Indígenas e autoridades denunciam devastação em área no Pará pela mineradora canadense Belo Sun

Projeto tocado por banco canadense com foco em mineração prevê remoção de indígenas, uso de explosivos por 12 anos, entre outros, em Volta Grande do Xingu

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Planos incluem a construção da maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. Isso em uma área conhecida como Volta Grande do Xingu

Por Redação RBA

São Paulo – A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou violações aos direitos dos povos indígenas no projeto de mineração da empresa Belo Sun, em Volta Grande do Xingu. A reserva indígena fica no estado do Pará. O relatório é intitulado “Mina de sangue – Relatório sobre o projeto da mineradora Belo Sun“. Ele tem como autor a Apib e a publicação data de hoje (29). Lá, estão expostas análises preocupantes.

A empresa faz parte do grupo canadense Forbes & Manhattan. Trata-se de um banco de investimentos com foco em projetos internacionais de mineração. Seus planos incluem a construção da maior mina de ouro a céu aberto do Brasil. Isso em uma área conhecida como Volta Grande do Xingu. Para isso, está prevista a remoção de mais de 800 famílias da região, que serão realocadas para o estado de Mato Grosso.

Impacto profundo

No projeto da Belo Sun, está prevista a utilização constante de explosivos para viabilizar a extração de cinco toneladas de ouro por ano. O período mínimo é de 12 anos. Além disso, estão planejadas a instalação de duas minas a céu aberto, uma barragem para armazenar resíduos químicos provenientes da mineração, um depósito de explosivos, um aterro sanitário, uma estação de abastecimento de combustíveis, alojamentos e estradas.

“O MPF constatou que não houve manifestação genuína das comunidades afetadas, mas tão somente uma coleta de informações através de dados secundários”, diz um trecho do relatório.

A Belo Sun ocupa uma área de 2.000 hectares de terras públicas. Ela impedirá o acesso das comunidades indígenas e tradicionais que habitavam e utilizavam a região para atividades como caça, pesca, extrativismo e lazer. De acordo com o documento, a mineradora não realizou a consulta prévia, livre e informada às comunidades indígenas afetadas. Contudo, as diretrizes estão estabelecidas na Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário. Além disso, a empresa tem buscado intimidar e silenciar as discussões acerca do empreendimento.

Violações aos direitos indígenas

Maurício Terena, coordenador do departamento jurídico da Apib e responsável pela elaboração do relatório, destaca que a Belo Sun também está sendo acusada de abuso de poder econômico ao adquirir ilegalmente terras destinadas à reforma agrária. “Belo Sun vem realizando sistemáticas violações de Direitos Humanos e Fundamentais das comunidades que vivem na região. Constantemente, a mineradora omite informações sobre os impactos reais que a mineração irá causar na região, como a contaminação dos recursos hídricos com mercúrio, cianeto, arsênio e antimônio”, afirma.

Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, completa a crítica. “O Poder Judiciário suspendeu diversas vezes a licença de instalação da Belo Sun. Primeiramente, devido aos impactos potenciais da mina nas comunidades indígenas e tradicionais da área. Chega de atividades mineradoras que com ou sem o aval do Estado brasileiro atacam o direito à vida e ao território dos povos originários, além de destruir o meio ambiente”.


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Este texto foi inicialmente publicado pela Rede Brasil Atual [Aqui!].

Ato “Marco temporal, não!” reúne artistas, indígenas e sociedade civil em SP; futuro das demarcações de terras indígenas no Brasil continua em jogo”

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  • Daniela Mercury, cantora, ativista e integrante da Comissão Arns, e Zélia Duncan, cantora e compositora, estão entre os artistas que participaram da mobilização, que ocorreu nesta quarta-feira (07/06), nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo. 
  • A presidente de honra da Comissão Arns, Margarida Genevois, estava presente ao lado dos ex-ministros José Carlos Dias, Paulo Vannuchi e Paulo Sergio Pinheiro, da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, das sociólogas Maria Victoria Benevides e Maria Hermínia Tavares, do ex-senador italiano José Luiz del Roio, da ativista Cida Bento, da jornalista e diretora-executiva Laura Greenhalgh, e dos advogados Antonio Mariz de Oliveira, Belisário dos Santos Jr. e Oscar Vilhena, todos membros da entidade. 
  • Ato foi organizado pela Comissão Arns, Apib, Instituto Vladimir Herzog, Comissão Justiça e Paz e Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. 

São Paulo, 07 de junho de 2023 – Nesta quarta-feira (07/06), dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) retomou a tese do marco temporal, representantes da sociedade civil se mobilizaram junto a artistas e lideranças indígenas no ato “Marco Temporal, não!”, organizado pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Instituto Vladimir Herzog, a Comissão Justiça e Paz e a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. A cantora Daniela Mercury, ativista e integrante da Comissão Arns, e a cantora e compositora Zélia Duncan estão entre os artistas que participaram do ato, realizado na hora do almoço nas escadarias do Theatro Municipal de São Paulo, no centro da capital.  

