Caso Roberto Jefferson ganha ares de Atentado do Rio Centro

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O sargento Guilherme Pereira do Rosário morto na explosão acidental da bomba dentro de um carro Puma no estacionamento do Riocentro 

Recém-chegado à cidade do Rio de Janeiro e morando no Alojamento Estudantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), fui convidado por colegas para ir a um show musical que ocorreria no Rio Centro para celebrar o dia do trabalhador. Em meio à preguiça de ir tão longe e desconhecedor da noite carioca, resolvi ficar confabulando com os pernilongos naquele calourento 30 de abril de 1981.  Para minha surpresa, meus colegas voltaram contando um fato que depois entraria para a história do Brasil como o “Atentado do Rio Centro”.

O que hoje se sabe é que o episódio do Rio Centro foi um ataque terrorista conduzido por setores do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Rio de Janeiro  com o objetivo de incriminar grupos que se opunham à ditadura militar no Brasil e, assim, justificar a necessidade do seu aparato de repressão e retardar a abertura política que se encontrava em andamento.  O Caso do Rio Centro se tornou um exemplo emblemático do terrorismo de Estado praticado pela ditadura militar instalada em 1964, pois o plano dos militares envolvia a realização de uma série de explosões no Centro de Convenções do Riocentro, quando ali se encontravam 20 mil pessoas durante um espetáculo musical em comemoração do Dia do Trabalhador. 

Pois bem, quanto mais eu penso e ouço fontes que acompanham de perto o que aconteceu em uma pacata rua do município de Comendador Levy Gasparian está com toda cara de uma reedição farsesca do Atetado do Rio Centro. Só que agora no lugar de oficiais militares, temos a figura tragicômica de Roberto Jefferson, um político que literalmente se encontra em estado terminal.

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O ex-deputado federal Roberto Jefferson é um amigo íntimo de Jair Bolsonaro, e as fotos provam isso

O que ainda irá se apurar e a história irá registrar se refere ao que deu errado desta vez, já que no lugar de um bomba que explodiu no colo de quem a armava, as informações são de que uma granada foi lançada contra membros da Polícia Federal. 

Mas uma coisa é certa: algo não saiu de acordo com o planejado. Aqueles que viveram os dias seguintes após o Atentado do Rio Centro já sabem que isso terá consequências para a campanha de Jair Bolsonaro.

O caso Riocentro, Cambahyba e a luta pelo direito à verdade

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*Por Luciane Soares da Silva

Ao referir-se a morte do pai de Felipe Santa Cruz atual presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o presidente Jair Bolsonaro, desceu mais um degrau no caminho de infâmia. Despertou o repúdio em alguns de seus apoiadores públicos, intensificou o repúdio em outros tantos e não conseguiu outra classificação que não a de um tipo social cruel, covarde e mentiroso.

Este texto é escrito na cidade de Campos dos Goytacazes, onde está localizada a Usina de Cambahyba[1]. Hoje em escombros, a Usina  tem sido apontada como local em que corpos eram incinerados durante o regime militar, especialmente entre 1974 e 1975. Antes deste período, muitos opositores do regime tinham seus corpos enterrados em valas comuns ou atirados de lugares como o Alto da Boa Vista na capital. Suspeita-se que a opção por Cambahyba[2] tenha relação com um maior cuidado do Exército em relação à provas sobre o paradeiro dos desaparecidos.

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O ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, arrependeu-se das inúmeras mortes que praticou durante a Ditadura e arrependido, resolveu contar no livro Memórias de uma guerra suja (2012) detalhes dos anos de chumbo. Além disto, foram muitos os depoimentos dados sobre desaparecidos, torturas, mortes e as formas de atuação do Exército contra aqueles classificados como subversivos. Entre os casos pouco conhecidos das novas gerações, nascidas no período da redemocratização, um é especialmente pedagógico para que se compreenda até que ponto os militares poderiam ir para evitar a redemocratização no Brasil.

Em 30 de abril de 1981, no Riocentro, vários artistas participavam de uma comemoração pelo dia do Trabalhador. Aproximadamente 20 mil pessoas estavam presentes no evento e não ouviram a explosão. Em meio ao show com grandes nomes da música brasileira, uma bomba explodira no estacionamento. Outra,foi atirada em direção a miniestação elétrica e deveria  produzir queda de luz, causando pânico entre os presentes. Estranhamente, naquela noite a escala foi mudada, os portões estavam trancados. A terceira bomba, explodiria sob o palco. Atingiria artistas como Chico Buarque, Beth Carvalho, Fagner, Clara Nunes entre outros. Foi Gonzaguinha[3] que com voz trêmula e muito pausada, deu a notícia ao público presente sobre o que estava ocorrendo. Disse ele “pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar”. Até aquele momento pouco se sabia. A explosão da primeira bomba, de forma acidental, matou um sargento do exército e feriu gravemente um capitão. As demais não causaram dano mas se atingissem o objetivo, teriam matado um número grande de pessoas.

