Em uma vitória do MST, justiça federal destina fazenda de Usina Sapucaia à reforma agrária em Campos dos Goytacazes

A fazenda foi destinada ao Incra para o assentamento de 100 famílias

A cessão da área é uma forma de pagamento de uma dívida de mais de R$ 208 milhões da Usina Sapucaia com a União – Divulgação/MST RJ

Por Redação do Brasil de Fato 

A Justiça Federal destinou a fazenda Santa Luzia, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, para o assentamento de cerca de 100 famílias de agricultores. A fazenda foi destinada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) após a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pedir a área como forma de pagamento de uma dívida de mais de R$ 208 milhões da Usina Sapucaia com a União.

A empresa do ramo de açúcar e álcool acumula uma dívida de R$ 6,9 milhões em multas trabalhistas, R$ 92 milhões em dívidas previdenciárias e outros R$ 6,1 milhões em Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), além de R$ 102 milhões em débitos tributários. 

Para João Grognet, procurador-geral adjunto da Dívida Ativa da União e do FGTS, a decisão representa um precedente jurídico importante ao garantir a recuperação de ativos. “É a transação tributária em seu aspecto social mais intenso, encurtando os caminhos dos tributos e apoiando a produção agrícola familiar.” O procurador afirmou que se trata de “um passo crucial para o desenvolvimento e a justiça social no país”.

Em fevereiro deste ano, cerca de 400 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a fazenda como forma de pressão para que as terras fossem repassadas à União.

“Nós estamos aqui para reivindicar que todo o processo seja finalizado, já que as benfeitorias já foram feitas, os levantamentos, então falta realizar o depósito e essa terra, terra de devedor, ela vai ser então destinada para reforma agrária”, disse Eró Silva, da direção nacional do MST no Rio de Janeiro, na época.

Ainda cabe recurso, mas, caso a defesa não se manifeste, o Incra e a PGFN podem dar início ao processo de transferência das terras que somam 1.104 hectares.


MST ocupa fazenda improdutiva em Campos dos Goytacazes (RJ) e denuncia ‘despejo sem ordem de reintegração de posse’

Ao todo, 500 famílias reivindicam Reforma Agrária no local de usina desativada

Região é historicamente marcada pelo latifúndio e injustiça social, afirma o movimento – Comunicação MST-RJ

Por Clívia Mesquita para o “Brasil de Fato”

Nas primeiras horas da manhã da última quinta-feira (24), cerca de 500 famílias organizadas no Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocuparam a Fazenda São Cristóvão, localizada no município de Campos dos Goytacazes, no norte fluminense. A ação reivindica a destinação do local para Reforma Agrária.

Poucas horas após a ocupação, o movimento alertou que a Polícia Militar ameaça realizar um despejo forçada na área. “A ação é ilegal e arbitrária, uma violação direta da Constituição Federal, que exige decisão judicial para qualquer reintegração”, denuncia em nota.

Segundo o MST, a propriedade pertence ao grupo Othon, que controlava as antigas usinas Cupim e Barcelos. O Brasil de Fato solicitou ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) um posicionamento sobre a ocupação e informações sobre a situação cadastral da Fazenda. O texto será atualizado caso haja retorno do instituto.

Em vídeo enviado à reportagem, Mateus Guedes e Cristiano Meirelles, da direção estadual do MST no Rio de Janeiro, denunciam a concentração de terras improdutivas na região de Campos. “A Fazenda São Cristóvão é uma das mais de dez fazendas que tem na região norte fluminense que deve milhões e milhões para os cofres públicos, que é dinheiro de imposto, que deve voltar em forma de terra para o povo brasileiro. É urgente e necessário que o Incra e os demais órgãos tomem consciência do que está acontecendo aqui em Campos para que a gente evite maiores conflitos”, afirmou Meirelles.

O município de Campos dos Goytacazes é historicamente marcado por conflitos agrários que remontam o período da ditadura militar. Algumas usinas de cana-de-açúcar da região foram, inclusive, utilizadas para incinerar corpos de presos políticos.

Nesse contexto, a atuação do latifúndio se perpetua nos dias atuais com a concentração de terras, afirma em nota o MST. “Grandes extensões de terras pertencentes a usinas falidas, que não cumprem sua função social e, portanto, são alvo de uma intensa demanda pela democratização do acesso à terra por milhares de famílias camponesas”, diz o texto.

Terras da Fazenda São Cristóvão devem ser destinada à Reforma Agrária pois não cumprem função social, reivindica famílias acampadas. (Foto: Comunicação MST-RJ)

Em todo Brasil, o movimento busca pressionar o governo federal por avanços na política de Reforma Agrária, que está paralisada. No Rio de Janeiro, não houve conquista de novos assentamentos nos três primeiros anos do governo Lula (PT). Mais de mil famílias aguardam processos de regularização fundiária para terem direito à terra no estado.

A ocupação desta manhã faz parte das ações em torno da Jornada Nacional Camponesa, por conta do Dia do Trabalhador e Trabalhadora Rural, celebrado em 25 de julho. 

Outro lado

Brasil de Fato tentou contato com o grupo Othon, o mesmo que administra a rede de hotéis, pelo e-mail vinculado ao CNPJ, mas não teve retorno até o fechamento da matéria. Sobre a ação de despejo, a reportagem procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) e aguarda um posicionamento.

MST: ‘Governo Lula ignora agricultura familiar, responsável por cerca de 70% da produção interna de alimentos’

Para movimento, governo Lula ‘tem se mostrado ineficiente’ na resolução de problemas fundiários e distribuição de terra

MST: ‘Governo ignora agricultura familiar, responsável por cerca de 70% da produção interna de alimentos’

Por Brasil de Fato

Ocorre nesta semana uma série de articulações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em todo o país. A Semana Camponesa teve início no estado da Bahia e é um momento de esforço por diálogo e negociação entre o MST e setores públicos pela defesa da reforma agrária e da agricultura familiar.