Também estiveram presentes lideranças indígenas de diversas etnias, como Guarani, Kariri-Xokó, Fulni-ô, Pankararé, Pankararu, Maxakali e Pataxó, que realizaram cerimônias e apresentações tradicionais. O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, se juntou a eles no clamor para que os ministros do Supremo Tribunal Federal rejeitem a tese, considerada uma ameaça aos direitos dos povos indígenas, na sessão desta quarta-feira. Dias estava no ato ao lado de Margarida Genevois, presidente de honra da Comissão Arns e uma referência em todo o país na defesa dos direitos humanos, dos ex-ministros Paulo Vannuchi e Paulo Sergio Pinheiro, da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, das sociólogas Maria Victoria Benevides e Maria Hermínia Tavares, do ex-senador italiano José Luiz del Roio, da ativista Cida Bento, da jornalista e diretora-executiva Laura Greenhalgh, e dos advogados Antonio Mariz de Oliveira, Belisário dos Santos Jr. e Oscar Vilhena, todos membros da entidade. 

O tema do marco temporal voltou ao crivo do STF em uma ação específica de reivindicação de terras indígenas em Santa Catarina, mas a decisão deve repercutir nos casos semelhantes em todas as instâncias da Justiça. Após o voto do ministro Alexandre de Moraes contra a tese, o ministro André Mendonça pediu vistas e o julgamento foi suspenso. De acordo com o regimento interno da corte, ele terá até 90 dias para devolver a ação ao plenário do Supremo. 

Para  a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, que tem longa trajetória na defesa dos povos indígenas, o marco temporal é um retrocesso climático e humanitário que pode colocar em xeque não só a sobrevivência dos povos indígenas, mas também o futuro do nosso planeta. “É uma ameaça para a gente, para as florestas, para os rios e até para a agricultura, pois é um incentivo à grilagem, às invasões e à criminalidade. Por isso digo ‘Não ao marco temporal!’’.  

Greenpeace Brasil emite nota sobre a aprovação do “Marco Temporal” na Câmara dos Deputados

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Sobre a aprovação do PL 490 pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (30), que aprova a tese do Marco Temporal, o porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil, Danicley de Aguiar afirma:

“A aprovação do PL 490 coroa os esforços da bancada ruralista para relativizar os direitos indígenas e forçar a abertura dos territórios tradicionais ao agronegócio e a outras atividades econômicas incapazes de conviver com a floresta; ignorando o desejo de reparação histórica aos povos originários expresso pela sociedade brasileira nos Artigos 231 e 232 da Constituição de 1988. Em pleno século 21, não podemos tolerar que um punhado de deputados comprometidos com o atraso siga trabalhando para reverter a vontade da maioria dos brasileiros. A bancada ruralista precisa entender que todo ataque aos direitos indígenas é um ataque contra a democracia.”

Ambientes faz chamada para contribuições ao dossiê “Povos indígenas e território”

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O Volume 5, Número 2 de AMBIENTES terá um Dossiê sobre “Povos indígenas e território”.

A publicação está prevista para dezembro de 2023.

As submissões devem ocorrer até 10 de setembro de 2023.

Dossiê sobre “Povos indígenas e território”

A questão indígena vem ganhando notoriedade em escala mundial na articulação entre luta pelos territórios ancestrais e enfrentamento das crises ambiental e civilizatória de nosso tempo. Não é mais possível falarmos de alterações climáticas, eventos extremos, proteção de corpos hídricos e preservação da geobiodiversidade sem mencionar o fundamental papel que os povos originários desempenham. A Ecologia Política, desde sua constituição enquanto campo acadêmico-político, demonstra significativo diálogo de saberes entre os científico-acadêmicos e os ancestrais, notadamente aqueles oriundos das matrizes de racionalidade indígenas. A Geografia Ambiental, por sua vez, encontra no estudo (e nas propostas de ação advindas da pesquisa) dos povos indígenas e de seus territórios frutífera interface para a constituição de objetos híbridos.

Ambientes, através do dossiê Povos Indígenas e Território, convida para a reflexão sobre os povos originários através de seus territórios e ambientes, o sentido de ancestralidade territorial e a indissociabilidade sociedade-natureza, as diversas ameaças e ofensivas que os territórios indígenas vêm sofrendo por parte do Estado e dos agentes do capital, e as resistências (e proposições de existência) nos processos de luta. Chamamos para o debate a respeito de experiências em Pindorama / Brasil ou em outros espaços de Abya Yala / América, das potencialidades e limites de áreas protegidas como Reservas Extrativistas, Florestas Nacionais e Terras Indígenas, de práticas espaciais indígenas como autodemarcações, retomadas, acampamentos e construção de redes transnacionais, das intersecções entre classe, raça e gênero (racismo ambiental, feminismos indígenas…), da cosmologia e dos encantados dando sentido e corpo à relação humana com a natureza não-humana, entre vários outros assuntos sobre povos indígenas e território.

