mais flexível. Isto oferece pouca proteção, já que o governador pode efetivamente ordenar que a agência aprove o que ele quiser. Isso ficou constrangedoramente claro em 2017, quando garimpeiros ilegais incendiaram os escritórios dos órgãos ambientais federais em Humaitá (na rodovia BR-319), momento em que o governador declarou seu apoio à legalização da mineração e o órgão estadual simplesmente autorizou os incêndios criminosos para continuarem suas atividades de mineração. Vários grupos de interesse poderosos se beneficiariam com a AM-366, incluindo empresas de gás e petróleo (veja aqui e aqui ), pecuaristas e grupos de agronegócio da região da AMACRO , agricultores organizados sem terra (veja aqui e aqui ) e grileiros (ver Figura 1). ). O que acontece depois de se fornecer acesso rodoviário está em grande parte fora do controle do governo federal .

Figura 9. Incêndio na região da AMACRO em agosto de 2022 (Foto: Nilmar Lage/Greenpeace, 30 de agosto de 2022).
Figura 2. Queimadas na região da AMACRO, principal foco de desmatamento onde se encontram os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, que será conectado a vastas áreas de floresta intacta pela BR-319 e estradas associadas. Pode-se esperar que os actores e processos desta região se desloquem para áreas abertas pelo projecto. Foto: Nilmar Lage/Greenpeace/30/08/2022

Um dos temas em discussão é a criação de unidades de conservação (áreas protegidas para a biodiversidade). Isso é bom, e muitos deles deveriam ser criados rapidamente, antes que as áreas sejam invadidas e desmatadas. Algumas dessas áreas deveriam ser do tipo “proteção integral”, mas a maioria poderia ser da categoria de “uso sustentável”, desde que não sejam “áreas de proteção ambiental” (APAs), que permitem propriedades privadas e oferecem quase nenhuma proteção. . Todas as áreas florestais públicas não designadas deveriam ser convertidas em unidades de conservação ou terras indígenas, e nada legalizado como propriedade privada. Isso não deverá ocorrer apenas ao longo da BR-319, mas em toda a área impactada, incluindo a região Trans-Purus.

Parte da discussão é sobre experiências internacionais com estradas que cortam áreas preservadas, que são vistas como modelos para a BR-319. Exemplos internacionais têm sido usados ​​como argumento de que declarar a BR-319 uma “estrada parque” eliminaria o desmatamento. Infelizmente, esta noção é completamente irrealista no contexto da fronteira amazônica. O primeiro EIA da BR-319 (produzido em 2009 e posteriormente substituído pelo atual EIA) apresentou o Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, como exemplo do que se esperava para a BR-319 com “governança”. Incluía (p. 205) um mapa das estradas de Yellowstone, por onde circulam milhões de turistas e ninguém derruba uma única árvore. Seria difícil exagerar a irrealidade deste cenário para a BR-319. Este discurso continua: em agosto de 2023 o Ministro dos Transportes declarou que a BR-319 será “a rodovia mais sustentável e verde do planeta”. Os desmatadores atraídos pela BR-319 não se comportam como turistas, e a governança” imaginada não os controla na prática.

O melhor exemplo é a reconstrução da rodovia BR-163 (Santarém-Cuiabá), licenciada em 2006 com base na hipótese de que o “Plano BR-163 Sustentável” evitaria o desmatamento. Esse programa incluiu 32 organizações não governamentais mais o governo federal e contou com a participação de alguns dos melhores ambientalistas e acadêmicos do país. A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou que a BR-163 seria um “corredor de desenvolvimento sustentável”. A história real que se desenrolou não acompanhou esse cenário: a área se tornou, e ainda é, um dos maiores focos de desmatamento, grilagem de terras, extração ilegal de madeira e mineração “selvagem” da Amazônia. Em 2019, um “ dia do fogo foi organizado a partir de Novo Progresso, na BR-163, quando fazendeiros de toda a Amazônia concordaram em queimar no mesmo dia para mostrar ao presidente Bolsonaro que estavam “desenvolvendo” a Amazônia. A BR-163 gerou as invasões da Terra Indígena Baú , a grilagem de terras na Floresta Nacional do Jamanxim , e as estradas vicinais que dão acesso à metade ocidental da Terra do Meio (uma área florestal do tamanho da Suíça).

BR-230, também conhecida como Rodovia Transamazônica; a rodovia R-163 Cuiába-Santarém; e a rodovia BR-319 Manaus-Porto Velho, mostrada aqui, são estradas oficiais que atravessam a Amazônia e geraram uma rede de ramificações ilegais. Imagem cortesia do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

Os riscos no projeto de reconstrução da BR-319 são enormes, e o governo brasileiro não tem e não terá capacidade de conter os impactos num horizonte de tempo que vai muito além de qualquer mandato político. O custo seria astronômico para controlar a situação em toda a área que receberia os impactos. Qual é o plano para controlar o desmatamento em Roraima e na região Trans-Purus? Os riscos colocam em risco os interesses nacionais mais básicos do Brasil, incluindo a sustentação da cidade de São Paulo . A floresta da região Trans-Purus, ameaçada pela AM-366, AM-343 e outros projetos ligados à BR-319, é a principal fonte de água da maior cidade do país, e a reciclagem de água através da floresta em essa área é fundamental para fornecer vapor d’água aos ventos conhecidos como “ rios voadores ” que levam água para o Sudeste brasileiro, onde fica São Paulo. Pesquisas indicam que 70% da água da bacia hidrográfica que inclui São Paulo vem da Amazônia . Manter a floresta na área ameaçada pelo projeto BR-319 também é fundamental para evitar que o aquecimento global ultrapasse um ponto crítico e escape ao controle humano, o que seria catastrófico para o Brasil , levando a grandes secas e incêndios, inundações, perda da Amazônia florestal, desertificação da região Nordeste do país, grandes tufões e elevação do nível do mar na costa brasileira, grandes perdas para o agronegócio e a agricultura familiar e temperaturas insuportáveis ​​para a população humana em muitas localidades.

Os benefícios da BR-319 têm sido incessantemente exagerados. A rodovia não é economicamente justificável, pois o transporte de produtos das fábricas da Zona Franca de Manaus para os mercados da região Sudeste é muito mais barato por via fluvial do que pela rodovia. A BR-319 é ​​o único grande projeto de infraestrutura do país que não possui Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental ( EVTEA ), ou seu antecessor, o Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE). Apesar do longo histórico de desculpas para não ter um EVTE, o verdadeiro motivo é óbvio: o projeto não é economicamente viável , mesmo sem considerar os seus enormes custos ambientais. O primeiro EIA (p. 216) chegou a admitir que “ representantes das indústrias de Manaus indicaram que, no momento, a rodovia teria pouca importância para o Pólo Industrial de Manaus” . Não se deve deixar enganar pelo discurso político sobre uma utopia de governação inexistente. Arriscar os impactos deste projeto é muito perigoso.

Uma versão anterior deste texto foi publicada em português pela Amazônia Real e em inglês pela Mongabay [Aqui!]. 

Imagem de cabeçalho: imagem gerada mostrando uma estrada através de uma paisagem desmatada.