A movimentação acontece, neste ano, em meio à pressão dos Estados Unidos e aos movimentos do governo brasileiro para defender a produção agrícola de larga escala do país – responsável majoritariamente pelas exportações alimentícias.

A direção do MST denuncia que, apesar do esforço, terceiro mandato de Lula ignora agricultura familiar, responsável por cerca de 70% dos produtos consumidos no Brasil: “Temos pautas desde o segundo governo Lula, que acreditávamos que seriam resolvidas agora, no terceiro mandato. Mas a equipe atual tem se mostrado ineficiente”, diz Evanildo Costa, diretor nacional do MST.

Ele diz ainda que acordos firmados desde 2008 entre o movimento e o governo seguem sendo descumpridos, com famílias aguardando assentamento, sendo ameaçadas de despejo e envolvidas em conflitos fundiários.

As ações da Semana Camponesa se iniciaram em Salvador, com reuniões entre o governo do estado e o movimento. No norte do estado, segundo o movimento, mil famílias aguardam desde o segundo mandato de Lula o cumprimento de um acordo de assentamento na região do Perímetro Irrigado Nilo Coelho, firmado com a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e o Incra.

Membros do MST pressionam governos e autoridades públicas por avanços em distribuição de terra para famílias e cumprimento de acordos de assentamento | Imagem: MST/Reprodução

No sul da Bahia, o movimento denuncia a ameaça de despejos de famílias e conflitos fundiários em áreas vinculadas à Superintendência do Patrimônio da União (SPU). As negociações com multinacionais papeleiras da região se iniciaram em 2011, mas estão paralisadas.

O MST cobra do governo medidas de avanço na garantia de terra a produtores, como a atualização dos índices de produtividade, o assentamento das famílias acampadas, a recomposição orçamentária dos programas de apoio à agricultura familiar e a revogação de medidas que facilitam a mineração e a grilagem de terras em áreas de reforma agrária. A Semana Camponesa coincide com o Dia Internacional da Agricultura Familiar, celebrado em 25 de julho.

Fonte: Brasil de Fato

Governo Lula entre o agronegócio e a reforma agrária: um equilíbrio instável na Amazônia

A contradição se intensifica no atual governo Lula, que tenta conciliar o apoio à agricultura familiar com a manutenção de laços estratégicos com o agronegócio. Na balança desigual, a Amazônia é uma das mais afetadas. Na imagem acima, colheita de soja no Mato Grosso (Foto: Wenderson Araújo/CNA).

Por Ismael Machado, de Belém, para o Amazônia Real 

O terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva trouxe à tona uma antiga contradição de seus governos: o esforço para equilibrar o apoio ao agronegócio e o incentivo à agricultura familiar e à reforma agrária, bandeiras históricas de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e entidades como a Fetagri. Lula visitaria o Assentamento Palmares e o Acampamento Terra e Liberdade, em Parauapebas, no Pará, no dia 25 de abril. Seria um evento em compromisso com a Reforma Agrária durante o Abril Vermelho, mês que marca os 29 anos do Massacre de Eldorado do Carajás. No entanto, a agenda foi suspensa após o falecimento do Papa Francisco, já que Lula e a primeira-dama, Janja, viajaram a Roma para o funeral. O MST-PA informou que nova data seria agendada.

É um equilíbrio precário. Recentemente o governo federal editou a medida provisória (MP) 1289/25, que abriu crédito no valor de R$ 4,17 bilhões para atender ao Plano Safra 2024-2025, oferecendo aos produtores rurais de médio e grande porte juros mais baixos que os do mercado. São R$ 3,53 bilhões para as operações de custeio agropecuário, comercialização de produtos agropecuários e investimento rural e agroindustrial. Por outro lado, o governo destinou R$ 645,7 milhões a operações no âmbito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), uma linha de crédito do Plano Safra destinada a pequenos agricultores. Em seu terceiro mandato, Lula celebrou o lançamento do programa “Terra da Gente”, com a promessa de impactar 295 mil famílias até 2026, como uma retomada da política de reforma agrária. Em 2024, o Palácio do Planalto anunciou o assentamento de 71 mil famílias.

Mas as críticas não tardaram. Movimentos sociais, liderados pelo MST, contestam os números. Segundo eles, a maior parte refere-se à regularização de famílias já assentadas em anos anteriores, e não à criação de novos lotes de terra para quem ainda aguarda na fila da reforma agrária. O movimento também pressiona por medidas mais incisivas contra a violência no campo, que permanece alta, especialmente em regiões de expansão do agronegócio. A Amazônia Legal historicamente é o epicentro da violência no campo no território brasileiro.

Enquanto o agronegócio é celebrado como um dos pilares da economia brasileira, respondendo por cerca de 25% do PIB e garantindo superávits sucessivos na balança comercial, seus impactos sociais e ambientais despertam preocupações crescentes. Submetido a políticas de incentivo que incluem crédito subsidiado, isenções fiscais e programas de apoio técnico, o setor é, na prática, um dos mais beneficiados pela União, embora no Pará,  por exemplo, muitos de seus representantes (pecuaristas, sojeiros, madeireiros, costumem atacar Lula e fomentar – inclusive com patrocínio, ações golpistas).

Lula já enfatizou, em entrevistas e falas, que não vê distinção entre atores diversos do setor agrícola. Grandes ou pequenos. No ano passado, em entrevista à rádio Difusora, de Goiânia (GO), chegou a afirmar que representantes do agronegócio brasileiro têm “problema” com o governo petista por uma questão “ideológica”.

Reproduzida a fala na página oficial do governo, Lula explicou que defende o MST e não faz distinção entre grandes exportadores e pequenos produtores. “Os grandes exportadores garantem qualidade e abrem mercados internacionais. Já os pequenos produtores, que representam quase 5 milhões de propriedades de até 100 hectares, são os que colocam comida na mesa dos brasileiros. Eles criam frangos, suínos e outros alimentos essenciais. Ambos são igualmente importantes”, destacou o presidente, que ainda ressaltou os investimentos recordes que o agronegócio vem recebendo do atual governo através do Plano Safra, inclusive com uma generosa negociação das dívidas do setor.