Além de artigos científicos, serão muito bem-vindos resenhas, entrevistas e relatos de luta.

Para maiores informações sobre como enviar submissões para a  Ambientes, basta clicar [Aqui!].

Para Greenpeace, o Brasil perde mais uma vez a chance de reparar injustiças históricas com povos indígenas

Para a organização, uma eventual aceitação da tese do Marco Temporal legaliza toda a barbárie cometida contra os povos indígenas ao longo dos últimos 500 anos

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Foto: Tuane Fernandes / Greenpeace Brasil

São Paulo, 25 de maio de 2023 –Na noite de ontem (24), a Câmara dos Deputados aprovou o requerimento de urgência do Marco Temporal das Terras Indígenas. A matéria, aprovada por 324 votos a favor e 131 contrários, tem previsão de ser votada no plenário na próxima semana. Trata-se de mais um retrocesso para o meio ambiente e para os povos indígenas, e um sinal claro de que o projeto de destruição encampado durante o governo Bolsonaro segue em curso no Congresso Nacional.

De acordo com Danicley de Aguiar, porta-voz do Greenpeace Brasil, o país perde, mais uma vez, a chance de reparar historicamente as injustiças cometidas com os povos indígenas: “No mesmo ano em que conquistamos a primeira ministra indígena da história do país, retiramos das mãos dos indígenas o poder de decidir sobre as suas próprias terras. Se for aceita, estaremos diante da legalização de toda a barbárie cometida contra os povos indígenas nos últimos 500 anos”.

Impactos de uma eventual aprovação do Marco Temporal

A tese do Marco Temporal é uma ficção jurídica que tenta inviabilizar a demarcação de novas Terras Indígenas, distorcendo a Constituição Federal que reconhece o direito dos povos indígenas aos territórios que tradicionalmente habitam. Os defensores dessa manobra, afirmam que só poderiam reivindicar o direito à demarcação de seus territórios os povos indígenas que já estivessem ocupando o território no momento da promulgação da Constituição Federal de 1988. Uma eventual aceitação desta tese, além de trazer profunda insegurança jurídica para o reconhecimento e demarcação das terras indígenas, aprofundará ainda mais as desigualdades e violências cometidas contra os povos indígenas no Brasil.

“Para os povos indígenas, cada dia sem uma decisão do STF é mais um em que são forçados a conviver com grileiros, madeireiros e garimpeiros, e obrigados a assistir a destruição de seus territórios tradicionais. Ainda que seus defensores insistem em tratar esse tema como só mais um projeto de lei sem graves implicações, para os povos indígenas é um assunto vital, pois coloca em xeque a sua sobrevivência física e cultural.”, finaliza Aguiar.

Greenpeace Brasil rejeita a tese do Marco Temporal

A organização segue comprometida em denunciar e rejeitar a lógica que banaliza a violência histórica cometida contra os povos indígenas do Brasil, e convida toda a sociedade a participar do abaixo assinado mobilizando os brasileiros a também rejeitarem a tese do Marco Temporal e a defender os direitos indígenas.

Saiba mais sobre o abaixo assinado neste link.

Sob os olhares plácidos de Lula, Congresso avança no desmanche ambiental e dos direitos indígenas

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Sob o olhar plácio de Lula, congresso avança no desmanche do ministério comandado por Marina Silva

Admito que não nutria muitas expectativas positivas em relação ao terceiro mandato do presidente Lula, mas tenho que admitir que tampouco antecipava a falta de disposição que estou notando em se defender minimamente o que ainda restava do sistema de proteção ambiental brasileiro ou ainda dos mecanismos de defesa dos povos indígenas.

É que apenas ontem avançaram no congresso nacional diversas medidas que retiram funções importantes do Ministério do Meio Ambiente e isto dentro da discussão de uma Medida Provisória proposta para reorganizar a estrutura do governo federal. Entre as áreas tiradas do MMA estão a retirada da Agência Nacional de Águas (ANA) e do Cadastro Ambiental Rural (CAR). Além disso, ainda se prejudicou fortemente a proteção da Mata Atlãntica, o que é um completo despaultério em função da importância do bioma e da condição de profunda degradação em que se encontra, tendo os efeitos perversos que vimos no início deste ano na costa norte do estado de São Paulo.