Desde então o caso Riocentro tem sido um dos eventos mais importantes para compreensão de nossa história recente. Podemos assumir como resultado das investigações, que o objetivo da ação era frear o processo de abertura do país. Responsabilizando a esquerda pelo atentado (placas com a sigla VPR[4] foram pichadas para incriminar a esquerda). O que poderia gerar um sentimento que justificasse a perpetuação do regime no poder. É possível relacionar os atentados com o uso de bombas praticadas pelo Exército Brasileiro e a instauração do Ato Institucional  número 5 (AI-5). E esta constatação contraria a tese de que foi a ação armada da esquerda que levou os militares ao endurecimento do regime. Alguns utilizam o conceito  de terrorismo de Estado[5] para compreender este período. Henry Kissinger, então secretário de Estado dos EUA, sabia desde 1974 como ocorriam no Brasil as ligações entre o Planalto e os porões da tortura. E sob o governo de Geisel, as execuções seguiram com critérios específicos, mas sob o comando do então ministro do Sistema Nacional de Informação, João Figueiredo.

Um mês depois do atentado no Riocentro, a CIA já contava com documentos que reforçavam a tese da participação de militares no atentado. As versões só vão sendo esclarecidas à medida que alguém quebra o silêncio. E certamente o ex-delegado Cláudio Guerra ocupa um lugar central no esclarecimento de fatos como a morte da estilista Zuzu Angel, os corpos incinerados em Cambahyba e a morte de Fernando Santa Cruz nas mãos do Estado Brasileiro. Além dos detalhes sobre as condições em que os corpos chegavam a Usina, Guerra transitava em todos os espaços de tortura. Espaços como o DOI-CODI, no qual seria assassinado o jornalista Wladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho. Ambos terão suas mortes classificadas como “suicídio”, com laudos de um mesmo médico. A famosa foto do suicídio foi uma das peças que colaborou para mostrar a crueldade do regime. A confissão do fotógrafo Silvaldo Vieira não deixa dúvidas: a cena estava montada e ele, praticamente da porta, teve de fazer a foto.  O que deixa claro que os alvos do DOI-CODI e do regime não estavam apenas entre os militantes considerados “perigosos” por participarem de ações armadas.

Retomando, o atentado do Riocentro, teria matado centenas de pessoas, além de artistas importantes de nossa música. Nossa história recente mostra que o desconhecimento destes fatos possibilitou a proliferação de manifestações pela volta da Ditadura. Instaurado o regime da pós verdade, não há freios para desconstrução diária feita pelo governo Bolsonaro. Ele alterna a negação da história (propositadamente) com uma pauta moral capaz de produzir confusão o suficiente para transformar o cenário político nacional em um emaranhado de mal entendidos. Enquanto isto, a Reforma da Previdência é votada.

Não há veículo de imprensa que desconheça a sanha odiosa do presidente. Hoje, ao tentar colocar sob os ombros da esquerda a morte de Fernando Santa Cruz, ele reeditou as atuações de grupos de extrema-direita. Ao usarem bombas e atentados para amedrontar a população, acreditavam ser possível deter a democracia e perpetuarem-se no poder.

O que faremos para deter a sanha de destruição e morte de um presidente que tem como marca de sua gestão a crueldade, a hipocrisia, e o desrespeito total aos direitos humanos?

Minha solidariedade a todos os familiares que não puderam velar seus mortos e que vivem o inferno de ter na presidência, um homem que de forma covarde, zomba da verdade diariamente.

