Porto do Açu e a ilusão do desenvolvimento: farsas e tragédias de um tigre de papel

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Lendo duas postagens do sempre certeiro professor e pesquisador Roberto Moraes sobre a falta de, digamos, publicidade em torno dos valores astronômicos que estariam sendo gerados pelo Porto do Açu, vi que ele levantou a hipótese de que a parca divulgação em torno dos R$ 21 bilhões de cargas movimentadas em 2023 se deve ao fato de que os operadores estrangeiros do empreendimento iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista não querem chamar atenção sobre a disparidade entre a riqueza gerada e os desastrosos impactos que ocorrem no V Distrito de São João da Barra, sejam sociais, econômicos ou ambientais.

Eu diria que Roberto Moraes aponta para a questão correta, mas eu acrescentaria que a experiência do Porto do Açu e a reafirmação de que esse tipo de empreendimento “enclave” funciona como uma bomba sugadora de recursos e gera efeitos devastadores que nunca são compensados acaba servindo para que haja uma quebra da ilusão de que essas megaestruturas possam alavancar o desenvolvimento econômico de regiões historicamente deprimidas, como é o caso do Norte Fluminense e tantas áreas em que elas estão sendo impostas na América Latina.

A verdade é que graças a todo o conhecimento gerado em torno da desastrosa experiência do Porto do Açu, as tentativas de implantar estruturas semelhantes estão sendo recebidas com a devida resistência pelas comunidades que habitam os locais que estão sendo escolhidos para a construção de homônimas da megaestrutura instalada em São João da Barra.

Esse conhecimento decorre da circulação não apenas de todas as violências cometidas contra agricultores familiares e pescadores artesanais que viviam do que podiam plantar e coletar as suas fontes de sustento nas terras e águas do V Distrito, mas também da incontável quantidade de pesquisas acadêmicas que documentaram e continuam documentando as implicações de se ter esse tipo de empreendimento que se fecha para o entorno para maximizar os lucros dos seus gestores e financiadores.  Essa combinação de resistência de raiz em conjunção com a pesquisa está gerando fortes resistências em outros locais, como bem os casos do Porto Central (ES) e do Porto de Jaconé (RJ).  

Nesse sentido, o Porto do Açu tem um sentido pedagógico, pois ficou evidente que as promessas de desenvolvimento e geração de empregos não passaram de uma ilusão destinada a embaçar consciências e impedir a resistência.

Finalmente, li hoje uma nota apontando que o Porto do Açu contratou um grande escritório de advocacia para reestruturar dívidas no valor de 5,8 bilhões de reais (US$ 1,1 bilhão), lançando duas emissões separadas de debêntures. Essa é outra faceta que é pouco noticiada, provavelmente por mostrar que o gigante pode ser um tigre de papel.

“Petróleo para poucos” nos portos de exportação do Brasil. A história do Porto do Açu

Para uma pequena proprietária no Norte Fluminense, um porto privado que serve a indústria de combustíveis fósseis trouxe uma luta de uma década para permanecer na  suas terras

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Porto do Açu, Rio de Janeiro. (Prumo Logística / Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços / CC BY-SA 2.0 DEED)

Por Patrícia Rodriguez para o Nacla

Fazem alguns anos que moradores e pequenos agricultores na região do Porto do Açu, no Norte Fluminense, resistem ao processo de desapropriação forçada de suas terras. Os pequenos agricultores notam que apenas 10 por cento das terras tomadas para a construção do Complexo Industrial do Porto do Açu estão sendo utilizadas. Eles também lutam para que a empresa Prumo Logística reabra o acesso de pescadores artesanais à Reserva Caruaru, que com a expansão acabou ficando dentro do Complexo Industrial.

O Porto do Açu foi concebido em 2007 pelo Grupo EBX, do empresário Eike Batista, e vendida durante a crise financeira da empresa em 2013 para a empresa norte-americana EIG Global Energy Partners, que controla a holding brasileira Prumo Logística que agora administra o Porto do Açu. O Porto tem localização estratégica para a indústria do petróleo e gás, pois está situada perto das Bacias de Campos e do Espírito Santo, ambas com muita produção offshore.

De acordo com o site do Porto do Açu, 30% da exportação de petróleo do país passa pelo porto, que também abriga a maior base de apoio offshore do mundo (com empresas como a BP Marine, Vibra Energia e Vast Infraestrutura que tem contratos com a Shell, Total Energies, Petrobras, Equinor e outras). O Porto também hospeda duas usinas termelétricas de ciclo combinado, a GNA I e II, da empresa Gas Natural Açu, e o terminal privado de mineração (ferro) que serve a multinacional Anglo-American.

Dona Noêmia Magalhães é produtora rural e representante dos pequenos agricultores do quinto distrito de São João da Barra no Rio de Janeiro e participante ativo na resistência contra o Porto. Ela recém recebeu o prêmio Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro a aquelas pessoas que prestam serviços à causa pública. Nesta entrevista, ela discute os impactos na comunidade e sua luta para permanecer na terra e produzir alimentos, apesar de ter sofrido várias ameaças a sua vida por causa de sua resistência. Esta entrevista foi realizada no dia 6 de outubro, online. A conversa foi levemente editada por sua extensão e clareza.


Patricia Rodriguez: Vocês vem enfrentando muita coisa aí nessa região. Você poderia nos contar um pouco sobre a sua luta e de muitos outros agricultores familiares também que estão sendo afetados por vários projetos na região do Norte Fluminense mas principalmente pela presença do Porto do Açu, e como você se inseriu nessa luta? Em particular, antes do porto ser construído, você alguma vez pensou ter que enfrentar um monstro desses?