Cúpula da Amazônia como um tigre banguela

Principais causas do desmatamento são omitidas da declaração final

184097O desmatamento da Amazônia continua

Por Philip Fearnside para o “JungeWelt”

O fato de os oito países amazônicos se reunirem e discutirem o desmatamento é positivo, ainda que os resultados da própria reunião e da “Declaração de Belém” sejam decepcionantes. Os estados amazônicos se recusaram a concordar com uma meta para acabar com o desmatamento ilegal, nem permitiriam que projetos de petróleo e gás na Amazônia fossem banidos. As únicas coisas em que eles concordaram são questões politicamente fáceis, como “admoestar os países desenvolvidos a cumprir suas promessas e contribuir com mais dinheiro para os esforços de redução do desmatamento”. Além disso, os países amazônicos são unânimes em condenar medidas unilaterais como restrições ambientais, por exemplo da União Européia, à importação de produtos como soja, carne bovina e madeira,

De fato, mais contribuições monetárias são necessárias para a conservação da floresta e podem ter um impacto positivo na redução do desmatamento. No entanto, se for bem-sucedida, a resistência dos países amazônicos às restrições de importação teria o efeito oposto e removeria uma via importante para influenciar as políticas que impulsionam o desmatamento. Reduzir efetivamente o desmatamento requer muito mais do que apenas dinheiro. Requer também coragem política. E a introdução de critérios ambientais nas importações pode ajudar a gerar essa coragem.

As ações mais importantes e politicamente difíceis de implementar também não foram consideradas na Cúpula da Amazônia e ficaram como elefantes na sala. Por exemplo, um acordo necessário para parar de construir estradas na Amazônia que dão acesso aos madeireiros a áreas de floresta tropical que ainda estão intactas. O primeiro e mais importante aqui é a renovação e asfaltamento da rodovia federal BR-319 de Manaus a Porto Velho planejada pelo Brasil com todas as estradas vicinais associadas. Também não foi abordada a necessidade de impedir reivindicações de terras públicas pelos governos federal e estaduais na Amazônia – eufemisticamente referido como “regularização” no discurso brasileiro. O reconhecimento estatal dessas reivindicações de terra, ou seja, a “regularização”, levaria a uma cadeia interminável de grilagem, desencadeiam invasões de terras e desmatamento. Tanto o desmatamento passado quanto o futuro seriam legalizados. E essa seria a maneira mais fácil de cumprir a promessa do presidente brasileiro Lula da Silva de acabar com o desmatamento “ilegal” até 2030, sem ter que realmente parar o desmatamento.

E os estados amazônicos em Belém não conseguiram sequer concordar com o fim do desmatamento “ilegal” da floresta tropical proposto pelo Brasil. No entanto, os efeitos do desmatamento legal de um hectare de floresta tropical são os mesmos para o clima e a biodiversidade que o desmatamento ilegal. Conclusão: Infelizmente, as principais causas do desmatamento não foram abordadas na cúpula de Belém. Mas são justamente essas que devem ser combatidas e eliminadas rapidamente se ainda quisermos evitar a derrubada da maior região de floresta tropical do planeta.


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Este texto foi originalmente em alemão pelo jornal “JungeWelt” [Aqui!].

Entrevista com Philip Fearnside sobre a responsabilidade do Brasil na Amazônia e no aquecimento global

Sobre a responsabilidade do Brasil na Amazônia e no aquecimento global. Uma conversa com o pesquisador climático Philip Martin Fearnside

183970Indígenas em área desmatada da Bacia Amazônica (perto de Humaitá, 20/08/2019)

Pesquisadores da Amazônia e do clima concordam: a maior região de floresta tropical do mundo está à beira do colapso. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, convidou, portanto, os chefes de governo de todos os países da bacia amazônica para a cúpula amazônica nos dias 8 e 9 de agosto em Belém, capital do estado do Pará, que já foi fortemente desmatado. O objetivo é uma posição comum para a próxima conferência da ONU sobre mudanças climáticas (COP 28), em novembro. “Queremos dizer ao mundo o que faremos com nossa floresta e o que ela precisa fazer para nos ajudar, porque US$ 100 bilhões foram prometidos em 2009 e não foram pagos até agora”, disse Lula antes da cúpula. . 14 perguntas para a Amazônia e o pesquisador do clima Philip Martin Fearnside sobre a cúpula da Amazônia, a política de proteção florestal do governo brasileiro, barragens, construção de estradas, petróleo e desmatamento zero.

Entrevista por Norbert Suchanek para o “Neues Deutschland”

Quão perto estamos do ponto sem volta do ecossistema amazônico? A Amazônia corre o risco de entrar em colapso em um futuro próximo?

As áreas fortemente desmatadas no sul do Pará e norte do Mato Grosso podem já ter passado desse ponto, mas isso não significa jogar a toalha. Arce é outra região que está próxima ou além de um ponto crítico. O que será decisivo é o que acontece ao norte de Arce, na região do Trans-Purus, no Amazonas. Perder a floresta seria catastrófico, pois essa área é vital para a reciclagem da água. Existe o risco de que essa região do “Trans-Purus” seja aberta à exploração madeireira por estradas vicinais da BR-319.

De acordo com seu atual Programa de Conservação da Amazônia (PPCDAm), Lula quer acabar com a extração ilegal de madeira até 2030. Isso significa que o registro legal continuará?

A reafirmação da promessa de Lula em seu famoso discurso na COP 27 no Egito, sem dúvida, reflete os planos reais melhor do que o que ele disse, onde a palavra crítica “ilegal” não foi mencionada. Sim, a extração legal não apenas continuaria, mas aumentaria significativamente, pois Lula também promete regularizar as reivindicações fundiárias. Este é um eufemismo para o reconhecimento legal de reivindicações ilegais. A maior parte das terras está agora legalizada por meio de inscrições no Cadastro Ambiental Rural (CAR), criado em 2012 sob a atual Lei Florestal, que permite o registro on-line de propriedades sem uma inspeção no local. Na prática, o CAR tornou-se a principal ferramenta para grileiros se apropriarem de terras públicas sem destino. Uma vez que uma área é de propriedade legal, a exploração madeireira é permitida. Claro, esse reconhecimento alimenta novas reivindicações e invasões. O ciclo contínuo de “anistias” de invasões de terras anteriores só termina quando a última árvore é cortada.

A atual “meta de desmatamento zero” do Brasil até 2030 é suficiente para salvar a Amazônia?

Se o desmatamento parasse até 2030, incluindo o desmatamento “legal”, isso seria um progresso. No entanto, existem outras ameaças. Os incêndios florestais são favorecidos pelas mudanças climáticas, exploração madeireira e queima de pastagens em áreas já desmatadas.

O PPCDAm do Brasil também planeja expandir a exploração madeireira sustentável em florestas públicas para até cinco milhões de hectares. Isso está no espírito de uma estratégia de desmatamento zero?

O uso sustentável da madeira é uma ficção. Essencialmente, toda a exploração madeireira na Amazônia é insustentável, incluindo a madeira extraída de planos de manejo florestal sustentável legalmente aprovados. Nenhum desses planos leva em conta que a exploração torna a floresta muito mais vulnerável a incêndios florestais. Quando uma área explorada queima, a intensidade do fogo e a perda de biomassa são maiores. Isso cria um ciclo vicioso de incêndios repetidos. Além disso, o manejo florestal é insustentável devido a contradições na lógica econômica e brechas na lei.

Grande parte da Amazônia brasileira é propriedade do Estado, chamada de “terras públicas sem propósito”, bem mais de 50 milhões de hectares. O que o governo deve fazer com esta terra?

Essas áreas devem ser todas convertidas em reservas naturais, ou seja, áreas protegidas para a diversidade biológica ou territórios indígenas demarcados. Isso também deve incluir reservas de coleta para uso sustentável e tradicional da floresta. Nenhuma dessas terras deve ser legalizada como propriedade privada.