Apesar do discurso de modernização e geração de riquezas, o agronegócio emprega menos do que se imagina. De acordo com dados do IBGE (2023), apenas cerca de 10% da força de trabalho brasileira está empregada diretamente nas atividades agrícolas, sendo que a mecanização e o modelo de grandes propriedades reduzem drasticamente a necessidade de mão de obra. Muitas áreas de monocultura, como soja e cana-de-açúcar, operam com altíssimos níveis de mecanização, empregando proporcionalmente menos do que pequenas propriedades agrícolas.

Além da fraca geração de empregos, o agronegócio também é apontado como um dos principais vetores de degradação ambiental. Relatórios do MapBiomas mostram que, entre 1985 e 2022, 90% do desmatamento registrado no Brasil ocorreu em áreas destinadas à agropecuária. O avanço da soja e da pecuária no Cerrado, na Amazônia e no Pantanal é uma das maiores pressões sobre os biomas brasileiros, contribuindo para a emissão de gases de efeito estufa e a perda de biodiversidade.

No campo político, o setor se consolidou como uma força conservadora. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), também conhecida como bancada ruralista, é hoje uma das maiores e mais influentes do Congresso Nacional, com mais de 300 membros. São 41 deputados federais da Amazônia- se incluirmos Tocantins, inserido na Amazônia Legal- e 13 senadores, se o raciocínio for o mesmo. Tradicionalmente alinhada a pautas conservadoras em costumes, contrária a demarcações de terras indígenas e às políticas de reforma agrária, a bancada atua de maneira decisiva na formulação de leis ambientais e trabalhistas que favorecem grandes proprietários rurais.

Essa influência vai além de Brasília. Governos estaduais e prefeituras de regiões agrícolas frequentemente moldam suas agendas para atender demandas do setor, muitas vezes em detrimento de comunidades tradicionais, quilombolas e assentados da reforma agrária. Nos últimos anos a Amazônia tem sentido essa força, com o avanço, por exemplo, da soja no oeste do Pará.

Commodities e exportação

O presidente Lula durante visita a Feira da Agricultura Familiar no Palácio do Planalto (Foto: Ricardo Stuckert/PR).

A contradição se intensifica no governo Lula, que tenta conciliar o apoio à agricultura familiar com a manutenção de laços estratégicos com o agronegócio. O resultado é um cenário em que a política agrícola oficial busca expandir a produção sem necessariamente enfrentar as desigualdades fundiárias e os danos socioambientais acumulados ao longo das últimas décadas. Apesar dos supostos avanços em práticas agrícolas mais sustentáveis por parte de uma minoria de grandes produtores, a lógica predominante ainda é a da expansão horizontal da fronteira agrícola, com altos custos sociais e ambientais.

“Não existe dicotomia”, afirma à Amazônia Real, Bruno Malheiro, atualmente um dos mais importantes pesquisadores sobre as grandes atividades econômicas e seu impacto na geografia amazônica. “A gente tem uma escolha clara, que na verdade vem desde o primeiro governo Lula, pela exportação de commodities como motor de inserção na economia e desenvolvimento.  Então, toda política social e todo superávit primário se assenta na exportação de soja, ferro, petróleo, que são os três principais, aí depois vem celulose, enfim, commodities. A soja e o minério de ferro são realidades presentes na Amazônia hoje e o petróleo passou a ser especulado na Foz do Amazonas”, complementa.

Malheiro afirma ainda que isso configura que todo o cabedal de políticas públicas e todas as instituições pensadas para a agricultura estão voltadas para esses setores. “Há uma escolha por esses negócios de expansão territorial e que, na verdade, é inviável pensar algum tipo de solução conjunta com a agricultura familiar, porque esses negócios se nutrem dos territórios da agricultura familiar, dos camponeses, dos territórios quilombolas, indígenas. Então, é uma escolha pela destruição, no final das contas. A Amazônia e outros biomas serão destruídos por esse tipo de escolha”, diz.

Segundo o pesquisador, o Brasil chegou num estrangulamento, principalmente com a circulação da produção de soja, de acordo com o tamanho da produção. Isso porque o país exporta soja, mas não tem capacidade de armazenamento. “O Brasil armazena só 63% da soja que produz. O resto disso precisa ser circulado rápido. E a maioria da soja que está no Mato Grosso e está vindo para a Amazônia, é exportada nos portos do Sul e isso encarece o produto.  Então, existe um projeto também de exportar pelos portos do Norte. Aí tem a Ferrogrão, tem Meritituba em Itaituba, perto de Santarém. Enfim, tem os portos e as hidrovias que querem construir  para o escoamento desses grãos. O governo não entra só como esse lado financiador, do ponto de vista financeiro, mas também com o lado da infraestrutura de circulação desses produtos”.

O resultado disso é o que alguns pesquisadores chamam de ‘engenharia do colapso’, porque os conflitos e o desmatamento acompanham as rodovias e os eixos de circulação, as chamadas ‘rotas de sacrifício’, como classifica Bruno Malheiro. “Os governos progressistas estão ampliando essas rotas de sacrifício e um dos maiores impactados é a Amazônia”.

A promessa de uma “economia verde” no campo brasileiro, por ora, continua mais como um discurso de exportação do que uma realidade para o interior do país, principalmente na Amazônia. Enquanto isso, Lula mantém interlocução constante com grandes produtores rurais e representantes do agronegócio. Apesar da retórica crítica nos anos anteriores, o governo reconhece que a pujança do setor é essencial para a balança comercial e para a estabilidade macroeconômica do país.