Noȇmia Magalhães:A gente não tinha ideia porque o sítio já tem quase 30 anos, e o Porto do Açu está fazendo 13 anos. Era um sonho nosso meu e do Valmir Batista, meu marido. O sítio tem o nome dele, Sítio do Birica. Era um sonho nosso na nossa terceira idade ter um lugar tranquilo onde a gente pudesse andar descalço, pisar na lama, pisar no barro, e plantar a nossa produção alimentícia sem veneno. Tudo orgânico.

Eu me apaixonei pelo sítio, e comecei a produzir. Chegou um ponto que os agrônomos iam me visitar e diziam: “aqui acontece o verdadeiro milagre porque é assustador a produção do sítio do Birica.”

Noêmia Magalhães (Cortesia de Noêmia Magalhães)

Noêmia Magalhães (Cortesia de Noêmia Magalhães)

Vivemos assim tranquilamente uns 16 anos quando veio a ideia do Porto do Açu que a gente nem acreditava muito grande a gente achava que não caberia ali no nosso ideal, não caberia em nada nosso, não era nosso.

Os agricultores me procuravam para falar sobre isso e quando realmente foi colocada a pedra fundamental que a gente viu que seria uma realidade; a gente ainda imaginou que seria uma coisa boa pra todos nós. Seria um Porto, que no início seria só um Porto mesmo, não se falava nada sobre distrito industrial. Mas a gente viu depois foi incorporado o distrito industrial e quando a gente viu a realidade que não seria nada bom pra gente os agricultores ficaram muito assustados. O projeto foi assinado numa véspera de ano novo no dia 30 de dezembro de 2008, às oito horas da noite, por meia dúzia de vereadores.

Eu acreditava que seria uma parceria boa, mas quando veio a história do distrito industrial nossas terras rurais foram transformadas em terra industrial foi um choque muito grande. Foi uma coisa feita às escondidas mesmo.Era um verdadeiro monstro. Eles são maquiavélicos né? Eles tentam primeiro seduzir as pessoas com promessas que nunca irão ser cumpridas com as quais seriam realizados sonhos. Eu acreditava que seria uma parceria boa, mas quando veio a história do distrito industrial nossas terras rurais foram transformadas em terra industrial foi um choque muito grande. Foi uma coisa feita às escondidas mesmo. Não houve preparação para o agricultor. A gente via na época a prefeita [de São João da Barra] Carla Machado, o governador [do Rio de Janeiro] Sérgio Cabral e o tão famoso [empresário] Eike Batista nas negociações fazendo muito projeto e a gente percebia que nós não éramos inseridos em nada.

Foram desenhando aquela história que as nossas terras seriam entregues para eles; a gente já não era mais dono das terras e seriam entregues para eles fazerem o que quisessem. Isso nos deixou muito assustados e uma coisa assim também que a gente não estava preparado pra essa enorme luta.

A gente tinha noção de quanto a gente era pequeno diante dessa luta, mas não nos deixou abalados, não nos desencorajou. Nós vamos lutar porque eu sempre acreditei muito assim quando você está com a verdade cê já tem cinquenta por cento da garantia da Vitória né e a gente tava com a verdade enquanto eles só usavam de mentira e de enganação, vimos assim a necessidade de buscar apoio de quem que pode nos ajudar. Eram mais ou menos três mil famílias envolvidas e como fazer para entender foi quando a gente passou a buscar apoio nas universidades, principalmente na Universidade Federal do Norte Fluminense, que comprou a nossa briga. Nós temos um documento que foi assinado por 160 entidades diferentes que estavam do nosso lado. Tínhamos também a presença dos coordenadores, das pessoas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) que são muito corajosos e muito preparados pra luta então nos juntamos a eles.

PR: Então a luta contra a desapropriação dos sítios foi judicial, você pode nos contar um pouco como foi essa luta na justiça, e a resistência de vocês?

NM: Isso, porque o estado é soberano e a empresa não poderia desapropriar. A prefeita Carla Machado, o Eike Batista e o Sérgio Cabral [HG2] fizeram um trio imbatível. Tudo que o Eike Batista queria ele falava pro governador, que entregava de bandeja. Passou de ser nossas terras rurais a ser terras industriais, um prato cheio. O estado entrou desapropriando, era uma coisa muito estranha, porque eles vinham normalmente cinco horas da manhã com vinte viaturas, oitenta policiais e vinham com toda força, pra derrubar mesmo.

Eles diziam: ‘ou você sai, e tem dez minutos pra desocupar a casa ou nós vamos entrar derrubar a casa, tira o que quiser ou então nós vamos derrubar com vocês dentro.’ Alguns agricultores tinham sessenta e seis anos, setenta anos, foi inacreditável. Era como se você estivesse assistindo um filme de terror. Os agricultores resistiram até o fim, eles foram algemados e colocados num camburão. Muitos passaram mal.

Usavam uma máquina poderosa que eles levavam, ela girava em torno do eixo e ela derrubava a casa e depois ia derrubando a plantação. E o agricultor algemado assistindo. Ele pedia, “me dá dois meses, um mês que eu possa colher, tá na hora da colheita.” E a máquina destruía, parecia que estava com prazer destruindo e esmagando tudo. Junto com a produção e com a destruição da casa, eles arrebentaram também os nossos ideais, nosso sonho. Eles iam nos destruindo por dentro; nós sentimos verdadeiramente esmagados por aqueles tratores.