[1] https://www.brasildefato.com.br/2019/03/15/no-rj-mpf-investiga-destruicao-de-usina-que-serviu-para-ocultar-corpos-na-ditadura/

[2] https://www.facebook.com/watch/?v=1043539819044612

[3] https://www.youtube.com/watch?time_continue=55&v=7aFjmZUYIUI

[4] http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/riocentro-atentado-do

[5] https://apublica.org/2018/10/atentados-de-direita-fomentaram-ai-5/

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* Luciane Soares da Silva é docente do Laboratório de Estudos sobre Sociedade Social e do Estado (Lesce) da Universidade Estadual do Norte Fluminense, e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

Justiça aceita denúncia do MPF contra seis acusados do atentado a bomba no Riocentro

Juíza reconheceu que crimes são contra a humanidade e imprescritíveis
A Justiça Federal aceitou na última terça-feira (13) a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro contra seis pessoas por envolvimento no atentado a bomba no Riocentro, em Jacarepaguá, no dia 30 de abril de 1981, durante a realização de um show para comemorar o Dia do Trabalhador. Com a decisão, pela primeira vez na história uma denúncia criminal relativa ao atentado no Riocentro será processada e irá a julgamento.
A partir da decisão, o coronel reformado Wilson Luiz Chaves Machado, o ex-delegado Claudio Antonio Guerra e os generais reformados Nilton de Albuquerque Cerqueira e Newton Araujo de Oliveira e Cruz respondem pelos crimes de homicídio doloso tentado (duplamente qualificado por motivo torpe e uso de explosivo), por associação criminosa armada e por transporte de explosivo. Newton Cruz responde ainda pelo crime de favorecimento pessoal. Já o general reformado Edson Sá Rocha responde por associação criminosa armada e o major reformado Divany Carvalho Barros por fraude processual. (Processo nº 0017766-09.2014.4.02.5101)
A juíza da 6ª Vara Federal Criminal, Ana Paula Vieira de Carvalho, considerou que os crimes denunciados pelo MPF não prescreveram por dois motivos: crimes de tortura, homicídio e desaparecimento de pessoas cometidos por agentes do Estado no período da ditadura militar configuram crime contra a humanidade; e, segundo o princípio geral de direito internacional, acolhido pelos Estados e por resoluções da ONU, os crimes contra a humanidade são imprescritíveis.
“A decisão, além de reafirmar o compromisso do Estado brasileiro com as normas do direito internacional, reforça a compreensão disseminada na sociedade brasileira de que os crimes cometidos na época da ditadura militar devem ser punidos. O Ministério Público Federal tem renovada confiança de que o Judiciário condenará os culpados”, afirmam os Procuradores da República do Grupo de Trabalho Justiça de Transição do MPF no Rio.
De acordo com a decisão da Justiça, o episódio, ao que tudo indica, seria “parte de uma série de crimes imputados a agentes do Estado no período da ditadura militar brasileiro com o objetivo de atacar a população civil e perseguir dissidentes políticos”. A Justiça Federal reconheceu ainda que “a prática de tortura e homicídios contra dissidentes políticos naquele período fazia parte de uma política de Estado, conhecida, desejada e coordenada pela mais alta cúpula governamental”.
Em sua decisão, atendendo a pedido do MPF,  a Justiça Federal determinou ao Exército Brasileiro que encaminhe as folhas de alterações dos denunciados e das testemunhas arroladas no prazo máximo de 10 dias, sob pena de ser expedido mandado de busca e apreensão.
Denúncia do MPF
Na denúncia feita a Justiça em fevereiro desse ano, o MPF, através do Grupo de Trabalho Justiça de Transição, apresentou novos documentos e testemunhas que permitiram a identificação de várias pessoas envolvidas no atentado a bomba no Riocentro, revelaram diversos codinomes de militares e civis e trouxeram elementos de prova novos. As investigações do MPF duraram quase dois anos e envolveram a análise de 38 volumes de documentos. Foram tomados depoimentos de 42 testemunhas e investigados, num total de 36 horas de gravação. Foram expedidos 86 intimações e 79 ofícios requisitando informações, além de três pedidos de cooperação internacional para França, Bélgica e Argélia. As investigações identificaram o envolvimento dos seis denunciados, além de outros nove envolvidos que já faleceram.
De acordo com as investigações do MPF, os denunciados planejaram minuciosamente o ataque desde de um ano antes até o dia do show, tendo praticado o crime com a participação decisiva de outros militares já falecidos. Para execução do atentado, a organização criminosa tinha um núcleo de planejamento e um núcleo operacional (também denominado “Grupo Secreto”).
O MPF pede que Wilson Machado, Claudio Guerra e Nilton Cerqueira sejam condenados a penas não inferiores a 36 anos de reclusão; Newton Cruz a pena de pelo menos 36 anos e 6 meses de reclusão; Sá Rocha a pena não inferior a 2 anos e 6 meses e Divany Barros a no mínimo 1 ano de detenção. O MPF requer ainda que os denunciados sejam condenados à perda do cargo público, com o cancelamento de aposentadoria, à perda de medalhas e condecorações obtidas e a pagar indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500 mil, a ser divido pelos denunciados