A aproximação, no entanto, vem sendo vista com desconfiança por setores da esquerda. Segundo algumas lideranças, existe uma clara prioridade no atendimento às demandas do grande agronegócio, enquanto a reforma agrária e a agricultura familiar continuam recebendo mais promessas do que realizações efetivas. “O MST demonstra um desconforto com isso. São valores muito simbólicos para  a agricultura familiar e muitos recursos para o agronegócio”, contesta Pablo Neri, diretor nacional do MST no estado do Pará. “O fato é que Lula não foi eleito com um programa de esquerda. A própria natureza da eleição, a frente ampla, já é uma natureza de disputas internas. Havia uma expectativa, mas se vê ele cedendo para o parlamentarismo do centrão. O que a gente entende é que tem que investir na massificação da ideia de reforma agrária e agroecologia para a construção da justiça social”, afirma. Segundo ele, os próprios bancos empurram os pequenos agricultores para a pecuarização e isso gera perdas e falências. “A fórmula bancária de financiamento coloca em xeque essa política de agricultura familiar. Temos visto isso aqui no Pará”, diz.

A tensão expõe uma escolha estratégica: para viabilizar sua agenda de governabilidade no Congresso — onde a bancada ruralista é uma das mais fortes — Lula aposta em uma política de conciliação, mesmo que isso signifique desacelerar pautas mais radicais de reforma social no campo. A promessa de fazer “as duas coisas ao mesmo tempo” — crescer e distribuir, apoiar o agronegócio e impulsionar a reforma agrária — segue como a corda bamba sobre a qual caminha o governo Lula no campo. “E essa é a escolha dos governos progressistas na América Latina inteira”, salienta Bruno Malheiro.

Durante 17 anos o pesquisador Marcos Pedlowski percorreu, como cientista, as estradas e vicinais do estado de Rondônia. Constatou a profunda mudança da cobertura vegetal e o avanço do latifúndio na Amazônia, e também, em paralelo, o aumento do uso de agrotóxicos nos territórios do agro, temas constantes de seus artigos acadêmicos. A avaliação que ele faz sobre o cenário atual não é otimista.

“Essas duas coisas estão juntas. Porque há um detalhe ainda, que o grande vendedor de venenos agrícolas do Brasil, que atualmente é a China, é também o principal comprador dos grãos. Então, para a China é um negócio muito vantajoso. E o governo Lula aposta nessa noção ainda antiquada das vantagens comparativas, segundo a mentalidade predominante, que a gente vende grãos e minérios e compra o resto que a gente não produz, que é essa face da desindustrialização”, afirmou à Amazônia Real.

Pedlowski ressalta que há também o avanço da violência sobre os territórios camponeses, sobre as populações tradicionais e as populações indígenas. “Eu tenho feito uma leitura sobre a questão dos alimentos ultraprocessados, que tem tudo a ver com o latifúndio agroexportador, porque parte dessa comida ultraprocessada são amidos, milho e soja, e aí entram as grandes corporações que controlam a produção de alimentos e que se conjugam com o latifúndio agroexportador aqui no Brasil. Na minha opinião, o governo Lula não está acendendo a vela para dois senhores, não. Ele acende a vela para um senhor e finge que vai acender a vela para o outro senhor”, avalia.

Pequenos agricultores excluídos

Agricultor retirando jenipapos de uma canoa para venda na cidade de itacoatiara, na comunidade indígena Gavião 1 (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real).

Pesquisador agrário da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Fabiano Bringel, faz uma análise territorial que mostra como a Amazônia está distante efetivamente de uma política agrária mais inclusiva por parte da União. “Quando a gente pensa a Amazônia enquanto bioma com 60% do território nacional, a gente chega à conclusão, segundo dados do próprio IBGE, que temos na Amazônia algo em torno de um pouco mais de um milhão de produtores rurais. Desses, cerca de 90% são classificados como agricultores familiares. Ou seja, no final das contas, nós vamos ter aí uma boa parte desses produtores rurais descobertos de uma política agrária, que no final das contas não consegue chegar a essa grande maioria de produtores que estão classificados como agricultores familiares”.

Segundo Bringel, se a comparação for feita em âmbito nacional, o Brasil tem quase 4 milhões classificados como estabelecimentos rurais.  “Cerca de 80% desses 4 milhões de estabelecimentos, são da agricultura familiar. Ou seja, é uma política completamente distorcida, que só agrava no caso da Amazônia, porque na Amazônia, além dessa categoria agricultura familiar, nós temos aí uma série de pertencimentos, como por exemplo, povos tradicionais, incluindo ribeirinhos, comunidades quilombolas, sem falar nos próprios povos indígenas que também se ressentem da falta desse investimento completamente distorcido e que só ajuda, no final das contas, uma grande minoria, uma minoria de produtores rurais classificados como agronegócio no Brasil e especialmente na Amazônia. Então a distorção e desigualdade se aprofundam, no final das contas, quando se trata da Região Norte”, diz.

“Os circuitos do agronegócio também são os circuitos do clube de tiro,  os circuitos das igrejas, das festas agropecuárias. O governo vem sendo também  uma máquina de trituração de territórios camponeses, quilombolas, indígenas. É o que temos para a Amazônia do futuro se continuarmos com essas escolhas”, conclui Bruno Malheiro.

O presidente Lula durante visita ao assentamento do MST, em Pernambuco (Foto: Ricardo Stuckert/PR/2021).


Fonte: Amazônia Real

Cerca de 500 famílias do MST fazem ato pela reforma agrária na Usina Sapucaia, em Campos dos Goytacazes

Manifestação para pressionar o Governo Federal pela adjudicação de terras devedoras faz parte de Jornada que marca os 29 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás

Cerca de 500 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) fazem uma manifestação na Usina Sapucaia, em Campos dos Goytacazes, nesta segunda-feira (7), para pressionar o Governo Federal a concluir o processo de adjudicação de terras em tramitação no Incra-RJ e destiná-las à reforma agrária. A ação dos Sem Terra do Acampamento 15 de Abril, que vivem há um ano sob lonas às margens da BR-101, faz parte de uma agenda nacional do Movimento que marca os 29 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás. 