Então nos vimos na obrigação de procurar advogados; a gente tem vários advogados diferentes, pois não foi uma causa coletiva já que nossos lugares, causas e histórias são diferentes. É muito complicado, os processos não andam, estão parados. Os agricultores estão sem as terras, alugando terra em outros lados, já que eles dominam um terço do município, pois o Complexo Industrial Porto do Açu tem 90 km quadrados.

A gente entendeu antes que na realidade seria só um Porto, depois eles enxergaram as terras

como um um lugar pra ter muito lucro. Eles pediram a desapropriação, a transformação de rural para industrial e como isso de alugar terra [para a indústria] dá certo eles não vendem. Fizeram um calado pros navios e foram tirando essa areia que saía encharcada de água salgada que eles levaram pra depositar a uns seis quilômetros costa adentro, e se formou uma montanha de sete metros e uma extensão enorme.

Qualquer pessoa não precisa nem estudar para saber que essa areia infiltrando no solo

ia percorrer a região da agricultura. Com o tempo ela simplesmente salinizou e matou as plantações. Isso já foi comprovado e até hoje, três anos depois, ninguém foi indenizado. Também há erosão na costa, e o mar vai invadindo a região onde há um grande número de habitantes.

A companhia [Prumo Logística] nega que eles são responsáveis, e eles falam muito sobre que o porto trouxe muito benefício. Nós como agricultores e moradores da região não conseguimos ver nada de positivo.

Porto do Açu, Rio de Janeiro. (Prumo Logística / Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços / CC BY-SA 2.0 DEED)

Porto do Açu, Rio de Janeiro. (Prumo Logística / Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços / CC BY-SA 2.0 DEED)

PR: Se pudesse haver mudanças nessa situação, alguma ação governamental, uma reparação, uma solução justa, o que seria?

NM: Antes da pandemia nós tivemos com nossos geógrafos, os nossos apoiadores e junto com os agricultores e pescadores. Fizemos uma reavaliação da quantidade de terra que eles estavam em poder.  E já tínhamos conversado com a maioria dos deputados que poderia ver uma nova avaliação ou estudo devolvendo pra gente aquela terra que eles pegaram. Um terço pra nós seria o suficiente, já daria pra conviver, pois  desde o início a gente falava que daria pra conviver se fosse só o Porto e agricultura no mesmo local. Não haveria nenhum problema, só que eles não querem assim.

Tivemos um encontro com um deputado que tinha estudado nossa proposta, achava viável, mas ele foi preso com mais três deputados, e logo veio a pandemia. Não tivemos maiscondição de levar em frente, mas existe esse mapa o novo desenho de como seria é não prejudicaria o Porto.

As terras estão lá cercadas de arame farpado, onde o pessoal que perdeu a terra colocou os gado à revelia mesmo deles.Até hoje, eles não usaram nem dez por cento. As terras estão lá cercadas de arame farpado, onde o pessoal que perdeu a terra colocou os gado à revelia mesmo deles. Tem muito gado, e aí como é muita terra, inclusive pessoas vêm de cidades bem distantes passaram a levar o gado pra lá porque o pasto realmente é muito bom. De vez em quando tem acidente com esse gado, e a gente tem que conviver com isso. Hoje no meu sítio o fluxo é de cinco mil carros, caminhões, e ônibus diários na frente do sítio, que fica a cinco quilômetros da principal entrada pro povoado. Toda a logística do porto passa ali e a gente convive com isso.

PR: Também tem a questão do mineroduto [que transporta 26 milhões de toneladas por ano de minério de ferro desde Minas Gerais a 529 km de distância] que afeta a população da região, não é assim?

NM: Isso. É um mineroduto [da multinacional Anglo American] que vem lá de Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais. Ele passa em 32 municípios. Quando estava sendo construído, veio afetando onde ele passa, pois tem que cortar árvores, cavar fundo, e a maioria das pessoas não receberam indenização ainda pelos impactos. O minério vem com água e gel, e no pátio do Porto eles formam uma montanha com isso, que deveria ser coberta e molhada todo o dia, mas eles não cumprem. O vento que bate ali naquela montanha de minério deve levar toda essa poeira contaminada, e a gente sente um mal muito grande. É muito fácil você encontrar pessoas com problemas respiratórios na região.

Várias coisas contribuíram para enfraquecer a ação coletiva, com o tempo. Uma é o poder do dinheiro, pois eles conseguem comprar quase tudo com o dinheiro. Parece que a lei foi feita para eles, e o policiamento da região serve só para proteger o Porto, não nos proteger e nos dar cuidado. Ao contrário, a gente tem que ter o maior cuidado para não chegar muito tarde em casa, a gente não sabe o que pode acontecer.

Tem uma reserva lá que dizem que é particular, a Reserva Caruara, que sempre foi usada pelos agricultores e pescadores, pois tem uma lagoa maravilhosa de 18km que produz muito peixe. Era uma das fontes de renda porque lá é comum o agricultor ser pescador também de carteirinha. Tínhamos cinco entradas do nosso lado. Então eles fecharam nossas entradas, e agora temos que ir 120 km para chegar lá, e tem que mostrar documento. Fica muito difícil, não compensa. A gente acredita que esse fechamento foi para tirar nossa visão dos impactos que foram causados na região. Nós estamos tentando que eles reabram pelo menos uma portaria ali do nosso lado pro pescador e agricultor continuar ali. Eles conhecem tudo: a vegetação, as plantas, os animais, desde criança são acostumados a frequentar ali. Foi como tirar uma parte muito importante da história deles e o acesso a complementação da da economia familiar.