No passado, Lula foi responsável por grandes projetos hidrelétricos, como as hidrelétricas do Rio Madeira e do Rio Xingu. Você teme que outros grandes projetos hidrelétricos sejam decididos agora?

Esse é um grande temor, não só pelo passado de Lula, mas também por suas declarações de campanha defendendo as decisões tomadas na época. Adicione a isso o Plano de Desenvolvimento Energético 2050. Muitas outras barragens serão construídas na Amazônia depois se o projeto de lei PL191/2000 for aprovado, abrindo terras indígenas para construção de barragens – bem como mineração, agronegócio e exploração madeireira. Os grupos de interesse por trás dela têm votos suficientes para aprovar a lei, mesmo contra um veto presidencial.

Como você avalia as usinas hidrelétricas na Amazônia? Que contribuição eles fazem para a proteção do clima? Ou eles preferem aquecer o clima global?

As barragens existentes contribuem para o aquecimento global de várias maneiras. Eles emitem CO2 e metano. Essas emissões são muito maiores nos primeiros anos após o enchimento de um reservatório, tornando-as particularmente prejudiciais ao clima global. Ao contrário do CO2, o metano é um gás com forte efeito de aquecimento nos primeiros anos, o impacto do CO2 é relativamente pequeno, mas se estende por mais de um século. O que será decisivo é o que acontecerá nos próximos 20 anos. O último relatório do IPCC calculou que uma tonelada de metano produz 80,5 vezes mais que uma tonelada de CO2 nos primeiros 20 anos. Isso quadruplica o impacto das barragens na Amazônia em comparação com o valor relatado no Protocolo de Kyoto e na literatura atual sobre emissões de barragens (incluindo a minha).

Eles consideram a pavimentação da rodovia federal BR-319, na Amazônia central, uma das maiores ameaças à região. O senhor vê algum sinal de que o governo Lula vai concluir o projeto ou abandoná-lo?

Em entrevista a uma rádio em Manaus durante sua campanha eleitoral, Lula explicou que não entendia por que a reforma da BR-319 não deveria ser aprovada enquanto os governos estaduais e municipais se comprometessem com “salvaguardas”. Infelizmente, mesmo que tal promessa fosse feita, isso não reduziria os danos causados ​​pela Autobahn. Com impactos que se estendem muito além das áreas ao longo da BR-319, não há sinal de que os governos locais estejam dispostos a pagar o custo astronômico de interromper o desmatamento em toda a área.

Como você avalia os projetos de produção de petróleo e gás existentes e planejados nos estados amazônicos? A produção de petróleo nas áreas de floresta tropical não deveria ser interrompida apenas por razões de proteção do clima?

Para conter a mudança climática, o mundo deve abandonar o petróleo e o gás rapidamente. Até a Agência Internacional de Energia (IEA) emitiu um relatório afirmando que nenhum novo campo de petróleo e gás deve ser perfurado e os existentes devem ser reduzidos a zero, com zero emissões líquidas no mundo até 2050. O Brasil deve seguir esse caminho. Na região amazônica, a eliminação também deve ser mais rápida do que em outros lugares, pois, além das mudanças climáticas, os danos ambientais também são causados ​​pela poluição por óleo ou pela construção de estradas e desmatamento na floresta amazônica.

No projeto de óleo e gás na Bacia do Solimões. A Rosneft, empresa estatal russa de petróleo e gás, tem direitos de perfuração nesta área de floresta tropical intacta. Quando vai começar o financiamento? Ou o governo vai parar o projeto?

Nenhum cronograma ou decisão foi anunciado. Dados os laços estreitos de Putin com a Rosneft, a atitude de Lula em relação a Putin na guerra na Ucrânia é preocupante. O asfaltamento da BR-319 e a construção da rodovia estadual associada AM-366 são muito importantes para o projeto da Rosneft.

Quais seriam as consequências da implantação do projeto de óleo e gás para a floresta tropical da região?

O AM-366 passaria por três dos primeiros blocos de petróleo, bem como por uma grande área de potenciais blocos futuros. Se essa estrada for construída, grileiros e posseiros invadiriam as terras públicas ainda não designadas. Toda a metade leste da malha rodoviária proposta já é reivindicada por proprietários de terras no Cadastro Ambiental Rural (CAR). O projeto de petróleo e gás pode acelerar a construção dessas estradas, já que o dinheiro da Rosneft e a influência de Putin o tornam uma prioridade para os governos federal e estadual.

Como o senhor vê o risco de produzir biocombustíveis a partir da cana-de-açúcar ou do dendê na Amazônia?

Isso é motivo de preocupação, principalmente no caso dos dendezeiros na área da Trans Purus. Esta área é climaticamente mais adequada para os dendezeiros. As empresas malaias de óleo de palma tentaram comprar terras lá já em 2008.

O que você gostaria de ver como resultado da conferência de Belém?

É de se esperar que o Brasil e os demais países se comprometam a abandonar projetos de infraestrutura como a BR-319. Os países amazônicos devem fazer mais do que pressionar o resto do mundo para contribuir financeiramente para deter o desmatamento. O Brasil, em particular, deve se conscientizar da importância da floresta amazônica.

Philip Martin Fearnside é um biólogo americano que trabalha no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) em Manaus desde 1978. Com mais de 700 publicações, foi o segundo cientista mais citado no mundo sobre aquecimento global em 2006 e o ​​cientista mais “influente” sobre mudanças climáticas no Brasil em 2021. Fearnside é membro do Amazon Science Panel (SPA).


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Este texto escrito originalmente em alemão foi publicado pelo jornal “Neues Deutschland” [Aqui!].

Especialista comenta decisão do Ibama sobre veto à exploração de petróleo pela Petrobras na Foz do Amazonas

Para Philip Martin Fearnside, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), não é possível fazer a exploração de forma segura

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Na última quarta-feira (17), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) anunciou parecer contrário ao projeto de exploração de petróleo na bacia da Foz do Amazonas pela Petrobras. A empresa informou que vai recorrer da decisão.

Para Philip Martin Fearnside, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), membro da Academia Brasileira de Ciências e que já foi identificado como o segundo cientista do mundo em citações sobre aquecimento global (Thomson-ISI), a decisão do Ibama de vetar a exploração pela Companhia foi acertada, já que não é possível desenvolver a atividade na região de forma segura.

“Não é possível fazer uma proposta de exploração na Foz do rio Amazonas de forma segura. Isto é comprovado pelo evento Deepwater Horizon, que aconteceu no Golfo de México, em 2010, quando um poço de petróleo da empresa British Petroleum vazou a uma profundidade de 1,5 km e jorrou petróleo durante meses, até ser estancado”, comenta o especialista.

“O derramamento causou danos bilionários e mostrou que ninguém no mundo tem a capacidade de controlar vazamentos nessa profundidade, inclusive o Brasil. Todo o discurso de como o país tem grande capacidade na área de exploração petrolífera no mar nunca foi testado por um vazamento a grande profundidade. A proposta na Foz do Amazonas inclui poços ao dobro da profundidade do poço do desastre do Golfo de México”, acrescenta.

Ainda de acordo com Philip, os riscos são principalmente de vazamento e, nas profundidades previstas, o petróleo derramado atingiria uma vasta área. “As correntes marinhas levariam o óleo ao norte, atingindo as costas do Amapá, Guiana Francesa, Suriname e Guiana. Assim, a atividade petroleira na região ameaça não só o Brasil, mas também os países vizinhos. Haveria ainda sérios impactos nos ecossistemas marinhos. O estuário do rio Amazonas, além de ter importante biodiversidade, é uma grande fonte de pescado, que abastece a cidade de Belém”.