Ainda na mesma toada, a Funai deverá se retirada do interior do Ministério dos Povos Indígenas, bem como a questão crucial da demarcação das terras indígenas que deverá voltar para o Ministério da Justiça, como era no governo de Jair Bolsonaro. Com isso, o Miinistério dos Povos Indígenas se torna natimorto e a ministra Sônia Guajajara uma peça de decoração dentro de uma estrutura para a qual não há nenhuma função importante a ser cumprida.

O pior é que de dentro do que convenciona chamar de “núcleo duro” do governo Lula há uma posição em torno de se sacrificar alguns dedos (no caso o meio ambiente e os povos indígenas) para se manter a mão que, segundo matéria da Folha de São Paulo, seria a busca de um pouco explicado processo de desenvolvimento. Oras bolas, sem proteção do meio ambiente e dos povos indígenas está mais do que evidente que o único modelo econômico que vai vigorar é o que já foi posto por Jair Bolsonaro. Em outras palavras, teremos mais desmatamento e mais agrotóxicos para turbinar a exportação de commodities agrícolas que só são viáveis com muito subsídio federal (mas muito mesmo).

E com isso tudo acontecendo, por anda o presidente Lula? Ele parece ser uma daqueles soldados perdidos em ação. Mas quando falou, Lula agiu para enfraquecer Marina Silva e turbinar as demandas pela insustentável exploração de petróleo e gás na Foz do Amazonas, como já observei aqui.  Com isso, fica claro que o maior problema não se trata de termos um “governo sob cerco” das forças reacionárias, mas termos sim um alinhamento com um modelo de inserção dependente em uma economia globalizada que rapidamente está se desglobalizando. Essa falta de entendimento das mudanças que estão ocorrendo na geopolítica global é um dos elementos que regem o abandono das promessas eleitorais e a objetiva “bolsonarização” das ações práticas do governo Lula.

A minha impressão é que Marina Silva já sabe que com menos de 6 meses de governo, a sua permanência no governo Lula está sendo inviabilizada por dentro e pelo próprio presidente da república em uma repetição trágica de sua passagem anterior pelo mesmo cargo. Resta saber quanto tempo ela vai querer ficar como ministra e de como pretende sair dele. É que a saída de Marina Silva é uma daquelas pedras cantadas que se pode levantar sem medo de errar. 

Syngenta foi dona de fazenda sobreposta à TI Porquinhos, no Maranhão

Multinacional fabricante de agrotóxicos vendeu imóvel de 900 hectares incidente no território do povo Canela-Apãnjekra; UOL contou que funcionários da empresa conspiraram para esconder amostras de insumos altamente poluentes durante inspeção do Ibama

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Por Bruno Stankevicius Bassi para “De olho nos ruralistas”

Dona de um quarto do mercado mundial de agrotóxicos e 9,2% da produção global de sementes transgênicas, a holding sino-suíça Syngenta tem uma história marcada por fatos desabonadores. Da perseguição a cientistas que questionaram a segurança do pesticida Paraquate à condenação pelo assassinato de um sem-terra no Paraná, são várias as denúncias de movimentos sociais, imprensa e grupos de pesquisa contra o modus operandi da multinacional.

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A última dessas denúncias ocorreu nesta terça-feira (02), em reportagem publicada pelo UOL, que revelou a ação de funcionários da empresa para ocultar embalagens do bactericida bronopol, um insumo altamente poluente, antes de uma inspeção de fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na planta da empresa em Paulínia (SP). A conspiração para esconder o produto foi comprovada por mensagens internas de funcionários e executivos da empresa e motivou uma multa ambiental de R$ 1,3 bilhão. Segundo o Ibama, 292 lotes de agrotóxicos receberam a adição de bronopol, considerado perigoso para a vida marinha e no caso de ser ingerido por humanos.

Um lado menos conhecido da Syngenta é a sua faceta fundiária. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), compilados para a produção do relatório “Os Invasores: quem são os empresários brasileiros e estrangeiros com mais sobreposições em terras indígenas”, a empresa aparecia como dona, até 2021, da Fazenda Olho D’Água, em Fernando Falcão (MA), um imóvel de 900,87 hectares inteiramente sobreposto à área demarcada para ampliação da Terra Indígena Porquinhos dos Canela-Apanyekrá. A TI se espalha por quatro municípios maranhenses e aguarda a conclusão de seu processo de reestudo desde 2009.

Segundo os dados do Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) do Incra, a fazenda teve sua titularidade transferida em 2022, passando da Syngenta Proteção de Cultivos Ltda para o fazendeiro Neuri Genevro, cujo CPF aparece no descritivo de restrição de uso do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do imóvel, que também aponta a sobreposição em área indígena. A data da atualização do CAR é justamente de 2022.