É um Porto com uma lógica de exportação e de incentivar simplesmente o petróleo para alguns poucos. Como poderia ser diferente a economia na região, e que se respeitasse o nosso direito de continuar com a agricultura.

PR: As pessoas que lerem ou verem esta entrevista, seja nos Estados Unidos ou na América Latina, no Brasil, como elas poderiam apoiar vocês ou fazer mais visível essa situação?

NM: A gente tem vários documentos, têm livros contando a história, tem muitos vídeos também. Se tornar um apoiador nosso, seja de qualquer maneira, e se der nos orientando também. Hoje a nossa história é conhecida no mundo.

Sabe que eu ja sofri quatro atentados, inclusive um com revólver na cabeça. Muita gente se afasta porque não acha seguro estar do nosso lado. Mas tudo isso vai agregando valores à luta. Tem muita gente que ainda não conhece a história. Eu tenho uma frase que eu gosto muito que fala que na vida, existem duas coisas distintas, existe preço, e existe o valor, o amor. Pra mim, fazenda é uma coisa, terra é outra; é terra é um bem que não se vende. Ela não tem preço.


Patricia Rodríguez trabalha como Analista e Ativista Internacional de Imagens de Gás Ópticas (OGI em inglês) em Earthworks. OGI usa tecnologia infravermelha para detectar gases fugitivos, emissões de metano, e compostos orgânicos voláteis mal queimados da indústria de petróleo e gás natural.


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Este texto escrito originalmente em inglês foi publicada pelo North American Congress on Latin America (Nacla) [Aqui!]. 

UENF ou “Dr. CAR”? Façam sua escolha…

A UENF de Darcy Ribeiro e Leonel Brizola ameaça repetir Greta Garbo e acabar no Irajá?

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Por Douglas Barreto da Mata

Eu falo com toda sinceridade que carrego em minha alma:

Gostaria muito de resgatar o respeito e a admiração que tive um dia pela UENF.

Eu sempre invejei muito o debate acadêmico, ainda que tenha sempre expressado isso de forma ácida, e nem sempre polida.

Até com os meninos que acompanhei desde a formação/pós graduação, que chamo de “os que falam javanês”, um grupo das ciências sociais e políticas que fariam Karl Marx pedir para retornar ao útero de sua mãe, para ser abortado.

Não consigo  entender a incapacidade deles não enxergarem aspectos cruciais da realidade que os cercam, e as tolices que veiculam em seus textos, as baboseiras da “busca pela democracia”, ou “patrimonialismo”. 

Afinal, que porcaria é essa? 

Não seríamos tudo e todos nós, imersos no capitalismo, desde a versão Revolução Industrial I até a versão 4.0, um patrimonialismo universal, universalidade essa que não comporta a menor sombra de Democracia, embora dela mimetize aspectos formais de representação e concessões individuais de “direitos”, onde aos mais ricos cabem tais “prerrogativas de cidadania” e aos pobres as obrigações?

Por aqui somos livres (?) para gritarmos em alto e bom som que morremos de fome, como não?

Quando é que a superestrutura, ou como gostam alguns, extra estrutura, de um sistema que reifica (“coisifica”) o trabalho e todas as sócio reproduções daí advindas, poderia não ser patrimonialista, ou por outro lado, poderia ser democrática?

Mais ou menos como buscar um tigre vegetariano, essa é a essência da “sociologia” e da ciência política atuais, e talvez, desde sempre.

Enfim, mesmo assim, admiro a incansável fé que eles portam, adorando a “ciência” como fim, e não como meio, procurando teses de (auto) justificativa e legitimação para suas existências acadêmicas e da própria cátedra de escolha.

Dá medo ir além, eu sei, porque no fim você pode descobrir que tudo pelo que você viveu não faz o menor sentido, ou pior, você passou toda a vida desafiando o óbvio (o óbvio aqui tem nome, materialismo dialético), e chegou a lugar algum, ou pior ainda, serviu a quem dizia combater.

Valha-me Santa Ellen Meiksins Wood, valha-me.

Mas tudo isso é papo para outra hora.

Na verdade, o que me move aqui é outra coisa, mas tem tanta ligação com o ocaso da UENF, como o “javanês” falado por alguns de seus próceres.

Eu diria que foi justamente esse processo de indigência intelectual (vejam bem, não acadêmica, mas intelectual, que é instância bem mais ampla), daqueles que deveriam pensar a Universidade e fazer a Universidade, é que possibilitou que a UENF virasse uma franquia de “social-green washing”.

Ao ler o texto do Marcos Pedlowski (Aqui!) imediatamente pensei nesse termo.

Já disse antes, em outros textos, que as universidades, dentro do sistema capitalista, são estuários de conhecimento para reposição tecnológica necessária aos arranjos econômicos, e talvez, uma construção de uma estrutura teórica que diz desafiar o estamento, mas o revalida, pois que sempre é consentida.

Quando há qualquer perigo nessa relação de compadrio, chamam-se tipos como os que controlam a UENF há algum tempo.

Nestes casos (como da UENF) se transformam em descaradas correias de transmissão do capitalismo mais porco e periférico, aquele que nos devora sem talheres ou serviços de prata, mas com as mãos e unhas sujas, levando nossas vísceras às bocas fétidas de dentes afiados.