Sobre a Rede de Especialistas em Conservação da Natureza

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br 

Meio ambiente: especialistas analisam programas dos candidatos à Presidência da República

Os pesquisadores Reuber Brandão e Philip Fearnside, da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza, avaliam propostas de Lula, Jair Bolsonaro, Ciro Gomes e Simone Tebet

unnamed (3)Reserva Natural Serra do Tombador, em Cavalcante (GO), mantida pela Fundação Grupo Boticário. / Foto André Dib

Os quatro candidatos que aparecem nas primeiras colocações das pesquisas eleitorais sobre a corrida presidencial dedicam espaço considerável para a agenda ambiental em seus planos de governo. Seja por convicção sobre a importância de proteger o patrimônio natural brasileiro, seja por um cálculo eleitoral que percebe a relevância do tema para a geopolítica e o comércio internacional, as propostas trazem inovações, mas também deixam de lado temas importantes, como o fortalecimento das Unidades de Conservação. Pesquisadores da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) avaliaram as principais propostas dos candidatos Jair Bolsonaro (PL), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (PMDB).

“O programa da candidata Simone Tebet parece ter maior planejamento das ações. Prevê, inclusive, a criação de uma secretaria para tratar da questão climática. O programa do candidato Lula também dedica espaço considerável para a questão ambiental, sempre reforçando que irá mudar as políticas do atual governo, em especial o negacionismo científico, climático e reverter o enfraquecimento das instituições de fiscalização e controle”, observa Reuber Brandão, membro da RECN e professor de Manejo de Fauna e de Áreas Silvestres na Universidade de Brasília (UnB).

O professor considera que a questão ambiental também ocupa amplo espaço no plano de governo de Bolsonaro. “No entanto, a despeito das muitas linhas dedicadas ao tema, traz ideias focadas em uma percepção anacrônica da questão ambiental, repetindo que o problema da Amazônia é de soberania. O programa ambiental é repleto de lugares comuns, com diversas platitudes e a recorrente lógica de que a questão ambiental é subalterna da agricultura, sem explorar o papel da ciência no desenvolvimento da conservação, na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e no desenvolvimento conjunto da atividade agrícola”, afirma Brandão.

O programa de Lula traz proposta de ampliar o mercado de trabalho utilizando a recuperação de áreas degradadas, enquanto o programa do atual presidente dedica atenção à justiça ambiental, o que é interessante, na visão de Brandão. “No entanto, nenhum dos programas dos quatro principais candidatos cita a criação de Unidades de Conservação como políticas ambientais importantes, o que é extremamente preocupante. Vale lembrar que a manutenção de áreas naturais é fundamental para a preservação da biodiversidade, além de sua importância para pesquisas científicas, educação ambiental, turismo sustentável, entre outras possibilidades”, reflete Brandão.

Na questão indígena, o pesquisador observa que o plano do candidato Bolsonaro, que busca a reeleição, foca na exploração econômica das terras indígenas, especialmente com turismo e venda de produtos, sem uma clara política de proteção desses grupos, de suas terras e de suas culturas.

Brandão classifica como pobre o programa ambiental do candidato Ciro Gomes. “O documento não tem propostas claras e sequer cita os biomas do Brasil. Sempre se refere à questão ambiental como a proteção florestal, em um país que possui diversos ecossistemas não florestais”, avalia.

O pesquisador avalia como positivas nas propostas de Tebet e Lula a ênfase na ciência como processo essencial à independência econômica, uso da biodiversidade e promoção da conservação. “O plano do Lula ainda ressalta com maior ênfase o papel de grupos minoritários e populações tradicionais no desafio da transição energética, ecológica e produtiva do país, com ampliação de experimentos de agroflorestas”, realça.

Amazônia

Um dos maiores especialistas em mudanças climáticas no mundo, Philip Martin Fearnside, membro da RECN e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), ressalta que os dois candidatos que lideram as pesquisas – Lula e Bolsonaro – têm programas e históricos contrastantes com relação ao meio ambiente na Amazônia. O pesquisador entende que Bolsonaro considera as preocupações ambientais como impedimentos à exploração das riquezas da região amazônica e, por isso, aposta que o atual presidente pretende continuar as suas políticas que enfraqueceram o controle ambiental. Ele também vê pontos positivos e negativos no programa dos outros candidatos.

Na visão de Fearnside, Lula apresenta uma interpretação mais adequada sobre a importância do meio ambiente, especialmente ao destacar a necessidade de reconstruir os órgãos ambientais que têm sido desmontados desde o início do atual governo, como Ibama, ICMBio e Funai. “Ele também promete defender terras indígenas e retirar garimpeiros. Mesmo com estes sinais positivos, há áreas que precisarão de cuidado em um eventual governo Lula. A questão das hidrelétricas na Amazônia, por exemplo, tem enormes consequências em potencial, e o histórico dos governos PT na construção de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte é preocupante. O Lula tem falado que faria Belo Monte de novo e que a população local foi beneficiada devido aos gastos do projeto na parte social”, analisa.

O pesquisador também chama a atenção para outro projeto polêmico para a região: a construção da rodovia BR-319, que pretende ligar Manaus (AM) a Porto Velho (RO). Em conjunto com estradas laterais planejadas, essa grande rodovia abriria uma enorme área de floresta amazônica à entrada de desmatadores a partir de uma espécie de arco do desmatamento. “Infelizmente, além do custo astronômico de um programa de governança na escala necessária, as chances são mínimas de realmente alcançar essa transformação desejada na vasta área a ser impactada, especialmente dentro do prazo de um mandato presidencial”, avalia.

O membro da RECN, que pesquisa a Amazônia há mais de 40 anos, ressalta que Ciro Gomes e Simone Tebet têm tomado posições semelhantes à de Lula com relação à BR-319, colocando o avanço das obras como desejável, mediante uma boa governança. “Portanto, seria importante ficar atento a como evoluirão as políticas ambientais durante o próximo governo, independentemente de quem vencer as eleições”, finaliza Fearnside.

Sobre a Rede de Especialistas

A Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) reúne cerca de 80 profissionais de todas as regiões do Brasil e alguns do exterior que trazem ao trabalho que desenvolvem a importância da conservação da natureza e da proteção da biodiversidade. São juristas, urbanistas, biólogos, engenheiros, ambientalistas, cientistas, professores universitários – de referência nacional e internacional – que se voluntariaram para serem porta-vozes da natureza, dando entrevistas, trazendo novas perspectivas, gerando conteúdo e enriquecendo informações de reportagens das mais diversas editorias. Criada em 2014, a Rede é uma iniciativa da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Os pronunciamentos e artigos dos membros da Rede refletem exclusivamente a opinião dos respectivos autores. Acesse o Guia de Fontes em www.fundacaogrupoboticario.org.br

Pesquisadores do INPA demandam que países europeus e China boicotem soja e carne para combater o desmatamento da Amazônia

Em artigo, os pesquisadores denunciam a nova alta de desmatamento na Amazônia e pressionam os países a pararem de comprar soja e carne bovina brasileira

oeco deforestationPesquisadores denunciam expansão da fronteira do desmatamento na Amazônia. Foto: Mauro Pimentel/AFP

Por Duda Menegassi para

Em texto publicado na revista científica internacional Nature na última semana, dois cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) denunciam a alta do desmatamento no Brasil e pressionam para que países europeus e China boicotem as importações de soja e carne bovina do país.