“É urgente que o Governo passe estas terras improdutivas e endividadas para as famílias que vão produzir alimentos para a mesa dos brasileiros. Estamos denunciando essa lentidão em avançar na reforma agrária. Ainda temos 100 mil famílias acampadas em todo o Brasil. A reforma agrária é nossa alternativa para combater a fome, a alta dos preços e a crise ambiental”, afirma Eró Silva, Dirigente Nacional do MST. 

As terras em disputa são arrendadas pela Cooperativa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (Coagro), comandada pelo vice-prefeito de Campos, Frederico Paes (MDB). O grupo produz açúcar e etanol através da Usina Sapucaia, que acumula uma dívida de mais de R$ 208 milhões, incluindo débitos previdenciários, multas trabalhistas e FGTS, segundo o portal Lista de Devedores, do Governo Federal (confira os valores abaixo). Através da adjudicação, o governo destina à União fazendas de devedores de impostos e créditos não pagos. 

Segundo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), há o interesse na aquisição das propriedades denominadas Fazenda Santa Luzia e Fazenda Tabatinga há pelo menos uma década. A área iria a leilão judicial, mas o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) se comprometeu a adquiri-la e destiná-la ao Programa Nacional de Reforma Agrária. A pasta garante ainda que o processo de adjudicação está avançado na Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

Em uma manifestação favorável, o Ministério Público Federal (MPF) destaca que a transferência do imóvel ao Incra atende tanto à necessidade de quitação da dívida da Usina Sapucaia com a União quanto à promoção da política pública de distribuição de terras.

Ocupação

Em 10 de fevereiro deste ano, as famílias do Acampamento 15 de Abril ocuparam a área da Fazenda Santa Luzia para reivindicar a conclusão do processo de adjudicação. Na ocasião, os manifestantes tiveram seus direitos fundamentais desrespeitados pela Polícia Militar, que montou um bloqueio para impedir a entrada de água e mantimentos no local. No mesmo dia, as famílias deixaram o terreno pacificamente, após uma forte repressão que contou com mais de 20 viaturas, ônibus e Tropa de Choque da PM. Apesar de não haver uma decisão judicial, o próprio governador Cláudio Castro exigiu que os ocupantes fossem retirados sob qualquer circunstância. 

“Ao lado de outros parlamentares e representantes de órgãos públicos, tentamos diálogo e negociação com o governador, mas ele preferiu tratar a questão social como caso de polícia. A ocupação é uma forma histórica de luta das famílias camponesas do Brasil. O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a legitimidade das ocupações”, defende a deputada Marina do MST (PT), líder da bancada do partido na Alerj e presidente da Comissão de Segurança Alimentar.

Abril Vermelho

Em 17 de abril, o Massacre de Eldorado dos Carajás completa 29 anos. No atentado, a Polícia Militar assassinou brutalmente 21 trabalhadores e trabalhadoras Sem Terra que lutavam pela reforma agrária no Pará. A data se tornou um marco na história dos movimentos sociais em todo o mundo, e deu origem ao Dia Internacional de Luta Camponesa e ao Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. 

Em memória aos mártires, o MST intensifica nacionalmente suas lutas com a Jornada Nacional, sob o lema “Ocupar para o Brasil alimentar”. A agenda dá destaque à necessidade do avanço da reforma agrária, além de reivindicar a ampliação dos investimentos em políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

No início de março, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou um assentamento pela primeira vez em seu atual mandato, em Minas Gerais, e anunciou 60 novos assentamentos em 18 estados, atendendo a 4.883 famílias, além de um crédito de instalação de R$ 1,6 bilhão. O MST aponta, no entanto, que as providências estão muito abaixo das reais necessidades das famílias acampadas, que ainda somam 100 mil em todo país.

O Movimento compara o orçamento de 2025, que destinou o indicativo de R$ 400 milhões para a reforma agrária, contra mais de R$ 400 bilhões para a bancada ruralista através do Plano Safra e mais R$ 30 bilhões em isenções fiscais para empresas do agronegócio.

A Direção Nacional do MST destaca que a agricultura familiar é a responsável pela produção da maioria dos itens que chegam à mesa do brasileiro, e que o investimento neste setor poderá assegurar preços baixos e uma produção mais sustentável.

Dados do portal Lista de Devedores do Governo Federal:

COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO LTDA.

CNPJ: 05.500.757/0001-68

DÍVIDA: R$ 108.162,68 (Não Tributário – Multa Trabalhista)

USINA SAPUCAIA SA (CAMPOS DOS GOYTACAZES)

CNPJ: 33.229.147/0001-07

DÍVIDA: R$ 208.121.663,24 

Tributário – Demais débitos. Total: 103.473.101,86

Tributário – Previdenciário. Total: 91.459.496,61

Não Tributário – Multa Trabalhista. Total: 7.004.876,65

FGTS. Total: 6.184.188,12

MPF defende destinação de terras da Usina Sapucaia para reforma agrária no Rio de Janeiro

Manifestação foi em processo que suspendeu o leilão judicial da Fazenda Santa Luzia, em Campos dos Goytacazes

O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se favoravelmente para que Fazenda Santa Luzia, pertencente à Usina Sapucaia, em Campos dos Goytacazes (RJ), seja destinada para a reforma agrária. A manifestação foi em processo do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que suspendeu, no último dia 26 de fevereiro, o leilão judicial do imóvel para permitir sua transferência à autarquia, conforme previsto na Lei de Execuções Fiscais.

O Incra aguarda a autorização da Justiça para iniciar o procedimento de adjudicação, que consiste na transferência de um bem penhorado para o credor como forma de pagamento de dívida sem a necessidade de leilão. A medida é considerada um mecanismo que acelera o processo de destinação de terras à reforma agrária, garantindo um uso social para a propriedade.

Na manifestação, o MPF argumenta que a transferência do imóvel ao Incra por meio da adjudicação atende tanto à necessidade de quitação da dívida da Usina Sapucaia com a União quanto à promoção da política pública de distribuição de terras.