É como se disséssemos, exagerando, que a Harvard  University e a UENF fossem a mesma coisa federonta no sistema capitalista, só que a Harvard University o é em sanitário de ouro, ducha climatizada e toalhinhas de linho egípicio 1000 fios, enquanto a UENF é depositada em uma moita do V Distrito de São João da Barra, e para a higiene, folhas de urtiga que sobraram da devastação causada pelo Porto do Açu.

A forma subalterna como se comporta as representações institucionais da UENF, seguido do silêncio omisso da quase totalidade dos seu pares, e por final, o amordaçamento das vozes dissidentes, não permite outra postura senão a que tem desempenhado a atual reitoria:

– Procurar um caraminguá na “pilantropia” empresarial, e assim, oferecer-se para “lustrar” a “biografia corporativa” dos “engolidores de mundos”.

Quem tem carro e já procurou local para lavagem do bólido, com certeza conhece, ou deveria, porque são bons, a franquia “Dr. CAR”.

Nada mais apropriado para associar à nossa ex-Universidade:

DR. SOCIAL & GREEN WASHING.

Tudo é questão de marketing e “brand working” (ops, desculpem, não é trocadilho com o ex-secretário de educação de javanês que saiu dos bancos da UENF para integrar o pior governo da história da cidade).

A reitoria da Uenf, o Porto do Açu, e os escombros

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Agricultor desapropriado para a implantação do Porto do Açu posa ao lado dos escombros de sua casa no V Distrito de São João da Barra. Fonte: Mateus Gomes

Que a reitoria da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) tem tentado estabelecer uma inexplicável proximidade com o Porto do Açu é um fato que está claro desde a gestão do loquaz ex-reitor, professor Raúl Palacio. Eis que agora em sua velha/nova face, a reitoria da Uenf, comandada pela dupla Rosana Rodrigues e Fábio Olivares acaba de realizar uma “oficina de integração” com o Porto do Açu no histórico edifício que abriga a Casa de Cultura Villa Maria. Pelo que se depreende do texto repercutido pela Assessoria de Comunicação da Uenf, esta oficina foi uma oportunidade para que o linguajar empreendedor disseminado durante a campanha eleitoral ocorrida em 2023 saia do papel para a prática.hall of shame
Uma primeira observação é que em se tratando do Porto do Açu, a reitoria da Uenf está como dizem os estadunidenses “barking up the wrong tree“, na medida que se o que espera é algum tipo de aporte econômico na universidade, dificilmente isto ocorrerá. É que tudo o que se analisa sobre as práticas do Porto do Açu desde o seu nascedouro em 2006 mostra que o empreendimento não está aqui para colocar, mas para tirar. Nas palavras do professor Roberto Moraes, os donos estrangeiros do Porto do Açu tratam nossa região como um mero “território de passagem” de onde tudo se tira, e muito pouco se coloca. Barking up the wrong tree – Museum of Psychology – Illustrations about us
Mas se é assim, por que o Porto do Açu se dispõe a realizar este tipo de atividade para o qual seus donos não pretendem investir? É que de forma consciente ou não, a reitoria da Uenf ofereceu um excelente momento de uma “photo op” gratuita que poderá ser replicado para os investidores que detém ações ou títulos no Porto do Açu por meio da disseminação da ideia de que o empreendimento atua dentro dos melhores conceitos e métodos da chamada “governança sócio-corporativa”. Em outras palavras, essa oficina representou uma chance do porto se promover junto aos seus investidores, tendo como cenário um dos principais patrimônios arquitetônicos de Campos dos Goytacazes. Para o Porto do Açu isso é perfeito, já para a reitoria da Uenf isso é apenas mais uma demonstração de que estamos entregues a amadores que não têm o mínimo de entendimento das tarefas que nos foram deixadas por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.

Esse episódio lamentável me faz pensar naquela sugestão dada por Chico Buarque ao presidente Lula em 2003 para que ele criasse o ministério do “Vai dar Merda”. A sugestão foi dada no sentido de que se tivesse um assessor que dissesse ao presidente (no caso a reitora) sobre quando não fazer alguma coisa. É que ao receber o Porto do Açu na Villa Maria, o que se fez, na prática, foi demonstrar total desprezo pelo destino dado a centenas de famílias de agricultores e pescadores artesanais do V Distrito de São João da Barra que tiveram suas vidas reduzidas a escombros para a implantação de um enclave portuário que tirou suas terras, removeu o acesso a áreas tradicionais de pesca, salinizou terras e causou erosão costeira.

E falando em escombros…escombros
Como sei que existe uma forte preocupação com aqueles que a reitoria da Uenf opta por ignorar em suas buscas por oportunidades de “empreendedorismo”, aproveito informar aos leitores que a  Casa Criativa Santa Paciência, no dia 22 de fevereiro, abrirá seu espaço para a abertura da mostra “Escombros”, trabalho do fotógrafo campista Mateus Gomes que mostra a destruição das habitações pertencentes aos agricultores familiares que tiveram suas terras tomadas pelo (des) governo de Sérgio Cabral.

No mesmo dia, às 19h, acontecerá uma roda de conversa com o tema Fotografia, pesquisa e ativismo: 15 anos do Porto do Açu e seu impacto socioambiental. Esta mesa terá a participação da Dona Noêmia Magalhães, liderança dos agricultores familiares do Açu, da professora, pesquisadora e diretora da UFF Campos Ana Costa, do artista e fotógrafo Mateus Gomes, e deste blogueiro.