Em um dos trechos do texto, assinado por Lucas Ferrante e Philip Fearnside, ambos do INPA, os pesquisadores insistem que “os países que importam grandes quantidades de soja e carne bovina do Brasil a tomarem medidas para deter essa destruição. Cerca de 9,5% da soja exportada do Brasil e 5,3% de sua carne bovina vão para países europeus, com outros 79% e 52%, respectivamente, indo para a China. Os importadores devem mudar para outros exportadores até que o Brasil elimine o desmatamento causado pela exportação”.

“Há anos, os pecuaristas do estado de Mato Grosso vendem suas pastagens por preços altos para produtores de soja e compram terras baratas mais ao norte para desmatar para a produção de carne bovina”, explicam. 

Um dos autores do texto, o pesquisador Lucas Ferrante, explica a ((o))eco que o desmatamento na Amazônia traz ainda consequências econômicas para o país, como a escassez hídrica, que afeta diretamente tanto a agricultura quanto o bolso dos brasileiros. “Além disso, esse novo ciclo do desmatamento impulsionado tanto pela soja quanto pela pecuária, vem tirando a carne da mesa do trabalhador brasileiro, porque hoje a exportação da carne está atrelada ao preço do dólar. Isso faz com que seja mais vantajoso pros desmatadores, que lucram em dólar, e também para esses pecuaristas que invadem essas terras”, analisa o cientista do INPA.

O artigo destaca ainda a expansão da fronteira do desmatamento para o oeste do estado do Amazonas, seguindo a rodovia BR-319, que liga Manaus a Porto Velho. “O desmatamento no Brasil hoje está ameaçando o último grande bloco de floresta amazônica intacta”, alertam.

Além disso, o aumento do desmatamento vai contra o compromisso do Brasil de mitigar as emissões de carbono, acrescentam os pesquisadores.

Ano de 2021 teve alta de 29% no desmatamento

A Amazônia viveu em 2021 o seu pior ano em uma década, com 10.362 km² de floresta destruída entre janeiro e dezembro – o equivalente a quase sete vezes o tamanho da cidade de São Paulo. Os dados foram divulgados pelo Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), e revelaram um aumento de 29% na taxa de desmatamento em comparação ao ano anterior – que já havia batido recorde com 8.096 km² de floresta perdidos. 

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Este texto foi inicialmente publicado pelo site OECO [Aqui!].

BR-319: organizações e sociedade civil repudiam ataques sofridos por cientista em audiência pública

Mais de 150 organizações assinam a nota em apoio a Philip Fearnside, um dos mais respeitados pesquisadores da Amazônia que foi vítima de comentários xenofóbicos
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O pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Dr. Phillip Fearnside, foi alvo de ataques xenofóbicos durante uma audiência pública sobre o licenciamento para obras na BR-319. O evento foi realizado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), na noite da última segunda-feira (27), no Centro de Convenções Vasco Vasques, em Manaus (AM). As ofensas aconteceram após Fearnside apresentar um artigo com argumentos contundentes, a partir de uma análise com bases técnicas e científicas, sobre as obras na rodovia e de seus impactos socioambientais.

O pesquisador, que é norte-americano e vive e atua na Amazônia há mais de 40 anos, é integrante do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU, e foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz, em 2007, por sua contribuição na luta contra a crise climática. Philip Fearnside é reconhecidamente uma das maiores autoridades científicas do mundo no que diz respeito à Amazônia. Ele é respeitado internacionalmente e importante referência por seus estudos e pesquisas, que ajudaram a entender a dinâmica ecossistêmica da maior floresta tropical do planeta.

As instituições, entidades de pesquisa e pesquisadores, e organizações da sociedade civil abaixo-assinadas repudiam e consideram inaceitáveis os ataques sofridos pelo cientista, que vem incansavelmente há décadas dedicando sua vida e esforços pela conservação da Amazônia. Um desafio extremo, como sabemos, considerando toda a dificuldade de se empreender pesquisa e ações de conservação no Brasil.

Discriminação é um comportamento abominável, criminoso e inconstitucional, se considerarmos que a Constituição Federal proíbe qualquer tipo de discriminação racial, étnica, religiosa, de gênero ou por nacionalidade. Dessa forma, repudiamos fortemente os ataques e manifestações desrespeitosas e xenofóbicas dirigidas ao Dr. Fearnside durante a audiência pública citada.

Esse fato e seus desdobramentos, demonstram a fragilidade e despreparo das instituições públicas responsáveis pelo processo de licenciamento das obras de repavimentação da BR-319. As audiências públicas de um licenciamento são uma exigência legal que muitas vezes têm sido realizadas pró-forma, quando devem ser ocasiões para debates críticos e construtivos, com dinâmica e metodologia adequadas que permitam que ajustes, melhorias e mesmo que questionamentos ao projeto sejam propostos e considerados, de modo que o ele seja reavaliado, melhorado ou mesmo cancelado.

Um processo tão longo como este, que se arrasta há anos justamente pela falta de seriedade na sua condução, não pode ser discutido agora de forma superficial. Muitos trabalhos científicos comprovam que a repavimentação da BR-319, da forma como está sendo proposta, é um risco enorme para a integridade da Amazônia e afetará profundamente a vida de milhões de pessoas. Foi justamente este alerta que o Dr. Fearnside tentou expor na audiência. No entanto, em vez de encontrar no evento um espaço democrático para apresentar este alerta, o cientista sofreu uma tentativa de silenciamento e descredibilização, em um ambiente hostil e truculento, bastante fragilizado pela baixa audiência.

Acreditamos que a ciência é um elo fundamental do nosso destino comum e uma oportunidade para construir uma sociedade mais justa, diversificada e sustentável. Pesquisadores renomados como o Dr. Fearnside vêm alertando há tempos sobre os possíveis impactos da reconstrução da BR-319 no bioma Amazônia, que serão irreversíveis e podem nos jogar no abismo do ponto de não retorno, onde espécies e uma série de benefícios e serviços ecossistêmicos, hoje proporcionados pela floresta, serão perdidos, afetando a vida de toda a humanidade.

Alertamos, ainda, que os estudos de impacto ambiental sobre a rodovia, apresentados pelo Dnit e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na audiência, estão incompletos e com graves problemas técnicos, uma vez que não delimitam a área de influência do projeto e foram realizados de forma superficial e sem a qualificação requerida para uma avaliação tão importante. É inacreditável que mesmo existindo dezenas de instituições públicas de grande qualificação e experiência na região como Inpa, Ufam, UEA, Ifam, Ufir, nenhuma delas tenha sido convidada a participar ou avaliar os estudos realizados.

Somado à precariedade dos estudos ambientais, ainda há o agravante de que as demandas das populações indígenas e das comunidades tradicionais estão sendo sistematicamente ignoradas. Os estudos do componente indígena, bem como a realização das consultas prévias, livres, informadas e de boa-fé, como preconiza a Organização Internacional do Trabalho (OIT) em sua Convenção nº 169, têm sido proteladas e deveriam ocorrer antes das audiências públicas gerais.

Por fim, reiteramos nosso repúdio ao modo de condução da audiência pública por seus organizadores, que, ao não se posicionarem contra as agressões sofridas pelo Dr. Fearnside, permitiram que o debate público fosse desvirtuado de sua finalidade de informar ao público, para se transformar em palco de negacionismo, desinformação e de campanha política com fins eleitoreiros.