Programa Terra da Gente

O pedido do Incra está fundamentado na política pública do Programa Terra da Gente, instituído pelo Decreto nº 11.995/2024, que moderniza os mecanismos de aquisição de terras para assentamentos rurais. A legislação vigente e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhecem que a adjudicação é uma alternativa preferencial de pagamento ao credor, sendo mais eficaz que o leilão na destinação social da terra.

De acordo com os procuradores da República Julio Araujo e Malê de Aragão Frazão, que assinam a manifestação, a transferência das terras para o Incra contribuirá para a pacificação social e a efetivação da reforma agrária. “A Fazenda Santa Luzia está localizada em Campos dos Goytacazes, região de alta conflituosidade agrária, e sua adjudicação pode contribuir para a pacificação social e a efetivação da reforma agrária”, diz um dos trechos do documento.

De acordo com os procuradores, a solução é “essencial para o avanço do processo de adjudicação, demonstrando o compromisso do órgão com a proteção de direitos coletivos fundamentais e com a promoção de políticas públicas”, concluem.

Execução Fiscal nº 0000883-88.2008.4.02.5103

Brasil tem (pelo menos) 145 mil famílias acampadas à espera de terra

Levantamento do Incra obtido com exclusividade pela Repórter Brasil aponta demanda por reforma agrária maior que a estimada pelo governo e pelo próprio MST

Em um único lote de 100 hectares, os moradores do Acampamento Nova Aliança vivem e plantam de tudo um pouco, o que lhes rendeu o apelido de “a horta”. Eles esperam que a área do assentamento seja novamente destinada à reforma agrária (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Por Vinicius Konchinski/ Edição Paula Bianchi 

O Brasil tem pelo menos 145.100 famílias acampadas à espera de um lote de terra para cultivar. O número foi levantado pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e obtido pela Repórter Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação.

A pesquisa revela que há mais pessoas militando por terras do que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o próprio MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) pensavam. Até então, o movimento estimava cerca de 100 mil famílias acampadas.

Este é o primeiro dado oficial sobre a demanda nacional por assentamentos e atende a uma determinação do presidente Lula, expressa em decreto assinado em agosto de 2023. Segundo o levantamento, são 2.045 acampamentos de sem-terra no país.

Para o governo federal, as operações de combate a garimpos ilegais e para desintrusão de terras indígenas na Amazônia contribuíram para o aumento do número de acampados, já que milhares de trabalhadores teriam sido retirados dessas cadeias econômicas ilegais.

Já lideranças do MST apontam outros motivos. Eles afirmam que famílias pobres de zonas urbanas estão migrando para o campo em busca de melhores condições de vida. Além disso, o movimento critica a política de reforma agrária do governo e diz que o total de novos assentamentos é insuficiente para a demanda.

Até o final de 2024, o governo informava ter assentado 71 mil famílias, mas o MST diz que os dados são inflados, pois o Incra contabiliza não só as famílias alocadas em terras novas (que seriam apenas 5.800), mas também as famílias que já estavam em lotes e passaram por processos de “regularização” ou “reconhecimento”. As 5.800 famílias assentadas, portanto, representariam apenas 4% da demanda total de acampados no país.

Pará e o novo perfil de assentado

O Pará é o estado com a maior demanda por terra, com 29 mil famílias acampadas. De acordo com o Incra, no maior acampamento do Brasil, o Terra e Liberdade, em Parauapebas (PA), há pelo menos 3.500 famílias ligadas ao MST à espera de terra.

Lá, em dezembro de 2023, um incêndio iniciado por uma explosão na rede elétrica que atende o espaço matou nove pessoas. Lula determinou que o ministro Paulo Teixeira, do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), fosse ao local e prometeu assentar as famílias do território até o Natal daquele ano. Até hoje, segundo o MST, nenhuma delas recebeu um lote. 

Famílias acampadas à espera de um lote de terra para cultivar. O número foi levantado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e obtido pela Repórter Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). (Mapa: Repórter Brasil/Rodrigo Bento)

Famílias acampadas à espera de um lote de terra para cultivar. Pará, Mato Grosso do Sul e Bahia são os estados com famílias esperando (Mapa: Rodrigo Bento/Repórter Brasil)

Segundo quem mora no local, de lá para cá, o acampamento só cresceu. “Quando eu cheguei aqui [no final de 2023], eu olhava para os lados e só via pasto”, disse Lucas Souza de Oliveira, 28 anos, militante do MST. “Agora, é só barraco.”

Lucas mora com quatro crianças e a esposa, que está grávida, numa casa de palha em meio ao acampamento. Sobrevive do que consegue plantar ao redor do aglomerado de habitações e do dinheiro que sua companheira ganha como manicure e vendedora de salgados.

Ele nem sempre foi agricultor. Já morou em São Paulo, onde deixou um filho e trabalhou em diversas funções na construção civil. Resolveu se estabelecer no acampamento após perceber que a vida na cidade lhe parecia mais difícil.

“Aqui eu vivo melhor. Conto com a ajuda de todos e busco uma solução definitiva para minha família”, disse ele, explicando os motivos que o levaram ao Terra e Liberdade.

Migração interna

Lucas representa bem o perfil dos acampados brasileiros, avalia Pablo Neri, dirigente nacional do MST no Pará. Ele diz que muitas pessoas que compõem a demanda da reforma agrária são, na verdade, ex-moradores de cidades brasileiras pobres, que decidiram migrar em busca de melhores oportunidades de trabalho em municípios grandes, mas não as encontraram e, em vez de se estabelecerem em favelas, aderiram aos acampamentos.

Parauapebas, por exemplo, é um centro de atração de migrantes. A população do município cresceu 73% entre 2010 e 2022, segundo o Censo de 2022, passando de 153 mil para 263 mil habitantes. É hoje uma das maiores cidades do estado.