Navio do Reino Unido completa 15 dias encalhado diante do Porto do Açu

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As causas do incidente já estão sendo apuradas pela autoridade marítima, e o porto segue monitorando para que o desencalhe seja concluído o quanto antes. (Crédito: Reprodução / Redes Sociais)

Por Isto É

Um navio do Reino Unido está há pelo menos 15 dias encalhado no mar de São João da Barra (RJ). A embarcação, que carregava minério de ferro, saiu de Porto do Açu, localizado no norte do Rio de Janeiro, quando encalhou, e há equipes fazendo monitoramento para saber as causas do acidente e possíveis danos causados.

A Marinha do Brasil informou que o navio Mercante “M/V CARO”, empregado no serviço de transporte de minério, tinha como destino o Bahrein, no Oriente Médio. A embarcação encalhou com prático a bordo, a aproximadamente uma milha náutica do Terminal 1 do porto.

Um Inquérito Administrativo sobre Acidentes e Fatos da Navegação foi instaurado para apurar causas, circunstâncias e possíveis responsabilidades sobre o encalhamento. Concluído o inquérito, o documento deve ser encaminhado ao Tribunal Marítimo.

Duas empresas de salvamento foram contratadas e estão finalizando o Plano de Salvamento sob a orientação da Marinha. Está marcada para os próximos dias uma reunião entre o representante do Navio, o Instituto Estadual do Ambiente e a Marinha para estabelecer um Plano de Proteção ao meio ambiente.

Segundo nota, o Porto do Açu tem prestado suporte ao armador da embarcação chamada M/V Caro, que segue encalhada a 4 km da costa, fora do canal de navegação. Não há registros de que o navio esteja afetando o fluxo de embarcações que acessam os terminais do Porto do Açu. “Não ocorreram danos a pessoas e ao meio ambiente”, reforça a equipe do porto.

As causas do incidente já estão sendo apuradas pela autoridade marítima. O desencalhe do navio está previsto para o mês de fevereiro, onde será realizado o alívio da carga.


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Este texto foi inicialmente publicado pela revista “Isto É” [Aqui!].

Afogada em uma dívida de R$ 7,9 bilhões, OSX acusa Porto do Açu de “negligência” e gestão “precária” com intenção de prejudicá-la

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No dia 15 janeiro, publiquei uma nota sobre a situação do Porto do Açu que estava em vias de rolar uma dívida bilionária de R$ 5,6 bilhões com apenas dois dos seus credores. Eis que hoje, o jornalista Victor Irajá publicou na coluna Radar da Revista Veja que a OSX, empresa de construção naval do antigo grupo EBX do ex-bilionário Eike Batista está tentando conseguir uma segunda recuperação judicial para tentar sanear uma dívida também bilionária de R$ 7,9 bilhões (ver imagem abaixo).

Mas a verdadeira novidade está na informação de que a OSX atribui a evolução ascendente da sua dívida a uma suposta sabotagem do Porto do Açu (i.e., da Prumo Logísitica Global)  que teria atuado de forma “negligente” e “precária” em suas responsabilidades de gerar a renda que permitiria que a OSX pudesse começar a diminuir as suas dívidas bilionária.

Para a OSX, o Porto do Açu tem agido desta forma porque “não tem interesse efetivo na reestruturação da OSX e tem intenções de tomar a área ocupada pela companhia de Eike em suas instalações.” Além disso, a OSX alega “ter sido prejudicada pela gestão da Porto de Açú, como a recusa de firmamento de contratos de locação“,

Particularmente digo que nesta briga entre a Prumo e a OSX, eu torço pela briga. No entanto, o que me parece importante frisar é o incrível montante de dívidas que existem no Porto do Açu, já que em apenas dois casos noticiados, ficamos sabendo da existência de “papagaios” da ordem de R$ 13,4 bilhões. Eu fico realmente curioso para saber o volume total de dívidas que existem hoje associadas aos diferentes empreendimentos que foram instalados no Porto do Açu.

Com tudo isso, ainda sou obrigado a notar que em meio a esse estoque bilionária de dívidas, ainda temos centenas de famílias de agriultores que tiveram suas terras tomadas para a instalação do natimorto Distrito Industrial de São João da Barra. Para essas famílias, as perspectivas não são nada boas, pois com tantas dívidas bilionárias, o direito delas fica cada vez mais escanteado.

Com dívidas bilionárias, Porto do Açu pode ser vendido para petroleira estatal chinesa

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Eike Batista e Sérgio Cabral em visita na China já tentavam tornar o Porto do Açu uma espécie de autoestrada chinesa encravada no Norte Fluminense. A hora para isso pode estar chegando

Acompanho as idas e vindas do Porto do Açu desde de antes de sua construção ter sido iniciada, e uma das minhas orientandas no Programa de Políticas Sociais da Uenf, Beatriz Oliveira Pires, realizou um dos primeiros estudos sobre as expectativas e temores gerados pelo empreendimento na população do V Distrito de São João da Barra. 

Nas muitas entrevistas que concedi quando jornalistas vinham cumprir pautas sobre o empreendimento iniciado pelo ex-bilionário Eike Batista, sempre disse que o Porto do Açu era mais espuma do que chopp, pois as muitas promessas e anúncios grandiosos feitos para angariar apoios acabavam não se cumprindo ou ficavam muito aquém do prometido.