Agressões não são argumentos válidos e não podem ser aceitas em discussões públicas, ainda mais em audiências promovidas pelo Poder Público, que deveria conduzir o debate primando pelo respeito aos diferentes pontos de vista. É dever do Poder Público não admitir e rechaçar imediatamente o discurso de ódio promovido e que tem sido sistematicamente ampliado. Assim, solicitamos providências para que estas agressões sejam formalmente repudiadas pelos responsáveis por essa audiência, que, a rigor, deveria ser reagendada e novamente realizada em condições apropriadas. Esperamos que seja revisto o método de aplicação e condução das audiências públicas e que os próximos eventos tenham melhor dinâmica e preparo. As audiências públicas devem ser espaços verdadeiramente democráticos que de fato contribuam com a discussão qualificada sobre obras na BR-319 e outras que estão por ser apreciadas e licitadas.

Assinam este documento pesquisadores e sociedade civil:
Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
Greenpeace Brasil
GT Infraestrutura
Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável (Idesam)
Movimento Ficha Verde (MoFV)
Observatório BR-319 (OBR-319)
Transparência Internacional Brasil (TI-Brasil)
WCS Brasil
Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM)
Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB)
Operação Amazônia Nativa (OPAN)
Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora)
Instituto Mapinguari (IMAPIN)
Instituto Ecos de Gaia (EGA)
Instituto Socioambiental – ISA
WWF-Brasil
Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE)
Instituto Salve Mar (Movimento Salve Maracaípe)
Instituto Juruá
Rede Sustentabilidade Amazonas
Movimento Ecotrabalhismo PDT AM
Mater Natura – Instituto de Estudos Ambientais
Instituto Regeneração Global
Associação de Pós-graduandos da Universidade Federal do Amazonas (APG-UFAM)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade (ANPPAS)
Associação dos(as) Pós-graduandos(as) do INPA – MigAPG/INPA
Rede Transdisciplinar da Amazônia (RETA)
Articulação Parintins Cidadã
Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta
Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular e Saúde
Comissão Pró Índio do Acre (CPI-Acre)
Espaço de Formação Assessoria e Documentação – São Paulo
Abraço Guarapiranga – São Paulo
Rede Barragens Amazônicas / Amazon Dams Network (RBA/ADN)
Fundação Grupo Esquel Brasil FGEB
Associação Toxisphera de Saúde Ambiental
Associação SOS Amazônia
Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé
Comitê Chico Mendes
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Desenvolvimento e o Meio Ambiente
Instituto Diadorim para o Desenvolvimento Regional e Socioambiental/iD (MG)
Observatório do Clima – OC
Rede de ONGs da Mata Atlântica- RMA
Movimento “Eu rejeito barragens em Sabará”
Professores do Curso de Arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará
Helder Lima de Queiroz – IDSM/SCM
Gleice Oliveira – Historiadora e professora
Neiva Araujo – Grupo de Pesquisa Direito, Território & Amazônia – Diterra/Unir
Angélisson Tenharim – liderança do povo Tenharim
Davyd Spencer R. de Souza, Sociólogo, DCiS-UFAM
Maria Anete Leite Rubim
Anete Rubim
Daniel de Paiva Silva – IF Goiano, campus Urutaí
Steffanie Schmidt – Jornalista – DRT/MT 1329
Yuri Breno da Silva e Silva
Carlos Edwar de Carvalho Freitas, Universidade Federal do Amazonas
Rita Mesquita – INPA
Maria Cecília Wey de Brito – Instituto Ekos Brasil
Ivaneide Bandeira Cardozo – Kanindé
Camila C. Ribas – Pesquisadora INPA
Taiguã Corrêa Pereira – doutorando PPGBot / INPA
Fernanda de Pinho Werneck – Pesquisadora INPA
Cecilia Veronica Nunez – INPA
Eron Bezerra – Professor Doutor UFAM
Anete Rubim – UFAM
Albertina Lima
Kaio Cesar Marinho da Cunha – INCT-INPA
Vincenzo Lauriola – MCTI
Sidineia Aparecida Amadio, Pesquisadora aposentada/INPA
Jansen A. S. Zuanon, Biólogo, Pesquisador da COBIO/INPA
Jussara Santos Dayrell, Bióloga, Doutoranda ECO/Inpa
Gabriel Costa Borba, Biólogo, Doutorando na Virginia Polytechnic Institute and State University (Virginia Tech)
Neliton Marques da Silva – FCA/UFAM
Nágila Alexandre Zuchi – Doutoranda -PPG-BADPI/INPA
Mauro Scarpinatti – Economista, professor universitário
Andrea V. Waichman – UFAM
Lucia Rapp Py-Daniel – INPA, pesquisadora
Rosana Barbosa de Castro – DCF/FCA/UFAM
Virgílio Maurício Viana – Superintendente Geral da Fundação Amazônia Sustentável
Miguel Petrere Junior – Universidade Federal do Pará
José Eurico Ramos de Souza – IFAM-CMZL
Iolanda da Silva Moutinho – Mestranda PPG-ECO /INPA
Flora Magdaline Benitez Romero – INPA
Cristine Luciana de Souza Rescarolli – FAS
Alberto Vicentini – INPA-CODAM, pesquisador
Luiza Magalli Pinto Henriques – INPA/COPES, Analista em C&T
Carolle Alarcon – UICN Brasil
João Ferraz – Pesquisador INPA
Patricia Marques do A. Oliveira – Mestranda PPGBA/UFPE
Carolina Ramirez Mendez – SDSN Amazônia
Solana Meneghel Boschilia- UFPA
Pedro Murilo Sales Nunes – professor adjunto – UFPE
Rosa dos Anjos – FAS
Paulo Braga Mascarenhas Júnior- UFPE
Layon Oreste Demarchi – Doutorando PPG-Bot-INPA
Aretha Alves Pereira – FAS
Anne Rapp Py-Daniel – Universidade Federal do Oeste do Pará
Thereza Beatriz Lira Melo – UFPE
Paulo Maurício Alencastro Graça – Pesquisador INPA
Maria Teresa Fernandez Piedade – Pesquisadora INPA
Manuela Carneiro da Cunha – Antropóloga, Professora Titular aposentada da USP e Professora Emérita da Universidade de Chicago
José Sabino – Professor e pesquisador, Uniderp
Aurelio Michilies – Cineasta
Marcos Antonio Isaac Júnior – Pós-doutorando INPA
Thomas M. Lewinsohn – Professor Titular aposentado da Unicamp e Pesquisador Sênior CNPq
Isabela Freitas Oliveira – Doutoranda PPG/ECO INPA
Luciana Rebellato – OPAN
Ricardo de Oliveira Perdiz – Biólogo
Carlos Alfredo Joly – Professor Titular aposentado da Unicamp
Luciney Araújo Leitão – Professor de Sociologia EBTT da UFAC
Brunno Freire Dantas de Oliveira – Ecólogo e pós-doutorando em University of California – Davis, USA
Thais de Nazaré Oliveira Novais – Mestranda PPG-CFT/INPA
José Henrique de Andrade Lima – PPGBA- UFPE
Maria Nazareth F. da Silva – Pesquisadora INPA
André Pereira Dias – CGMA/SEMA-MT
Davor Vrcibradic – Professor adjunto – UNIRIO
Adriana Ramos – ambientalista
Daniel Brandt Galvão – Professor IFCE
Pedro Bruzzi Lion – FUNATURA
Camila Julia Pacheco Ramos – Doutoranda PPG CFT/INPA
Lucirene Aguiar de Souza-Ufam
Deputado Federal Rodrigo Agostinho (PSB/SP) – Coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista
Deputado Federal Nilto Tatto (PT/SP) – Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos ODSs
Carla Gheler-Costa – Bióloga, Dra.
Fábio Henrique Comin – Biólogo, Dr.
Iris Roitman – Pesuisadora Colaboradora -UJ
Valério De Patta Pillar – Professor Titular, UFRGS
José Celso de Oliveira Malta – Pesquisador INPA
Annelyse Rosenthal Figueiredo – UFOPA
Elineide E. Marques – UFT
Rubens Harry Born – Engenheiro civil com especialização em engenharia ambiental, advogado, mestre e doutor em Saúde Pública
José Ribamar Bessa Freire – Coordenação do Programa de Estudos dos Povos Indígenas da UERJ e pesquisador no Programa de Pós-Graduação em Memória Social da UNIRIO
Lucas Rodrigues de S. Santos – Doutorando em Ciência do France Rodrigues, PPGSOF/UFRR
Sistema Terrestre – Universidade da Califórnia Irvine, EUA
Gustavo T. Gazzinelli – jornalista e ambientalista e Belo Horizonte (MG)
Aurora Miho Yanai Nascimento – Pós-doutoranda/INPA
Beatriz Figueiredo Cabral – Mestranda PPG/CFT-INPA
Reinaldo Imbrozio Barbosa – Pesquisador do INPA/ Núcleo Roraima
Flávia Nogueira de Sá – Professora Universidade de Brasília
Célio U. Magalhães Filho – Pesquisador aposentado do INPA/ Pesquisador colaborador da FFCLRP/USP
Fatima Monteiro – Africultora Familiar FEATRAF AM
Carol Monteiro – Agricultora Familiar CONTRAF BRASIL CUT
Rodrigo Guedes – Vereador CMM
Ana Karina Moreyra – Bióloga
Angela Galvão – Advogada
Miguel Scarcello
Renato Mattareli
Márcio Zikán Cardoso – Professor Associado UFRJ
Gabriela Borges Vedovello – Mestranda PPG/ECO INPA
Nathalia de Toledo Marinho – mestranda PPG ECO/INPA
Apoena Presidente Epitácio SP
Djalma Weffort
Debora Martins Nakayama
Erika Berenguer – Pesquisadora University of Oxford/ Lancaster University/Rede Amazônia Sustentável
Wilson Roberto Spironello – Ecólogo – Pesquisador e líder do Grupo de Pesquisa de
Mamíferos Amazônicos do INPA