Dono da Agropecuaria Italbrasil, Neuri é dono de duas fazendas de pecuária em Monte Do Carmo, no Tocantins, sendo a maior delas de 2.358,27 hectares. Ele também é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Fazenda Olho D’Água da Soledade, com sede em São Félix de Balsas (MA).

Enquanto isso, o povo Canela sofre com o desmatamento de seu território tradicional: a TI Porquinhos foi a mais desmatada do Cerrado brasileiro em 2019, conforme estudo do Instituto Cerrados.

Confira abaixo o mapa da sobreposição do imóvel vendido pela Syngenta:

Observatório destaca casos em série de reportagens

A aventura em terras maranhenses não foi a única sobreposição ligada à Syngenta identificada no relatório “Os Invasores“. A 2.500 quilômetros da TI Porquinhos, no município de Itaporã (MS), fica a Fazenda Vazante, que possui 13.626,94 hectares incidentes sobre a área de reestudo demarcada da TI Cachoeirinha. Trata-se da sexta maior sobreposição em terra indígena do Brasil, ocupando 37% da área total delimitada para a ampliação do território do povo Wedezé.

Unidade da rede Agro Jangada, comprada pela Syngenta em 2022. (Foto: Grupo Jangada)

A propriedade pertence a Waldir da Silva Faleiros, antigo dono da Agro Jangada, distribuidora de agrotóxicos e insumos agrícolas comprada pela multinacional suíça, em negociação aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em outubro de 2022. A negociação faz parte da estratégia de verticalização da Syngenta, que vem adquirindo distribuidoras regionais de modo a ampliar seu controle sobre a cadeia produtiva.

As 1.692 sobreposições em terras indígenas reveladas pelo observatório comprovam que a violação dos direitos indígenas não é um mero subproduto do capitalismo agrário. Entre os atores dessa política de expansão desenfreada sobre os territórios tracionais estão algumas das principais empresas do agronegócio brasileiro e global.

Os casos descritos na pesquisa estão sendo explorados também em uma série de vídeos e reportagens deste observatório. Com detalhes — muitos deles complementares ao dossiê — sobre as principais teias empresariais e políticas que conectam os “engravatados”, em cada setor econômico, legal ou ilegal.

Confira abaixo o vídeo sobre o relatório:

| Bruno Stankevicius Bassi é coordenador de projetos do De Olho nos Ruralistas. |

Foto principal (Lunaé Parracho/Repórter Brasil): agrotóxico produzido pela Syngenta continha doses ilegais de bactericida altamente tóxico para vida marinha


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Este texto foi inicialmente pelo site “De olho nos ruralistas” [Aqui!].

Inteligência indígena a serviço do Brasil

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Monica Prestes*

Roraima tem 35 terras indígenas (TIs) e é, proporcionalmente, o estado com a maior população indígena do país. Lá ficam duas das maiores e mais populosas TIs brasileiras: a Raposa Serra do Sol e a Yanomami. A segunda enfrenta uma crise humanitária com cenários dignos de uma guerra; e será preciso de uma verdadeira operação de guerra para enfrentar o seu maior flagelo, o garimpo ilegal. E ele não tomou somente a TI Yanomami.

Será preciso abrir novas frentes de batalha. Pelo menos outras sete terras indígenas de Roraima estão ameaçadas pela expansão da atividade no estado, com a fuga em massa de garimpeiros da TI Yanomami, alvo de uma força-tarefa do governo federal. A denúncia foi feita pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR), organização indígena de base que há 52 anos atua em todas as TIs de Roraima.

Algumas dessas TIs para onde os garimpeiros estão migrando já têm focos de invasão e rotas consolidadas. Naquelas que ficam no caminho dos garimpeiros, o clima é de alerta vermelho. É o caso da Raposa Serra do Sol – para onde migraram parte dos 40 mil garimpeiros expulsos da TI Yanomami na última grande invasão, na década de 1990– e da TI Boqueirão. Nesta, o CIR identificou estruturas como acampamentos, e pontos de armazenamento de equipamentos e materiais usados na lavra, além de portos clandestinos e um vaivém intenso de garimpeiros, principalmente à noite.

A denúncia repercutiu na imprensa, mas com o objetivo de atingir, também, outras esferas: o CIR enviou ofícios com os relatórios e o mapeamento das ameaças para órgãos federais responsáveis pela força-tarefa contra o garimpo, para embasar ações para além do território Yanomami. O conselho também fez um alerta para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) sobre os riscos da invasão garimpeira na Raposa Serra do Sol, em reunião que aconteceu esta semana. É a inteligência indígena sobre seu território a serviço do Brasil.