Lucas Souza de Oliveira, 28 anos, militante do MST e morador do Terra e Liberdade, em Parauapebas (PA) (Foto: Arquivo pessoal/Repórter Brasil)Lucas Souza de Oliveira, militante do MST e morador do Terra e Liberdade, e a sua esposa em Parauapebas (Foto: Arquivo pessoal)

A migração para lá é explicada pelo aumento da atividade de mineração. No município está a mina de Carajás, explorada pela Vale. Mas o trabalho da multinacional não garante empregos nem desenvolvimento para Parauapebas, segundo Neri. O dirigente afirma que o projeto atrai muitos migrantes em busca de oportunidade, mas a maioria consegue uma colocação na atividade.

“Os maiores acampamentos do país e os locais onde mais crescem são justamente nos territórios em que projetos extrativistas, de produção de commodities minerais e agrícolas, mais avançam”, disse ele. “São projetos que têm apoio do atual governo, mas que geram conflitos pela terra.”

O presidente Lula e mais dois ministros estiveram em Parauapebas no último dia 14 para anunciarem investimentos de R$ 70 bilhões da Vale para expansão da mineração de ferro e cobre em Carajás. Neri estima que o projeto “Novo Carajás” só aumente a demanda por terra no Pará. “Não há contrapartida prevista para a situação dos acampados.”

Efeito colateral da fiscalização

O perfil dos acampados e os motivos que os levaram aos acampamentos ainda não foram completamente mapeados pelo governo, segundo Maíra Coraci Diniz, a nova diretora de Obtenção de Terras do Incra. Mas ela aponta algumas razões para esse movimento crescente, dentre elas as operações de combate a garimpos ilegais e para desintrusão de terra indígenas.

“Você escuta histórias no Pará de gente que estava em Roraima em garimpo ilegal, de gente que saiu da terra indígena do Alto Rio Guamá, da Apyterewa”, disse ela à Repórter Brasil, citando duas reservas paraenses.

Desde o início do governo Lula, sete operações para desintrusão de terras – retirada de invasores não indígenas do local – já foram realizadas. Cinco delas ocorreram na região Norte, a que tem o maior número de acampados. Quatro operações foram no Pará. 

Diniz disse ainda que o governo está trabalhando para buscar alternativas de assentamento para os acampados. O Incra informou ao final de 2024 ter resolvido a demanda por terra de mais de 71 mil famílias em 2024, incluindo as que foram regularizadas ou reconhecidas como assentadas para inclusão no Programa Nacional de Reforma Agrária.

Atualização constante

A diretora do Incra afirmou também que a pesquisa sobre famílias acampadas é um trabalho permanente, que será atualizado e aprimorado constantemente. “Estivemos em cada acampamento, conversamos com cada família. Pela primeira vez, temos informações confiáveis sobre elas”, ressaltou. “Claro que podemos voltar aos acampamentos para recontagens ou encontrar outros acampamentos não visitados. Mas acho que, hoje, temos uma noção segura da nossa demanda.”

Diniz também ressaltou que o termo “acampados” é usado na pesquisa, mas não significa necessariamente que famílias estejam vivendo em barracas. Ela explicou que, como acontece no Terra e Liberdade, muitas famílias cadastradas vivem em casas precárias. Segundo ela, essas pessoas sobrevivem basicamente do Bolsa Família e de bicos que conseguem arrumar enquanto esperam por um lote.


Fonte: Repórter Brasil

MST e a luta pela reforma agrária: um espectro ronda o latifúndio no Norte Fluminense

Ocupação nas terras da falida Usina Sapucaia serviu para mostrar que o espectro da reforma agrária ronda o Norte Fluminense 

No Manifesto Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels colocaram uma frase que até hoje assombra a burguesia mundial: um espectro ronda a Europa, o espectro do Comunismo. Passados pouco menos de 200 anos desde a publicação do “Manifesto”, eu me sinto tentando a adaptar essa frase ao contexto do Norte Fluminense (e especificamente de Campos dos Goytacazes) para algo que poderia seguir as linhas do “um espectro ronda o latifúndio, o espectro do MST e da luta pela reforma agrária”.

A segurança em torno dessa adaptação se dá com base da aliança (nada santa) que foi formada para forçar a retirada de 400 famílias que ocupavam pacificamente a Fazenda Santa Luzia pertencente à massa falida da antiga Usina Sapucaia para exigir o uso de suas terras para a criação de mais um assentamento de reforma agrária.

Motivos para o governo federal fazer cumprir o Artigo 186 da Constituição Federal não faltam, a começar pela dívida milionária que a Sapucaia possui com a União e com os seus trabalhadores. Afinal, se existem pessoas querendo usar as terras produtivamente e existe débito milionária com a União, qual seria o problema de usar as terras da Santa Luzia para fazer cumprir o que está determinado na Constituição Federal?

Eu diria que o maior problema seria o exemplo. É que as usinas falidas em Campos dos Goytacazes possuem um estoque de terras que só não é maior do que o estoque de dívidas com o Estado brasileiro e com seus trabalhadores. Assim, o medo que deve assombrar o sono dos latifundiários é que mais trabalhadores sem terra queiram voltar para a terra para trabalhar com o simples uso de um dispositivo constitucional que só não é usado porque os latifundiários continuam a ter um controle exagerado sobre a política brasileiro, a começar pelo número de assentos na Câmara de Deputados e no Senado Federal.

O fato é que a alta concentração da propriedade da terra está na raiz de todas as injustiças sociais existentes no Brasil. No caso do município de Campos dos Goytacazes, a existência de uma fortíssima concentração da terra anda de braços dados com a injustiça econômica que põe mais da metade das famílias indignas de existência, com a perpetuação da indigência financeira para quase metade da população.  Assim, enquanto alguns poucos conseguem viver tranquilamente, a maioria é constrangida a existir em condições indignas na completa miséria.

Por isso, a organização social promovida pelo MST em prol da reforma agrária assombra, ao mesmo tempo em que mobiliza reações rápidas e raivosas. Por razões que eu desconheço, o MST retar seus planos de transformar o Norte Fluminense em outro “Pontal do Paranapanema” como se pensava no final dos anos de 1990. Mas aparentemente, o MST está de volta e disposto a cobrar a realização do que está disposto na Constituição Federal.  Se isso se confirmar, eu diria que estamos diante de um cenário interessante e que pode mobilizar grandes contingentes de brasileiros que hoje vivem em áreas esquecidas pelo Estado brasileiro nos diferentes municípios do Norte Fluminense, começando por Campos dos Goytacazes.