BR-319: O início do fim para a floresta amazônica do Brasil

O texto deste comentário é atualizado de uma versão anterior em português da coluna do autor na Amazônia Real .

br 317 fearnside

Por Philip Fearnside

A rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) foi construída no início da década de 1970 pela ditadura militar no Brasil, mas foi abandonada em 1988. Em 2016, um programa de “manutenção” foi autorizado, e a rodovia agora é transitável durante a estação seca.

A atual proposta de “reconstrução” da BR-319, que construiria uma nova estrada asfaltada sobre o antigo leito de terra, está certamente entre as decisões mais importantes que o Brasil enfrenta hoje. O estudo de impacto ambiental (EIA) para o projeto foi submetido ao órgão licenciador (IBAMA, órgão ambiental do Brasil), onde está recebendo tratamento acelerado para o que parece ser uma aprovação predeterminada. A autorização apressada de um projeto que implique uma grande expansão da área da Amazônia exposta ao desmatamento é extremamente imprudente .

Até agora, o desmatamento tem sido quase totalmente limitado ao “ arco do desmatamento ” ao longo das bordas sul e leste da floresta amazônica no Brasil, e à metade leste da região onde o acesso rodoviário já está implantado.

Região da Amazônia Legal do Brasil. O “arco do desmatamento” é a área vermelha ao longo das bordas sul e leste da floresta. A BR-319 corta pela metade o restante da floresta amazônica, proporcionando acesso a vastas áreas de floresta em pé para aqueles que desmataram as porções leste e sul da região. Dados de desmatamento cortesia do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Impactos em grande escala

O impacto da BR-319 se estenderá muito além da faixa ao longo da rodovia que é objeto do EIA.

A BR-319 abre as porções centrais e do norte da Amazônia para a migração de grileiros ( grileiros ), madeireiros, pecuaristas, grileiros individuais ( posseiros ) e agricultores sem terra organizados ( sem-Terras ). Esses atores já estão presentes no “arco do desmatamento” e se mudaram para áreas no sul do estado do Amazonas onde há acesso rodoviário, incluindo Apuí, Igarapé Realidade e Lábrea (veja mapa preto e branco abaixo).

Criticamente, a BR-319 está associada a planos de estradas adicionais, como AM-366, que abririam uma vasta área de floresta tropical intacta na parte oeste do estado do Amazonas.

Abrir essa região “ Trans-Purus no oeste do Amazonas ao desmatamento seria catastrófico para o Brasil, levando à perda de serviços ambientais críticos. Isso inclui o abastecimento de água à cidade de São Paulo: a área de Trans-Purus é o último grande bloco de floresta intacta da Amazônia brasileira, e perder essa área significa perder a função da floresta amazônica de reciclar a água que é transportada nos “ rios voadores ”Para as principais áreas urbanas e agrícolas do Brasil (veja aqui , aqui , aqui , aqui e aqui ). Amazônia está fornecendo 70% da água durante o pico da estação chuvosa em São Paulo, quando se enchem os reservatórios que abastecem a cidade. São Paulo quase ficou sem água várias vezes, mesmo com a função de ciclagem da água da Amazônia ainda intacta.

O estudo de impacto ambiental (EIA ) para reconstruir o “trecho do meio” da BR-319 já está disponível ao público . O EIA define uma “área de impacto direto” (ADA) e uma “área de impacto indireto” (AIA) que exclui os impactos mais amplos da rodovia, incluindo a região crítica “Trans-Purus” a oeste do Rio Purus. 

A rodovia BR-319 e suas estradas vicinais planejadas, incluindo AM-366, que abririam a vasta área de floresta intacta entre a rodovia e a fronteira do Brasil com o Peru (Fonte: Fearnside & Graça, 2006).

Apesar das muitas deficiências do EIA, enterradas nas 3735 páginas do documento, há passagens que reconhecem muitos dos verdadeiros impactos do projeto, pelos quais os autores devem ser parabenizados. Entre eles está a ameaça que a reconstrução da BR-319 representa para a região Trans-Purus ao desencadear uma cadeia de eventos que resultaria na abertura da rodovia AM-366 planejada, permitindo assim que os desmatadores entrem nesta região crítica:

A repavimentação e a plena operação da BR-319 em toda sua extensão podem incentivar os políticos regionais a pressionar o governo do Amazonas a retomar o projeto de implantação da rodovia AM-366. Esse risco é muito concreto na medida em que, poucos anos após a inauguração da BR-319, um “ picadão ” ligando a BR-319 à cidade de Tapauá foi inaugurado por uma iniciativa provavelmente de agentes privados. (ECI-Apurina , p. 119).

O EIA também menciona a relevância da atual administração presidencial do Brasil para o perigo crescente de construção do AM-366:

Nas condições político-institucionais ora presentes na região e no país, somadas às iniciativas do Poder Executivo do governo federal de rever medidas de proteção ambiental e de viabilizar o avanço do agronegócio no sul do Amazonas – como apontado anteriormente – está bem possível que o AM-366 pudesse obter apoio político suficiente para sua implementação. (ECI-Apurina , p. 119).