Pois, neste domingo (14/01) o jornalista Lauro Jardim publicou em sua coluna dominical duas informações que podem alterar, mais uma vez os rumos do Porto do Açu. Segundo Jardim, o Porto do Açu está em vias de rolar uma dívida bilionária com dois dos seus credores (Bradesco e Santander), enquanto tratativas iniciais estariam sendo feitas com a petroleira estatal chinesa Sinopec para, digamos, passar o ponto (ver imagem abaixo).

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Eu particularmente não me surpreendo com a informação, pois o montante de empréstimos tomados desde que o Porto do Açu começou a ser construído é gigantesco, enquanto o empreendimento tem parte de sua estrutura ociosa. Além disso, desde os tempos de Eike Batista, um dos sonhos dos controladores é ter a China como principal destino das mercadorias exportadas via o Porto do Açu. Dai para passar o porto para controle direto dos chineses é um pulo. 

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As diferentes tentativas de tornar o Porto do Açu em uma espécie de rodovia para a China estão descritas no capítulo que eu escrevi para o livro “The Tropical Silk Road: The Future of China in South America” que foi publicado pela Stanford University Press em 2022.  Essa obra traz ainda outros casos de portos que estavam sendo ou foram adquiridos por empresas chinesas, o que demonstra que diferente dos EUA, os chineses preferem controlar portos do que instalar bases militares.

No caso do Porto do Açu, me preocupa o fato de que passada mais de uma década desde que o governo do Rio de Janeiro expropriou milhares de hectares que pertenciam centenas de propriedades de agricultores familiares (que até hoje esperam pelo devido ressarcimento financeiro), agora possamos ter esse estoque de terra (algo em torno de 7.500 ha) transferido para uma petroleira estatal chinesa, replicando o que ocorreu quando Eike Batista vendeu o Porto do Açu para o fundo de private equity EIG Global Partners. É que com isso, a chance dos agricultores do V Distrito serem finalmente ressarcidos vai diminuir ainda mais. Isto sem falar no aprofundamento da condição de enclave que já é uma das principais características do Porto do Açu.

Veja publica nota sobre desapropriações nunca pagas do Porto do Açu. Grilagem estatal de terras é o nome

Desapropriações envolvendo antigo porto de Eike se arrastam na Justiça. Processo de compensação das famílias é agravado pela constante troca de juízes

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Eike Batista fala na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado que apura irregularidades no BNDES, em Brasília – 29/11/2017 (Marcos Oliveira/Agência Senado)

Por Victor Irajá

Na esteira da disputa entre a Prumo Logística e a OSX, última empresa do império de Eike Batista a sobreviver, na operação do Porto de Açu, no Rio de Janeiro, um impasse na indenização de cerca de 400 famílias de agricultores removidas para dar lugar ao porto se arrasta na Justiça desde 2010. Na ocasião, o governo de Sérgio Cabral removeu dos arredores cerca de 400 famílias de agricultores. A ideia era oferecer a área de 7.500 hectares que ocupavam para a instalação de um polo industrial, beneficiado pelas facilidades de transporte oferecidas pelo porto.

A indenização das famílias degringolou e até hoje se arrasta nos tribunais, com uma sucessão de conflitos sobre os critérios de avaliação das terras desapropriadas. Complexa por si só, a disputa só se acirrou desde a entrada da Prumo Logística como parte interessada das desapropriações ao lado do governo do Rio. O processo de compensação das famílias é agravado pela constante troca de juízes, resultando em revisões nas peritagens e desvalorização das propriedades, enquanto as terras permanecem abandonadas.


Fonte: Revista Veja

Desapropriações no Porto do Açu: 13 anos de negação de direitos e violências contra os agricultores do V Distrito

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Capa da Folha de Manhã de 26/4/2011 mostrando a resistência dos agricultores do V Distrito contra a expropriação de suas terras pelo governo do Rio de Janeiro

Este final de ano será particularmente sombrio para centenas de famílias de agricultores no V Distrito de São João da Barra que tiveram suas terras expropriadas pelo ex (des) governador Sérgio Cabral para a instalação de um natimorto distrito industrial na retroárea do Porto do Açu.   Ao tomar mais de 7.500 hectares de terras de seus legítimos proprietários e entregá-los sem qualquer base legal para usufruto do Grupo EBX (que posteriormente repassou essas terras para a Prumo Logística Global), Sérgio Cabral realizou uma reforma agrária às avessas e criou um imenso latifúndio improdutivo que 13 anos depois permanece completamente abandonado, e sem perspectiva de que a finalidade manifesta (a criação de um distrito industrial seja realizado).

O problema é que ao contrário do tratamento dado a latifundiários no momento da desapropriação de seus latifúndios, o estado do Rio de Janeiro nunca cumpriu o que está previsto tanto na Constituição Federal quanto na Estadual no tocante ao processo de ressarcimento financeiro aos agricultores que tiveram suas terras tomadas. O que deveria ter sido um processo razoavelmente rápido ainda se arrasta lentamente nos tribunais, com uma sucessão de conflitos sobre quem pode avaliar as terras desapropriadas.

Mapa dos processos de desapropriação no Açu |

Mapa das desapropriações no V Distrito produzido pela LLX Açu Operações Portuárias

A disputa em termos da peritagem tem sido complicada pelo fato da Prumo Logística Global ter se apresentado como parte interessada das desapropriações, sem que haja muita clareza sobre o que dá a sustentação jurídica para isto. Entretanto, ainda que só tenha chegado depois da instalação do processo de desapropriação, a Prumo vem sendo aceita como parte interessada, o que acabou atrasando ainda mais o início do pagamento das indenizações.