É fato que a crise Yanomami não começou ontem, nem em 1º de janeiro de 2019. Mas o que também não faltam são fatos – e documentos – que comprovam que ela se agravou, e muito, nos últimos quatro anos, em meio a uma pandemia negligenciada e à omissão do próprio governo, que negou pedidos de ajuda feitos pelos próprios indígenas. Boa parte desses documentos, vale lembrar, foram produzidos por organizações indígenas como o CIR e seus parceiros institucionais. Nesse período, elas representaram não só a mais consistente oposição ao governo Bolsonaro, mas também a principal articulação da resistência indígena pela proteção de seus territórios.

Foi durante o governo Bolsonaro que a Hutukara Associação Yanomami, por exemplo, decidiu iniciar um monitoramento próprio sobre o avanço do garimpo ilegal no território, revelado pelo relatório Yanomami Sob Ataque, um dos documentos que deve embasar o julgamento do governo Bolsonaro na acusação de genocídio que ele pode enfrentar. Por sua vez, o CIR, organização por trás da consolidação dos direitos territoriais dos povos indígenas de Roraima, e que representa dez povos diferentes – e ainda decidiu abraçar os Warao, indígenas refugiados da Venezuela – conseguiu fortalecer sua articulação nos territórios e celebrar meio século de atuação com uma Assembleia Geral que reuniu mais de 2 mil pessoas na Raposa Serra do Sol, em janeiro.

Esse novo momento do governo brasileiro, agora mais indígena do que nunca, e das próprias organizações indígenas, fala mais sobre construir soluções do que sobre ter respostas para todas as perguntas. Afinal, assim como a violação de direitos dos povos indígenas não começou em 2019, é sabido que a crise não se resolverá em três semanas ou seis meses. E não deve ter quem duvide que jamais os povos indígenas tiveram uma representatividade tão grande no governo, sobretudo nos espaços de decisão sobre suas próprias vidas. Até agora, nesses primeiros 40 e poucos dias, ter uma ministra, uma presidente da Funai e um presidente da Sesai indígenas tem feito a diferença.

Os povos indígenas, não custa lembrar, estão fazendo a parte deles há 523 anos: cuidando do que é nosso. Agora, ocupando espaços no governo, eles terão a oportunidade de construir novas perspectivas de futuro, caminhando ao lado das organizações de base e fortalecendo o próprio movimento indígena. Mas eles não farão a mudança necessária sozinhos, essa é uma construção da qual todos – governos, movimento indígena e sociedade civil – devemos fazer parte.

*Editora na Uma Gota no Oceano 


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Este texto foi inicialmente publicado pelo site “Uma gota no oceano” [Aqui!].

Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas: Dificuldades na assistência e desnutrição afetam territórios há anos

Cientista da UFSCar analisa as causas da situação como sendo o antagonismo entre modos de vida de grupos sociais distintos e a complexidade política e socioambiental do País

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(Imagem: Daiany B. Zago)

Hoje, dia 7 de fevereiro, é celebrado o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. Embora a data tenha sido estabelecida há 15 anos, em 2008, pela Lei nº 11.696, o Brasil enfrenta situações de dificuldades na assistência e desnutrição desta população em pleno 2023 – e não só na terra indígena Yanomami.

Mônica da Silva Nunes, docente no Departamento de Medicina (DMed) da UFSCar, conta que os problemas enfrentados pelos povos indígenas afetam os territórios há muito tempo. Ela atuou como médica extensionista em áreas indígenas, rurais e ribeirinhas na Amazônia brasileira.

“Meu primeiro contato com a Amazônia foi em 2003, no escopo da minha pesquisa de doutorado, vencedora no Prêmio Capes de Tese. Analisei como ações antrópicas nas florestas geraram proliferação de mosquitos e, por sua vez, crescimento dos casos de malária. A partir de então, passei a estudar como as mudanças ambientais podem impactar na saúde e no bem-estar das populações”, situa a pesquisadora.

Em 2009, começaram suas vivências diretamente com a população indígena no Acre e Amazonas. Além de prestar atendimento médico, ela participou de estudos relacionados à nutrição de pessoas de várias etnias, com medidas de peso, altura e testes rápidos de anemia. Já naquele contexto, da Silva Nunes detectou precariedade na assistência em Saúde para essas comunidades, além de desnutrição, principalmente de mulheres e crianças.

“As aldeias estão situadas ao longo dos rios, e cada uma tem a sua particularidade. Muitas são de difícil acesso; é preciso se locomover de barco e o percurso pode durar mais de dois dias. Eram cinco dias viajando para um dia de atendimento, por isso existia, naquela época, uma dificuldade de encontrar profissionais médicos no serviço de assistência indígena”, relata.

Além das limitações de deslocamento, ela também relembra uma situação que se escancarou aos seus olhos durante uma pesquisa de campo.

“Em contato com uma família indígena, estávamos nos transportando de barco e havia duas crianças bem quietas – não interagiam e nem brincavam. Imaginei que fosse um comportamento natural, talvez devido à língua, pois não falavam Português. Após o almoço, preparado ali mesmo e que foi compartilhado pela equipe com os indígenas, a mudança de atitude foi nítida: elas passaram a brincar, sorrir e se comunicar. Era fome”, relata, emocionada, a pesquisadora.