Menciona-se o potencial de invasão das áreas abertas pela rodovia AM-366 e pelas vicinais ilegais ao longo de seu traçado entre Tapauá e a BR-319:

[AM-366] ofereceria aos migrantes das regiões Sul e Sudeste, e principalmente de Rondônia, uma via aberta para abertura de lotes em terras do governo – a custo zero. (ECI-Apurina , p. 83).

O EIA também menciona a probabilidade de AM-366 germinar em estradas secundárias ( ramais ) para fornecer acesso às áreas de produção de petróleo e gás planejadas para exploração no âmbito do maciço “Projeto de Área Sedimentar do Solimões”:

A questão da exploração dos blocos da bacia do Solimões. ,,, ganha maior relevância justamente pela possível interligação entre a BR-319 e os municípios de Tefé e Coari pela rodovia AM-366, de onde ramais poderia se “ramificar” para os locais das instalações petrolíferas (ECI-Apurina , p. 106).

Já estão sendo construídas estradas vicinais ilegais ( ramais ) que bifurcam a BR-319, como uma iniciada em fevereiro de 2020 para entrar em uma área protegida, a Reserva Extrativista Lago do Capanã Grande. Existem também estradas ilegais sendo construídas na direção oposta, partindo de cidades no rio Purus e avançando em direção à BR-319. Além da estrada vicinal ilegal que está sendo construída saindo de Tapauá (ECI-Apurina , pp. 119-121), o EIA menciona uma estrada ilegal semelhante sendo construída para ligar Canutama à BR-319, que já tem 40 quilômetros de extensão (EIA, p. 2565). A óbvia falta de governança na área é uma questão fundamental na batalha pelo licenciamento.

Ponte construída sobre um riacho em fevereiro de 2020 em uma estrada vicinal ilegal (ramal) ramificando-se na BR-319 e penetrando em uma área protegida, a Reserva Extrativista Lago do Capanã Grande. Imagem cortesia de líder indígena cuja identidade não foi divulgada.

projeto de petróleo e gás é uma grande ameaça para as florestas da região de Trans-Purus porque a escala do projeto significa que as empresas que exploram o petróleo e gás teriam um motivo importante para pressionar o governo a fornecer acesso rodoviário.

O EIA toca na responsabilidade do DNIT, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte do Brasil, pelo resultado desastroso que resultaria do papel da BR-319 em aumentar a probabilidade de construção do AM-366:

Esta cadeia de eventos, de certa forma, dá ao empresário algum grau de responsabilidade pela eventual ligação terrestre da BR-319 à cidade de Tapauá (ECI-Apurina , p. 120).

Apesar de algumas passagens no EIA reconhecerem o impacto mais amplo do BR-319, isso não se traduz em recomendações sobre o que fazer a respeito. Em vez disso, o foco é restrito ao ADA e AIA, e as recomendações se limitam a apontar que a governança é necessária para minimizar os impactos. Questionar a existência do projeto, ou adiá-lo por um período substancial de anos enquanto a governança é estabelecida, não são apresentadas como opções sérias.

Em vez disso, as recomendações para evitar os impactos massivos são limitadas ao apelo padrão por “governança”, mas as chances de tal programa ser implementado em uma escala que evitaria desastres são quase zero. A área da BR-319 está praticamente sem lei hoje, com grilagem e invasões ilegais de terras, extração de madeira e construção de estradas vicinais ocorrendo com impunidade. É simplesmente fictício que “a BR-319 será um exemplo de sustentabilidade para o mundo ”, como afirmam os deputados da Assembleia Legislativa do estado do Amazonas.

A BR-319 agora está transitável na estação seca devido a um programa de “manutenção” iniciado em 2016. (Foto: PM Fearnside).

Impactos sobre os povos indígenas

O componente indígena é crítico. Este elemento do projeto foi aparentemente submetido ao órgão licenciador (IBAMA) algum tempo depois do restante do EIA. Embora a separação no tempo tenha sido relativamente curta neste caso, é uma irregularidade importante, repetindo o escândalo que cercou o EIA 2015 da Barragem de São Luís do Tapajós . Assim como aquela polêmica barragem, o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) , que é o documento que serve para discussão pública do projeto BR-319 (incluindo as audiências públicas), foi obviamente concluído antes que o componente indígena estivesse disponível e não contém informações sobre os povos indígenas.

A questão da consulta aos povos indígenas afetados pelo projeto da rodovia BR-319 representa um teste-chave do sistema jurídico brasileiro. O Ministério Público Federal do Brasil (um Ministério Público estabelecido pela Constituição do Brasil de 1988 para defender os direitos do povo) há muito tempo tenta trazer o Estado de Direito ao Brasil a esse respeito, mas esses esforços falharam até agora, como nos casos das Barragens de Belo Monte e São Manoel (veja aqui , aqui e aqui ).

O EIA da BR-319 menciona o fato de que a legislação brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT-169), da qual o Brasil é signatário, exigem consulta prévia aos povos indígenas afetados. Esta consulta legalmente exigida não deve ocorrer apenas antes do início das obras, mas antes que qualquer decisão seja tomada sobre se deve ou não prosseguir com o projeto:

E o Artigo 15 da Convenção deixa explícito que essa consulta deve ocorrer antes que os governos empreendam ou autorizem qualquer programa de prospecção ou exploração de recursos existentes no habitat dos povos indígenas. (ECI-Apurina , p. 27).

No caso da BR-319, nenhum indígena foi consultado, apesar de a licitação do projeto já ter sido aberta e seu início imanente em violação à OIT-169 e à legislação brasileira (10.088, de 5 de novembro de 2019 , antigo 5.051 , de 19 de abril de 2004), que implementa a convenção.

No entanto, o DNIT planeja fazer sua “consulta” enquanto a construção da estrada estiver em andamento. O plano é consultar apenas cinco áreas indígenas, apesar do impacto da estrada se estender muito mais. O regulamento interno do IBAMA (Portaria Interministerial Nº 419, de 26 de outubro de 2011 , Anexo II ) considera todas as áreas indígenas dentro de 40 quilômetros de uma rodovia na Amazônia como “impactadas diretamente” e exige que sejam incluídas no componente Indígena do EIA . No caso de toda a rodovia BR-319 (não apenas o “trecho médio”), são 13 áreas indígenas dentro do limite de 40 quilômetros.

A reconstrução do trecho médio é o que desencadearia os impactos socioambientais de toda a rodovia ao abrir as comportas para o tráfego e migração. A OIT-169 e sua replicação na legislação brasileira não têm limite de distância para impactos que requerem consulta. Esses impactos vão muito além da área considerada no EIA. Além de prejudicar os povos indígenas que já vivem nas áreas de fluxo migratório que a rodovia estimularia, como as de Roraima , o desmatamento da própria rota da rodovia pode ultrapassar os 40 quilômetros. Se for considerado um limite de 150 quilômetros, 63 áreas indígenas seriam consideradas impactadas.

Concluindo, a reconstrução da rodovia BR-319 teria enormes impactos e poucos benefícios. Além da necessidade de cumprir requisitos legais como a obtenção do consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas, os líderes brasileiros devem fazer uma pausa para considerar a sensatez do próprio projeto, dada a ameaça que representa aos interesses nacionais do país. Arriscar a perda dos serviços ambientais da Amazônia, como o fornecimento de água para São Paulo, não é pouca coisa para o Brasil.

fecho

Este artigo foi escrito originalmente em inglês e publicado pelo Mongabay [Aqui!].