E não custa lembrar que no último dia 26 de janeiro se completaram 12 anos desde o assassinato do líder sem terra Cícero Guedes e que até hoje permanece sem que seus mandantes e executores tenham sido punidos pela justiça. De certa forma, é revigorante ver que a memória de Cícero continua impulsionando outros brasileiros a enfrentarem o medo e a repressão em nome da construção de um amplo processo de reforma agrária.

ADUENF apoia realização da reforma agrária na Fazenda Santa Luzia

A diretoria da Associação de Docentes da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Aduenf) emitiu no início da tarde de hoje (11/02), uma nota de apoio à realização da reforma agrária na Fazenda Santa Luzia que compõe os bens da massa falida da Usina Sapucaia.

A nota da diretoria da Aduenf diz o seguinte:

A reforma agrária é um instrumento essencial para a promoção da justiça social e da distribuição equitativa da terra no Brasil. Em um país onde a concentração fundiária histórica perpetua desigualdades, garantir acesso à terra para aqueles que nela querem e precisam trabalhar é um passo fundamental para combater a pobreza, fortalecer a produção de alimentos e consolidar a cidadania no campo.
Nesse contexto, manifestamos nosso total apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e às famílias que, na última segunda-feira (10/02), ocuparam a Fazenda Santa Luzia, na Usina Sapucaia, em Campos dos Goytacazes.
A ocupação das terras não foi um ato de conflito, mas sim um clamor por justiça, pelo cumprimento da função social da propriedade e pelo direito fundamental de viver do próprio trabalho.
Lamentavelmente, o governador Cláudio Castro preferiu tratar essa questão social como caso de polícia, mobilizando um grande contingente policial com o objetivo de expulsar os trabalhadores, mesmo sem nenhuma ordem judicial a favor da desocupação. Temendo atos de violência, as famílias preferiram se retirar das terras de forma pacífica.
Desejamos que as autoridades competentes reconheçam essa luta legítima e concluam nos próximos meses o processo de adjudicação da Fazenda Santa Luzia. Esta solução contemplará os princípios constitucionais da reforma agrária, garantindo às famílias o acesso à terra e promovendo um modelo de desenvolvimento rural mais justo e sustentável.”

Terras ocupadas pelo MST em Campos dos Goytacazes sofrerão adjudicação para serem usadas para reforma agrária

Mobilização teve a capacidade de fazer o governo Lula para acelerar o processo de reforma agrária da área – Foto: divulgação

Em um desdobramento bastante peculiar para os tempos que vivemos onde falta ousadia e coragem para enfrentar os descalabros cotidianos, a ocupação organizada pelo MST em uma fazenda de propriedade da falida Usina Sapucaia, o governo Lula decidiu usar o instrumento da adjudicação para criar mais um assentamento de reforma agrária em Campos dos Goytacazes.

Para quem nunca ouviu falar de adjudicação, este termo serva para designat “um ato judicial ou extrajudicial que consiste na transferência de bens de um devedor para um credor. O objetivo é quitar a dívida do devedor“. 

A boa nova foi publicizada em vídeo pela deputada estadual Marina do MST (PT/RJ) que se manifestou no início da noite de ontem sobre o resultado das negociações realizadas pelo movimento social com o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (ver abaixo).

O que me parece interessante nesse desdobramento tão rápido para algo que já se desenrolava há décadas, é que foi necessário que 400 famílias que demandam a execução da reforma agrária ocupassem uma das fazendas da Usina Sapucaia para que um ato que devia ser rotineiro, mas não é, fosse colocado em marcha para entregar terra para quem quer produzir alimentos.

O mais curioso é que neste município tão rico mas que possui uma massa de pessoas vivendo abaixo da linha da miséria, o que não falta é terra pronta para ser “adjudicada” em função das dívidas bilionárias que o setor sucro-alcooleiro possui com o Estado brasileiro. 

Não vamos nem falar nas dívidas tributárias e trabalhistas que as usinas falidas ainda devem para a União e seus ex-empregados. Afinal, apenas no caso da Usina Sapucaia, dados do portal Lista de Devedores do governo federal, apontam que a empresa acumula dívidas superiores a R$ 208 milhões, incluindo mais de R$ 90 milhões em débitos previdenciários não pagos aos trabalhadores.   No caso de Campos dos Goytacazes, bastaria dar uma olhada no estoque de dívidas existentes pela tomada de empréstimos milionários com o Fundo de Desenvolvimento do Município de Campos (Fundecam) que certamente já se identificariam milhares de hectares prontos para ser “adjudicados” e entregues para famílias pobres implantarem sistemas agrícolas voltados para a produção de alimentos.

Aliás, falando nas dívidas milionárias do Fundecam, talvez esse fosse o momento perfeito para os vereadores que assinaram a nota de repúdio contra a ocupação da Fazenda Santa Luzia decidirem criar uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para apurar de forma ampla, geral e irrestrita, o montante das dívidas existentes pelo setor sucro-alcooleiro com o município de Campos dos Goytacazes.  É que pau que bate em Chico, precisa bater primeiro nos Franciscos que devem bilhões aos cofres municipais.  Com a palavra os vereadores campistas, especialmente os que se dizem de oposição, mas valendo também para os que são claramente da situação!

Uma dica para começo da apuração é o caso da Usina Paraíso que em 2021 mereceu uma série de reportagens no Portal Viu que apurou uma situação para lá de estranha que envolvia personagens bem conhecidos na nossa cidade.

Em tempo: quem estuda a reforma agrária como eu estudo sabe que a sua realização representaria um salto para frente sem precedentes na história do Brasil.  Por isso, que o exemplo das famílias lideradas pelo MST possa resultar em muitas outras adjudicações. É que dívida para ser paga é o que não falta por estas bandas.