Se o problema não fosse grande o suficiente, os agricultores ainda têm assistido a uma constante troca de juízes responsáveis pelos processos, com repercussões sobre o processo de peritagem e valoração das terras.   Com isso, processos que já tinham sido praticamente concluídos tiveram que basicamente voltar à estaca zero com a realização de novas peritagens, as quais, invariavelmente, reduzem os valores que peritos anteriores haviam atribuído às propriedades tomadas pelo governo estadual. 

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Um jurista que acompanha o caso me alertou que uma lei municipal de 2017, a Lei No. 500, determinou que o valor referência do metro quadrado no V Distrito de São João da Barra deve ser de R$ 800,00. Com isto, o valor das indenizações deverá ser milionária para muitas das famílias afetadas pela tomada de suas terras.  Um problema que isto acarreta é que, na possibilidade de novas peritagens levarem esse valor como referência, não seria de se estranhar se aumentarem as pressões para que as famílias aceitem negociar suas terras com os famosos “contratos de gaveta”, mas por valores muito abaixo do que foi estabelecido pela Lei No. 500.

Toda essa situação reflete bem o tratamento díspare que tem sido dado às partes interessadas na disputa agrária que foi aberta em 2010 e que se arrasta, sem previsão de conclusão, até hoje.  Quem quiser saber um pouco mais sobre esse imbróglio das desapropriações na retroárea do Porto do Açu, sugiro a leitura da dissertação defendida pelo meu ex-orientando Felipe Medeiros de Alvarenga no Programa de Políticas Sociais da Uenf sob o título de “Os deserdados do desenvolvimento: o caso da implantação do Complexo Portuário e Industrial do Açu e seus impactos socio-territoriais“.

A questão da oferta de água potável no V Distrito e a sombra da outorga dada ao Porto do Açu sobre o Aquífero Emboré

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O site “Parahybano” publicou ontem uma matéria sobre uma ação da Prefeitura Municipal de São João da Barra para resolver o gritante e urgente problema do abastecimento de água potável no V Distrito de São João da Barra, área que foi alvo de um incidente ambiental causado pelo despejo de água salgada vinda dos aterros hidráulicos do Porto do Açu.

A matéria do Parahybano informa que a “prefeita Carla Caputi assinou na tarde de sexta-feira, 24/11, a ordem de serviço para perfuração de poço tubular profundo na localidade de Bajuru, no quinto distrito de São João da Barra, e interligação na rede existente na RJ-240“. A nota informa ainda que a “previsão é que a obra, no valor de R$ 1.144.136, com recurso próprios, seja concluída em um prazo de quatro meses, beneficiando mais de 5 mil famílias das localidades de Bajuru, Azeitona, Campo de Areia, Corrego Fundo, Água Preta, Mato Escuro, Cazumbá, Sabonete e Concha“. 

Por outro lado, o que a nota não nos informa é se foram realizados estudos prévios sobre a qualidade da água que se pretende utilizar para o resolver o problema crônico que tem sido o abastecimento nas localidades apontadas, especialmente porque uma das reclamaçõesdos habitantes do V Distrito é que a água servida a eles seria salgada ou, na melhor das hipóteses, salobra. Sem um estudo prévio que ateste que a água que será retirada de uma profundidade estimada de 240 metros estará livre do excesso de sal, esta obra será uma espécie de trocar “seis por meia dúzia”. Uma questão que levantei neste espaço faz pouco tempo se relaciona ao maior usuário de água de V Distrito  (e certamente do município de Sâo João da Barra) que é o Porto do Açu.

Segundo dados levantados pela Agência Pública e publicados na matéria “Os donos da água“, o Porto do Açu possui uma outorga para o uso de 142,4 bilhões de litros de água anualmente, colocando o empreendimento como o sétimo maior consumidor de água do Brasil. Desde fiquei pensando de ontem o porto estaria retirando este mega volume de água. 

Agora após ler a mesma matéria do Parahybano, um leitor deste blog  me perguntou o que estaria ocorrendo em termos de uso da água contida no chamado “Aquífero Emboré“, pois há a preocupação de que a grande outorga dada ao Porto do Açu esteja sendo obtida desta reserva hídrica (ver imagem abaixo).

A possibilidade de que o Porto do Açu esteja obtendo seu abastecimento anual do Emboré não me parece algo despropositado, na medida em que a planejada transposição do Rio Paraíba do Sul que iria ser feita para abastecer o empreendimento iniciado pelo ex-bilionário nunca saiu do papel, até porque houve a devida reação por parte do Ministério Público Federal.

A questão é que não se ouviu nada por parte de autoridades municipais do entorno do Porto do Açu após a veiculação da matéria produzida pela Agência Pública. E agora vem a Prefeitura de São João da Barra com essa solução para um problema que foi, ao menos em parte, causado pelo Porto do Açu.  Com isso, cresce a necessidade de que haja a devida publicidade sobre a qualidade da água que vai ser fornecida à população do V Distrito, mas também sobre a mineração da água contida no Aquífero Emboré por parte do enclave comandado pelo fundo de private equity EIG Global Partners. Afinal, o usufruto da riqueza hídrica do Emboré deve ser primeiro da população dos municípios de Campos e de São João da Barra.