Em suas análises ao longo dos últimos 14 anos, ela detecta uma relação direta entre a destruição das florestas e a fome. “A realidade dos povos indígenas brasileiros é muito distinta de outras sociedades. Em várias aldeias da Amazônia, eles vivem da caça e da pesca, e é preciso respeitar a sua cultura. Nas regiões de matas preservadas, víamos indígenas bem nutridos e com abundância de alimentos. Em áreas tomadas por mudanças ambientais, sem qualquer responsabilidade, a realidade é outra. Os rios, ao terem contato com o mercúrio do garimpo, se contaminam, causando diminuição e morte de peixes. As florestas, ao serem tomadas por áreas de pastagem, têm perda da biodiversidade e diminuição de alimentos, antes encontrados abundantemente”, exemplifica.

“O antagonismo entre modos de vida de grupos sociais distintos, junto à complexidade da situação política e socioambiental do País, gerou o cenário atual dessa população.”

Papel dos cientistas e das universidades

Para da Silva Nunes, uma mudança de cenário é complexa e envolve diversos atores da sociedade. “Cada etnia, em cada região geográfica, tem a sua especificidade e que requer intervenções diferenciadas, ao invés de uma solução única.”

No que tange às universidades, é importante uma atuação proativa em questões humanitárias, que envolvem Educação, Saúde e Ambiente.

Ações como o Vestibular Indígena da UFSCar, unificado em 2023 com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), são um exemplo de inclusão. Na UFSCar, há hoje mais de 400 estudantes de 51 diferentes povos indígenas matriculados nos cursos de graduação. Frequentemente, as pró-reitorias de Graduação (ProGrad) e de Assuntos Comunitários e Estudantis (ProACE) e a Secretaria Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade (SAADE), em parceria com o Centro de Culturas Indígenas (CCI), realizam atividades de acolhimento a esses estudantes. Aliadas ao ensino, ações de pesquisa e extensão também são essenciais.

A docente segue com estudos na área, com estudante de graduação indígena recém-contemplado com bolsa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Cientifica (Pibic). O projeto analisará justamente a desnutrição dos povos indígenas. Está previsto, para este ano de 2023, também projeto de extensão com o intuito de trazer, para diálogo, questões dos povos indígenas.

Ela também dá continuidade aos estudos sobre a relação entre ambiente e doenças na Amazônia. Em 2 de fevereiro, cientistas do Centro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose), vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do qual da Silva Nunes faz parte, divulgou a criação da base de dados Trajetórias. Ela reúne indicadores ambientais, socioeconômicos e epidemiológicos referentes ao período de 2000 e 2017 para todos os 772 municípios de nove estados da região amazonense, conforme publicado em artigo na Nature Scientific Data.

“Nós, cientistas, temos como papel trazer o conhecimento às pessoas e ampliar as suas visões, além de produzir dados e análises que possam auxiliar na formulação de políticas públicas. Só assim será possível encontrar um equilíbrio entre grupos sociais tão antagônicos, para que esses grupos possam coexistir sem conflitos”, finaliza a professora.

Funai impede acesso de indígenas a R$ 1,5 milhão para projetos de conservação

Após meses de espera, 200 trâmites burocráticos e nenhuma resposta, Instituto lamenta cancelamento compulsório, único nos seus 32 anos de existência

Projetos de sete organizações indígenas e indigenistas aprovados para receber apoio do Fundo Amazônia/BNDES foram cancelados por falta de anuência da Fundação Nacional do Índio (Funai). As organizações aguardam há dez meses o documento que é exigência do financiador e computam, neste tempo, 211 trâmites burocráticos entre diversas áreas da Funai, com incontáveis idas e vindas na Diretoria de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável (DPDS). Os projetos, no valor total de R$ 1,5 milhão, foram selecionados pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-ECOS), gerido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN).
 

Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN

É a primeira vez que o Fundo PPP-ECOS cancela projetos em razão da não obtenção de um documento expedido por órgão público. Em atividade no Brasil desde 1994, o PPP-ECOS já lançou 34 editais e contratou mais de 600 projetos em seus 28 anos de existência, com recursos de diferentes financiadores. Com o cancelamento inédito, oito povos de 9 terras indígenas, que representam mais de 800 famílias, deixarão de ser beneficiados diretamente. Estão prejudicados os povos Xavante (TI Pimentel Barbosa e TI Marãiwatsédé); Kuikuro (TI Parque Indígena do Xingu); Zoró (TI Zoró); Krikati (TI Krikati); Ka´apor (TI Alto Turiaçu); Gavião (TI Gavião); Apinajé (TI Apinajé) e Krahô (TI Kraolândia).
 

 Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN

Estados líderes em violações
 Com foco em produção sustentável e conservação da Amazônia e do Cerrado, os projetos seriam executados nos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, três unidades da federação das mais prejudicadas pelo desmatamento e incêndios nos últimos anos. Os territórios indígenas são os responsáveis por manter, em uma região de avanço desenfreado da monocultura, a vegetação nativa conservada. A lista de violências territoriais que os povos destes estados enfrentam é extensa. 

De acordo com dados do SAD Cerrado, a maior concentração de áreas desmatadas do bioma, no primeiro semestre de 2022, reside no Maranhão, que acumula 26,4% de todo o desmatamento detectado no Cerrado em 2022. Já Mato Grosso, segundo dados do Mapbiomas, entre 1985 e 2020, foi o estado que mais sofreu com incêndios. O estado também é um dos líderes em mortes de crianças indígenas de 0 a 5. De acordo com o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), foram computadas pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) 109 mortes. O Mato Grosso ainda está em segundo lugar no ranking de quantidade de registros de conflitos territoriais. A realidade ambiental destas unidades federativas evidencia a necessidade de projetos que promovam a conservação e fortaleçam as estratégias de gestão territorial e ambiental dos povos indígenas.

Conteúdo dos projetos: conservação ambiental

Com recursos do Fundo Amazônia/BNDES, o Fundo PPP-ECOS já apoiou 88 projetos desde 2013. Em 2019, foi renovado o contrato com o Fundo Amazônia para apoiar, até 2023, a execução de 60 novos projetos de organizações da agricultura familiar, indígenas e indigenistas nos estados do Maranhão, Tocantins e Mato Grosso. Neste grupo, constam os sete projetos impedidos pela falta de acesso ao documento da Funai. O pedido de anuência foi protocolado em 9 de dezembro de 2021 pelo ISPN. Para o ISPN, surpreendeu o fato da Funai procrastinar tanto a emissão de um documento, a ponto de serem cancelados projetos que beneficiam os povos indígenas.

As organizações indígenas e indigenistas apresentaram projetos de conservação e produção sustentável diretamente relacionados à segurança alimentar, envolvendo diversas cadeias produtivas, como da castanha do Brasil, das sementes para restauração, com objetivos de criar alternativas de geração de renda, melhorar a alimentação das famílias, realizar manejo de fogo, conservar os recursos naturais, estruturar e melhorar a gestão de agroindústrias comunitárias, além de oferecer insumos para a cadeia da restauração florestal na região. Todos os projetos tinham lastro na Constituição Federal e dialogavam diretamente com os preceitos da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI).

Para o ISPN, a exigência da anuência da Funai fere a autonomia e reconhecimento à autodeterminação dos povos garantidos na Constituição Federal de 1988. “Entendemos que a articulação com a política indigenista executada pela Funai sempre será de grande importância para a execução dos projetos indígenas, mas o documento de anuência se mostrou equivocado, principalmente por desconsiderar que a Constituição de 1988 superou a tutela do Estado brasileiro aos Povos Indígenas”, afirma Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia do ISPN.

“Com um governo explicitamente anti-indigena, como o que temos agora, este tipo de recurso, que deveria ser de fácil acesso, acabou refém de uma operação deliberada da burocracia estatal que objetiva ao final, não concedê-lo. Em virtude dessa regra, os povos indígenas são o único segmento prejudicado, deixando-os à margem do processo”, completa.

Sobre o Fundo PPP-ECOS

O Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais é a principal estratégia adotada pelo ISPN, baseada no apoio aos povos, comunidades tradicionais, agricultores familiares e suas organizações. Por meio dele, o ISPN capta e destina recursos a projetos de organizações comunitárias que atuam pela conservação ambiental por meio do uso sustentável dos recursos naturais, gerando benefícios econômicos e sociais. Hoje, a carteira de financiadores do PPP-ECOS conta com o Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF), a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD), Fundo Amazônia/BNDES, União Europeia e Ministério do Meio Ambiente da Alemanha (BMU).

Sobre o ISPN

O ISPN é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos ou econômicos com sede em Brasília, que há 32 anos atua pelo desenvolvimento com equidade social e equilíbrio ambiental, apoiando povos e comunidades tradicionais e agricultores familiares no desenvolvimento de atividades sustentáveis e de estratégias de adaptação às mudanças do clima.

Legenda: fotos do “Projeto Indígena Xavante Ripá de Produtividade e Etno-desenvolvimento”, um dos cancelados. O escopo dele previa envolver 30 famílias, aproximadamente 190 pessoas, e pretendia fortalecer a conservação da Aldeia Ripá, na TI Pimentel Barbosa. Créditos: Acervo ISPN